A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA IMAGEM DA POLÍCIA PELA IMPRENSA BRASILEIRA DURANTE O PERÍODO DA COPA FIFA BRASIL 2014

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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens

Robson Barbosa da Silva

A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA IMAGEM DA POLÍCIA PELA IMPRENSA BRASILEIRA DURANTE O PERÍODO DA COPA FIFA BRASIL 2014

Belo Horizonte 2015

Robson Barbosa da Silva

A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA IMAGEM DA POLÍCIA PELA IMPRENSA BRASILEIRA DURANTE O PERÍODO DA COPA FIFA BRASIL 2014

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagens.

Orientadora: Profa. Dra. Giani David Silva Área de concentração: Tecnologia e Processos Discursivos

Belo Horizonte 2015

Robson Barbosa da Silva

A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA IMAGEM DA POLÍCIA PELA IMPRENSA BRASILEIRA DURANTE O PERÍODO DA COPA FIFA BRASIL 2014

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagens.

___________________________________________________________________ Profa. Dra. Giani David Silva – CEFET-MG (Orientadora)

___________________________________________________________________ Profa. Dra. Dylia Lysardo-Dias – UFSJ (Banca Examinadora)

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Jerônimo Coura Sobrinho – CEFET-MG (Banca Examinadora)

___________________________________________________________________ Profa. Dra. Lílian Aparecida Arão – CEFET-MG (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 19 de dezembro de 2015.

AGRADECIMENTOS

A Deus. Obrigado por tudo, sempre. À professora Giani David Silva, orientadora da pesquisa, acolher este trabalho e,

desde o primeiro momento, guiar meus passos com maestria. Muito obrigado pela sua paciência, atenção e generosidade ao compartilhar seus conhecimentos. Saiba que conviver com uma profissional tão competente como você tem sido um privilégio e uma felicidade.

Aos professores Jerônimo Coura Sobrinho e Cláudio Lessa, do Posling/CEFET-MG,

a leitura crítica e cuidadosa do projeto de pesquisa que culminou nesta dissertação.

Em especial, ao professor Rogério Barbosa da Silva, meu irmão, e, desde sempre, uma inspiração para minhas conquistas acadêmicas.

Aos professores do Posling/CEFET-MG, o grande interesse e as sugestões que

ofereceram em diversos momentos do mestrado. Aos colegas do mestrado, as discussões e contribuições que ampliaram minhas perspectivas sobre a pesquisa.

Em especial, aos colegas Andrey Azevedo, Andreia Oliveira, Laura Alice, Érika

Cristina, Sara Oliveira, Leonardo Soares, Leonardo Morais, Josefa Aparecida e todos os outros, o companheirismo e a disponibilidade durante as atividades do

curso. A Sandra e aos demais funcionários do Posling, a atenção e as observações oportunas.

À minha grande amiga, capitão Denise dos Santos Gonçalves, grande incentivadora, parceira de vida acadêmica e profissional. Ao meu amigo tenente Júlio César

Sobrinho, incentivador incansável e sempre disposto a prestar auxílio, mesmo nas situações mais difíceis. A todos os meus amigos da gloriosa Polícia Militar de Minas Gerais, instituição operosa, que sempre fez e fará parte de minha vida.

À minha esposa, Luciana, sempre pronta a me apoiar nos diversos projetos, sempre

com uma palavra amiga e de incentivo. Às minhas filhas, Júlia e Isabela, minha grande motivação para seguir sempre em busca de objetivos maiores e melhores.

RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo analisar a construção discursiva da imagem

da Polícia pela imprensa brasileira durante o período da Copa Fifa Brasil 2014. O corpus de análise é composto por matérias publicadas nos jornais Estado de Minas, Folha de S.Paulo e O Globo, no período compreendido entre 12 de junho de 2014 a

11 de julho de 2014, quando diversas manifestações eclodiram por todo o país. Na ocasião, os embates entre a polícia e os manifestantes ocuparam a pauta da mídia

por vários dias. A presença dos “Black Blocs”, aliados aos atos de vandalismo e ataques às polícias, à imprensa e outras instituições sociais, fez com que as

opiniões se dividissem e até mesmo se conflitassem à medida que os fatos ocorriam,

uma vez que o papel das polícias nunca tenha saído do foco das pautas midiáticas. A análise tomou como partida a teoria semiolinguística de Charaudeau, passando

por uma reflexão sobre os imaginários sociodiscursivos, enveredando-se pelos estudos sobre a heterogeneidade (Maingueneau) e outras estratégias discursivas.

As análises mostraram que o processo de construção de uma imagem discursiva

passa por diversas estratégias, desde o emprego de citações em discurso direto e indireto, à reestruturação da narrativa de maneira não linear, entre outros. No

decorrer desta pesquisa, não localizamos nenhum outro estudo que abarcasse a

este mesmo objeto de pesquisa ou qualquer outro objeto semelhante e esperamos

que ela possa encorajar outros estudos sobre o mesmo objeto, além de proporcionar às instituições policiais e à mídia material uma reflexão sobre os possíveis efeitos que se pode produzir a partir do emprego de uma estratégia discursiva. Palavras-Chave: Mídia. Imagem. Imaginário. Polícia.

ABSTRACT

The present research has as goal to analyze the discursive construction of the image

of the police by the Brazilian press during the Fifa World Cup Brazil, 2014. The

Corpus consists of articles published in the newspaper Estado de Minas, Folha de São Paulo and O Globo, during the period from 12 June 2014 to July 11, 2014, when

several manifestations broke out throughout the country and clashes between police

and protesters occupied the media agenda for several days. The presence of "Black Blocs", combined with acts vandalism and attacks on policemen, the press and other organs meant that the opinions were divided and even conflicted as the facts

occurred, which meant that the role of Police has never left the central focus of media agendas. The analysis took as starting point the semiolinguistics theory of Charaudeau, passing through a reflection on the sociodiscursive imaginary of the

same author, embarking up by the studies on the heterogeneity of Maingueneau and other discursive strategies. The data showed that the process of building a discursive

image goes through various strategies, from the use of quotations in direct and

indirect speech, the restructuring of the non-linear narrative, among others. During this research, we did not find any other study involving the same resource object or any other similar object. Thus, we hope that it will encourage other studies on the

same subject, in addition to providing law enforcement institutions and the media materials that allow a reflection on the possible effects, which can be produced from the use of a discursive strategy.

Keywords: Media. Image. Imaginary. Police.

LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Capa do caderno “Gerais”, Estado de Minas, 13/06/14 ...................... 565

FIGURA 2 – Estado de Minas, 14/06/14 ................................................................. 654

FIGURA 3 – Estado de Minas, 15/06/14a ............................................................... 698 FIGURA 4 – Estado de Minas, 15/06/14b ................................................................. 70 FIGURA 5 – Estado de Minas, 19/06/14 ................................................................. 765

Figura 6 – Estado de Minas, 26/06/14....................................................................... 79 Figura 7 – Estado de Minas, 27/06/14..................................................................... 844

FIGURA 8 – Estado de Minas, 29/06/14 ................................................................. 876

FIGURA 9 – Folha de S.Paulo, 13/06/14 ................................................................ 932 FIGURA 10 – Folha de S.Paulo, 14/06/14 .............................................................. 987 FIGURA 11 – Folha de S.Paulo, 21/06/14 ............................................................ 1042 FIGURA 12 – Folha de S.Paulo, 28/06/14 ............................................................ 1076 FIGURA 13 – O Globo, 03/07/14........................................................................... 1131 FIGURA 14 – O Globo, 16/06/14........................................................................... 1186

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

Contextualização e justificativa ............................................................................. 10 Objetivos .................................................................................................................. 12

Geral ......................................................................................................................... 12

Objetivos específicos ............................................................................................. 12 1 MÍDIA E DISCURSO .............................................................................................. 13

1.1 Modo narrativo .................................................................................................. 20 1.2 Heterogeneidade ............................................................................................... 22 1.3 Postos, pressupostos e subentendidos.......................................................... 26

1.4 Do acontecimento à notícia .............................................................................. 28 1.5 Gênero da informação midiática ...................................................................... 30 1.5.1 Alguns gêneros .............................................................................................. 31 1.5.1.1 Entrevista ...................................................................................................... 31

1.5.1.2 Debate ........................................................................................................... 32 1.5.1.3 Reportagem................................................................................................... 33 2 IMAGEM E IMAGINÁRIOS .................................................................................... 34

2.1 Imagem ............................................................................................................... 35 2.2 Imaginário .......................................................................................................... 38

2.2.1 Efeitos discursivos......................................................................................... 41

2.2.1.1 Efeitos de verdade ........................................................................................ 41 2.2.1.2 Efeitos de realidade ....................................................................................... 42 2.2.1.3 Efeitos de ficção ............................................................................................ 42 2.2.1.4 Efeitos de patemização ................................................................................. 43

3 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS .................................................. 44 4 ANÁLISE DO CORPUS.......................................................................................... 52

4.1 Estado de Minas (13 jun. 2014)........................................................................... 52

4.2 Estado de Minas (14 jun. 2014)........................................................................... 61 4.3 Estado de Minas (15 jun. 14)............................................................................... 68

4.4 Estado de Minas (19 jun. 2014)........................................................................... 73 4.6 Estado de Minas (27 jun. 2014)........................................................................... 82 4.7 Estado de Minas (29 jun. 2014)........................................................................... 86 4.8 Folha S.Paulo (13 jun. 2014) ............................................................................... 90

4.9 Folha de S.Paulo (14 jun. 2014) .......................................................................... 96 4.10 Folha de S.Paulo (21 jun. 2014) ...................................................................... 101 4.11 Folha de S.Paulo (28 jun. 2014) ...................................................................... 106

4.12 O Globo (03 jul. 2014) ..................................................................................... 111 4.13 O Globo (16 jun. 2014) .................................................................................... 113 4.14 O Globo (26 jun. 2014) .................................................................................... 118 5 A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA IMAGEM DA POLÍCIA PELA IMPRENSA . 121 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 132 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 135 ANEXOS A – ESTADO DE MINAS ......................................................................... 137 ANEXOS B – FOLHA DE S.PAULO........................................................................ 144

ANEXOS C – O GLOBO ......................................................................................... 148

10 INTRODUÇÃO Contextualização e justificativa O senso comum vem definindo a mídia como um quarto poder, expressão

cunhada aproximadamente em 1830, tornando-se título de um livro do jornalista F. Knight Hunt, em 1950 (BRIGS, 2006). A expressão ganhou corpo ao longo dos anos

e, ainda hoje, continua sendo válida em função da divulgação de inúmeros eventos nos campos políticos e sociais nos quais a voz da mídia parece forte o bastante para determinar o destino dos envolvidos ou a solução final de determinados impasses do cotidiano. Ao atuar como difusora dos acontecimentos do dia a dia e dar voz aos

anseios e queixas das pessoas cujas aspirações não são atendidas, ou ao exercer o papel de instância denunciadora de desvios diversos ao qual o cidadão comum não

tem acesso, a mídia acaba por exercer uma influência tal que a designação de “quarto poder” parece ganhar corpo a todo instante.

Nesse contexto, percebemos a importância de se pensar as relações de

poder que circundam a mídia em geral, o que nos leva, nesta pesquisa, à análise da

construção discursiva da imagem da polícia pela imprensa brasileira durante o período da Copa Fifa Brasil 2014.

O período escolhido guarda relação com as manifestações ocorridas no

Brasil no ano de 2013, por ocasião da Copa de Futebol das Confederações –

manifestações que tinham como ator principal o Movimento Passe Livre, além dos movimentos “Não vai ter copa”, por melhorias na mobilidade urbana e saúde.

Por ser um período em que os “olhos do mundo” estavam voltados para o

Brasil e face à repercussão dos atos públicos ocorridos em 2013, o papel midiático reveste-se de maior relevância e representa uma oportunidade de se avaliar a

atuação dos veículos midiáticos sob um novo prisma, ou seja, sob a pressão social e econômica aliada à sua atividade primordial, que é informar.

Além disso, temos o papel do Estado, representado, nesta pesquisa, por

meio do papel da polícia, órgão responsável pela segurança pública, cujas ações são pauta constante da mídia. Por assim ser, a polícia precisa construir uma imagem

sólida para transmitir aos cidadãos credibilidade, legitimidade e representatividade. No entanto, nem sempre a imagem construída assemelha-se à imagem almejada

11 pela instituição. Primeiramente, pela constituição histórica da própria polícia; depois, pela especificidade de suas atribuições, as quais representam um obstáculo àqueles que cometem atos contrários à legislação. Por fim, existe o fato de que alguns

setores da sociedade veem a polícia apenas como força coercitiva do Estado, ou

como às vezes é definida, braço armado do Estado empregado para submeter a classe trabalhadora a todo tipo de desmando.

Finalmente, face poder simbólico exercido pelas mídias por meio do

discurso de informação, como afirma Martino (2003, p. 58), “a mídia escrita transmite a ideia de objetividade, contribuindo para a difusão de bens simbólicos e conteúdos ideológicos disfarçados em informação neutra”.

Quanto a esse poder, Charaudeau também se posiciona de maneira

clara, pois, para o autor, toda instância de informação exerce um poder de fato sobre seu interlocutor, uma vez que o discurso informativo guarda estreita relação com o imaginário do poder e do saber:

Toda instância de informação exerce um poder de fato sobre o outro. O discurso informativo não tem uma relação estreita somente com o imaginário do saber, mas igualmente com o imaginário do poder. As mídias constituem uma instância que detêm uma parte do poder social. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 62-63).

As relações entre o discurso informativo e o imaginário assumem um

importante papel no decorrer desta pesquisa, uma vez que, ao refletir sobre a construção da imagem discursiva das polícias, inevitavelmente abordaremos a questão do imaginário sociodiscursivo e os possíveis efeitos que se possam produzir.

Assim, pretendemos, ao final desta caminhada, poder demonstrar

algumas das estratégias discursivas utilizadas pela mídia para construir a imagem

da polícia, além de demonstrar as estratégias presentes em divulgação de notícias, apresentando ainda uma visão crítica sobre as apresentações de fatos pelas mídias. Esperamos também poder contribuir com as instituições policiais, auxiliando-as na compreensão dos mecanismos de construção de uma imagem discursiva,

possibilitando a adoção de estratégias discursivas que viabilizem a construção de

uma imagem favorável à instituição. Da mesma forma, esperamos poder contribuir com a imprensa, levando os profissionais da mídia a refletirem sobre os imaginários

12 sociodiscursivos e os seus possíveis efeitos, permitindo a estes decidirem sobre a utilização de algumas estratégias de acordo com o efeito visado. Objetivos Geral A partir da coleta de notícias publicadas nos jornais Estado de Minas,

Folha de S.Paulo e O Globo, no período compreendido entre 12 de junho de 2014 e

11 de julho de 2014, analisar a(s) imagem(s) da entidade social “Polícia” e os imaginários a ela relacionados no discurso de informação da imprensa brasileira, durante as manifestações, no período da Copa FIFA 2014 no Brasil. Objetivos específicos – Identificar quais as diversas estratégias discursivas utilizadas no tratamento do acontecimento1 e os seus meios de funcionamento;

– Enumerar os imaginários construídos e evocados a partir da divulgação de notícias em três periódicos brasileiros, Estado de Minas, Folha de S.Paulo e O Globo;

– Apresentar uma visão crítica sobre o discurso midiático nas suas

releituras dos fatos sociais, sobretudo no que concerne à atuação da polícia.

O acontecimento é definido ora como todo fenômeno que se produz no mundo, ora de maneira restritiva, como todo fato que está fora da ordem habitual. (CHAURAUDEAU, 2012, p. 95). 1

13 1 MÍDIA E DISCURSO O estudo das mídias vem ganhando cada vez mais espaço na

comunidade acadêmica e, mesmo com o crescente número de estudos sobre o

assunto, a temática não se esgota ou perde a relevância. Estudar as mídias significa

essencialmente pensar em linguagem, e a linguagem é constitutivamente opaca, daí o fascínio que a temática exerce sobre os analistas do discurso, uma vez que a

linguagem como ato de discurso levará sempre em conta os diversos sistemas de valores que comandam o uso dos sistemas de signos internos da linguagem e as

circunstâncias que envolvem o seu uso. “A linguagem não se refere somente aos sistemas de signos internos a uma língua, mas a sistemas de valores que

comandam o uso desses signos em circunstâncias de comunicação particulares. Trata-se da linguagem enquanto ato de discurso. ” (CHARAUDEAU, 2012a, p. 33).

Na atividade midiática, a linguagem é e sempre será condição sine qua

non para seu fim, que é informar. Se partimos da concepção de que a linguagem é uma atividade humana que se desdobra no teatro da vida social, a afirmação de que

não se produz informação sem linguagem ganha ainda mais credibilidade, pois conforme Charaudeau (2012a, p. 36):

A informação é pura enunciação. Ela constrói um saber e, como todo saber, depende ao mesmo tempo do campo de conhecimento que o circunscreve, da situação de enunciação na qual se insere e do dispositivo no qual é posta em funcionamento. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 36).

Como não poderia deixar de ser, a informação será sempre atravessada

por outros discursos e, é exatamente essa característica da opacidade e da polifonia do discurso na mídia que vem chamando a atenção de pesquisadores da linguagem, uma vez que, mesmo levantando a bandeira da objetividade e da imparcialidade, o

discurso midiático está longe de ser neutro. É por esse motivo que precisamos levar

em conta que comunicar2, informar, tudo é escolha, consciente ou não, mas não é

somente escolha de conteúdos, mas também da disposição tipográfica, da

abordagem do tema, da escolha lexical, das designações e até das estratégias

2

Charaudeau (2012).

14 discursivas, com a finalidade de produzir efeitos diversos que constituirão o discurso midiático. Sobre essas escolhas, vejamos o que diz Charaudeau (2012a):

Comunicar, informar, tudo é escolha. Não somente escolha de conteúdos a transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos de sentido para influenciar o outro, isto é, no fim das contas, escolhas de estratégias discursivas. (CHARAUDEAU, 2012a, p. 39).

Apesar das inúmeras possibilidades de escolhas e usos, a mídia sempre

se proclamará como instância objetiva e neutra, prestadora de um serviço social, que é informar. Mas objetividade e imparcialidade na atividade midiática sugerem um objeto utópico, já que a subjetividade dos envolvidos no processo de produção da informação estará sempre presente no produto final, que é a informação. Daí a

necessidade de a mídia se justificar sempre, reforçando o discurso de objetividade e imparcialidade.

Em nome da tão proclamada objetividade e imparcialidade, “rezam os

cânones do jornalismo que boa notícia é aquela que conta uma história da maneira

mais simples e completa possível3”, porém a atividade midiática é permeada pela subjetividade daquele que é encarregado de “contar a história”. Ademais, “toda informação retirada de seu contexto de origem e transportada para um outro é

suscetível de sofrer modificações que podem transformá-la em desinformação4”, o que certamente acarretará na ausência de objetividade.

Martino (2003, p. 59) acrescenta ainda que a “noção de objetivo do

jornalismo, sua imparcialidade, a imparcialidade das informações veiculadas e a

independência do repórter são rituais estratégicos provedores das garantias de que a mídia é um espelho da realidade”. No entanto, a atividade da mídia pressupõe

uma relação de reflexo da realidade e está longe de representar o mundo real, pois é uma realidade editada, uma vez que busca representar o mundo a partir dos interesses por trás da informação ou a partir da visão pessoal do indivíduo, no

processo de produção da notícia. Além disso, a produção de uma notícia passa por diversos níveis de filtros, os quais acabam por redundar em distorções da realidade que será apresentada ao leitor final. 3 4

Martino (2003, p. 54). Charaudeau (2012, p. 76).

15 Nesse sentido, Briggs e Burke (2006), em sua obra Uma história social da

mídia, já nos apontam que “a mídia precisa ser vista como um sistema, um sistema

em contínua mudança, no qual elementos diversos desempenham papéis de maior

ou menor destaque” (p.15). À medida que ocorrem as mudanças, a mídia não somente aperfeiçoa as estratégias discursivas que empregam na divulgação de notícias dos acontecimentos, como também parece ganhar maior relevância social,

ao se apresentar como fiscalizadora do poder público, veículo de transmissão de denúncias e outros papéis que desempenha cotidianamente.

Outro aspecto que não pode ser deixado de lado é o fator econômico, que

influencia a representação de uma realidade, uma vez que as exigências mercadológicas

impõem

às

empresas

jornalísticas

diferentes

perspectivas,

direcionando o foco para onde for mais conveniente economicamente. No entanto,

ainda que tenha que se render às exigências de mercado, a mídia conserva seu prestígio de definidor da opinião. “A empresa jornalística não perde sua prerrogativa

de inserir elementos da esfera privada na esfera pública, associando ao poder econômico ao qual está atrelada o poder – maior ou menor – de definição da opinião pública.” (MARTINO, 2003, p. 63).

Ao mobilizar a opinião pública, a mídia contribui para a difusão de bens

simbólicos e conteúdos ideológicos disfarçados em informação neutra, além de reforçar estereótipos, o que por si ultrapassa seu papel, que é o de informar.

A respeito do papel midiático, Charaudeau (2012a) acrescenta que a

finalidade da mídia é ambígua, pois, além de se apresentar como um organismo especializado que tem a vocação de responder a uma demanda social, a mídia

também se define por meio de uma lógica comercial, o que implica uma situação de concorrência em relação a outras empresas que se destinam à mesma finalidade. E é essa lógica por trás da concorrência que faz com que cada empresa jornalística

procure captar o maior público possível, o que leva ao emprego de estratégias de

sedução, que não atendem à exigência de credibilidade que lhe cabe na função social.

A credibilidade, como pressuposto do discurso de informação, baseia-se

em provar a veracidade dos fatos transmitidos, ou seja, a mídia tem que adotar estratégias que permitam criar o efeito de veracidade. No entanto, nem sempre o

emprego das estratégias discursivas pode garantir o efeito de veracidade de uma

16 informação. É nesse sentido que retomamos a afirmação de Charaudeau (2012a) de que as provas da verdade, ou melhor dizendo, da veracidade de uma informação

são, igualmente, da ordem do imaginário, isto é, são baseadas nas representações de um grupo social quanto ao que pode garantir o que é dito. Os saberes compartilhados por diferentes grupos sociais podem reverberar diferentes possíveis efeitos, inclusive, escapando a uma visada a que se propõe um discurso.

Apesar da subjetividade de um testemunho ou das possibilidades de

interpretação encerradas em uma imagem, uma das formas de se garantir a

veracidade das informações no discurso midiático é por meio de imagens, testemunhos, ou seja, encenações que permitam dar voz a especialistas,

autoridades, autores, vítimas etc., porém é necessário ter em mente que, assim

como uma imagem tem o poder de garantir a veracidade de uma informação, ela pode carregar em si significados polissêmicos, assim como a mensagem verbal.

A polissemia da imagem poderá, a partir desse fator, tornar-se, por um

lado, um elemento de dúvida, em vez de garantir veracidade e objetividade do

discurso midiático, produzindo efeitos nem sempre desejados, afastando-se da busca pela objetividade, pois é justamente a garantia de objetividade e a exposição

do fato, tal qual aconteceu, que garantem a credibilidade do jornal. Por outro lado, a credibilidade acarretará na legitimidade da instituição para exercer o seu papel

primeiro, que é informar. No discurso midiático, a legitimidade e a credibilidade

consistem em fazer crer que o dito é verdadeiro. A esse respeito, Martino (2003, p. 65) acrescenta que “a legitimidade da publicação tem sua origem na legitimidade construída da instituição”.

A afirmativa de Martino equivale dizer que, assim como o discurso não

pode ter autoridade, se não for pronunciado pela pessoa legitimada a pronunciá-lo, o papel de informar somente adquire o valor de verdade a partir da legitimidade da instância midiática.

A credibilidade e a legitimidade, porém, guardam estreita relação com

objetividade e imparcialidade, mas no quesito imparcialidade inúmeros desafios se impõem, pois, de acordo com Charaudeau (2012a, p. 131): “Não há captura de

realidade empírica que não passe pelo filtro de um ponto de vista particular, o qual constrói um objeto particular que é dado como fragmento do real. ”

17 O que se espera de um jornalista é que ele seja uma entidade abstrata,

produzindo cópias fiéis da realidade, porém até a apresentação do produto final de

uma notícia, a realidade passa por vários processos de reconstrução, seleção,

adaptação e edição, o que implica um distanciamento da realidade, pois a subjetividade dos indivíduos envolvidos em um processo de reconstrução de uma notícia estará sempre presente em um discurso, mesmo no discurso informativo.

Contudo, se informação é basicamente discurso e o discurso tem como

constituinte a palavra, o conceito bakhtiniano de que o sentido da palavra é

totalmente determinado por seu contexto se encontra plenamente alinhado ao

pensamento de que não existe a enunciação fora de um contexto social, assim como há tantas significações possíveis quanto contextos possíveis5. Para o autor, existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do

outro. O que equivale a dizer que o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está sempre presente no seu.

Fiorin (2008), afirma que um objeto qualquer do mundo interior ou

exterior se mostra sempre perpassado por ideias gerais, por pontos de vista, por

apreciações dos outros. O mesmo acontece à notícia, que estará permeada por pontos de vista, por apreciações ou ideias gerais. Apesar de ser em si um produto real – pode ser lida ou vista –, a notícia, ao mesmo tempo, é um símbolo, uma vez

que faz referência a algo exterior a ela. O texto é um referente, ou seja, refere-se a um fato sem ser o próprio fato, de onde se conclui que o jornal é um produto

ficcional, pois há a escolha do repertório léxico e simbólico usado na representação de um fato real.

Da mesma forma, existem tantas significações quanto contextos, o que

reforça a polissemia existente em um discurso. Outro aspecto que deve ser analisado é a maneira de dizer, pois que esta autoriza a construção de uma verdadeira imagem de si e, ao participar da eficácia da palavra, essa imagem tem o poder de causar impacto e suscitar adesão6.

Na atividade midiática, a adesão suscitada por Amossy (2014) é tratada

por Charaudeau (2012a) como visada de captação, a qual se baseia principalmente

na persuasão e na sedução. De acordo com o autor, na luta pela própria 5 6

Bakhtin (2014). Amossy (2014).

18 sobrevivência, em virtude da concorrência com os demais organismos de

informação, os veículos de informação se deparam com uma difícil missão, que é captar o maior contingente possível de adeptos, o que implica mobilizar a afetividade

desse público, desencadeando seu interesse e paixão ela informação. Porém, além da estratégia de seduzir o público consumidor de seus serviços, está a necessidade de mostrar-se crível, o que implica racionalidade.

No entanto, credibilidade e racionalidade são princípios que podem

conflitar, o que obriga a mídia a criar estratégias de encenação no intuito de equilibrar princípios tão conflitantes. Em meio a esse conflito, destacamos o

indivíduo por trás da notícia, denominado por Charaudeau como sujeito informante,

o qual se encontra preso às restrições impostas pelo contrato de informação. Ele se divide entre o seu projeto pessoal de descrição de um lado e de explicação do acontecimento do outro. Daí o grande dilema dos veículos de comunicação, e do

jornalista, encontrar o equilíbrio entre informar de forma isenta, por um lado, enquanto, por outro lado, desenvolvem estratégias para seduzir o seu público-alvo.

A atividade jornalística esbarrará nos mais diversos fatores, além de

buscar o equilíbrio entre as estratégias de credibilidade e de captação, haverá a questão da linguagem, parte irredutível da vida social e cuja constituição se dá na

mesma medida em que provoca consequências e efeitos sociais, políticos etc. Daí, a afirmação de Charaudeau (2012a, p. 63) de que “o discurso informativo não tem

uma relação estreita somente com o imaginário do saber, mas igualmente com o imaginário do poder, quanto mais não seja, pela autoridade que o saber confere”.

Essa relação entre os imaginários (saber e poder) emprestam à mídia um imaginário de poder que nos leva ao sentido de poder simbólico definido por Bordieu.

O poder simbólico do discurso é invisível, ou, conforme nos diz Bourdieu

(1998, p. 11), “as relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre,

relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material e simbólico acumulados pelos agentes”.

Bourdieu acrescenta ainda que os sistemas simbólicos exercem um poder

estruturante na medida em que são também estruturados. E a estruturação decorre

da função que os sistemas simbólicos possuem de integração social para um

determinado consenso e só se exercem se forem reconhecidos. Sendo a atividade

19 midiática, em sua natureza, atividade comunicativa, presume-se daí o seu poder simbólico, conforme se depreende da citação a seguir:

O poder simbólico como poder de constituir o, dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou transformar a visão de mundo e, desse modo, a acção sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico da mobilização, só se exerce se for reconhecido. (BOURDIEU, 1998, p. 14).

Na mesma medida, afirma Bourdieu que o poder simbólico não reside nos

“sistemas simbólicos”, mas na crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras. Na verdade, a crença a que se refere Bourdieu nasce principalmente do contexto sociocultural, o

que nos autoriza a dizer que, no caso da mídia, uma vez que se encontra sedimentado no imaginário cultural, o reconhecimento da instância midiática como

instância legitimada a difundir a informação, a notícia produzida a partir de algum fato acaba por tomar valor de verdade, daí o poder simbólico ao qual se referem autores como Charaudeau e Bourdieu.

No entanto, para que essa relação de poder seja exercida no discurso

midiático, algumas estratégias precisam ser empregadas na divulgação dos

acontecimentos, e é exatamente algumas dessas estratégias que tentaremos demonstrar ao longo desta pesquisa. Para tanto, em que pese levarmos em conta que o discurso midiático se compor de modos de organização narrativos, descritivos

e, em algumas circunstâncias, incluir o modo dissertativo, optaremos no capítulo

seguinte por tratar apenas do modo de organização do discurso midiático, o modo narrativo, por considerarmos sua predominância na atividade midiática.

20 1.1 Modo narrativo De acordo com Charaudeau (2012b, p. 151-152), a tradição escolar tem

tratado do modo narrativo, essencialmente, de três maneiras:

a) por uma prática de exercícios que consiste em redigir, sob forma escrita e numa situação de comunicação não autentica, um texto que é concebido para descrever ou contar acontecimentos; b) aos gêneros da história literária que se apoia em critérios de ordens diferentes (tanto de forma quanto de conteúdo); c) por uma pedagogia da explicação de texto que constrói o discurso argumentativo sobre uma narrativa literária [...] Explicação que deve tratar, ao mesmo tempo, da forma e do conteúdo.

Para o autor, há a necessidade de não se confundir gênero textual e

modo de organização do discurso, deve-se pôr em evidência os componentes e os procedimentos de um modo de organização cuja combinação deve permitir compreender melhor as múltiplas significações de um texto particular.

Quanto aos componentes da ordem narrativa, Charaudeau retoma a

busca por uma definição do termo “contar”. Para ele, contar não é somente descrever uma sequência de fatos ou acontecimentos, ou seja, para que haja uma

narrativa é necessário um “contador”, investido de uma intencionalidade; de querer

transmitir alguma coisa (certa representação do mundo) a alguém. Isto reunindo tudo aquilo que dará um sentido particular a sua narrativa. Assim, para ele, contar é uma atividade linguageira cujo desenvolvimento implica uma série de tensões e até mesmo contradições.

Charaudeau (2012b) esclarece-nos ainda que a narrativa é uma

totalidade, o narrativo um de seus componentes. A narrativa corresponde à finalidade do “que é contar”, e utiliza, concomitantemente, ações e qualificações, isto é, utiliza os modos de organização do discurso que são o narrativo e o descritivo, os

quais distinguem-se pelo tipo de visão do mundo que constroem e pelos papéis desempenhados pelo sujeito que descreve ou narra.

É exatamente o papel actancial desempenhado pelo sujeito no interior de

uma narrativa que nos chama a atenção nesta pesquisa. E é para entender o papel actancial do sujeito que utilizaremos de início a descrição utilizada por Charaudeau:

21 – o sujeito que descreve desempenha o papel de observador;

– o sujeito que narra desempenha essencialmente o papel de uma testemunha que está em contato direto com o vivido; com a experiência

na qual assiste a como os seres vivos se transformam sob o efeito de seus atos.

No intuito de desmistificar o papel actancial dos sujeitos na organização

da lógica narrativa, Charaudeau divide os componentes desta lógica em três tipos: Os actantes, que desempenham papéis relacionados à ação da qual dependem; os processos, que unem os actantes entre si, dando uma orientação funcional à sua ação; e as sequências, que integram processos e actantes numa finalidade narrativa segundo certos princípios de organização.

Para ele, no nível da língua, o actante é ligado mais ou menos

diretamente à ação. Em relação à hierarquização, os actantes narrativos

hierarquizam-se sob dois pontos de vista. O primeiro, sob o ponto de vista de sua

natureza, os actantes narrativos de base são actantes humanos, o que tem como consequência limitar o seu número em relação aos actantes de língua; de uma parte, há um actante que age, de outra, um actante que sofre a ação, e, em torno deles, gravitam circunstantes. O segundo ponto de vista é com relação à sua

importância na trama narrativa da história, na qual se pode distinguir actantes principais e actantes secundários quando a trama é construída em torno de polos de ação, com actantes satélites.

De acordo com os papeis exercidos, os actantes são divididos em duas

categorias: os agentes e os pacientes. Os primeiros são os responsáveis e os

executantes da ação. Os pacientes sofrem a ação, são aqueles que recebem a ação de maneira mais ou menos passiva, são afetados por ela ou são a ela submissos.

Acrescenta o autor que, se o actante é agente poderá agir na situação de

agressor, benfeitor, aliado, oponente ou retribuidor e sua ação poderá ocorrer de maneira voluntária, involuntária, direta ou indireta.

Se o actante é paciente, ele poderá sofrer a ação como vítima ou

beneficiário. Se actante-vítima, ele o faz por fuga, resposta ou negociação. Se o actante-beneficiário reage, ele o faz por retribuição ou recusa. Quanto à qualificação,

22 poderá ser positiva (prestígio, virtude, força etc.) ou negativa (desconsideração, vício, inabilidade etc.).

Para Charaudeau (2012b), o agente de uma sequência narrativa está

relacionado a uma intenção de agir (agente voluntário) ou a uma ausência de intenção (agente não voluntário).

Quanto ao agente voluntário, o actante é consciente de seu projeto de

fazer, é responsável por ele e age com conhecimento de causa. Já o agente não voluntário está sujeito a dois fatores, manipulação humana, quando o actante não

tem o projeto de fazer ou não é consciente do que motiva sua ação e nem das consequências desta, um outro actante humano o faz agir. O outro fator é a

manipulação sobre-humana, quando o agente não tem o projeto de fazer ou não é consciente do que motiva sua ação nem das consequências desta; ela age sob a

influência de um actante não humano que representa as forças naturais, tais como destino, fatalidade, acaso, pressão social etc. 1.2 Heterogeneidade Em sua obra Novas tendências em análise do discurso, apoiando-se nos

trabalhos sobre dialogismo de Bakthin e Authier-Revuz (1980), a qual reafirma o

caráter heterogêneo do discurso, Maingueneau (1997) retoma a questão da

heterogeneidade sob dois planos diversos, a heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constitutiva. Para ele, enquanto a heterogeneidade mostrada incide sobre as manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de

fatores de enunciação, a heterogeneidade constitutiva não é marcada em superfície,

mas por meio da formulação de hipóteses ou a partir do interdiscurso. Conforme Maingueneau (1997), os múltiplos fenômenos dependentes da “heterogeneidade

mostrada” vão bem além da noção tradicional de citação e mesmo daquela linguística, de discurso relatado (direto, indireto e indireto livre).

Em sua discussão sobre a heterogeneidade, Maingueneau retoma a

noção de polifonia de Ducrot (1987), para o qual a polifonia existe quando é possível

distinguir em uma enunciação dois tipos de personagens, os enunciadores e os locutores. Ainda, de acordo com o autor, por locutor, entende-se um ser que no enunciado é apresentado como seu responsável, isto é, trata-se de uma ficção

23 discursiva que não coincide necessariamente com o produtor físico (real) do enunciado. Enquanto o enunciador, para o autor, representa, de certa forma, frente

ao “locutor”, o que o personagem representa para o autor em uma ficção. Os “enunciadores” são seres cujas vozes estão presentes na enumeração sem que lhes

possa, entretanto, atribuir palavras precisas; efetivamente, eles não falam, mas a enunciação permite expressar seu ponto de vista. O locutor pode pôr em cena, em seu próprio enunciado, posições diversas da sua.

Para Maingueneau, é por meio da polifonia que se pode examinar o

fenômeno da pressuposição. Para o autor, uma das formas de análise polifônica é a negação, a qual pode conter em si duas proposições. Uma proposição primeira e uma outra que a nega, como demonstra Maingueneau (1997, p. 80) no exemplo: “este perpétuo peregrino, na verdade, não inovou completamente”.

Seguindo a análise do autor, no exemplo apresentado, o enunciado põe

em cena um “enunciador” que sustentaria o ponto de vista segundo o qual o Papa

inovou completamente. Enunciador constituído pelo texto e ao qual o leitor supostamente se identifica. Ainda de acordo com Maingueneau, as linhas precedentes do artigo impuseram pouco a pouco a ideia de uma revolução na

política do papado e a negação permite rejeitar a suposição de que o leitor ter-se-ia dela apropriado.

No entanto, para o autor, as manifestações mais clássicas da

heterogeneidade discursiva são os discursos direto e indireto. De acordo com o quadro polifônico de Ducrot (1987), o discurso direto se caracteriza pela aparição de

um segundo “locutor” no enunciado atribuído a um primeiro “locutor”. O uso das aspas, nos enunciados relatados em discurso direto, marca sua alteridade. É uma maneira hábil de sugerir o que se pensa, sem necessidade de assumir a responsabilidade pelo que é dito.

Maingueneau afirma ainda que a utilização do discurso direto agrega um

caráter de “verdade”, de “credibilidade” a um enunciado, “uma vez que não sou eu

quem o digo”, o que é verdade, o enunciado delimitado pelas aspas reproduz literalmente as alocuções citadas. A utilização do discurso direto demarca, assim, o

afastamento do locutor com o enunciado, não significa afirmar que toda palavra com

aspas se refira ao discurso direto. De acordo com Maingueneau, a utilização das aspas demarca também os sintagmas atribuídos a outro espaço enunciativo, cuja

24 responsabilidade o locutor não quer assumir. Para ele, às aspas, várias funções são atribuídas: de diferenciação, de condescendência, pedagógicas, de proteção etc. E é

exatamente por isso que é necessário um contexto para interpretar as aspas. A análise deve ser feita apoiando-se em índices variados, a significação da operação

da qual as aspas são vestígio. Maingueneau (1997) afirma ainda que as aspas constituem antes de mais nada um sinal construído para ser decifrado por um destinatário.

Ele acrescenta também que a heterogeneidade enunciativa não está

ligada unicamente à presença de sujeitos diversos em um mesmo enunciado. Ela

pode resultar da construção pelo locutor de níveis distintos no interior do próprio

discurso. Estabelece ainda que em um enunciado nem tudo é produzido sobre a mesma frequência de onda, o dito é constantemente atravessável por um

metadiscurso mais ou menos visível que manifesta um trabalho de ajustamento dos termos a um código de referência; que o metadiscurso se apresenta como um jogo

com o discurso, ele constitui um jogo no interior desse discurso. Como exemplo de uma formação metadiscursiva, Maingueneau nos apresenta a parafrasagem, a qual

aparece em Análise do Discurso como uma tentativa para controlar em pontos nevrálgicos a polissemia aberta pela língua e pelo interdiscurso. A heterogeneidade

enunciativa define uma rede de desvios cuja figura desenha a identidade de uma formação discursiva.

Segundo o autor, a inexistência de marcas claras, linguísticas ou

tipográficas da heterogeneidade implica sua reconstrução a partir de índices variados, tais como o discurso indireto livre e a ironia.

Em seu texto, Maingueneau afirma ainda que fora do contexto nada

permite conferir, com segurança, a um enunciado, o estatuto de discurso indireto

livre; isto está ligado à propriedade notável que possui de relatar alocuções, fazendo ouvir duas vozes diferentes e inextrincavelmente misturadas, já que o discurso indireto livre se localiza precisamente nos deslocamentos, nas discordâncias entre a

voz do enunciador que relata as alocuções e a do indivíduo cujas alocuções são

relatadas. O enunciado não pode ser atribuído nem a um nem a outro, e não é possível separar no enunciado as partes que dependem univocamente de um ou de

outro. Afirma também que, se o discurso indireto institui um jogo na fronteira entre o

discurso citado e o discurso que cita, a ironia subverte a fronteira entre o que é

25 assumido e o que não o é pelo locutor. Na ironia, o “locutor” coloca em cena um

“enunciador” que adota uma posição absurda e cuja alocução não pode assumir; esse distanciamento é marcado por diferentes índices: linguísticos, gestuais,

situacionais. É por meio do contexto que se pode recuperar os elementos contraditórios existentes na ironia. No entanto, apesar de ter como essência a

ambiguidade, a ironia é um fenômeno sutil, passível, portanto de análises divergentes.

Outra estratégia discursiva que estabelece a distância entre o locutor e as

falas pelas quais este não se responsabiliza, é a citação de autoridade, a qual pode

também marcar a adesão. É essa uma estratégia empregada pela mídia para tratar de acontecimentos ou assuntos que envolvem conhecimentos que necessitem de uma garantia de veracidade ou legitimidade. Por meio da citação de autoridade, o

“locutor” se apaga diante de um “locutor” superlativo que garante a validade da enunciação, como mostram várias matérias em que autoridades diversas são

citadas para validar uma afirmação que o veículo midiático não quer assumir como sua.

Fenômeno não menos importante da heterogeneidade é a imitação, que

pode assumir valores opostos: a captação e a subversão. Para Maingueneau (1997), quando um falante se apaga por trás do “locutor” de um gênero determinado de

discurso e mostra que o faz poderá pretender se beneficiar da autoridade ligada a esse tipo de enunciação ou arruiná-la. No primeiro caso, quando há “captação”, a imitação incide sobre a estrutura explorada e, no segundo caso, quando há

“subversão”, a desqualificação dessa estrutura ocorre no próprio movimento de sua imitação. Apesar de parecer próxima à ironia, a subversão mantém uma distância entre as duas fontes de enunciação, que ela hierarquiza.

Ao retomar, nesta pesquisa, a questão da heterogeneidade, o que se

busca é analisar a ocorrência tanto da heterogeneidade constitutiva, quanto da heterogeneidade mostrada nas matérias analisadas. As citações em discurso direto

ou indireto, o uso das aspas e outros elementos da heterogeneidade mostrada

levam a alguns possíveis efeitos, os quais buscamos entender se são empregados como estratégia discursiva ou de maneira intuitiva.

26

1.3 Postos, pressupostos e subentendidos Denominadas pelo senso comum como quarto poder, acusadas de

manipulação de informações e manipuladoras da opinião pública, as mídias convocam em sua defesa o direito do cidadão à informação e à imparcialidade como um dos seus princípios básicos.

No entanto, a imparcialidade tanto defendida pelas mídias não é algo que

se verifique apenas na superfície textual, pois, conforme afirma Charaudeau (2012a), a informação é uma questão de linguagem e a linguagem não é algo

transparente ao mundo. É essa opacidade da linguagem que nos leva a afirmar que

uma análise da linguagem deve levar em conta a língua em um ato discursivo, já que todo discurso é atravessado pelo discurso alheio, a língua é o reflexo das relações sociais estáveis dos falantes (BAKHTIN, 1992).

É o entendimento de que várias vozes compõem um discurso que nos

movimenta no sentido de discutir as estratégias discursivas empregadas pela mídia

nas matérias analisadas. A esse respeito, cabe-nos também recordar que o discurso é heterogêneo, e que essa heterogeneidade se divide em dois planos, a heterogeneidade

mostrada,

que

incide

sobre

as

manifestações

explícitas,

recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de enunciação, e a

heterogeneidade constitutiva, que não é marcada em superfície, mas que pode ser

definida por meio do interdiscurso, ou o que Ducrot (1987) chama de polifonia,

possibilidade de distinguir em uma enunciação dois tipos de personagens, os enunciadores e os locutores.

Ao discutir a heterogeneidade mostrada, Ducrot nos apresenta alguns

mecanismos polifônicos: ironia, pressuposição, negação, parafrasagem e discurso

relatado (discursos direto e indireto). Alguns dos mecanismos apontados são recorrentes no discurso midiático. A utilização do discurso relatado acarreta credibilidade à matéria noticiada.

Além disso, algumas outras estratégias textuais podem ser utilizadas para

demonstrar pressuposição, como o uso de marcadores textuais do tipo: (ficar,

27 começar a, passar a, deixar de etc.); atitudes, com o uso de marcadores do tipo: (felizmente, infelizmente, francamente, lamentavelmente etc.).

Ducrot (1987, p. 24), ao estabelecer a diferença entre pressuposto e

subentendido, afirma que “a detecção de pressupostos não está ligada a uma

reflexão individual dos falantes, mas está inscrita na língua”. Para o autor, o

pressuposto está inscrito na superfície do enunciado, sendo que as marcas linguísticas são visíveis ao destinatário.

Diferentemente, o subentendido resulta de uma reflexão do destinatário

sobre as circunstâncias da enunciação da mensagem e deve ser captado por meio

da descrição linguística, o que nos leva a uma afirmação de Ducrot (1987) de que o subentendido permite acrescentar alguma coisa, sem dizê-la, ao mesmo tempo em que ela é dita.

A utilização do subentendido é uma estratégia discursiva extremamente

eficaz, pois, conforme Ducrot (1987, p. 19): “Sempre poderei proteger-me por trás do

sentido literal de minhas palavras e deixar a meu interlocutor a responsabilidade da interpretação que delas faz”.

No discurso midiático, o pressuposto e o subentendido, de alguma forma,

são estratégias discursivas recorrentes, pois que a tão apregoada imparcialidade,

exigirá sempre do jornalista um posicionamento que ao menos sugira um efeito de distanciamento.

Precisamos, porém, reconhecer que um discurso sempre é atravessado

por outros discursos e, em um ato discursivo, esses far-se-ão sempre ouvir, mesmo

que essa não seja a intenção do enunciador. Assim, não há que se esperar que o discurso midiático, nas matérias analisadas nesta pesquisa sempre neutras.

Nesse diapasão, reportamo-nos a Bakthin (1992, p. 147), quando este

afirma que “Toda essência da apreensão apreciativa da enunciação de outrem, tudo o que pode ser ideologicamente significativo tem sua expressão no discurso interior”.

Daí, alguns cuidados deverão ser observados na Análise do Discurso. Por exemplo,

uma análise na superfície textual poderá sempre deixar de lado questões importantes, da mesma forma que não se pode abandonar de todo os aspectos

linguísticos, visto que esses podem nos fornecer pistas importantes para uma

análise acurada. E é com esses cuidados em mente que passamos à próxima seção.

28

1.4 Do acontecimento à notícia De acordo com Charaudeau (2012a, p. 94), a construção de um

acontecimento passa pela construção de sentido de um sujeito de enunciação que o

constitui em “mundo comentado”. Para o autor, o acontecimento nunca é transmitido à instância de recepção em seu estado bruto. A significação depende do olhar que

se estende sobre ele. O acontecimento é selecionado e construído em função de

seu potencial de “atualidade”, “de socialidade” e de “imprevisibilidade”. Para que um acontecimento exista, ele precisa ser nomeado, pois ele não significa em si só significa como acontecimento em um discurso. Para Charaudeau (2012a), um

acontecimento se torna notícia a partir do momento em que é levado ao

conhecimento de alguém. Para que um acontecimento seja considerado uma notícia, é necessário o caráter de novidade, deve ser proveniente de determinada fonte e pode ser tratada (CHARAUDEAU, 2012a).

Para Charaudeau (2012a), a comunicação midiática realiza-se de acordo

com um duplo dispositivo, o primeiro é a transformação do acontecimento em

notícia, o outro é o espaço de transação, no qual as duas instâncias (instância midiática

e

instância

receptora)

se

relacionam.

Essa

transformação

do

acontecimento bruto em notícia é um evento que acaba por ser contaminado pelo

olhar e pelas experiências de vida do sujeito envolvido na produção e divulgação da notícia. Essa subjetividade por trás da notícia encontra-se também atravessada por quatro princípios básicos:

a) princípio de pertinência (o que pode e deve ser dito); b) princípio de regulação (como deve ser dito);

c) princípio de influência (todo ato visa agir sobre o outro);

d) princípio de alteridade (o outro é coconstrutor do ato de comunicação).

29 Ao descrever os modos de organização do discurso de informação, o

autor acrescenta ainda que o acontecimento se constrói segundo três tipos de

critérios: de atualidade (a informação midiática deve dar conta que ocorre numa temporalidade coextensiva à do sujeito-informador-informado), de expectativa (a

informação midiática deve captar o interesse-atenção do sujeito alvo) e de

socialidade (a informação midiática deve tratar daquilo que surge no espaço público, cujo compartilhamento e visibilidade devem ser assegurados).

Charaudeau aborda ainda a maneira pela qual a instância midiática

procede à formulação de seu propósito, buscando categorias que permitem a todo

sujeito falante responder às questões do como descrever, como contar, como explicar e/ou persuadir. Tais categorias são assim definidas:

– relatar: o que aconteceu no espaço público, construindo um espaço de mediação denominado pelo autor “acontecimento relatado” (AR);

– comentar: o porquê e como do acontecimento relatado por análises e pontos de vista diversos mais ou menos especializados e justificar

eventualmente seus próprios posicionamentos. É o que o autor denomina “acontecimento comentado” (AC);

– provocar: o confronto de ideias, com o auxílio de diferentes dispositivos,

tais como as tribunas de opinião, entrevistas ou debates para contribuir para a deliberação social. O que o autor chama de “acontecimento provocado” (AP).

Charaudeau resume os modos discursivos do acontecimento midiático

por meio do esquema que apresentamos a seguir:

30

Fonte: Charaudeau, 2012a, p. 131.

1.5 Gênero da informação midiática Charaudeau (2012a) propõe a definição do gênero de informação

midiática segundo o resultado do cruzamento entre um tipo de instância enunciativa, um tipo de modo discursivo, um tipo de conteúdo e um tipo de dispositivo.

– Instância enunciativa: caracteriza-se pela origem do sujeito falante e seu grau de implicação. Essa origem é marcada pela maneira pela qual é identificado o autor do texto e pelo lugar da mídia onde está inserido.

– Modo discursivo: transforma o acontecimento midiático em notícia atribuindo-lhe propriedades que dependem do tratamento geral da informação. Conforme o autor, os modos discursivos organizam-se em

torno de três categorias: “relatar o acontecimento”, “comentar o

acontecimento” e “provocar o acontecimento”, o que permite destacar a reportagem

(acontecimento

relatado),

o

editorial

comentado) e o debate (acontecimento provocado).

(acontecimento

– Temático: constitui o macrodomínio abordado pela notícia. É

exatamente o tipo de acontecimento temático que permite fazer uma distinção nas mídias entre seção e rubrica. Enquanto uma seção procede

a um recorte do acontecimento em macrotemas correspondendo a

31 grandes áreas de tratamento da informação (“Política”, “Exterior”,

“Sociedade”, “Cultura” etc.), a rubrica corresponde à combinação de um

modo discursivo com tema particular que se situaria no interior de uma seção (Por exemplo: na seção cultura: cinema, teatro, artes plásticas

etc.). Para o autor, é da combinação entre modo discursivo e tema que se pode distinguir subgêneros. Assim, é possível diferenciar tipos de debate

segundo o tema, que pode estar ligado a um universo cultural, científico ou de sociedade.

– Dispositivo: o tipo de dispositivo diferencia os gêneros de acordo com o

suporte midiático (imprensa, rádio, televisão). O que permite distinguir, por

exemplo, uma entrevista radiofônica de uma entrevista televisionada pela simples presença da imagem nessa última e suas múltiplas incidências nos papéis desenhados por entrevistador e entrevistado. 1.5.1 Alguns gêneros 1.5.1.1 Entrevista Para Charaudeau (2012a), a entrevista caracteriza-se por ser uma

situação de troca linguageira em que entrevistador e entrevistado estão fisicamente

presentes diante do outro e tem alternância nos turnos de fala. Na verdade, essa troca ocorre mesmo que entrevistador e entrevistado estejam ao telefone. O gênero entrevista apresenta outros subgêneros, tais quais:

a) entrevista jornalística: entrevistador e entrevistado são ouvidos por um

terceiro-ausente, o ouvinte, num dispositivo triangular. Aqui, o papel do entrevistador é “procurar fazer falar seu convidado para revelar uma

verdade oculta”, já que seu papel consiste em fazer surgirem opiniões. Quanto ao entrevistado, seu papel consiste em um “tenho algo a dizer que concerne ao bem comum”.

b) Entrevista política: definida pelo seu propósito de concernir à vida

cidadã, e pela identidade do entrevistado. O convidado é um ator representante de si mesmo ou de um grupo que participa da vida política

32 ou cidadã, e que tem certo poder de decisão ou de pressão. Enquanto o

convidado não pode se permitir a dizer o que pensa, o entrevistador, por

seu turno, procurará tirar do convidado o máximo de informações e fazer aparecer as intenções ocultas deste.

c) Entrevista de especialista: o que a define é o propósito técnico

concernente a diversos aspectos da vida social, econômica e científica. Aqui, um especialista de reconhecida competência é convidado a responder questões técnicas, esclarecer um problema ou orientar o debate público sobre o tema tratado, cabendo ainda a ele simplificar sua linguagem para torná-la acessível a todos.

d) Entrevista de testemunho: define-se por sua característica de ser, ora o

relato de um acontecimento considerado suficientemente interessante para ser tratado pelas mídias, ora uma breve opinião emitida em relação

dos fatos da atualidade. O papel do entrevistado é o de testemunha, observador ou vítima do acontecimento objeto da entrevista. É um gênero

que se presume confirmar a existência de fatos e despertar a emoção, trazendo uma prova de autenticidade pelo “visto-ouvido-declarado”.

e) Entrevista cultural: neste gênero, o convidado, geralmente autor de obras publicadas, tem maior ou menor notoriedade, mas, de todo modo,

fica consagrado pelo fato de ter sido convidado. É gênero que se presume enriquecer os conhecimentos do cidadão.

f) Entrevista de estrelas: diz respeito à vida das personalidades do mundo do espetáculo. É um gênero que exibe à opinião pública uma série de apreciações emocionais visando a suscitar um “prazer culpado”. 1.5.1.2 Debate Da mesma forma, Charaudeau (2012a) afirma que o gênero debate reúne

uma série de convidados em torno de um animador para tratar de um determinado

tema e é completamente organizado e gerenciado pela instância midiática. De um ponto de vista visual, a encenação se faz num cenário montado e, principalmente o

debate televisionado, pode ser considerado mais uma máquina de fabricar espetáculo do que um gênero para informar o cidadão.

33

1.5.1.3 Reportagem Assim como nos gêneros anteriores, Charaudeau (2012a) esclarece que

a matéria jornalística trata de um fenômeno social ou político, tentando explicá-lo. A

reportagem deve adotar um ponto de vista distanciado e global, propondo ao mesmo

tempo um questionamento sobre o fenômeno tratado. Espera-se do autor de uma reportagem que ele esteja o mais próximo possível da suposta realidade do fenômeno, pois esse não faz parte da ficção. Espera-se também que ele demonstre imparcialidade.

Interessa-nos aqui o gênero reportagem, já que o corpus a ser analisado

é composto por matérias publicadas em três jornais impressos em circulação no país, são eles: Estado de Minas, Folha de S.Paulo e O Globo.

34 2 IMAGEM E IMAGINÁRIOS Discutir a criação da imagem discursiva perpassa pela discussão das

noções de imagem e imaginário, uma vez que essas noções que estarão subjacentes à criação de uma imagem discursiva. É exatamente por isso que

Charaudeau (2012a), afirma que é da junção de dois sistemas semiológicos – imagem e palavra – que nasce um produto apto a fabricar o imaginário para o grande público.

Adotaremos, de antemão, o posicionamento de que imagem é discurso e,

como tal, polissêmico e portador de poder simbólico capaz de reforçar estereótipos e outros saberes cristalizados no imaginário social.

Barthes (1990), ao discutir a relação imagem-texto, afirma que uma das

funções da imagem, em relação conjuntiva com o texto, é denotativa, de ancoragem.

Ainda, segundo o autor, os sentidos oriundos entre imagem e texto se

baseiam na “ancoragem”, processo que tenta fazer a língua fixar os sentidos dispersos pelo icônico, direcionando o significado com uma espécie de descrição denotada da linguagem.

Outra função apontada pelo autor é a de “relais”, função de

complementaridade da imagem sobre o texto, ou seja, a imagem deixa de ter valor meramente denotativo de explicação do texto e escapa para o terreno da conotação. As duas funções poderão coexistir em um mesmo conjunto icônico, porém haverá o predomínio de uma delas. Para o autor, quando a imagem tem um valor subjuntivo

(de fixação ou de controle), é ela que detém a carga informativa. As funções atreladas ao uso da imagem têm por finalidade provocar alguns efeitos, tais como efeito de realidade, quando se presume que o que está sendo transmitido é uma cópia fiel do mundo – a intenção do usuário é transmitir uma visão objetiva e tangível

do mundo; efeito de ficção, que ocorre quando o produtor usa da reconstituição de acontecimentos (narrativas dos fatos); e, por fim, o efeito patêmico, o qual, segundo Charaudeau (2007b), descreve uma situação a propósito da qual um julgamento de valor coletivamente compartilhado – e, por conseguinte, instituído em norma social –

questiona um actante que acredita ser beneficiário ou vítima, e ao qual o sujeito da

representação se encontra ligado de uma maneira ou de outra. Segundo o autor, a

relação patêmica engaja o sujeito em um comportamento reacional segundo as

35 normas sociais às quais ele está ligado, às que ele interiorizou ou às que permanecem nas suas representações.

As reflexões sobre imagem e imaginário passam por caminhos diversos,

mas podem levar a um efeito semelhante, ao se relacionarem com o texto. A

utilização das imagens como estratégia discursiva pelas mídias, principalmente a mídia impressa, nos leva a refletir sobre o assunto. É exatamente por isso que apresentamos a seguir um pequeno estudo sobre imagem e imaginário. 2.1 Imagem Barthes (1990) define imagem como representação; sua significação pode

ser intencional, assim como na publicidade, porém, na mensagem publicitária, os

significados devem ser transmitidos tão claramente quanto possível. Já Santaella

(1997) propõe que a imagem é um argumento, já que representa, do ponto de vista do conteúdo, não somente de forma proposicional, mas também constitui uma estrutura narrativa e argumentativa complexa.

Ainda na relação texto-imagem, Barthes (1990) propõe subjacente à

imagem, a existência de três mensagens: uma de natureza linguística, a qual poderá conter em si os sentidos de denotação e conotação, outra de natureza icônica, e

uma terceira formada pelos objetos reais da cena. Já os significantes podem assumir diferentes sentidos de acordo com a subjetividade de cada leitor / receptor de uma mensagem.

Santaella (1997), ao discutir a imagem como representação visual mental,

dividiu o mundo das imagens em dois domínios: o primeiro é o domínio das imagens

como representações visuais, no qual se enquadram os desenhos, pinturas, gravuras, fotografias etc.; o segundo é o domínio imaterial das imagens na nossa

mente, que engloba visões, imaginações, representações mentais, entre outras formas. Para ela, o conceito de imagem compreende também a imagem verbal e a imagem mental. É exatamente o domínio imaterial das imagens na nossa mente que

buscamos desenvolver ao longo desta pesquisa, embora o domínio das imagens

como representações visuais perpasse todo o desenvolvimento. Além do mais, ambos os domínios não existem separadamente.

36 Nesse sentido, Santaella (1997, p. 15) afirma que “não há imagens como

representações visuais que não tenham origem no mundo concreto dos objetos visuais”; da mesma forma, a cada ato de cognição há uma imagem mental como resultado. Isso nos remete a outra afirmação de Santaella (1997, p. 18), de que

“uma palavra representa algo para a concepção na mente do ouvinte [...]”, o que nos leva à teoria da enunciação de Benveniste (1989, p. 83), que ao se referir à enunciação faz a seguinte declaração: “cada enunciação é um ato que serve o

propósito direto de unir o ouvinte ao locutor por algum laço de sentimento, social ou de outro tipo”.

Uma mensagem poderá conter três mensagens: uma de natureza

linguística, a qual, para o autor, está presente em todas as imagens na forma de títulos, legenda etc.; uma de natureza icônica; e uma formada pelos objetos reais da cena e os significantes por esses mesmos objetos fotografados.

A mensagem linguística contém em si os sentidos de denotação e

conotação, e é o sentido conotativo que se relaciona `a imagem icônica. A relação é dupla: fixação e relais (complementação). A fixação ou ancoragem possui função

denotativa, ela ajuda a identificar os elementos da cena e a própria cena. Na ancoragem, o texto dirige o leitor por meio dos significados da imagem e o leva a considerar alguns deles e a deixar de lado outros. A imagem dirige o leitor a um

significado escolhido antecipadamente. O relais, porém, tem uma relação de complementaridade, isto é, as palavras, assim como as imagens, são fragmentos de

um sintagma mais geral, e a unidade da mensagem se realiza em um nível mais avançado. Barthes (1990, p. 37) acrescenta ainda que “a imagem denotada

naturaliza a mensagem simbólica, inocenta o artifício semântico, muito denso da conotação”.

Para o autor, a imagem é polissêmica e pressupõe, subjacente a seus

significantes, uma cadeia flutuante de significados, podendo o leitor escolher alguns

e ignorar outros. É essa polissemia que impede que as imagens veiculem a verdade, o que nos leva à assertiva de Santaella (1997, p. 213), de que “sempre que signos

possam ser usados para asseverar a verdade, também podem ser usados para enganar”. Tanto as mensagens verbais quanto as pictóricas devem ser interpretadas dentro de seu contexto mais amplo. Daí a importância da teoria semiolinguística de

Charaudeau para esta pesquisa, pois, assim como no discurso, a análise das

37 imagens leva em conta os aspectos contextuais e socioculturais para o

estabelecimento de um sentido possível, para buscar as “verdades” porventura intrínsecas nas representações de mundo elaboradas pela mídia. Santaella (1997, p. 23) acrescenta que

[...] a questão da verdade ou mentira nas imagens tem um aspecto semântico, um sintático e um pragmático. De um ponto de vista semântico, uma imagem verdadeira deve ser aquela que corresponde aos fatos que representa. De um ponto de vista sintático, deve ser aquela que representa um objeto e transmite um predicado sobre este. Do ponto de vista pragmático, deve haver uma intenção de iludir por parte do emissor da mensagem pictórica.

A atividade midiática emprega inúmeras estratégias discursivas para

alcançar os objetivos a que se propõe. Uma dessas estratégias é a utilização de

imagens, seja na função de fixação do conteúdo ou na função de complementação da mensagem, mesmo porque uma das formas de se garantir a veracidade das

informações no discurso midiático é por meio de imagens, testemunhos, entre

outros, porém, é necessário ter em mente que assim como uma imagem tem o poder de garantir a veracidade de uma informação, ela carrega em si significados

polissêmicos, e é essa polissemia que impede as imagens de serem veículos da

verdade, pois conforme afirma Santaella (1997), signos usados para asseverar a verdade também podem ser utilizados para enganar. “Sempre que signos possam

ser usados para asseverar a verdade, também podem ser usados para enganar. […] tanto as mensagens verbais quanto as pictóricas devem ser interpretadas dentro de seu contexto mais amplo. ” (p. 213).

É analisando as imagens e os aspectos contextuais e socioculturais que

as envolvem que buscamos o estabelecimento dos sentidos possíveis e as

“verdades” porventura intrínsecas presentes nas representações de mundo elaboradas pela mídia.

No decorrer desta pesquisa, percebemos que o emprego de imagens no

discurso midiático acaba por assumir funções intrinsecamente relacionadas com o imaginário, o qual passamos a descrever logo a seguir.

38 2.2 Imaginário Em seus estudos acerca dos imaginários sociodiscursivos, Charaudeau

(2007a) propõe que o imaginário é uma forma de apreensão do mundo que nasce

na mecânica das representações sociais, cuja significação é construída sobre os

objetos do mundo, os fenômenos que se produzem e/ou sobre os seres humanos e seus comportamentos.

Para o autor, é exatamente por se tratar de um processo de simbolização

do mundo de ordem afetivo-racional por meio da intersubjetividade das relações humanas que se depositam na memória coletiva, que esse imaginário pode ser qualificado como social, pois, de acordo com ele, a atividade de simbolização representacional do mundo se faz dentro de um domínio de prática social.

Charaudeau acrescenta que a linguagem está no centro da construção

individual e social do sujeito, o que permite que o imaginário seja qualificado como sociodiscursivos, uma vez que o sintoma de um imaginário é a fala.

O imaginário sociodiscursivo resulta da atividade de representação que

constrói os universos de pensamento, lugares de instituição de verdades, e essa construção se faz no meio da sedimentação de discursos narrativos e

argumentativos, propondo uma descrição e uma explicação dos fenômenos do mundo e dos comportamentos humanos.

Os imaginários são engendrados pelos discursos que circulam nos grupos

sociais, organizando-se em sistemas de pensamentos coerentes, criadores de

valores, desempenhando o papel de justificação da ação social e se depositando na memória coletiva.

Segundo Charaudeau (2007a), os discursos criadores de imaginário se

produzem dentro de um domínio de determinada prática social que desempenha um

papel de filtro axiológico; esse imaginário pode receber um valor positivo ou negativo, dependendo do domínio de prática no qual se insere.

De acordo com Charaudeau (2007a), os imaginários se estruturam em

saberes de conhecimento e saberes crença. Os saberes de conhecimento tendem a estabelecer uma verdade sobre os fenômenos do mundo. Verdade que repousa na

existência dos fatos do mundo e na explicação dos fenômenos que são colocados frente ao homem e postos à sua consideração, em uma relação objetivante e

39 enunciados desprovidos de toda subjetividade. Esse processo de construção de saber dá lugar a dois tipos de saberes: o saber científico e o saber da experiência.

Apresentamos abaixo um breve esquema da estruturação do imaginário, segundo Charaudeau.

ESQUEMA 1 – Construção do imaginário Imaginário

Saberes de conhecimento

Saber científico

Saber de experiência

Saberes de crença

Revelação

Opinião

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Charaudeau (2007a).

Para o autor, o saber científico, que está na ordem da razão da ciência,

constrói explicações sobre o mundo que se aplicam ao conhecimento deste tal como ele funciona. Ele está na ordem do provado. O saber de experiência, por sua vez,

constrói igualmente explicações sobre o mundo que se aplicam ao conhecimento do todo, mas sem nenhuma garantia de serem provadas. Esses saberes estão na ordem do experienciado e da experiência universalmente partilhada.

Já os saberes de crença, na visão de Charaudeau, não se relacionam

com o conhecimento do mundo no sentido que temos que atribuir a ele, mas com as

avaliações, apreciações, julgamentos a respeito dos fenômenos, dos eventos e dos seres do mundo, seu pensamento e seu comportamento. Os saberes de crença são

dependentes do olhar subjetivo que o sujeito coloca sobre os fenômenos. A crença

procede do olhar que o sujeito tem sobre a legitimidade dos eventos e das ações do homem. O saber de crença se encontra no sujeito, procede do sujeito e é portador

de julgamento. É do domínio do valor, que se caracteriza por ser uma atividade mental polarizada entre a razão de ser dos eventos e dos comportamentos e por um

40 posicionamento. Para Charaudeau (2007a), o processo de construção do saber de

crença dá lugar a dois tipos de saberes: o de revelação e o de opinião. Em síntese, as crenças fazem a regulação das práticas sociais, contribuindo para se validar

normas efetivas de comportamento e controlar a produção de discursos de avaliação

desses comportamentos, o que, por sua vez, contribui para a formação de normas ideais sobre o que se deve ou não fazer, sobre o que é o bem e o que é o mal.

Para Charaudeau (2007a), o saber de revelação supõe a existência de

um lugar de verdade exterior ao sujeito, porém essa verdade não pode ser provada

nem verificada; exige a adesão total do sujeito a ela. Adesão que se justifica na

existência de textos que testemunhem essa verdade mais ou menos transcendental. Há um caráter de sagrado que desempenha o papel de referência absoluta dos valores aos quais se quer aderir.

O saber de revelação é completamente fechado sobre uma evidência do

saber, e o discurso que o sustenta se apresenta sob a modalidade da evidência. Ele

recusa crítica e, frente a ela, só pode agir por anátemas, excomunhões ou outras formas de exclusão. Ao saber de revelação podem se atrelar as ideologias.

Quanto aos saberes de opinião, eles nascem de um processo de

avaliação do termo sobre o qual o sujeito toma partido e se engaja em um julgamento a respeito dos fatos do mundo. A opinião, conforme afirma Charaudeau (2007a), resulta de um movimento de apropriação, da parte de um sujeito, de um

saber dentre os saberes circulantes nos grupos sociais. Esse saber é, então, ao mesmo tempo pessoal e partilhado, e é por isso que não pode ser discutido.

No saber de opinião, todo julgamento é subjetivo enquanto depender de

ser partilhado, isso porque assume ao mesmo tempo uma função identitária. Ao

saber de opinião podem ser atreladas diversas categorias de opinião: a opinião comum, a opinião relativa e a opinião coletiva.

Enquanto a opinião comum tem um escopo generalizante, a opinião

relativa tem um aporte mais limitado, pois emana de um individuo ou de um grupo

restrito. Já a opinião coletiva é a que um grupo exprime a respeito de outro grupo. Consiste em confinar o outro grupo a uma categoria definitiva em seu essencial.

Na opinião comum, o sujeito não reivindica uma posição particular, ele se

apropria do julgamento da crença popular; a opinião relativa é, em seu fundamento,

crítica. É aquela que se exprime no espaço da discussão da democracia; por fim, na

41 opinião coletiva, o que está em questão é uma opinião de forte valor identitário, que não se discute e que essencializa um grupo.

Em seu artigo denominado Patemização na televisão, Charaudeau

(2007b), resume os saberes de crença, afirmando que:

I – as crenças são constituídas por um saber polarizado em torno de valores socialmente compartilhados;

II – o sujeito mobiliza uma, ou várias, das redes inferenciais propostas pelos universos de crença disponíveis na situação onde ele se encontra, o que é susceptível de desencadear nele um estado emocional;

III – o desencadeamento do estado emocional (ou a sua ausência) o

coloca em contato com uma sanção social que culminará em julgamentos diversos de ordem psicológica ou moral. 2.2.1 Efeitos discursivos No discurso midiático, saberes de conhecimento e saberes de crença, ao

serem evocados por meio das inúmeras estratégias discursivas, dão lugar a uma gama de efeitos, os quais destacamos a seguir. 2.2.1.1 Efeitos de verdade Charaudeau (2012a), ao diferenciar os efeitos de verdade e valor de

verdade, afirma que, se por um lado o valor de verdade se consubstancia por meio de uma construção explicativa elaborada com a ajuda de uma instrumentalização

científica, que se quer exterior ao homem, objetivante e objetivada, por outro, os efeitos de verdade surgem da subjetividade do sujeito em relação ao mundo, criando

uma adesão ao que pode ser julgado verdadeiro pelo fato de que é compartilhável com as outras pessoas e não existe fora de um dispositivo enunciativo de influência

psicossocial. O efeito de verdade é baseado em um saber de opinião, contrariamente ao valor de verdade, que é baseado em evidências.

42 2.2.1.2 Efeitos de realidade O efeito de realidade acaba por abarcar os efeitos de ficção e de verdade,

pois os efeitos visados são comuns entre eles. Nessa esteira, David Silva (2005), baseando-se em Machado (1996), explica que o efeito de realidade resulta de uma

convergência de índices que tendem a construir uma visão objetiva do mundo, sendo que esta visão deve fazer parte de um consenso social. Para autora, o efeito de realidade está marcado por índices que mostram a parte tangível do universo, da

qual o uso da imagem é um forte aliado da credibilidade que se dá à informação.

Outro índice seria a experiência partilhada, pois a partir dela podemos considerar algo verdadeiro se já vivenciamos algo semelhante. Acrescenta-se o efeito de saber, aliado do efeito de realidade e bastante comum numa narrativa jornalística. É esse efeito fator fundamental para expor autoridade e manter a credibilidade do jornal. De

acordo com David Silva (2005), a utilização desse recurso, ao mesmo tempo em que serve ao “efeito de realidade”, serve ao “efeito de patemização”, uma vez que esse

último visa a atingir o universo de crenças e valores e estes vão estar representados, quase sempre, nas falas das testemunhas. 2.2.1.3 Efeitos de ficção O efeito de ficção tem como uma de suas bases a reconstrução de um

fato a partir de uma experiência vivida, de uma recordação ou um relato de um fato ocorrido. De acordo com David Silva (2005), quando um jornalista procura juntar os

pedaços das informações que possui e constrói uma narrativa com início, meio e fim, como se fosse o todo dos fatos, ele está utilizando uma estratégia que buscará atingir esse efeito, mesmo que seja com o objetivo de dar conta da realidade. David

Silva ainda acrescenta que a narrativa factual tende a ser linear, com início, meio e fim. No entanto, quando utilizados recursos como o encaixamento, estamos olhando

para uma estrutura típica da narrativa de ficção. Para ela, “quando os actantes de um fato X são apresentados de forma arquetípica como heróis, vilãos, vítimas, ou

quando se evidencia o mistério, o insólito, tem-se uma ‘ficcionalização’ do real” (p. 71).

43 2.2.1.4 Efeitos de patemização Para Charaudeau (2007b), uma representação pode ser chamada de

“patêmica” quando descreve uma situação a propósito da qual um julgamento de valor coletivamente compartilhado – e, por conseguinte, instituído em norma social –

questiona um actante que acredita ser beneficiário ou vítima, e ao qual o sujeito da

representação se encontra ligado de uma maneira ou de outra. Para o autor, as

verdades construídas por esses efeitos não são verdades universais, mas dependem do universo de crenças e do estado emocional do interpretante. A

existência do mundo está condicionada ao olhar subjetivo lançado sobre ele, por meio de um processo de apreciação e avaliação. Quando ao discurso informativo, o

enunciador busca inserir o outro em um determinado universo de crença, o faz com

intuito de produzir um efeito reativo: aceitar ou não a avaliação proposta. O

interlocutor é levado a se posicionar, a entrar em um universo de cumplicidade ou a

recusá-lo. A relação patêmica engaja o sujeito em um comportamento reacional segundo as normas sociais às quais ele está ligado, as que ele interiorizou ou as que permanecem nas suas representações.

44 3 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS A pesquisa apresentada é de natureza qualitativa7, documental e consiste

na análise de notícias publicadas nos jornais Estado de Minas, Folha de S.Paulo e O

Globo, no período de 12 de junho de 2014 a 11 de julho de 2014, referentes às diversas manifestações ocorridas pelo país durante o período da Copa do Mundo de

futebol no Brasil, baseada na teoria semiolinguística de Patrick Charaudeau, na relação entre imagens e texto de Barthes e nas teorias de análise de imagens de Santaella.

Neste trabalho, o que se pretende é analisar os discursos empregados

pela mídia na divulgação das notícias alusivas às manifestações, as imagens geradas e utilizadas pelos veículos de notícias para produzir os efeitos desejados e, principalmente, os principais efeitos surgidos a partir dessas estratégias, tais como a

construção da imagem discursiva das polícias durante o período da Copa do Mundo de futebol no Brasil.

Assim como ocorreu em 2013, por ocasião da Copa das Confederações

no Brasil, sabemos que a realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil foi o mote para inúmeros grupos manifestantes, como os “Não vai ter copa”, por melhorias na mobilidade urbana, saúde etc. Da mesma forma, sabemos que todos

esses eventos foram acompanhados de perto pelos principais veículos de notícias do país e do mundo, motivo pelo qual delimitamos nosso corpus de pesquisa de 12

de junho de 2014 a 11 de julho de 2014, período compreendido entre o início e o final do evento mundial organizado pela Fifa, a Copa do Mundo de futebol.

Apesar da delimitação do período, outro desafio se colocou no

desenvolvimento desta pesquisa: o recorte das matérias a serem analisadas. É

exatamente por isso que nos reportamos a Hissa (2013), para quem a metodologia é um processo histórico e criativo que se vai fazendo desde o projeto. O autor

acrescenta, ainda, que, assim como é possível imaginar, no objeto de artesanato

criado, o pensamento e as mãos de quem cria, e o modo como o fizeram, a

Pesquisa qualitativa, caracterizada por FLICK (2009) pelo interesse por experiências, interações e documentos no contexto em que ocorrem naturalmente e, por isso, esse mesmo contexto é relevante para que se entenda o que está sendo estudado. 7

45 metodologia está gravada na pesquisa desde o projeto. Daí a importância de métodos de coleta e análise bem delineados.

Assim, tão logo definidos os veículos midiáticos (escolha efetuada

considerando a grande circulação de cada um deles nos seus respectivos Estados) e o período a serem analisado, o primeiro passo consistiu em catalogar as matérias

referentes à ação da polícia nas manifestações ocorridas no período delineado e

elaborar uma planilha, contemplando a existência de imagens, gênero, papel actancial e depoimentos. Inicialmente, foram catalogadas 31 matérias, conforme mostra a tabela a seguir:

TABELA 1 – Matérias

02

03

04

12/06

13/06

14/06

Estado de Minas Estado de Minas Estado de Minas

Estado de Minas

PM vai manter tática da

x

Copa.

Veto às Mascaras/

Polícia intimida ativistas no Rio. Livres

para

grupo

reduzido

deixa

x

x

x

x

x

X

x

de

rastro

destruição em BH.

de

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

Polícia pede seis prisões/ Grupo acusado de virar viatura [...] terá prisão

preventiva requerida [...]

x

x

Sob controle/ depois de

05

15/06

Estado de Minas

atos de vandalismo na quinta-feira, PM age com

rigor em protesto na Praça Sete

e

manifestação

x

x

x

termina sem registro de depredação. 06

18/06

Estado de Minas

Uma

Praça

dividida/

Savassi teve dia de festa e tensão com a alegria de milhares

de

torcedores

x

x

Não

Depoimentos

Sim

Paciente

Agente

Nota

Papel da Polícia

destruir/

vândalos surpreende PM e

Gênero Matéria

11/07

Matérias/ Manchetes

Não

Dia

01

Jornal

Sim

Quantidade

Imagens

46 brasileiros e estrangeiros e

o

protesto

de

manifestantes, que foram isolados

militares. Alerta

por

na

entrada

Mineirão/

07

19/06

Estado de Minas

policiais

diante

do

de

episódios de invasão de argentinos e chilenos sem ingresso

no

Maracanã,

PM reforça esquema de

x

x

x

x

x

x

x

x

segurança nos arredores

do estádio da Pampulha para o jogo de sábado.

PM manterá cerco em protestos/ 08

26/06

Estado de Minas

Decisão

judicial garante direito a

manifestação em BH, mas Tribunal de Justiça diz que não



restrição

‘envelopamento’,

09

10

26/06

27/06

Estado de Minas Estado de Minas

ao

usado

pela Polícia Militar [...] Cercos da PM a

protestos continuarão. (capa)

Liminar que restringia a ação da Polícia é

Suspensa. (capa)

x

x

x

x

x

x

x

x

Justiça garante ação da

11

27/06

Estado de Minas

PM/

magistrado

acata

recurso do Estado contra liminar ao considerar que protestos

não

podem

x

x

x

x

x

x

suprimir o poder da Polícia [...]. 12

13

14

15

29/06

03/07

Estado de Minas

Folha de São Paulo

05/07

Folha de S.Paulo

13/06

Folha de S.Paulo

PM cerca protesto outra vez/ tática do

envelopamento voltou a ser usada [...]

Polícia de São

x

x

Paulo

prende manifestante que

x

atacou loja de carros.

x

x

x

(capa)

Projeto aprovado proíbe

uso de máscara em atos

X

em SP.

Manifestantes apedrejam e viram carro da Polícia Civil em BH.

x

x

x

x

47 ‘Black blocs’ se infiltram em 16

13/06

Folha de S.Paulo

atos

e

enfrentam

Polícia em São Paulo/

protestos foram menores que

o

violentos,

esperado,

jornalistas

mas

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

da

CNN ficam feridas.

‘Não é você que vai 17

14/06

Folha de S.Paulo

mudar o mundo’, diz pai

ao filho ao retirá-lo de protesto violento/ PM se excedeu

ao

agredir

x

jovem diz Comandante. 18

19

15/06

Folha de S.Paulo

18/06

Folha de S.Paulo

Manifestantes são

detidos após cerco da

PM em Belo Horizonte. Festa da FIFA em São Paulo tem tumulto e

x

briga com PM

x

x

x

x

PM foi ingênua e vai

conter vandalismo, diz

Secretário em SP/ Chefe 20

21/06

Folha de S.Paulo

da Segurança da gestão Alckmin, Fernando Grella

afirma que não sabia da negociação

da

Polícia

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

com o MPL em protesto. (capa)

PM errou ao fazer

acordo diz Secretário/ 21

21/06

Folha de S.Paulo

Grella afirma só ter sido

informado após o protesto de que a Polícia manteve

x

distância do ato após pedido do MPL.

22

21/06

Folha de S.Paulo

Segurança do Maracanã

terá jovens recrutas/ serão 600 policiais ainda em

X

formação [...]

O PM e o Militante/ Os 23

28/06

Folha de S.Paulo

mineiros Steevan Oliveira e

Luiz

Fernando

Vasconcelos são amigos

x

em campos opostos num jogo de regras brutais.

24

30/06

Folha de S.Paulo

Irmão nega que ativista preso

tivesse

bomba/

Em rede social, ele afirma que

Fábio

Harano

faz

X

x

48 parte de Sindicato e não é ‘Black bloc’.

PM usa bomba para

dispersar torcedores/ 25

03/07

O Globo

confusão em São Paulo começou após grupo soltar rojões em comemoração. Segurança

26

14/06

O Globo

x

x

x

x

x

x

x

x

x

reforçada

dentro e fora do campo/

Polícia monitora homem que

x

pretenderia

salto em estádio.

x

fazer

PM prende jornalista da 27

16/06

O Globo

Globo que filmava prisão de

torcedor/

x

Manifestantes e PMs se enfrentam no Rio.

Pequenos protestos têm 28

18/06

O Globo

50 detidos/ No Rio dez manifestantes são

atingidas por spray de

x

x

x

x

pimenta da PM. 29

21/06

O Globo

30

26/06

O Globo

27/06

O Globo

31

Reforço no Maracanã PM TERÁ 600 SOLDADOS.

PM é proibida de cercar manifestantes em BH.

Derrubada liminar que proibia PM de cercar manifestantes [...].

x

x x

x

x

x

x

x

x

x

x

x

Fonte: Elaborada pelo autor.

Catalogadas as matérias referentes às manifestações ocorridas no

período delimitado, impôs-se a necessidade de procedermos um outro recorte; além

de estabelecermos métodos e processos de análise que nos guiassem,

parametrizando os trabalhos de pesquisa, buscamos no capítulo que trada do modo narrativo desenvolvido por Charaudeau (2012b), o embasamento teórico para

estabelecer e analisar o papel actancial da polícia, já que, de acordo com o autor, os modos de organização do discurso, narrativo e descritivo, se distinguem pelo tipo de

visão do mundo que constroem e pelos papéis desempenhados pelo sujeito que

descreve ou narra. Em Maingueneau (1997), buscamos elementos para discutir a heterogeneidade, a qual o autor analisa sob dois planos diversos, a heterogeneidade

49 mostrada e a heterogeneidade constitutiva. Por fim, Barthes (1990), para quem os

sentidos construídos com base em imagem e texto se baseiam na “ancoragem”,

processo que tenta fazer a língua fixar os sentidos dispersos pelo icônico,

direcionando o significado com uma espécie de descrição denotada da linguagem. Santaella (1997), a qual propõe que a imagem é um argumento, já que ela

representa, do ponto de vista do conteúdo, não somente de forma proposicional, mas também constitui uma estrutura narrativa e argumentativa complexa, nos

emprestou elementos indispensáveis para as análises de imagens, o que resultou na próxima tabela, apresentada a seguir:

TABELA 2 – Levantamento de dados

Estado de Minas Folha de S.Paulo O Globo Total

Levantamentos de dados Actante Depoimentos Gênero Agente Paciente Depoimentos Seca Matéria Nota

Sim

Imagem Não

7

4

10

2

10

2

10

2

4 3 14

8 4 16

7 2 19

4 5 11

7 4 21

4 3 9

9 3 22

2 4 8

Fonte: Elaborada pelo autor.

Apesar de ser uma pesquisa qualitativa, os números obtidos têm

relevância para o estabelecimento do corpus a ser analisado, composto de matérias que contemplavam, no título, a questão das manifestações e as ações policiais relacionadas a tais atos populares. Assim, para uma melhor visualização do levantamento, os dados numéricos da tabela foram transformados em um gráfico,

criado com a finalidade de nos permitir uma visão rápida e panorâmica dos três veículos midiáticos analisados, o que também nos permite a visualização das várias

estratégias discursivas que foram, já que este gráfico contempla os papéis actanciais da polícia, as diversas vozes presentes nas matérias e a relação texto e imagem.

50

GRÁFICO 1 – Análise qualitativa inicial

Fonte: Elaborado pelo autor.

Considerando que entre, os objetivos da presente pesquisa estão a)

identificar quais as diversas estratégias discursivas utilizadas no tratamento do

acontecimento; b) enumerar os imaginários construídos e evocados a partir da divulgação de notícias, em três periódicos brasileiros – Estado de Minas, Folha de S.Paulo e O Globo – e c) apresentar uma visão crítica sobre o discurso midiático nas

suas releituras dos fatos sociais, sobretudo no que concerne à atuação da polícia,

desenvolvemos um plano de trabalho, com base nos pressupostos sobre a construção de imaginários sociodiscursivos presentes nas teorias discursivas de

Charaudeau; nos estudos sobre ethos discursivo de Maingueneau (1997) e na relação texto-imagem de Barthes (1990).

Por fim, estabelecemos um roteiro de pesquisa com a finalidade nortear o

desenvolvimento da pesquisa, mostrando os caminhos a serem percorridos aqui, conforme apresentamos a seguir:

51 ESQUEMA METODOLÓGICO 02 MATÉRIAS JORNALÍSTICAS

REPORTAGEM

ETHOS DA POLÍCIA

IMAGINÁRIOS SÓCIODISCURSIVOS

ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS

HETEROGENEIDADE MOSTRADA

Discurso Direto

Discurso Indireto

ENCENAÇÃO VISUAL

MODO NARRATIVO

Papel actancial

Ancoragem

agente paciente EFEITOS DISCURSIVOS POSSÍVEIS

REAL

Fonte: Elaborado pelo autor.

PATÊMICO

FICÇÃO

complementarie dade

52 4 ANÁLISE DO CORPUS No presente capítulo, dedicamo-nos à análise do corpus, composto por

matérias de três dos jornais do país: Estado de Minas, Folha de S.Paulo e O Globo. 4.1 Estado de Minas (13 jun. 2014)

A matéria publicada pelo Jornal Estado de Minas de 13 de junho de 2014,

apresenta como título: “LIVRES PARA DESTRUIR” e subtítulo “Grupo reduzido de vândalos surpreende PM e deixa rastro de destruição em BH. Nem símbolos da

cultura, como cinema e biblioteca, foram poupados. Onze pessoas foram presas

(p.15)”. Aparentemente a narrativa propõe um relato sobre a ação de “vândalos” durante as manifestações ocorridas em Belo Horizonte, no dia 12 de junho de 2013.

A matéria segue, no entanto, por meio de um jogo discursivo que alterna o papel actancial da polícia, por dois eixos distintos, a cobertura do rastro de depredações

deixadas pelos “mascarados” e ação ineficiente da polícia para conter os atos de “vandalismo”.

O trecho inicial da narrativa cria no leitor a expectativa de que a ação dos

manifestantes mascarados é a tônica da matéria, porém com a utilização de algumas estratégias discursivas, uma nova perspectiva é apresentada, conforme

mostra o excerto a seguir: “Cerca de 70 mascarados espalharam pânico,

enfrentaram policiais militares e deixaram um rastro de destruição em Belo Horizonte, principalmente nas imediações da Praça da Liberdade. ” (E.M, 2014, p. 15, grifo nosso).

Algumas marcas linguísticas são importantes para percebermos a

estratégia utilizada pelo jornalista com o objetivo de produzir um determinado efeito

de sentido, conforme podemos perceber no excerto apresentado anteriormente. A narrativa inicia com o estabelecimento do quantitativo de mascarados (70

mascarados) que “espalharam pânico” e “enfrentaram policiais militares” (grifos nossos), deixando um rastro de destruição. Mesmo que, aparentemente, a

quantidade de mascarados seja explicitada para levar o leitor a um efeito de real,

vemos adiante que, ao frisar o efetivo policial disponibilizado para conter as manifestações, o jornalista demonstra a superioridade da polícia face aos

53 mascarados envolvidos no ato, o que possibilita ao leitor intuir que, apesar da

superioridade numérica, a instituição responsável por prover a segurança pública

não pode fazê-lo, mesmo deparando com um grupo reduzido de manifestantes. Ao

destacar o enfrentamento à polícia e o rastro de destruição, a narrativa acaba por reforçar um efeito de sentido sugerido logo na introdução da reportagem, que evoca o despreparo da polícia em lidar com situações supostamente previsíveis para o contexto sociopolítico em que ocorreram as manifestações.

A sequência da narrativa, alternando o papel actancial da polícia,

colocando-a como agente, pode provocar no imaginário do leitor uma espécie de

confirmação do despreparo, agregando a este o apelo à violência policial, conforme

se pode perceber no enunciado a seguir: “A PM acompanhou tudo de longe, revidando as pedradas dos vândalos com tiros de balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio” (E. M., 2014, p. 15).

A análise de alguns trechos demonstra que há, subjacente ao texto, o

posicionamento contrário às ações da polícia e deixam como possíveis

interpretativos “a inércia”, “A PM acompanhou tudo de longe [...]”, a qual sugere não só um despreparo, como também um possível descaso por parte da instituição policial; o apego à violência, “[...] revidando as pedradas [...] com tiros de balas de

borracha e bombas de gás lacrimogênio” (p. 15). Outro possível interpretativo que a

matéria deixa implícito é que a polícia “quando não tem competência” para solucionar um impasse, opta pelo uso da força como estratégia de controle.

Se, conforme Ducrot (1987), o aspecto argumentativo de um discurso

encontra-se frequentemente no que está implícito ou no que está subentendido,

parece-nos claro que a estratégia discursiva utilizada na matéria sob análise se apoia em um movimento entre o dito e o não dito, parecem ter como finalidade levar o leitor a uma abstração, principalmente sobre o papel actancial da polícia,

marcando uma posição até mesmo antagônica ao controle dos atos de vandalismo, conforme denominado pelo próprio veículo midiático.

É com a utilização de postos e pressupostos, pois, ao empregar uma

construção discursiva do tipo, “a impressão de quem viu de perto a ‘fúria dos vândalos’ é de que a polícia foi ‘pega de surpresa’” (p. 15, grifos nossos), exaltando

o papel de paciente da polícia que o autor da matéria vai tecendo no imaginário do leitor, uma imagem de uma instituição despreparada, conforme podemos ver no

54 corpo da narrativa. A expressão “pega de surpresa” traz como pressuposto o fato da polícia não estar preparada para o confronto, o que deveria ter sido previsível, pois

que, no ano de 2013, o país viveu uma intensa onda de manifestações, nas quais as

ações dos mascarados deixaram rastros de destruição por vários locais em que passaram. Outra estratégia discursiva empregada na narrativa foi a quebra de expectativa do leitor, que acostumado a ver entre os mascarados alguns estudantes,

membros de centrais sindicais e simpatizantes de alguns partidos políticos, entre outros, tende a se surpreender com a participação de médico, engenheiro etc. nos atos de vandalismo, conforme demonstra este outro trecho: “[...] depois da

destruição, 11 pessoas foram detidas (entre elas um médico, um engenheiro e uma enfermeira, suspeitos de virar uma viatura da Polícia Civil).” (p. 15). Ao chamar a

atenção para a participação de um médico, um engenheiro e uma enfermeira, a matéria evoca imaginários inerentes aos profissionais mencionados, já que no imaginário social, a imagem de médicos, engenheiros e enfermeiros está ligada a

credibilidade, seriedade e austeridade e as suas formações e atividades profissionais não combinam com a acusação de pertencerem a grupo de manifestantes “baderneiros” envolvidos em confrontos com a polícia e depredações.

Ao retomar a narrativa, agora cronologicamente, o jornalista dispõe

estrategicamente as informações sobre a manifestação ocorrida, de forma a reforçar

o efeito de sentido que pretende criar, inicialmente, como forma de contextualização, o autor da matéria dá a informação sobre a quantidade de manifestantes: “Segundo

a polícia, havia entre 800 e mil manifestantes, sindicalistas, membros de movimentos

sociais, de ocupações urbanas e estudantes” (p. 15 na sequência, ele acrescenta o quantitativo policial, “A PM tinha aparato numericamente superior, com 6 mil

militares, sendo 1,2 mil do Batalhão Copa” (p. 15). Porém, o jornalista não deixa claro se o efetivo de 6 mil militares estava todo ele empregado na contenção daquele ato que gerou as depredações.

A omissão da informação pode levar o leitor a subentender que apenas

70 mascarados enfrentaram um enorme contingente de policiais, surpreendendo-os e provocando inúmeras depredações na capital mineira. Assim como a sequência

parece querer justificar a ação dos mascarados, conforme se segue: “Os confrontos

só começaram quando os cerca de 70 jovens mascarados tomaram a dianteira dos protestos e avistaram um destacamento de policiais protegendo o relógio da Fifa

55 com escudos” (E. M, 13/06/ 2014, p. 15, grifos nossos). No fragmento, a proteção ao relógio da Fifa ganha status de inadmissível, portanto, justificável o ataque à instituição policial.

Por vezes, a narrativa parece retomar o que seria o direcionamento

apontado pela manchete; no entanto, a ação dos mascarados segue apenas como

pano de fundo para a matéria publicada, pois o que salta aos olhos é uma espécie de “ingenuidade” policial face ao um grupo organizado, que atua com um plano de ação definido, como se pode perceber no trecho a seguir:

A tática do grupo foi distrair os policiais queimando uma bandeira do Brasil na frente deles, enquanto outra parte dos mascarados reunia pedras e preparava bombas. Num instante, a bandeira que queimava foi baixada, uma bomba explodiu perto dos policiais e pedras começaram a ser lançadas pelos manifestantes. (E.M, 13/06/2014 p. 15, grifo nosso).

Ao exaltar a tática do grupo de mascarados e o resultado de suas ações,

a matéria evidencia que, se faltam condições à polícia para conter os manifestantes, a tática desta é usar a violência, a “polícia reagiu disparando balas de borracha e

bombas de gás lacrimogênio” (p. 15). Ao papel de agente da polícia, disparando balas de borracha contra os manifestantes, o jornalista autor da matéria contrapõe,

alternando o papel actancial da polícia e a estratégia dos mascarados, “[...] enquanto

parte dos vândalos jogava pedras nos policiais, outros se encarregaram da quebradeira [...]” (p. 15); no papel actancial de paciente, a polícia é mostrada como

inerte, impassível ou incapaz de reagir, marcas encontradas no texto narrativo, como nos mostra alguns enunciados tais como: “o Batalhão de Choque permaneceu

parado no entorno do relógio da Copa [...] enquanto metade dos manifestantes descia a João Pinheiro quebrando tudo [...]” (p. 15).

A inércia policial face aos acontecimentos que a notícia busca explorar

segue marcada na narrativa; os enunciados indicam que “a primeira depredação foi bem à vista dos policiais [...]” (p. 15). Contraponto interessante de ressaltar é a estratégia utilizada pelo jornalista que, após estabelecer, no início da matéria, o efetivo policial em 6 mil militares, agora, na alternância do papel actancial da polícia,

reforça a ação dos mascarados ao acrescentar: “[...] não havia policiais para conter

o ato. Até mesmo um carro da Polícia Civil, estacionado na porta do Detran foi alvo do vandalismo” (p. 15).

56 O ápice da ação do grupo de mascarados, tombar uma viatura da polícia,

é reforçada pela fotografia do momento do ocorrido. Porém, muito mais que registrar

um momento, muito mais que o efeito de ancoragem (BARTHES, 1990), agrega o efeito de relais, complementação da mensagem.

A imagem, além de ser indicial, ou seja, retratar a ocorrência do fato,

criando um valor de verdade, com a finalidade de dar credibilidade à notícia, traz em

si uma carga simbólica, sugerindo inação ou incompetência da polícia em conter atos de vandalismo, força dos vândalos quando organizados, o poder da sociedade contra o Estado etc.

FIGURA 1 – Capa do caderno “Gerais”, Estado de Minas

Fonte: Estado de Minas, 2014, p. 15.

A estaticidade da polícia frente aos atos de vandalismo tende a ser

reforçada na matéria, “[...] do outro lado da Avenida João Pinheiro, a polícia também

não conteve o quebra-quebra e acompanhava de longe quando os manifestantes começaram a descer a Bias Fortes” (p. 15); ao mesmo tempo, possibilita ao

leitor/destinatário a uma reflexão que permite acrescentar algo, mesmo sem dizê-lo,

isto é, por meio de um jogo discursivo que privilegia o subentendido, o jornalista

57 agrega à ideia de inércia, outro possível interpretativo, a morosidade, pois, ao afirmar que os militares precisaram se movimentar mais rápido para bloquear

cruzamentos, o sentido despertado no imaginário do leitor é que os policiais, no

momento do ato, não tinham a agilidade necessária para acompanhar a manifestação e bloquear os cruzamentos. A citação de que não havia bloqueios prévios mantém a ideia de despreparo:

Os militares precisaram se movimentar mais rápido para bloquear cruzamentos e tentar impedir que os vândalos se encontrassem com motoristas que circulavam por outras vias. Não havia bloqueios prévios porque essa rota não estava prevista pela PM. (E. M., 2014, p. 15).

Em alguns momentos, a narrativa alterna os papéis actanciais de agente

e paciente em uma mesma estrutura frasal, de forma que tanto a fragilidade da polícia, como o uso da força fiquem ressaltados: “[...] assim que os policiais eram avistados, os manifestantes atiravam pedras e os insultavam, sendo repelidos por

disparos de balas de borracha” (p. 15). O uso da força pela polícia é otimizado, exacerbando um sentimento cristalizado no imaginário social de que a polícia é

violenta: “[...] um dos manifestantes saiu mancando depois de ser ferido com um tiro na perna direita” (p. 15).

Apesar de a matéria estar relacionada às depredações ocorridas na

ocasião, o jornalista traz para a narrativa outro fato cuja função é engrossar as

críticas e legitimá-las, já que vai frisar a prisão de um homem, que foi puxado pela jaqueta e arrastado, sentado no asfalto, por ter xingado os policiais. Se o fato não é suficiente, a oração final tem a função de sedimentar no imaginário social um sentimento de vitimização da violência policial, vejamos a seguir:

Enquanto isso, um homem de identidade desconhecida, que xingava os policiais na esquina da João Pinheiro com Gonçalves Dias, foi detido por dois militares, que chegaram a puxá-lo pela jaqueta e arrastá-lo sentado no asfalto da Gonçalves Dias, em direção à Praça da Liberdade. Policiais usaram os cassetetes para bater em manifestantes que se aproximaram para tentar libertar o homem. (E.M, 13/06/ 2014, p. 15).

Ao afirmar que “[...] policiais usaram os cassetetes para bater em

manifestantes que se aproximaram para tentar libertar o homem” (p. 15), um dos possíveis interpretativos que a matéria sugere é uma comparação entre a inação da

polícia frente aos atos de vandalismo e uma ação excessiva contra pessoas de bem,

58 representadas pelos manifestantes e pelo homem arrastado pelos policiais. Efeito de sentido legitimado pela intervenção de um outro militar, superior hierárquico dos

militares, que liberou o homem, após avaliar a decisão destes e verificar a

inexistência de motivos para a prisão: “[...] o homem só foi liberado com a intervenção do tenente-coronel Alberto Luiz” (p. 15).

O efeito de credibilidade é solidificado pela intervenção de outro policial

que, segundo a narrativa, teria se indignado com a prisão do homem, “[...] ao ver a

cena, o inspetor da Polícia Civil Vander Marinho, de 51 anos, ‘revoltado’, anunciou

que daria voz de prisão aos militares que haviam detido o homem” (p. 15). Assim como na intervenção do tenente-coronel, o efeito de credibilidade para ganhar ainda

mais força se apoia no cargo exercido pelo policial civil. O designativo Inspetor gera

para a comunidade leiga um efeito de superioridade, ou seja, pessoa responsável por inspecionar as intervenções policiais. Como suporte a esse efeito, a narrativa

traz, em discurso direto, a fala do tenente-coronel Alberto Luiz, como se fosse uma justificativa à indignação do inspetor: “Calma. “‘Eu verifiquei, ele não está ferido, já o liberei. Avaliamos que ele não estava fazendo nada’, disse Alberto Luiz.” (p. 15).

Charaudeau (2012a) afirma que o discurso midiático não precisa revelar a

verdade, mas somente colocá-la em evidência num quadro de inteligibilidade acessível a um grande número de indivíduos. É exatamente no intuito de colocar em evidência a verdade, na visão midiática, que o jornalista, como estratégia discursiva,

a partir do discurso direto, dá voz a um representante da Comissão de Direitos

Humanos, o qual contribui com as críticas às ações da polícia: “[...] na avaliação do advogado Alexandre Silva, a polícia pouco fez para conter o vandalismo. Por outro lado, ele criticou o uso de balas de borracha contra manifestantes que estavam de costas” (p. 15). O efeito de verdade é reforçado com mais um relato, ainda na voz de

Alexandre, agora caracterizado pelo jornalista como membro de uma rede de

advogados de diversas frentes, inclusive da Comissão de Direitos Humano da OAB, “‘[...] uma menina foi atingida na nuca’, criticou Alexandre, que faz parte de uma rede de advogados de diversas frentes, inclusive da Comissão de Direitos Humano da Ordem dos Advogados (OAB)” (p. 15).

Outra estratégia discursiva utilizada na matéria em análise é a citação de

autoridade, em busca de adesão. É por meio da citação de autoridade que o “locutor” se apaga diante de um “locutor” superlativo que garante a validade da

59 enunciação. Na narrativa analisada, a citação de autoridade utilizada, além de

garantir a validade da enunciação, carrega também uma marca que pretende

demonstrar certa imparcialidade, pois dá voz àquele que é objeto da crítica, como demonstra o trecho a seguir: “[...] ‘a PM reagiu no momento em que foi agredida, em

que começaram a querer destruir os patrimônios públicos e privados. A PM não tem

como ficar estática’, explicou o tenente-coronel Alberto Luiz, chefe da comunicação do órgão” (p. 15).

A citação, ainda na matéria analisada, funciona como uma estratégia para

introduzir uma entrevista com um representante da Polícia Militar, o tenente-coronel

Alberto Luiz, chefe da comunicação social da Polícia Militar. A entrevista é iniciada sob o título destacado “Temos de reavaliar”, seguido da informação de que o oficial “defendeu a ação da corporação durante os protestos de ontem em Belo Horizonte” (p. 15).

Embora, a citação, em discurso direto, da fala do chefe da comunicação,

tenha, aparentemente, um viés de demonstrar a imparcialidade do veículo de

notícias, algumas informações veiculadas acabam por possibilitar uma interpretação que vai de encontro à posição adotada pelo oficial representante da instituição, conforme demonstra a fala seguinte: “‘[...] não podemos descer a (avenida) João

Pinheiro descendo a borracha em todo mundo’, disse. Ele admitiu, porém, que pode rever ‘prontamente’ a estratégia. ” (p. 15). O título dado à entrevista e a admissão da

possibilidade de rever a estratégia de ação da polícia podem produzir um efeito

perlocutório no momento em que o leitor interpreta como uma confirmação às críticas veiculadas na matéria sob análise.

Uma leitura atenta da matéria como um todo revela a intenção do chefe

da comunicação da polícia, isto é, reavaliar pontualmente a estratégia de ação, para que atos de vandalismo sejam contidos na totalidade. No entanto, ao extrair da fala

do oficial a oração, “temos que avaliar”, e apresenta-la como título da entrevista, o jornalista responsável acaba por adotar um posicionamento de que a polícia não

agiu como deveria no episódio das depredações. É o que pode inferir a partir da citação a seguir:

60 Temos que ser intelectualmente razoáveis numa ação dessa não podemos adotar uma medida que ultrapasse os limites da lei, como eles fizeram. Nós também não podemos descer a João Pinheiro descendo a borracha em todo mundo, atingindo pessoas inclusive que não têm nada com a ação criminosa. Não fomos brandos nem inertes. Fomos pontuais e dinâmicos, houve um equilíbrio. Temos que reavaliar pontualmente, atuar para que isso não volte a acontecer, para que eles nos respeitem e respeitem a cidade onde moram. (E.M., 2014, p. 15, grifo nosso).

De acordo com Ducrot (1987), o uso das aspas, nos enunciados relatados

em discurso direto, são marcas de alteridade. Ao evocar um locutor, no caso o

tenente-coronel chefe da comunicação da polícia, o jornalista responsável pela matéria atribui-lhe a responsabilidade do que é dito; é uma maneira hábil, de sugerir

o que se pensa, sem necessitar assumir a responsabilidade pelo que é dito. Dessa forma, ao evidenciar nas palavras do tenente-coronel a recorrência dos atos de vandalismo, em uma sequência, após questioná-lo sobre uma possível brandura por

parte da PM, o que a matéria sugere é que a estratégia de ação adotada pela polícia

não condiz com a natureza das manifestações, seja pela inércia, pelo despreparo ou pelos excessos pontuados em alguns momentos da narrativa, como se vê:

É recorrente o vandalismo e a depredação. A polícia pretende agir pontualmente, mas de forma enérgica, mantendo o equilíbrio, a razoabilidade e a proporcionalidade das ações. Tivemos depredações ao longo da João Pinheiro. Nós evitamos que a Praça da Liberdade fosse depredada. Fizemos duas apreensões, de um menor e uma adolescente, e prisão de quatro adultos em razão das depredações. (E.M., 2014, p. 15, grifo nosso).

Estrategicamente, logo após a fala do tenente-coronel Alberto Luiz, chefe

da comunicação da polícia, o jornalista acrescenta uma atualização da quantidade

de pessoas detidas pela PM, “[...] depois da entrevista, o total de prisões chegou a

11, com uma apreensão” (p. 15). Novamente dois possíveis efeitos se abrem ao leitor, o primeira no sentido de demonstrar que a polícia atuou prontamente após as

depredações. No entanto, o segundo possibilidade de interpretação pode ser vislumbrada, pois o grupo de mascarados, frisado ao início da reportagem, era de aproximadamente 70 indivíduos, enquanto o efetivo policial era infinitamente maior,

daí a prisão de apenas 11 manifestantes pode representar um número pequeno face ao rastro de destruição que os mascarados deixaram pelas ruas da capital.

61 Até mesmo a avaliação da tática utilizada pela PM, que o jornalista pede

ao oficial para explicar, pode conter argumentos que engrossem as críticas

presentes na matéria, desde que se adote o ponto de vista do narrador / primeiro locutor, conforme podemos ver a seguir:

“A polícia só pode agir quando a violação da lei for caracterizada. Não é que a

polícia tem que esperar para isso acontecer [...]. Não conseguimos evitar totalmente a

depredação. Podemos fazer muito, mas não podemos fazer tudo. ” (E. M, 13/06/ 2014, p. 15).

Como se vê, as marcas da heterogeneidade presentes no texto, a

polifonia, presente na articulação da narrativa, o emprego de postos, pressupostos e

subentendidos, são estratégias discursivas largamente utilizadas pelo jornalista para narrar os atos de vandalismo ocorridos durante a manifestação do dia 12 de junho

de 2014, de forma a marcar um posicionamento do veículo midiático, mesmo que a superfície textual busque demonstrar imparcialidade e criar um efeito de verdade, por meio das citações em discursos direto e indireto. 4.2 Estado de Minas (14 jun. 2014) A matéria publicada pelo Estado de Minas, em 14 jun. 2014, sob o título

“Polícia pede seis prisões”, inicialmente, provoca a expectativa de uma narrativa em

que o papel actancial da polícia na trama, toma o papel de agente, atuando de

maneira voluntária, como retribuidora de uma ação anterior, cujo papel era o de paciente. A veracidade é conferida à informação por meio da citação em discurso indireto, atribuindo a responsabilidade da fala à autoridade policial, representada pela delegada Gislaine de Oliveira Rios.

Seis manifestantes já identificados entre o grupo que virou a viatura da Polícia Civil na sede do Detran, durante a ação de vândalos que depredaram lojas e prédios no entorno da Praça da Liberdade, na tarde de quinta-feira, terão prisão preventiva pedida à justiça pela Polícia Civil. A informação é da delegada Gislaine de Oliveira Rios [...] (E.M., 2014, p. 16).

É a utilização do discurso indireto que também garante não apenas o

efeito de imparcialidade do discurso midiático, mas também a possa manifestação

62 de um posicionamento sem precisar dizê-lo. A estratégia garante ao jornalista a possibilidade de apresentar suas críticas à polícia de forma a não se comprometer com seu posicionamento. Vejamos o extrato seguinte:

Segundo a policial, imagens do ataque estão sendo analisadas, e outros envolvidos na violenta manifestação podem ser incluídos nos pedidos de prisão preventiva, entre eles Reinaldo Pires de Ávila, de 34 anos, que em setembro do ano passado já havia sido detido por incitação ao crime e desacato. (E.M, 14 jun. 2014, p. 16).

Segundo Rajagopalan (2003), a designação consiste no primeiro passo

que a mídia dá no sentido de influenciar a opinião pública a favor ou contra

personalidades e acontecimentos noticiados. Para ele, os termos escolhidos para se referenciar pessoas, coisas, fatos, objetos etc. são o primeiro prenúncio da intenção midiática.

No extrato acima, ao transcrever a fala da policial, o jornalista começa por

designar os atos praticados pelos mascarados como “violenta manifestação” e termina por citar que, entre os pedidos de prisão preventiva, está Reinaldo Pires de

Ávila, de 34 anos, que em setembro do ano passado já havia sido detido por incitação ao crime e desacato, o que sugere ao leitor a uma possibilidade de falha

da polícia ao monitorar os manifestantes, principalmente, aqueles já conhecidos pela sua participação em atos que culminaram em depredações, agressões etc. no ano de 2013.

Outra estratégia discursiva que nos garante o possível interpretativo é a

complementação da narrativa com a informação: “[...] os manifestantes estavam

sendo monitoradas pelo serviço de inteligência da Polícia Civil desde as primeiras horas da manhã de quinta-feira, segundo a delegada, o que facilitou a justificativa para o pedido de prisão preventiva” (p. 16).

Para reforçar o possível sentido pretendido, a narrativa traz de volta a

informação veiculada na tiragem de data anterior de que “[...] a depredação no

entorno da Praça da Liberdade foi praticada por um grupo de 70 mascarados” (p. 16); essa informação ao ser comparada com ao efetivo de 6 mil policiais, também

divulgada em data anterior, evoca e reforça no leitor um possível interpretativo de que a polícia, além de ineficaz, não foi competente para conter um número tão

reduzido de mascarados. Possível interpretativo que é reforçado por outra

63 informação que constrói para polícia um papel de “ineficiente” e “fraca” para lidar

com as adversidades, como bem se vê em: “[...] entre eles os que atacaram policiais e destruíram patrimônio público e particular” (p. 16).

Nessa mesma esteira, segue-se que a informação de que parte do grupo

de mascarados foi identificado pela reportagem do Estado de Minas agrega outros

sentidos, conforme nos demonstra a análise do trecho a seguir: “[...] a reportagem

do EM identificou black blocs, integrantes de movimentos sociais, ativistas de outros

estados e até membros de torcidas organizadas, como do Atlético” (p. 16). Um dos possíveis interpretativos a partir do extrato é que, se até a equipe do jornal Estado de Minas identificou alguns dos integrantes do grupo de mascarados, a polícia

deveria obrigatoriamente ter identificado todos os 70 indivíduos que participaram dos atos de depredação.

A esse interpretativo, o enunciador agrega outra informação que deixa

clara a ineficiência policial: a participação de pessoas conhecidas da cena cultural alternativa de BH, as quais a polícia também deveria ter reconhecido / identificado de pronto, inclusive tomando medidas preventivas, para se evitar as depredações e outros atos de vandalismo. “Entre os integrantes que comandavam as ações de depredação de edifícios e o enfrentamento com a polícia também estavam pessoas

conhecidas da cena cultural alternativa de BH, com participação inclusive em blocos carnavalescos. ” (E.M, 14 jun. 2014, p. 16).

Se, conforme Maingueneau (1997), a heterogeneidade enunciativa não

está ligada unicamente à presença de sujeitos diversos em um mesmo enunciado,

podendo também resultar da construção pelo locutor de níveis distintos no interior do

próprio discurso, a construção seguinte chama a atenção, primeiramente pelo

destaque dado ao subtítulo da matéria: “LOJISTA E MORADORES COBRAM SEGURANÇA”; depois, pela citação em discurso direto, em que a empresária Mariana da Silva Costa manifesta sua indignação com os atos de vandalismo e com a ação ou inação da polícia.

LOJISTA E MORADORES COBRAM SEGURANÇA [...] “Minha filha estava em casa, escutou vários estrondos e ficou em estado de choque. Os cacos de vidro se espalharam pela minha sala. ” A descrição foi feita pela empresária Mariana da Silva Costa, de 60 anos, sobre o pânico vivido pela filha [...] (E.M, 14 jun. 2014, p. 16).

64

O extrato seguinte mostra a veemência da crítica à polícia, face ao ataque

dos mascarados e é exatamente por meio do enunciado da empresária que o

jornalista expressa também o seu posicionamento sem, contudo, assumir a autoria da enunciação. “‘Não dá para ser assim. A polícia tinha que ter agido com mais

presteza’, reclama a empresária, no dia seguinte ao ataque de mascarados a agências bancárias e prédios públicos, comerciais e residenciais. ” (E.M, 14 jun. 2014, p. 16).

À mensagem linguística, a narrativa acrescenta uma imagem dos danos

patrimoniais causados pelos mascarados (imagem 2, p. 65). Sua função, certamente está longe de ser apenas ilustrativa, pois marca também um posicionamento na

narrativa, é o que nos afirma Barthes (1990) ao tratar sobre imagem, “[...] a fotografia implica um certo tratamento da cena (enquadramento, redução,

achatamento, etc.)” (p. 31). Entendimento que segue na mesma linha de algumas teorias do discurso, isto é, algumas escolhas discursivas apontam para um ou outro posicionamento do enunciador.

É exatamente por isso que podemos dizer que a Imagem é indicial, pois

registra os danos causados durante a depredação, mas, apesar do seu efeito de

fixação, apresenta também efeitos de conotação ou simbólicos, pois juntamente com

a mensagem textual remete à falha da atuação da polícia, a qual tinha por obrigação

conter os atos de vandalismo e prover a segurança da comunidade e do patrimônio público e privado.

65 FIGURA 2 – Estado de Minas

Fonte: Estado de Minas, 2014, p. 16.

Além da citação em discurso direto da empresária, a narrativa apresenta

outra crítica veemente, do presidente da CDL/BH, o qual, pela sua função na

Câmara de Dirigentes Lojistas, fala por toda a categoria. A estratégia utilizada é jogar luz sobre a indignação contra a ação / inação da polícia, reforçando as críticas com as citações em discurso direto, como se vê adiante:

O coro de indignação é reforçado pelo presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL – BH), Bruno Falci: “Até quando as autoridades vão permitir isso? Tivemos aqui um prejuízo moral. Vamos exigir dos órgãos de segurança pública um basta para esta situação. ” O prédio da CDL foi um dos mais depredados [...] E.M, 2014, p. 16).

O que a citação apresentada nos mostra é que Bruno Falci, em sua

indignação, chega a acusar a polícia de não ter agido para conter os atos de

vandalismo: “‘[...] precisamos de uma atitude severa, pois a polícia não agiu para

66 conter o vandalismo’, reclama Falci” (p. 16). A citação, além de reforçar as críticas

de inação do órgão policial, vai juntar-se a uma crítica, presente no discurso de manifestantes e dos veículos midiáticos, que é o uso imoderado da força para conter os atos de vandalismo.

Se as críticas de inação se opõem às críticas de rigor excessivo, a citação

do posicionamento da polícia, em discurso indireto, conduzirá o leitor a um possível

interpretativo de que o rigor será ainda maior, o uso da força poderá ultrapassar àquele já considerado excessivo, pois o subtítulo, destacado em caracteres maiores e em negrito, já o conduzirá a tal entendimento.

PM PROMETE MAIS RIGOR COM VÂNDALOS – a Polícia Militar garantiu ontem que não vai mais tolerar violência nas manifestações da Copa, como a de quinta-feira. A informação é do chefe da comunicação social da corporação, tenente-coronel Alberto Luiz. (E.M, 14 jun. 2014, p. 16).

Para Ducrot (1987), o subentendido resulta de uma reflexão do

destinatário sobre as circunstâncias da enunciação da mensagem e deve ser

captado por meio da descrição linguística. É por meio dessa reflexão que o leitor,

face às palavras do tenente-coronel chefe da comunicação da polícia, se vê diante de outro possível interpretativo, “'‘Já chega! Bandido a gente trata como bandido.

Vamos rever algumas estratégias e atuar com mais rigor’, disse” (p. 16). A exclamação “Já chega!”, também pode ser interpretada como uma confirmação às críticas à ação da polícia, assim como uma decisão de mudança de postura, a qual é

complementada por outra fala, “[...] o tenente-coronel considera que a polícia foi eficiente na quinta-feira, mas reconhece que não foi eficaz” (p. 16).

Além de utilizar a fala do oficial como estratégia para demonstrar a

ineficiência da instituição policial, principalmente empregando palavras como

“reconhece” para evidenciar que houve falhas na prestação do serviço ou, como, no excerto seguinte, em que a palavra “achando”, presentes na citação a seguir, além

do tom de crítica, sugere um efeito de ingenuidade ou de amadorismo por parte da polícia. A citação em discurso direto suscita ainda um possível viés de uso da força, muitas vezes entendido como violência, como forma de controle dos manifestantes: “[...] vamos usar balas de borracha, gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, tudo que for menos letal” (p. 16).

67 “A PM permitiu que manifestantes saíssem da Praça Sete e subissem para Praça da Liberdade, achando que se tratava apenas de manifestantes civilizados. Agora não podemos dar mais espaço a eles. A PM usará tudo que for preciso para conter a agressividade, a violência e o crime. Vamos usar balas de borracha, gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, tudo que for menos letal”, avisou. (E.M, 14 jun. 2014, p. 16).

A citação em discurso indireto da fala do tenente-coronel Alberto Luiz

serve também de base para que o primeiro enunciador, o jornalista responsável pela matéria, emita sua opinião sobre outra crítica importante de ser ressaltada, a

fragilidade da legislação para tratar alguns casos considerados crime, “Alberto Luiz criticou o que considera fragilidade das leis, pois os presos pela PM sempre voltam para as ruas, segundo ele” (p. 16):

“Fizemos prisões e duas apreensões agora, totalizando 18. E aí? Eles têm que ficar presos. A Polícia Civil está olhando as imagens e outras prisões serão feitas. Os vândalos serão todos monitorados”, promete o tenentecoronel, “vamos agir com firmeza, pois estamos indignados, do soldado ao coronel. Não quero voltar a dizer que esses bandidos prosperaram. Um capitão tomou uma pedrada no nariz. Policiais não são saco de pancada. Já chega! Se protestar pacificamente, é legal, eu estou ali para proteger, mas bandido a gente trata como bandido”, desabafou Alberto Luiz. (E.M, 14 jun. 2014, p. 16).

Alternando o papel actancial da polícia entre agente e paciente, a

narrativa segue também alterando as críticas à polícia entre ineficiente e violenta, a

narrativa vai construindo no imaginário social uma imagem cada vez mais estereotipada da polícia. A análise dos excertos demonstra que logo após sofrer os ataques dos mascarados, como nos mostra o trecho em que Alberto Luiz relata a pedrada no nariz de um capitão, a polícia reage efetuando a prisão de alguns

manifestantes. No entanto, a reação que estaria ancorada na legislação, acaba por ser marcada por relatos de agressão, como ressalta a matéria que trata da prisão da macapaense Karinny Magalhães.

ENQUANTO ISSO... JOVEM NEGA ATAQUE A VIATURA – A macapaense Karinny de Magalhães, de 19 anos, que está presa, transmitia a manifestação de quinta-feira, por um smartphone para o grupo Mídia Ninja e nega ter participado do ataque à viatura da Polícia Civil. Ela mora há poucos meses em BH. Na transmissão, a jovem aparece discutindo com policiais. (E.M, 14 jun. 2014, p. 16).

68 À citação da negativa da macapaense, segue o posicionamento do chefe

de comunicação da PM, que alega desconhecer as agressões físicas contra Karinny.

A citação segue, aparentemente, a estratégia de mostrar a imparcialidade da matéria, no momento em que dá voz ao acusado para que este apresente sua

defesa contra as acusações que lhe são imputadas. “Ontem, o chefe da

comunicação da PM, tenente-coronel Alberto Luiz, disse não ter conhecimento de qualquer agressão física a Karinny. ‘Cabe a ela procurar a Corregedoria da PM e abrir procedimento apuratório’, afirmou o Oficial.” (E.M, 14 jun. 2014, p. 16).

No entanto, a acusação parece ganhar status de verdade na narrativa no

momento em que o jornalista responsável vincula o relato ao depoimento que a

macapaense presta ao ministério público: “[...] em depoimento ao Ministério Público,

a jovem disse ter sido levada a um batalhão da PM e espancada por cinco policiais, quatro homens e uma mulher” (p. 16). Estratégia

reforçada

pela

citação,

em

discurso

indireto,

do

posicionamento do Comitê que representa os manifestantes, o qual julgou ilegal a

ação da polícia: “[...] em nota, o Comitê Popular dos atingidos pela Copa afirmou que a prisão é ilegal e que Karinny desempenha importante papel na comunicação alternativa em Minas Gerais” (p. 16). 4.3 Estado de Minas (15 jun. 14) A matéria publicada pelo jornal Estado de Minas, em 15 jun. 2014, inicia-

se com uma imagem aérea da Praça Sete, mostrando um pequeno grupo de pessoas ao centro e um cordão de isolamento da Polícia Militar no entorno. Essa

imagem tem como função primeira o registro do acontecimento, mas carrega em si inúmeros valores simbólicos.

69 FIGURA 3 – Estado de Minas

Fonte: Estado de Minas, 2014, p. 21.

Além de focar em uma faixa com os dizeres: “Unfair players – Fifa * Police

* Anastasia”, a imagem faz uma referência aos “desmandos” da Fifa durante o mundial ocorrido no Brasil e a subserviência dos diversos poderes ao capital econômico, representado pelo comitê de futebol. Além da crítica ao governo do

Estado, indicado pelo nome do governador Anastasia grafado na faixa, há outra contra a polícia, considerada pelos manifestantes como uma espécie de segurança

coordenada pela Fifa. Crítica que pode ser traduzida pela legenda no canto superior esquerdo da imagem, “Policiais fecharam quarteirões da Praça Sete e deixaram

caminho para Praça da Estação liberado: cinco adultos foram levados para a

delegacia, entre eles um homem com coquetel molotov” (p. 21). Esse ato foi considerado arbitrário pelos manifestantes, impedidos de seguirem pelas ruas da

capital, conforme frisou o Estado de Minas: “[...] manifestantes criticaram a estratégia da Polícia Militar de restringir o deslocamento do grupo a partir da Praça Sete” (p. 21).

A

matéria

apresenta

uma

sequência

das

reportagens

sobre

a

manifestação em 12 jun. 2014, quando um grupo de 70 mascarados foi acusado de

provocar vários atos de depredação pelas ruas e avenidas de Belo Horizonte, ocasião em que chegaram a tombar uma viatura da Polícia Civil.

Dentre as estratégias discursivas empregadas na narrativa, destaca-se a

utilização de imagens, seja com efeitos de legitimação, para criar o efeito de

70 verdade, ou como complementação da narrativa. Um exemplo é a imagem a seguir

cuja função primeira seria indicial, registrar o ocorrido, porém confere grau de destaque à notícia, além de também a função simbólica ou conotativa. É a partir de tal imagem que inúmeros possíveis interpretativos podem ser evocados. FIGURA 4 – Estado de Minas

Fonte: Estado de Minas, 2014, p. 21.

A imagem de apenas um manifestante frente ao grande contingente

policial pode demonstrar a desproporção de forças entre Estado (polícia) e

manifestantes (povo); pode mostrar também o idealismo contra a força, amor à

pátria contra autoritarismo, entre outros. A legenda, sob a foto, “jovem diante de militares durante protesto na Praça Sete: PM afirma que agiu para evitar tumulto e garantir segurança” (p. 21), remete intertextualmente a um fato célebre, retratado e

difundido pela mídia, de um jovem diante de tanques de guerra na Praça da Paz

Celestial, em 1989, na China. Um ato heroico de um jovem idealista, sozinho à

frente de uma tropa, não pode representar um risco de tumulto, em que pese à alegação da PM citada em discurso indireto.

A citação de que “a PM argumenta que agiu para evitar tumulto e garantir

a segurança no ambiente de protesto” (p. 21), além de uma possível intenção de agregar um viés de imparcialidade ao discurso, é também uma das formas de se garantir a veracidade das informações, a qual para Charaudeau (2012a) se dá no discurso midiático por meio de imagens, testemunhos etc.

71 Porém,

devido

ao

dialogismo

que

atravessa

todo

discurso,

a

imparcialidade pode se tornar uma utopia, uma vez que ao empregar na narrativa

uma citação do tipo, “[...] a PM persiste cerceando o direito de ir e vir, apesar do

caráter integralmente pacífico da manifestação dos mais diversos grupos que se encontram na Praça Sete” (p. 21), podemos afirmar que há na assertiva um juízo de valor,

um

posicionamento

“envelopamento”8

do

empregada

veículo

pela

midiático

polícia

para

acerca conter

da

os

estratégia

do

manifestantes.

Posicionamento que pode ser interpretado por meio da citação em discurso direto da

Assembleia Popular Horizontal, “‘[...] pedimos solidariedade com os companheiros

cercados’, afirmou, por meio de nota divulgada nas redes sociais, a Assembleia Popular Horizontal de Belo Horizonte” (p. 21). É uma espécie de apelo, também do veículo midiático, à comunidade para apoiar o grupo de manifestantes contra a polícia, o que pode ser visto na citação, em discurso indireto, em que os advogados de um grupo que presta apoio jurídico aos manifestantes, criticam o órgão policial: Excerto 01:

Advogados que integram a Frente Única de Suporte Jurídico aos Manifestantes criticaram as prisões ocorridas no entorno da Praça Sete. O grupo considera que houve excessos e prometeu um relatório de cada caso. “Isso é uma coisa típica de um estado de sítio. O próprio cerco da Praça é inconstitucional”, opina o advogado Alexandre Silva. (E.M, 15 jun. 2014, p. 21).

Dentre as críticas atribuídas ao grupo, destaca-se a citação, em discurso

direto, de uma fala do advogado Alexandre Silva: “Isso é uma coisa típica de um

estado de sítio” (p. 21), ou o julgamento de inconstitucionalidade do cerco da Praça onde se encontravam os manifestantes. Esses tipos de citações funcionam como estratégias discursivas que reforçam os estereótipos de polícia despreparada e arbitrária, principalmente, diante do julgamento de ilegalidade da tática policial

adotada para conter os manifestantes, mesmo que a polícia tenha considerado legal e satisfatória a estratégia do “envelopamento”, conforme demonstra os trechos abaixo:

A técnica do “envelopamento” empregada neste texto refere-se à designação dada aos cercos aos manifestantes, efetuados pela Polícia, de forma a conter possíveis atos de depredação. 8

72

Excerto 02:

O tenente-coronel Alberto Luiz, chefe da comunicação social da PM, classificou o trabalho como satisfatório, garantindo que o objetivo foi permitir que quem quisesse ir às ruas para vocalizar as insatisfações pudesse fazêlo com segurança. “Em momento algum a PM deixou de garantir o direito de ir e vir das pessoas. É importante lembrar que esse direito não é absoluto e deve respeitar os demais moradores da cidade”, afirmou. [...] “Estamos endurecendo nossas ações e isso não é arbitrariedade nenhuma. O caminho a ser escolhido daqui para frente pode ter alguns ajustes, mas o objetivo continua sendo manter a paz”, concluiu. (E.M, 15 jun. 2014, p. 21).

Ao analisar os dois excertos, o leitor verá que a narrativa jornalística se

apoia em dois aspectos: no excerto número 1, o julgamento da polícia que o trabalho desenvolvido durante a manifestação foi satisfatório ao conseguirem impedir que

houvesse depredações ou outros conflitos, “garantindo” o direito de vocalização das insatisfações das pessoas. No excerto 2, a citação evidencia o endurecimento das

ações policiais, “estamos endurecendo nossas ações”, o que pode levar ao entendimento que a “real” satisfação está em reprimir as manifestações, o que

contradiz a informação de que o objetivo da polícia é garantir os direitos de

manifestação expressos no primeiro excerto. O aspecto da legalidade, “isso não é arbitrariedade nenhuma” ou “o caminho [...] pode ter alguns ajustes [...]” (p. 21),

aponta para uma possibilidade de distorção dos objetivos expressos no primeiro excerto. Não é demais acrescentar que os sentidos produzidos pelo leitor, a partir da

análise dos excertos, dependem de sua leitura de mundo e do conhecimento de cada um acerca do momento histórico em que os fatos ocorreram.

O que nos leva, conforme Charaudeau (2007a) a afirmar que o imaginário

possui uma dupla função, uma de criação de valores e outra de justificação da ação,

como vemos na matéria em análise: o imaginário coletivo é acionado sempre que as citações e imagens remetem à ideia de violência policial, pois essa é uma imagem

construída ao longo dos anos, desde o regime militar e que foi se desenvolvendo e

se cristalizando no inconsciente coletivo, se sedimentando por meio do ato discursivo.

73 4.4 Estado de Minas (19 jun. 2014) O título da matéria do Estado de Minas de 19 jun. 2014 destaca o papel

actancial da polícia como agente de uma mudança de tática policial, reforço do

esquema de segurança nos arredores do estádio do Mineirão, na capital mineira. No entanto, a mudança de tática só tem lugar após episódios de invasão de estádio no

Maracanã, o que demonstra que o papel actancial de agente da polícia é voluntário, ou seja, o papel actancial de um agente consciente de seu projeto de fazer é responsável por ele e age com conhecimento de causa.

No caso em pauta, o anúncio do reforço no esquema de segurança nos

arredores do Mineirão teve foco a prevenção, após torcedores argentinos e chilenos

invadirem por duas vezes o estádio do Maracanã, conforme podemos vislumbrar nos extratos abaixo:

“Militares do Batalhão Copa, da PM de Minas, vão adotar novas estratégias visando o jogo de sábado entre Argentina e Irã, no Mineirão, pelo grupo F da Copa do Mundo. [...] O motivo é a invasão de ontem de dezenas de torcedores chilenos no Maracanã, repetindo em maior intensidade o que ocorreu no domingo, no mesmo estádio, quando 20 argentinos aproveitaram uma falha em um dos portões para forçar a entrada. ” (E,M, 19 jun. 2014, p. 17).

A estratégia discursiva adotada consiste em anunciar, primeiramente, a

nova postura da polícia e, logo em seguida, relatar o motivo da mudança, isto é, a

invasão do Maracanã por duas vezes, demonstrando claramente que houve uma falha na segurança naquele estádio. A junção das novas estratégias, na esteira das

invasões, sugere ao leitor ineficiência da polícia no controle de acesso ao Maracanã.

No entanto, a narrativa não esclarece aos leitores que a segurança interna dos estádios, durante a Copa Fifa 2014, no Brasil, não foi de responsabilidade da polícia.

Mesmo ao destacar uma ação aparentemente positiva da polícia, a

narrativa apresenta subentendidos, principalmente ao frisar que os acontecimentos

recentes de invasão deixaram a polícia atenta, uma vez que em um evento tal como Copa do Mundo de futebol, que atrai milhares de pessoas e possibilidades de

tentativas de invasão a estádios, bases de treinamentos, hotéis ou quaisquer outros

locais que tenham ligação com a realização da Copa do Mundo de Futebol, sempre devem ser esperadas, face ao fascínio que o futebol desperta nas pessoas.

74 Outro possível subentendido pode ser extraído a partir do enunciado que

apresentamos a seguir, em que o comandante do Batalhão Copa admite a adoção de novos procedimentos. As estruturas discursivas sugerem uma espécie

amadorismo ou despreparo da polícia ao admitir falhas que levaram ao anúncio da adoção de novas estratégias:

Excerto 02

“Antes mesmo de iniciada a competição tínhamos levantado o perfil das torcidas, principalmente, das equipes com jogos no Mineirão. É claro que, os recentes acontecimentos nos deixaram atentos e já estamos adotando novos procedimentos”, admite o tenente-coronel Hércules de Paula Freitas, comandante do Batalhão Copa. (E.M 19 jun. 2014, p. 17, grifo nosso).

O fato de a Fifa ser a detentora de informações que deveriam ser de

domínio dos órgãos de segurança pública também gera possíveis interpretativos que

vão de encontro às estratégias de prevenção que deveriam ter sido adotadas, de forma padrão desde o início da Copa do Mundo em todos os estádios que

receberam jogos do mundial. A citação, em discurso direto, do pedido de informações à Fifa, pelo comandante do Batalhão Copa, é um dos garantidores do

efeito de sentido sugerido pelo veículo midiático: “‘Pedi à Fifa uma estimativa de quantos torcedores chilenos poderiam vir para BH’, explicou o comandante” (p. 17).

A narrativa é desenvolvida contendo informações que evidenciam, de

certa maneira, o trabalho preventivo da polícia, conforme mostra o primeiro excerto que apresentamos a seguir. A estratégia ganha corpo a partir das citações, em

discurso direto, das palavras proferidas pelo comandante do Batalhão Copa, porém

o discurso, apoiando-se no discurso de outrem, o que pode chamar a atenção do leitor para outros interpretativos: Excerto 02

“Não é apenas em relação à segurança do perímetro amarelo da Fifa, em torno do estádio, que faz parte do nosso planejamento específico em relação ao torcedor argentino. A seleção do país está hospedada na Cidade do Galo, em Vespasiano. E pela proximidade com o Brasil, um grande número de argentinos é esperado na Savassi, como ocorreu com os colombianos”, destacou o tenente-coronel. [...] Apesar do estado de atenção, o comandante do Batalhão Copa não acredita que as cenas de argentinos e chilenos invadindo o Maracanã se repitam aqui. (E.M, 19 jun. 2014, 2014, p. 17).

75 Como se pode perceber, no excerto número 1, a narrativa tem o condão

de reafirmar a estratégia de prevenção adotada pela polícia, por meio da citação, em discurso direto, das palavras do comandante do Batalhão Copa. O oficial enfatiza o

planejamento e antecipação. Já no excerto número 2, a estratégia consiste em citar,

em discurso indireto, as expectativas do oficial comandante do Batalhão Copa e deixa no ar certa tensão ao iniciar com a afirmação: “[...] apesar do estado de atenção [...]”. Outra afirmação atribuída ao oficial que pode levar o leitor a um

possível interpretativo que vai de encontro aos interesses da polícia está em “[...] o comandante do Batalhão Copa não acredita [...]”, isto é, a utilização do verbo no

presente, “acredita”, pode levar a um subentendido de que falta ao órgão

responsável pela segurança dos torcedores, a certeza necessária para guiar as decisões da polícia.

A citação em discurso direto, encerrando com a atribuição da autoria, tal

como “‘[...] temos uma realidade geográfica diferente. Aqui são apenas 10 acessos ao Mineirão, ao contrário do estádio carioca, que fica em meio a uma grande concentração urbana, ligando várias ruas’, explica Freitas” (p. 17), pode encerrar em

si várias possibilidades de sentidos que vão além daquele expresso na superfície textual.

A mesma coisa ocorre com o uso de imagens, as quais podem ser

empregadas na função de fixação do conteúdo ou na função de complementação da

mensagem, já que uma das formas de se garantir a veracidade das informações no

discurso midiático é por meio de imagens, testemunhos, entre outros. Porém, não

podemos nos esquecer de que, segundo Santaella (1997), signos usados para asseverar a verdade também podem ser utilizados para enganar. “Sempre que signos possam ser usados para asseverar a verdade, também podem ser usados

para enganar. […] tanto as mensagens verbais quanto as pictóricas devem ser interpretadas dentro de seu contexto mais amplo”. (p. 213).

É exatamente por isso que a análise das imagens leva em conta os

aspectos contextuais e socioculturais para o estabelecimento de um sentido possível. É a partir desse entendimento que, ao analisar a presente matéria,

verificamos que a imagem utilizada mostra os torcedores no entorno do estádio, em um estado de tranquilidade. Ela tem por função complementar a matéria, seu uso

pode evocar uma imagem do esporte como união dos povos, o que pode ser inferido

76 a partir da legenda sob a foto: “Gigante da Pampulha tem recebido grande público de países vizinhos nas partidas, como os mais de 20 mil colombianos no último fim

de semana” (p. 17). Contudo, para Barthes (1984, p. 31), “uma foto de imprensa é

‘trabalhada’, escolhida, produzida, construída e editada de acordo com as normas profissionais, estéticas e ideológicas, que contêm fatores conotativos”. Com base

nessa proposição, retomamos Charaudeau (2012a) afirma que é da junção de dois sistemas semiológicos, imagem e palavra, que nasce um produto apto a fabricar o imaginário para o grande público.

FIGURA 5 – Estado de Minas

Fonte: Estado de Minas, 2014, p. 17.

77 4.5 Estado de Minas (26 jun. 2014) O título da matéria do jornal Estado de Minas de 26 jun. 2014 (PM

manterá cerco em protestos) apresenta ao leitor uma ação, aparentemente, positiva

da polícia. No entanto, uma leitura atenta da narrativa pode levar o leitor a outro

efeito de sentido, conforme demonstra o trecho a seguir: “[...] a tática de manter o cerco policial e revistas em manifestantes contra a copa do mundo em Belo

Horizonte será mantida pela Polícia Militar, mesmo depois de uma decisão judicial proferida, em caráter liminar, na noite de segunda-feira”. (p. 20, grifo nosso). O

emprego de “mesmo depois de uma decisão judicial [...]” pressupõe uma infração, uma desobediência a uma ordem judicial, situação inteiramente incompatível com a função policial.

No trecho analisado, o posto é que havia uma decisão judicial proibindo a

Polícia Militar de manter o cerco aos manifestantes em Belo Horizonte. O pressuposto é a “ilegalidade” presente na desobediência de um mandado judicial, situação não condizente com uma instituição que tem por finalidade zelar pelo cumprimento das leis.

A narrativa por meio da citação em discurso indireto contrapõe a aparente

“ilegalidade” ao caráter “impopular” da tática policial, conforme se pode vislumbrar em “[...] a medida atendeu a um mandado de segurança impetrado pelo Centro de

Cooperação Comunitária Casa Palmares, que representa ainda outros movimentos

sociais contrários à técnica de ‘envelopamento’ feita pela Polícia Militar” (p. 20). A estratégia possibilita o reforço do estereótipo de uma polícia arbitrária, despreparada para o exercício da sua missão institucional, sem apego às leis e/ou determinações judiciais.

Para demonstrar que a legitimidade da petição do Centro de Cooperação

Comunitária Casa Palmares, a narrativa agrega, em discurso indireto, a citação do

entendimento do magistrado que julgou a ação: “[...] o juiz reconheceu o direito previsto na Constituição, mas de forma pacífica. Ele permitiu que as pessoas se manifestassem desde que a Polícia Militar fosse avisada previamente” (p. 20, grifos nossos). Mesmo havendo uma decisão judicial reconhecendo o direito de manifestação, o Magistrado faz, nessa decisão, algumas ressalvas que são

exploradas de maneira explicita pela matéria jornalística, de forma a possibilitar ao

78 leitor a uma leitura crítica das posturas do judiciário e da polícia, conforme veremos logo no parágrafo a seguir:

Ao citar trecho da decisão judicial, em discurso direto, a narrativa procura

deixar claro ao leitor que há limites para a atuação policial, que devem

obrigatoriamente serem respeitados, o que pode ser vislumbrado nas expressões em itálico “[...] a polícia pode e deve exercer a segurança pública sem impedir tal

liberdade de expressão dentro dos limites inerentes à sua atribuição de defesa

social” (p. 20, grifo nosso). Nessa linha de pensamento, defendem os manifestantes,

advogados e a própria mídia que o cerco aos manifestantes, implementado pela polícia, é “ilegal”. Porém, o que vai determinar a interpretação que se dará a partir do excerto é o jogo de interesses. Se, para os manifestantes, há o entendimento de que

a tática da polícia é ilegal, para a polícia e para a assessoria de imprensa do Fórum, não há proibição do uso das estratégias empregadas até então, como se mostra em

“[...] de acordo com a assessoria de imprensa do Fórum, a decisão não proíbe a PM

de usar estratégia que achar adequadas para manter a segurança, a exemplo dos cercos policiais” (p. 20).

Na narrativa, os interesses do Estado, representados pela Advocacia

Geral do Estado (AGE) e pela polícia, confrontam-se diretamente com os interesses

dos manifestantes. É o que busca mostrar a narrativa com a citação em discurso indireto atribuída ao governo estadual, “[...] o governo estadual informou [...] que

recebeu a notificação do judiciário sobre a liminar. A Advocacia Geral do Estado (AGE) está examinando o teor do documento e vai definir hoje se apresenta recurso

à decisão judicial” (p. 20). Nesse excerto, o fato de que a AGE não tenha definido

sobre um possível recurso pode revelar uma incerteza sobre a legalidade da

decisão. Da mesma forma que a narrativa deixa explícita a incerteza do Estado

sobre a legalidade do “cerco”, ela explicita o entendimento dos manifestantes a respeito da questão: “[...] organizadores do protesto entendem que, ao garantir a

livre manifestação, o ‘envelopamento’ não pode ser feito e já marcaram um ato para sábado [...]”(p. 20).

Uma das grandes marcas do posicionamento do veículo midiático a

respeito da legalidade ou irregularidade da tática do “envelopamento” empregada

pela polícia está expresso no trecho a seguir, o qual já começa com o seguinte destaque: “IRREGULARIDADE – A PM informou que aguarda ser notificada para se

79 manifestar oficialmente, mas uma fonte da corporação disse ao EM que nada muda em relação ao método de controle usado nas últimas manifestações” (p. 20). A palavra irregularidade, em destaque, consubstancia o posicionamento da mídia, face

à postura adotada pela polícia em manter o cerco aos manifestantes, apesar da decisão judicial.

Ao citar, em discurso direto, a interpretação que a polícia faz da decisão

judicial, a mídia o faz sem constar qual a fonte das informações, guardando o sigilo

sobre a origem, procedimento que pode gerar no leitor uma “suspeita” de que a

interpretação não é exatamente legal, vejamos: “Pelo contrário, estabelece aos

manifestantes a obrigatoriedade de prestar informações prévias sobre os protestos, o que não foi obedecido nas duas ocasiões nas praças Sete e da Savassi’, disse a

fonte” (p. 20). A expectativa do leitor ao se deparar com um posicionamento de uma instituição é que se tenha uma garantia do que é dito, garantia que só existe se o dito pode ser creditado a alguém que possa responder por aquela instituição. Uma

fonte que se omite não gera a credibilidade e legitimidade necessárias a uma decisão de tamanha importância.

A estratégia discursiva empregada consiste em seguir com as citações da

mesma “fonte”, reforçando o estereótipo de uma instituição “omissa”, que se

esconde atrás de uma “fonte” anônima para assumir uma postura ao menos questionável aos olhos dos manifestantes e da própria mídia: “Já estava sendo

realizada uma reunião de pessoas no Savassi Cultural, evento que já havia sido

comunicado e autorizado com antecedência pelos órgãos competentes. Os manifestantes não poderiam ter ido protestar lá’, garantiu” (p. 20).

A narrativa inclui uma crítica direta ao “cercamento” aos manifestantes,

promovido pela polícia, “[...] em 14 de junho, protesto marcado para seguir da Praça

Sete, no Centro, em direção ao Mineirão, onde jogaram Colômbia e Grécia, não foi realizado porque policiais cercaram os quarteirões da praça e deixaram liberado apenas o caminho para a Praça da Estação, também no Centro” (p. 20, grifo nosso). A referência que se faz é que o direito à manifestação é um direito constitucional e que o cercamento aos manifestantes fere o previsto na Constituição, crítica que encontra eco na citação do posicionamento do advogado dos movimentos sociais:

80 Segundo Thales Nascimento, advogado dos movimentos sociais, a decisão de entrar na Justiça surgiu depois do entendimento de que a prática da PM é inconstitucional. Ele lembra que o artigo 5º da Constituição, inciso 16, garante o direito de livre manifestação, desde que de forma pacífica e com aviso prévio à autoridade competente, para que seja garantida a prioridade de uma manifestação previamente marcada. [...] No caso de BH, todos os preceitos vinham sendo cumpridos nos dias dos atos em 14 e 17 de junho. As autoridades públicas tinham ciência da realização do ato e não havia pessoas armadas nem uso de violência. Ainda assim, os manifestantes foram cercados e proibidos de dar continuidade ao movimento, diz. (E.M, 26 jun. 2014, p. 20, grifo nosso).

Como forma de comprovar que a ação policial foi inconstitucional, a

narrativa apresenta, citações da fala do advogado Thales Nascimento, em discurso indireto, de forma a construir argumentos que a ação da polícia foi ilegal. Inicialmente, é apresentado a previsão legal insculpida no artigo 5º da Constituição Federal, garantindo o direito à livre manifestação. Em seguida, é apresentado a

afirmativa do advogado de que todas as condições necessárias para a realização do

ato público foram cumpridas. O argumento-chave para demonstrar a incongruência da ação policial, fecha o trecho da seguinte forma: “‘Ainda assim, os manifestantes foram cercados e proibidos de dar continuidade ao movimento’, diz” (p. 20). Ao

retomar o texto com a conjunção concessiva, “Ainda assim”, acrescentando que os manifestantes foram cercados, a narrativa deixa clara a “desobediência” a uma

determinação judicial, exatamente por um órgão que, por essência, tem como missão precípua cumprir e fazer cumprir as leis e outras determinações legais.

A coroação da construção de argumentos sólidos contra a ação policial,

por meio da narrativa, fica por conta da imagem que compõe a matéria. Figura 6 – Estado de Minas

Fonte: Estado de Minas, 2014, p. 20.

81

É uma imagem indicial, tendo como função primeira a fixação do ocorrido

de acordo com a narrativa. Porém, tem forte apelo simbólico, o qual também agrega

a função secundária de complementar a matéria ao demonstrar a realização dos “envelopamentos” ocorridos em Belo Horizonte. Carrega também em si outros possíveis interpretativos, a partir da imagem de três manifestantes, aparentemente, em atitudes pacíficas, frente a um Pelotão de Choque equipados com escudos, gás

lacrimogênio etc.; pode relacionar-se também a um uso superlativo de forças, uma vez que o quantitativo militar é superior ao de manifestantes, desarmados, em

atitudes, aparentemente, pacíficas); a ideia de excesso por parte da Polícia também pode ser inferida por meio da imagem, pois “[...] a fotografia é sempre um feixe de

indicadores da posição ideológica, consciente ou inconsciente, ocupada pelo fotografo em relação àquilo que é fotografado” (BARTHES, 1984, p. 38. O que se vê

é que tanto a imagem quanto as diversas outras estratégias discursivas empregadas na narrativa possibilitam ao leitor uma visão estereotipada da polícia, conforme pode se ver na análise do excerto seguinte:

O advogado questiona ainda o impedimento de pessoas de fora do cerco terem acesso à parte interna, onde o grupo ficou concentrado, e reforçou que a liminar é favorável ao mandado de segurança impetrado pelo grupo. [...] “Na decisão, o juiz não faz ressalvas ao conteúdo de nossa manifestação. É uma questão interpretação é que os cercamentos está proibido (SIC)”, avalia o advogado. (E.M, 26 jun. 2014, p. 20, grifo nosso).

Em uma rápida análise, verfica-se que a citação em discurso indireto

reforça o fato de haver outros questionamentos por parte do advogado do grupo de

manifestantes. O acréscimo do enunciado: “[...] questiona ainda o impedimento de pessoas de fora do cerco terem acesso à parte interna [...]” (p. 20), desperta a atenção do leitor para mais uma “arbitrariedade” da polícia, crítica que é reforçada em “o juiz não faz ressalvas ao conteúdo de nossa manifestação” (p. 20), pois se não há ressalvas por parte da justiça, “não cabe a polícia fazê-las”.

82 4.6 Estado de Minas (27 jun. 2014) Sob o título “Justiça garante a ação da PM”, o jornal Estado de Minas do

dia 27 jun. 2014, propõe-se, aparentemente, a narrar um episódio em que a polícia, em um papel actancial de paciente, beneficiário de uma ação da justiça, é blindada

por uma decisão que garante a manutenção da ação de “envelopar”, ou seja, manter o cerco aos manifestantes, após ser questionada judicialmente por representantes

dos movimentos sociais. A narrativa inicia-se com a contextualização, para atualizar o leitor quanto a existência de uma decisão judicial, porém sugere uma divergência no entendimento da própria justiça, conforme se vê a seguir:

A decisão judicial em caráter liminar que liberava manifestações populares contra a Copa sem intervenção da Polícia Militar foi derrubada ontem pelo Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Joaquim Herculano Rodrigues. [...] A Advocacia Geral do Estado (AGE) entrou com pedido de suspensão da medida, com o argumento de ela limitava o objetivo da PM de garantir a segurança pública durante os protestos. (E.M, 26 jun. 2014, p. 19, grifo nosso).

No excerto, a informação de que a liminar que liberava manifestações

populares contra a Copa sem intervenção da Polícia Militar foi derrubada pressupõe a existência de uma decisão anterior favorável à ação policial, e demonstra que o

entendimento legal não é pacífico, ou seja, há divergência quanto à interpretação da legislação. É o que demonstra a narrativa em outro enunciado, ao explicitar que a

AGE entrou com “pedido de suspensão da medida, com o argumento de ela limitava

o objetivo da PM” (p. 19), um novo efeito de sentido é criado, pois, ao citar que a medida judicial limitava o objetivo da PM, sem explicar quais seriam tais objetivos, a

narrativa mobiliza no imaginário do leitor um sem número de possibilidades, desde os mais legítimos, tais como manutenção da segurança e da ordem pública a

objetivos políticos ou particulares. Mesmo que a justificativa do magistrado para suspender a liminar que coibia o “cerco” aos manifestantes se baseie no poder de

polícia para manter a ordem pública, “‘a garantia constitucional de livre

manifestação, não pode excluir, nem suprimir, o poder de polícia’, afirmou o magistrado” (p. 9).

Outra argumentação do magistrado para suspender a liminar, também

citada em discurso direto, é utilizada na narrativa para sustentar uma crítica aos

83 excessos praticados por alguns manifestantes, pois, ao dar voz ao magistrado, criase um a possibilidade de reavivar no imaginário do leitor que em meio aos manifestantes muitos criminosos desvirtuavam o “movimento reivindicatório”, conforme palavras do próprio magistrado: “Segundo ele, ‘a gravidade e a

contundência da atuação criminosa eventualmente infiltrada nos movimentos populares legítimos exigem atuação policial capaz de restabelecer e preservar, de

forma eficiente, a ordem e a segurança públicas.” (p. 19, grifos nossos). A crítica

ganha força com a estratégia discursiva de enfatizar, por meio da argumentação do desembargador, os prejuízos que a ação criminosa de alguns “manifestantes” representa aos movimentos populares legítimos.

Por fim, o desembargador considerou que “os recorrentes e violentos incidentes, o vandalismo generalizado e os danos ao patrimônio público e privado se originam e irradiam de movimentos deflagrados por indivíduos ou grupos que se dizem no exercício do direito constitucional de livre manifestação”. (E.M, 26 jun. 2014, p. 19, grifo nosso).

No entanto, as críticas não ficam somente por conta das ações criminosas

que contaminaram os “movimentos” legítimos. Adiante, a narrativa é retomada,

modulando com uma locução conjuntiva concessiva, já aponta para uma “transgressão” por parte da polícia: “mesmo antes de o estado questionar a primeira decisão da justiça, a PM já havia adiantado que manteria a tática do

“envelopamento, cerco aos ativistas durante as manifestações em vias públicas [...]” (p. 19, grifos nossos). A “transgressão” a uma decisão judicial, sugerida no excerto com a locução conjuntiva “mesmo antes” e seguida adiante do complemento “a PM

já havia adiantado que manteria a tática [...]”, pode refletir uma decisão premeditada

da polícia em manter a tática, objeto do questionamento judicial, ainda que a justiça entendesse ao contrário da legalidade da ação policial. Se há “transgressão”, o excerto seguinte reforça esse entendimento de que a ação policial é “questionável”, ao demonstrar que a estratégia estaria em desacordo com a Constituição Federal.

“O mandado de segurança impetrado pelo Centro de Cooperação Comunitária Casa Palmares, que representa outros movimentos sociais, tinha o objetivo justamente de evitar o bloqueio policial, alegando que essa estratégia desrespeitaria a Constituição brasileira”. (E.M, 26 jun. 2014, p. 19, grifo nosso).

84 A narrativa destaca ainda a convicção dos representantes dos

movimentos sociais sobre a “ilegalidade” da ação policial ao enfatizar a decisão de

recorrerem à instância superior contra a decisão do desembargador do Tribunal de

Justiça de Minas Gerais, conforme podemos ver em “Os advogados Thales Nascimento e Isabela Corby, integrantes da frente jurídica de apoio aos

manifestantes, responsável pelo mandado de segurança que motivou a liminar, informaram que vão recorrer da decisão” (p. 19). Ao citar, em discurso direto, a fala

de um dos representantes dos movimentos sociais, a narrativa volta a enfatizar a “ilegalidade” e as interpretações contraditórias do direito à manifestação, de maneira

plena e irrestrita. É o que se vê no seguinte extrato do texto: “‘O ato da PM de fazer um cerco às manifestações fere abertamente a Constituição’, afirma Thales. ‘Se a liminar foi derrubada, isso indica que a decisão anterior era favorável às manifestações’, completa”. (p. 19). O discurso de Thales evoca outro imaginário a

partir da citação de um trecho de sua argumentação de que, “[...] se a liminar foi derrubada, existe um pressuposto de que havia uma decisão favorável aos

manifestantes anteriormente”. A evocação revela não só as dicotomias existentes na interpretação da legislação, como também o subentendido de que a legislação pode ser interpretada de acordo com os interesses que circundam a questão.

O fechamento da narrativa fica por conta da imagem, aparentemente,

ilustrativa, porém, de acordo com Barthes (1990), uma das funções da imagem, em

relação conjuntiva com o texto, é denotativa, de ancoragem. Mas, por ser polissêmica a imagem agrega em si vários efeitos de sentido, entre eles, o efeito de ficção, que ocorre quando o produtor usa da reconstituição de acontecimentos

(narrativas dos fatos) ou o efeito patêmico, o qual, segundo Charaudeau (2007b), descreve uma situação a propósito da qual um julgamento de valor coletivamente compartilhado. Na presente narrativa, a imagem, apesar de ser de arquivo, foi utilizada para complementar a matéria publicada no dia 15 jun. 2014, retomada com a função indicial, uma vez que registra um momento do uso da tática de “envelopamento”, utilizada pela polícia, além de complementar a mensagem

linguística. Há de se considerar que trata-se é uma foto de imprensa, “trabalhada”, escolhida, produzida, construída e editada de acordo com as normas profissionais. (SANTAELLA, 1997).

Figura 7 – Estado de Minas

85

Fonte: Estado de Minas, 2014, p. 19

Nesse sentido, o que a mídia busca, nessa matéria, inicialmente, é o

efeito de realidade, pois a imagem de um pequeno grupo cercado por um grande contingente

policial

acaba

por

legitimar

a

crítica

presente

na

narrativa.

Paralelamente, a matéria evoca o efeito patêmico (efeito que descreve uma situação

a propósito da qual há um julgamento de valor coletivamente compartilhado), Charaudeau (2007b), pois a ideia de força suscitada pelo contingente policial evoca também uma imagem de “autoritarismo”.

86 4.7 Estado de Minas (29 jun. 2014) A matéria publicada no jornal Estado de Minas, de 29 jun. 2014, sob o

título “PM cerca protestos outra vez”, segue a sequência de críticas aos “cercos” a manifestantes efetuados pela polícia, para impedir ações delituosas. De início, a

narrativa chama a atenção para dois fatores, a pouca quantidade de manifestantes e

o fato de terem sido retidos “por mais um cerco policial”, conforme demonstra o excerto a seguir: “A manifestação contra a Copa do Mundo que tinham como proposta de trajeto sair da Praça Sete em direção à Savassi ontem reuniu poucas pessoas e terminou retida em mais um cerco policial que não permitiu que elas caminhassem”. (E.M, 29 jun. 2014, p. 22, grifos nossos).

No excerto, duas informações chamam a atenção do leitor, a primeira é

quanto à quantidade de pessoas, “[...] reuniu poucas pessoas”, a segunda relaciona-

se com a postura da polícia, “[...] terminou retida em mais um cerco policial que não permitiu que elas caminhassem. ” (p. 22) Os dois enunciados em uma mesma

sequência discursiva, possibilitam ao leitor a refletir sobre as manifestações

anteriores, em que o número “desproporcionalmente” superior de policiais e o “cerceamento do direito de manifestação”, efetuado pela polícia por meio da utilização da técnica “envelopamento”. Reflexões que reforçam no imaginário social

o estereótipo de uma polícia arbitrária, que não respeita os direitos e garantias instituídas por lei.

Ao se referir à tática policial como “mais um cerco”, a narrativa remete o

leitor à imagem discursiva de um povo “sem direitos” e “subjugada” por interesses

diversos, representados pelos “cercos” utilizados pela polícia. Os mesmos cercos que foram objeto de questionamento e controvérsias no âmbito judicial. No excerto

seguinte, a narrativa reforça o sentimento do leitor de que a interpretação da

legislação é feita de acordo com os interesses em jogo: “[...] o protesto havia ganhado força com uma medida judicial expedida na quarta-feira, que impedia o cerco pela PM, conhecido como ‘envelopamento’. Mas um dia depois, a medida foi

derrubada”. (p. 22, grifos nossos). Ao relatar que “o protesto havia ganhado força com uma medida judicial”, a matéria mostra que a medida judicial que impedia o cerco pela PM sustentava o protesto, mas uma nova decisão judicial garantindo a

87 atuação da PM o esvaziou. É o que demonstra o excerto a seguir, ao narrar o início da aglomeração de manifestantes:

Os primeiros a chegar à Praça Sete, por volta das 10hs, eram pouco mais de 30 manifestantes ligados à construção civil. Um caminhão levou cartazes com críticas às condições de trabalho nos canteiros de obra. Em seguida, chegaram estudantes de direito da UFMG. Um microfone foi aberto para quem quisesse manifestar indignação. (E.M, 29 jun. 2014, p. 22, grifo nosso).

A imagem que acompanha o texto mostra um grupo de manifestantes

frente a um cordão de isolamento formado por policiais militares armados de escudos. Segundo Santaella (1997, p. 155),

[...] a montagem fotográfica de um homem que anda sobre a água, por exemplo, não representa nenhuma afirmação, mas um argumento metafórico, no qual duas proposições individuais (sobre a existência de água e de um homem) devem ser ligadas a uma terceira mensagem a ser entendida metaforicamente. Santaella (1997, p.155)

Por analogia, poderíamos dizer que, na imagem que acompanha a

narrativa sob análise, as duas proposições podem ser entendidas metaforicamente.

Conforme podemos analisar, a imagem cumpre sua função de primeiridade, ou seja, de fixação do conteúdo da narrativa. A mesma imagem também complementa a

matéria publicada, uma vez que, além de retratar o momento em que a tática do “envelopamento” foi utilizada pela PM, conforme mostra a matéria, ela agrega o

sentido simbólico por possibilitar ao leitor interpretar que houve excesso por parte da polícia, já que, em conjunto com a narrativa, a imagem demonstra a superioridade

do efetivo policial face ao número reduzido de manifestantes. Contudo, relembra ao

leitor a utilização de uma tática que foi objeto de questionamentos judiciais, por ter

sido considerada inconstitucional pelos manifestantes, advogados ligados aos movimentos etc.

FIGURA 8 – Estado de Minas

Fonte: Estado de Minas, 2014, p. 22.

88 Cabe ressaltar que os possíveis interpretativos somente se tornam

possíveis no momento em que são analisados texto e imagem em um determinado

contexto. É o que nos mostra o trecho seguinte, que marca a chegada dos

manifestantes e ação policial, “[...] enquanto isso, policiais fecharam o entorno da praça. Linhas de homens de escudos se estenderam nos quarteirões e canteiros centrais das avenidas Afonso Pena e Amazonas [...]” (p. 22). Daí, a possibilitar ao

leitor a refletir: se o ato de manifestar é garantido pela Constituição Federal, não há que se falar em “bloqueio de manifestantes”, conforme a narrativa frisa por meio de algumas estratégias discursivas, as quais vemos a seguir. Primeiramente, a

narrativa marca a ação dos manifestantes em ocupar a avenida, “Por volta das

12h30min, os manifestantes foram para a Avenida Afonso Pena” (p. 22). Na sequência, a narrativa destaca a ação da polícia para, na visão dos manifestantes e da própria mídia, “cercear” o direito à manifestação:

Imediatamente, a polícia correu com escudos a postos e bloqueou o quadrante da Praça Sete, formado pelos quarteirões fechados. Uma linha de cavalaria reforçou a ação dos agentes da Avenida Afonso Pena para impedir o avanço para a Savassi, como era objetivo dos manifestantes. (E.M, 29 jun. 2014, p. 22, grifo nosso).

Além da sequência, escolhida, das informações, outras estratégias

discursivas são empregadas no intuito de produzir um determinado efeito de sentido. Se a imagem tem o poder de produzir o efeito de real, a descrição desta, com emprego de algumas palavras-chave em caixa alta e negrito, agrega a esse efeito

um grau de verossimilhança, isto é, o efeito de real ganha a força necessária ao processo argumentativo, que fixará a crítica de excessos por parte da polícia. Ao

retomar a sequência narrativa com a palavra “REFORÇO” em destaque, o que se

pretende, em tese, é garantir a atenção do leitor às informações que seguem, alusivas ao “cerco” efetuado pela polícia.

REFORÇO – Somente a primeira linha de escudos da PM em volta em volta dos manifestantes da Praça Sete somava 288 componentes, fora a segunda fileira, que os substituía quando se cansavam. A cavalaria e outros contingentes ficaram a distância, como a polícia de trânsito, que fez os desvios de tráfego. Dois blindados, tipo Caveirão, ficaram na Amazonas. (E.M, 29 jun. 2014, p. 22).

89 O que se vê do excerto é que, tão logo a atenção do leitor é despertada, a

narrativa se desenvolve a partir de informações sobre a quantidade de policiais que compunham o “cerco”. No entanto, algumas modulações chamam a atenção na narrativa. Primeiramente, a utilização do advérbio “somente” para referir ao efetivo

da primeira linha de escudos, “Somente a primeira linha de escudos da PM em volta

em volta dos manifestantes da Praça Sete somava 288 componentes [...]” (p. 22, grifo nosso); a utilização do advérbio chama a atenção para o fato de que além do efetivo citado, há outros policiais em condições de impedirem o avanço da

manifestação pelas ruas da capital. Logo após, a narrativa é retomada, contendo

informações sobre a segunda fileira de policiais, atuando na substituição dos

primeiros, além de outros efetivos a distância, conforme podemos ver no seguinte extrato: “fora a segunda fileira, que os substituía quando se cansavam [...]” (p. 22,

grifo nosso). Ao que se vê, a estrutura discursiva adotada na narrativa para

“denunciar” o excesso por parte da polícia, no excerto sob análise, passa pela

adoção de modulações, tais como “Somente”, para demonstrar que o efetivo policial na primeira fileira da linha de bloqueio era muito maior do que o efetivo citado ao final da oração ou o uso da oração; “fora a segunda fileira”, para demonstrar que

outro grupo de policiais permanecia em condições de substituir os primeiros, ou

ainda, pelo acréscimo da informação de que um outro contingente reforçava o “cerco” logo a adiante, conforme se vê em “[...] uma linha de cavalaria reforçou a

ação dos agentes da Avenida Afonso Pena para impedir o avanço para a Savassi,

como era objetivo dos manifestantes.” (p. 22, grifo nosso). Deve-se acrescentar ainda que o último excerto chama a atenção do leitor para um possível “desrespeito”

ao direito constitucional de livre manifestação. Outra estratégia discursiva adotada para reforçar a crítica aos “cercos” efetuados pela polícia é por meio de citações em

discursos direto e indireto da fala do porta-voz da Polícia Militar, conforme se vê a seguir:

Segundo o porta-voz da PM, tenente-coronel Alberto Luiz Alves, tudo transcorreu sem problemas. “Não tivemos ocorrências. O direito de manifestar foi garantido a todos. O direito de ir e vir também. O que não queremos é que haja depredação. Os manifestantes tiveram um impasse e resolveram sair em pequenos grupos. Vamos acompanha-los a distância”, disse. O militar ainda afirmou que mesmo que ocorresse uma mistura de manifestante entre torcedores, seria possível controlar a situação. “Vamos envelopá-los de novo se fizerem isso. ” (E.M, 29 jun. 2014, p. 22, grifo nosso).

90

Por meio das citações, a narrativa contrapõe a afirmativa da polícia de

que foram garantidos os direitos de manifestação e de ir e vir, “O direito de

manifestar foi garantido a todos. O direito de ir e vir também” (p. 22), à adoção da tática do “envelopamento”, “Vamos envelopá-los de novo se fizerem isso”, tática

questionada pelos movimentos sociais por serem consideradas inconstitucionais. Essas mesmas citações têm uma dupla função, pois, além de reforçarem as críticas

à ação policial, podem ser utilizadas para marcarem um posicionamento midiático sem haver, contudo, um comprometimento do veículo com aquilo que é dito. 4.8 Folha S. Paulo (13 jun. 2014) A publicação da Folha de S.Paulo, de 13 jun. 2014, sob o título “Black

blocs se infiltram em atos e enfrentam polícia em São Paulo”, inicialmente, chama o

leitor para uma reflexão sobre atos de violência cometidos pelo grupo conhecido como “Black bloc”. Contudo, iniciada a narrativa, a primeira informação é a de que

“[...] a PM usou bombas de gás e balas de borracha para impedir manifestantes de

atrapalharem acesso à abertura da Copa” (p. 10). Essa alternância no papel actancial da polícia, inicialmente colocada no papel de paciente no título e, logo após, citada a partir do papel de agente, ativa no imaginário social um estereótipo de que a polícia é violenta.

Uma das estratégias adotadas pelo veículo midiático é alternar a

cobertura dos atos praticados pelos “black blocs” com as ações praticadas pela instituição policial responsável por conter as depredações e outros atos considerados ilegais. A matéria desenvolve uma sequência narrativa em que ora no papel de paciente, ora no papel de agente, a polícia é o mote da matéria, ficando a

ação dos “black blocs” em segundo plano, mesmo quando a narrativa é retomada

com a informação de que “[...] um grupo de cerca de cem ‘black blocs’ se infiltrou em

duas manifestações na zona leste de São Paulo para fazer depredações na manhã

dessa quinta (12), horas antes da abertura da Copa do Mundo” (p. 10). Vê-se que, imediatamente após uma ação do grupo de manifestantes, em que o papel actancial de paciente por parte da polícia suscita no imaginário social um possível

interpretativo de “despreparo”, uma nova informação, agora destacando o papel

91 actancial de agente da polícia, evoca outro interpretativo, o do uso da violência por parte da polícia, conforme se vê a seguir: “[...] a Policia Militar agiu com força para

evitar o fechamento da Radial Leste, principal via de acesso ao Itaquerão – os atos ocorreram a mais de 10 km do estádio” (p. 10, grifo nosso). Nota-se que a utilização da força é frisada pela matéria, “agiu com força”, e reforçada com a informação de

que o fato ocorreu longe do Itaquerão (os atos ocorreram a mais de 10 km do estádio), o que leva o leitor a outra reflexão. Se a ação da polícia é para conter os

atos que poderiam prejudicar a realização dos jogos da Copa do Mundo, o uso da força por parte da polícia foi, desnecessário, já que o possível fechamento da via ocorreu longe do estádio.

À medida que se desenvolve a narrativa, o eixo central da notícia parece

ser deslocado, haja vista que as ações do grupo “Black blocs” assumem um grau de

importância secundário, após noticiar a distância entre o possível confronto e o estádio, a narrativa acrescenta a informação de que “[...] a corporação destacou um

grande efetivo – o número não foi informado -, inclusive homens da cavalaria” (p.

10), ao destacar o emprego de “um grande efetivo” policial, frisando que “o número não foi informado”, mas deixando claro que o efetivo incluía “homens da cavalaria”, o

que remete a um imaginário de guerra, a narrativa acaba por criar no imaginário do leitor uma imagem de “excesso de demonstração de forças” por parte da polícia,

imaginário reforçado com informações sobre feridos durante o confronto, conforme se vê a seguir: “[...] ao menos 11 pessoas se feriram, entre eles uma repórter e uma

produtora da rede norte-americana CNN, e dois manifestantes foram presos

acusados pela polícia de portar artefatos suspeitos” (p. 10, grifos nossos); o excerto dá especial destaque à repórter e à produtora da CNN feridas durante a ação

policial, além de criar um efeito de dúvida quanto à autoria do porte de artefatos suspeitos, ao relatar que “[...] dois manifestantes foram presos acusados pela polícia

de portar artefatos suspeitos” (p. 10). A imagem do “excesso de demonstração de força”, agregado à informação de pessoas feridas, principalmente, por haver duas repórteres entre os feridos, além de ativar no imaginário do leitor a ideia da

“violência policial”, reforça o estereótipo de que a polícia é somente violenta e despreparada para exercer suas atividades.

O imaginário de uma polícia “violenta” é construído na narrativa de forma

sequencial, com a alternância dos papéis actanciais da polícia e dos manifestantes.

92 Em uma mesma sequência narrativa, podemos destacar o seguinte trecho: “[...] nos

primeiros minutos do ato contra a Copa, a PM ordenou que os manifestantes liberassem a rua Apucarana, na esquina com a Radial” (p. 10); aparentemente, temos no excerto um procedimento simples, com a finalidade de garantir o direito de

ir e vir da coletividade, a polícia determinou a liberação da via, porém “[...] o grupo, embora pequeno, se recusou – a intenção era marchar até o Itaquerão” (p. 10), daí a

polícia, no intuito de conter o deslocamento dos manifestantes, “cerceando o direito

constitucional de manifestação”, empregou, “de forma desproporcional” a força, pois

face ao pequeno grupo de manifestantes que se recusava a liberar a via, “a Tropa

de Choque usou bombas de gás e balas de borracha e dispersou os manifestantes” e esse não é o único reforço que a matéria traz para trabalhar a imagem de uma

polícia “violenta e despreparada”. O que mostra o excerto abaixo é que em alguns momentos os papéis se invertem e a polícia se torna vítima do uso da força.

Manifestantes adeptos da prática “black bloc” que estavam entre eles usaram ruas do bairro para chegar ao ato dos metroviários. No trajeto, o grupo, que prega a destruição em protestos, depredou carros e atirou pedras em casas e policiais, além de danificar telefones públicos. (Folha de São Paulo, 13 jun. 2014, p. 10).

A narrativa sugere que, ao se ver na situação de vítima, a contrapartida

da polícia é o uso da força e da belicosidade que lhe é “permitida”, conforme

podemos ver no excerto a seguir: “A PM novamente usou da força e encurralou os ativistas na rua do sindicado – metroviários se protegeram das bombas dentro do prédio” (p. 10, grifo nosso). Necessário relembrar que os imaginários são

engendrados pelos discursos que circulam nos grupos sociais e que esses discursos podem ser engendrados com base em inúmeras estratégias, dentre elas a utilização

de imagens, produtoras do efeito de real e mobilizadora de saberes cristalizados no imaginário coletivo.

Na presente matéria, há também a utilização de uma imagem que pode

ativar no leitor os vários imaginários concernentes à atividade policial ou a ação dos

manifestantes e os possíveis interpretativos a partir do contexto e da experiência de

vida do leitor, seja por meio da sua função de ancoragem, ou pelos efeitos simbólicos que dela advêm.

93 Se os imaginários se organizam em sistemas de pensamento coerentes,

criadores de valores, a análise da imagem trazida a lume pela narrativa não é diferente, ela cumpre seu papel de fixação do discurso até então produzido, já que é

uma imagem indicial, registra um momento do protesto e das ações dos ‘Black bloc’,

resgatando um imaginário de um saber de opinião negativo a respeito do ato de se “rebelar”, ilustrada pela imagem do coquetel molotov sendo lançado por um

manifestante. Quanto ao seu sentido simbólico, ele recupera alguns possíveis interpretativos, tais como a ideia de “incapacidade” da Polícia em lidar com protestos

violentos, ou do poder potencial do povo quando unido em prol de um objetivo em comum.

FIGURA 9 – Folha de S.Paulo

Fonte: Folha de S. Paulo, 2014, p. 10.

Ainda na busca por um efeito de imparcialidade, a construção discursiva

ativa o imaginário negativo a respeito do ato de se rebelar, mostrando ao leitor que

apesar dos objetivos alegados pelos manifestantes, havia um distanciamento entre “Black blocs” e trabalhadores, conforme se vê a seguir: “‘Black blocs’ se irritaram

94 com os trabalhadores. ‘Vocês chamam o povo para as ruas e agora correm, covardes’, gritou um deles. Altino Prazeres Junior, presidente do sindicato, disse que as manifestações devem ser pacíficas” (p. 10).

A alternância do papel actancial da polícia e dos manifestantes acaba por

funcionar como uma balança para que o leitor possa, a partir dos conhecimentos de

seus imaginários, evocar uma imagem estereotipada da polícia, já a imagem de violência, relacionada à Polícia encontra-se cristalizada no imaginário social. Ao destacar que “Jornalistas da CNN são feridas por estilhaços – Feridas sem

gravidade no protesto no metrô Carrão, as duas jornalistas da CNN foram medicadas [...] e liberadas” (p. 10), a narrativa ativa outro sentido que é a quebra de expectativa do leitor, uma vez que o saber de conhecimento vai lembrar ao leitor

que, apesar de estar em meio aos protestos, o papel actancial das jornalistas, noticiar um acontecimento, alcança um status de “quase sagrado”, de “intocável”. Terem sido atingidas por uma bomba de gás, lançada pela polícia, conforme registra

a narrativa, além de reforçar um estereótipo de que a polícia é “violenta”, reforça o

imaginário de “despreparada” e de que não seleciona seus alvos potenciais, distinguindo manifestantes de “Black bloc”, dos profissionais que fazem cobertura do evento ou de pessoas do povo que circulam no entorno da área de conflito.

A rede transmitia o programa ao vivo. Enquanto Darlington falava, a polícia atirou uma bomba de gás em direção ao grupo em que ela estava. Após o disparo, ela se abaixou e disse ao cinegrafista: “Temos que sair daqui, atingiu meu braço”. “Estava com capacete e máscara, mas tirei para fazer o ao vivo”, disse Darlington. (Folha de S. P., 13 jun. 2014, p. 10, grifo nosso).

A matéria vai narrar ainda a manifestação ocorrida no Rio de Janeiro, na

mesma data, ocasião em que duas manifestações foram contidas pela polícia com

uso de bombas de efeito moral e gás de pimenta. De acordo com a matéria publicada pelo jornal, “no Rio, duas manifestações acabaram em confronto com a

PM, que usou bombas de efeito moral e gás de pimenta. Houve seis detidos” (p. 10,

grifos nossos). O que o excerto não revela é se houve a necessidade do uso da força ou o que deu início ao confronto, informação inserida mais adiante no texto narrativo.

A inserção das informações sobre o “confronto” se inicia pelo relato do

quantitativo de manifestantes, conforme se vê: “[...] um dos atos, em Copacabana,

95 reuniu cerca de 600 pessoas à tarde. Um fotógrafo levou uma pedrada na cabeça e

foi socorrido” (p. 10). O destaque do excerto fica por conta da pedrada na cabeça do fotógrafo, o que ativa no imaginário do leitor suas crenças acerca do ato de manifestar. A narrativa registra também o papel actancial de agente de atos

violentos, se contrapondo ao papel actancial de paciente da polícia, conforme se segue: “[...] manifestantes atiravam pedras, paus e garrafas de vidro. Dois PMs

ficaram feridos” (p. 10). No excerto, a informação de que dois policiais ficaram

feridos não ganha o mesmo relevo dado aos ferimentos das repórteres ou do fotógrafo.

Ao narrar o ato ocorrido em Belo Horizonte, a matéria apresenta como

motivação para a confusão entre policiais e manifestantes, o ato de queimar uma bandeira, o que possibilita ao leitor interpretar o ato como um motivo menor, “irrelevante”, para uma intervenção policial. Ao mesmo tempo em que o discurso

remete, simbolicamente, para o período do regime militar no Brasil, quando quaisquer atos contra os símbolos nacionais eram considerados crimes graves

contra a pátria. Acrescenta-se a isso que, ao relatar “Em Belo Horizonte a confusão teve início quando manifestantes ameaçaram queimar uma bandeira do Brasil na

Praça da Liberdade – perto do relógio da Copa” (p. 10), chama-nos a atenção a referência que a matéria faz ao local onde ocorreram os tumultos, perto do relógio

da Copa, uma referência à Fifa e às condições impostas por ela para a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil.

Interessante notar que a narrativa sugere que apenas a ameaça de

queimar uma bandeira próximo ao relógio da Copa foi o suficiente para que os manifestantes fossem contidos com o uso da força, vejamos: “Eles foram contidos pela Tropa de Choque, que lançou gás lacrimogêneo e balas de borracha” (p. 10). A mesma estratégia é utilizada para frisar que “[...] houve pânico e gritaria, e grande

parte das cerca de 800 pessoas que engrossavam o ato recuou” (p. 10). Um dos possíveis interpretativos que se pode extrair do trecho citado é que a maioria dos

manifestantes era formada por pessoas ordeiras que exerciam o direito constitucional de expressarem sua indignação contra a Fifa, contra o governo,

aumentos de passagens e vários outros motivos expostos durante o período das manifestações.

96 Novamente, a narrativa sugere uma quebra de expectativas do leitor (A

matéria se pauta, inicialmente, em um enfrentamento entre polícia e “Black bloc”) é

evocado com o destaque dado ao ocorrido com um fotógrafo da revista Reuters,

bem como com o fotógrafo Élcio Paraíso, conforme podemos ver, “[...] o fotógrafo

Sérgio Moraes, da Reuters, foi atingido por uma pedrada na cabeça. Já o fotógrafo Élcio Paraíso foi atingido por uma bala de borracha. Segundo a PM, 12 pessoas

foram detidas” (p. 10). Nesse excerto, pode-se perceber que a narrativa engendra imaginários discursivos diversos, tanto no que tange à ação dos manifestantes,

quanto ao que se refere à ação dos policiais, haja vista que enquanto um foi atingido, supostamente, por uma pedra lançada pelos manifestantes, o outro foi atingido por uma bala de borracha, artefato utilizado pela polícia no controle de distúrbios civis ou outras ocorrências de natureza complexa. 4.9 Folha de S. Paulo (14 jun. 2014) A análise da matéria publicada pelo jornal Folha de S.Paulo de 14 jun.

2014 sob o título: “PM se excedeu ao agredir jovem, diz comandante”, evoca, já de início, um conhecimento de saber que a polícia atua de forma violenta; o título da matéria, atribuído ao comandante da instituição, dá a esse conhecimento o valor de

real, mesmo que este tenha se referido a apenas um PM que teria utilizado o spray de pimenta contra um dos manifestantes.

O comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, Benedito Roberto Meira, disse nesta sexta-feira (13) que houve excesso por parte de um PM que usou spray de pimenta nos olhos de um manifestante imobilizado durante o ato anti-Copa realizado no dia anterior na zona leste da cidade. (Folha de S.Paulo,14 jun. 2014, p.13)

A estratégia discursiva de citar que o manifestante já estava imobilizado,

é a garantia de que a ação do policial foi desnecessária e até mesmo contrária às normas legais. Outro fator que parece reforçar o imaginário de uma ação negativa

da polícia é o fato de que era um manifestante, aparentemente desarmado,

conforme se demonstra o excerto seguinte: “[...] o professor de inglês Rafael Marques Lusvarghi, 29, estava sozinho em frente à tropa quando levou dois tiros de borracha no peito. Em seguida, ele foi imobilizado pelo comandante da operação e

97 ao menos mais cinco PMs” (p.13, grifo nosso). A partir do excerto, cabem vários

possíveis interpretativos, entre eles o imaginário de uma polícia “arbitrária”, “violenta”

e “despreparada”, além disso, inicialmente, temos a figura de um professor, figura que engendra um saber de conhecimento ligado a conhecimento; formação; educação; representa uma parcela da sociedade organizada e ordeira. A narrativa

não somente engendra diversos imaginários a partir do ocorrido com o professor,

como também se utiliza do discurso deste para criar um efeito de real, conforme

podemos verificar a seguir: “‘[...] quando a PM começou a avançar, mantive a posição. Eles jogaram algumas bombas e eu arremessei uma de volta’, afirmou ele”.

Além do efeito de real, a citação em discurso direto revela também os imaginários

inerentes aos manifestantes, os quais devem estar sempre preparados para o enfrentamento, a lutar pelos ideais mesmo que isso represente risco à vida de cada um deles.

Os imaginários de uma polícia violenta são engendrados e legitimados

por meio de diversas estratégias discursivas, seja citando o ponto de vista do

manifestante, em discurso direto, ou por meio de uma citação em discurso direto do

comandante da Polícia Militar do Estado, mesclando o relato com um pequeno trecho em discurso indireto, como se vê no excerto a seguir: “[...] mesmo algemado e

imobilizado, Lusvarghi foi atingido por um jato de spray de pimenta nos olhos.

Segundo Meira, a utilização do gás era desnecessária”; como se vê, não há uma legitimação melhor para apoiar um discurso de “violência arbitrária” do que a

afirmação do comandante da instituição encarregada de manter a ordem e a segurança pública.

No entanto, se o comandante da polícia assume o erro de um de seus

policiais, o secretário de Segurança Pública do Estado concebe a ação como

correta, vejamos: “[...] durante a entrevista, o secretário de Segurança Pública, Fernando Grella, afirmou que, em geral, ‘a polícia agiu corretamente”. A citação do

posicionamento do Secretário de Segurança Pública evoca um outro imaginário, concernente ao posicionamento do governo frente aos manifestantes, além de

revelar um possível descompasso entre representante do governo e representante

da polícia. Ao evidenciar, em discurso direto, o posicionamento do secretário, a narrativa conclama o leitor a uma interpretação não só voltada para o descaso do

governo para com a comunidade, como abre possibilidade para diversos outros

98 interpretativos no que concerne à relação entre governo e povo. De acordo com o Secretário, “‘[...] aquilo [spray nos olhos] mostra um instante, precisamos ver o contexto. Por isso, foi instaurado um inquérito’, disse Grella” (p. 13). Uma das formas

do Secretário assegurar uma posição governamental imparcial e legalista é sugerida

com o acréscimo da informação de que foi instaurado um inquérito para apurar o ocorrido. Porém, uma nova citação da fala do comandante da PM sugere uma readequação da postura do policial, de forma a se adequar à fala do secretário, vejamos: “[...] o comandante da PM diz que a maior dificuldade para identificar

policiais que cometem excessos é a resistência das vítimas” (p. 13); seria essa

talvez uma forma de se adequar ao posicionamento governamental, sem, contudo,

assumir a falta de apuração por parte da polícia. Em caso de uma falta de apuração e responsabilização, ficam as palavras do comandante da polícia, “[...] quando as

pessoas são convocadas para fazer reconhecimento fotográfico, que apareçam” (p. 13).

Novamente, a imagem tem um papel muito importante na narrativa, pois a

imagem do professor, sozinho, desarmado e sem a camisa, está longe de cumprir apenas a função indicial. Além de complementar a narrativa, a carga simbólica

agregada à imagem do professor é muito forte, pois podem levar a vários

interpretativos, tais como A imagem de um “cristo” contra as injustiças sociais (ideia de pureza); “De peito aberto” contra as injustiças, ou seja, o povo precisa enfrentar

as injustiças, os desmandos etc.; mais uma vítima indefesa da polícia violenta ou, Educação contra a força. Somente para citar alguns.

FIGURA 10 – Folha de S.Paulo

99

Fonte: Folha de S.Paulo, 2014, p. 13.

Ao evocar os vários efeitos discursivos possíveis, o discurso midiático

leva em conta também a visada de captação, pois a temática da violência policial

contra os professores é um fato antigo e agrega o interesse dos leitores e, consequentemente, garante o sucesso da tiragem do jornal.

É seguindo por essa mesma esteira que a narrativa do jornal a Folha de

S.Paulo sugere ainda outra possibilidade de interpretativo ao agregar o uso da força pela polícia ao governo, como vemos na citação seguinte: “[...] em outro evento, o

governador Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que a PM ‘agiu como é seu dever’ e ‘evitou um problema maior’” (p. 13). A citação mostra que o governo de São Paulo

atribui a responsabilidade da ação policial aos manifestantes. No entanto, ao final da citação que mostra esse posicionamento, a narrativa chama a atenção para o fato de duas jornalistas (não participantes da manifestação) terem ficado feridas.

“Imagine as consequências se a polícia não tivesse agido e permitisse a ocupação da Radial Leste e das estações de metrô com 80 mil pessoas querendo ir ao estádio”, afirmou. Ao menos 11 pessoas ficaram feridas, entre elas duas jornalistas da CNN. (Folha de S.Paulo,14 jun. 2014, p.13)

100 Se o uso da força policial, para o governo de São Paulo, foi necessário, já

que os manifestantes foram os responsáveis pelo desencadeamento da força, a

matéria tem ainda outro foco, os ferimentos causados às jornalistas da CNN. Outra citação do governador é colocada em destaque, não como uma justificativa ao uso da força, mas como uma crítica ao fato de duas profissionais de imprensa terem se ferido enquanto cobriam a manifestação: “‘[...] se a polícia não age de maneira firme,

isso pode ter consequências maiores’, disse Alckmin. Segundo ele, ‘o direito dos jornalistas está totalmente preservado’” (p. 13). É exatamente ao asseverar a

preservação dos direitos dos jornalistas que se encaixa a crítica da matéria ao governo e à própria polícia, que aparece na narrativa como uma polícia violenta e

sem critérios de avaliação para o uso da força. E se os fatos narrados até então não

são suficientes para envolver o leitor, a narrativa lança mão de mais uma estratégia discursiva para demonstrar que para defender os interesses governamentais a

polícia pode ser extremamente eficiente, vejamos: “No mesmo dia do protesto, Deic (departamento de investigações criminais) fez na quinta (12) operações de busca e

apreensão nas casas de manifestantes suspeitos de adotar a tática ‘black bloc’” (p. 13).

Estrategicamente, a narrativa acrescenta ainda o efetivo de policiais

empregados na busca efetuada em doze residências, “[...] no total, cem policiais

foram até a casa de 12 pessoas. Objetos possivelmente usados em atos, além de computadores e pendrives foram apreendidos” (p. 13). O efeito dessa demonstração

de força policial, cem policiais para efetuar busca em doze residências, pode representar para o leitor que apenas quer lutar por seus direitos, muito mais que um exagero, possivelmente um autoritarismo sem precedentes, além de despertar no

imaginário social coletivo reminiscências de um passado próximo de um “estado de

exceção”, situação em que os direitos individuais e coletivos são suspensos por meio de um ato governamental, o que remete ao regime militar vivido no Brasil, a partir de 1964, até meados da década de 80.

101 4.10 Folha de S.Paulo (21 jun. 2014) O título da matéria, “PM errou ao fazer acordo, diz secretario”, dá ao leitor

o tom da narrativa, conforme se vê na citação a seguir: “Grella afirma só ter sido

informado depois do protesto de que a polícia manteve distância do ato após pedido

do MPL. – Segundo secretário, vandalismo voltará a ser coibido pela polícia nas manifestações, a começar pela segunda” (p. 11, grifo nosso). A citação da afirmação do secretário ativa no imaginário do leitor uma imagem de uma polícia “incapaz” de

executar um planejamento e levá-lo à execução. Se a citação anterior demonstra uma dependência do gerenciamento político, a citação seguinte tende a agregar o

valor de legitimação do imaginário ativado: “O secretário da Segurança Pública de

São Paulo, Fernando Grella Vieira, afirmou que a Polícia Militar falhou ao fazer um acordo com o MPL (Movimento Passe Livre) para acompanhar à distância o protesto

da quinta (19), que terminou em depredações na zona oeste de São Paulo” (p. 11, grifo nosso). Ao citar a afirmação de que a Polícia Militar falhou, a narrativa reforça uma imagem estereotipada, já existente da polícia, de que falta à instituição condições técnicas de costurar acordos e solucionar conflitos de forma pacífica.

Outro imaginário que é ativado pela narrativa seria o de uma dependência

política que a polícia teria do secretário, exatamente por não ter a prática da

parlamentação, imaginário que fica evidente a partir da citação seguinte: “Grella disse ainda que não sabia do acordo entre a PM e o MPL, que a corporação foi ingênua e que demorou para intervir quando os atos de vandalismo começaram” (p.

11). Ingenuidade é uma característica que não combina com uma instituição que tem por responsabilidade a manutenção da segurança pública, prevenindo e reprimindo

os mais diversos crimes. No entanto, é exatamente essa característica que é atribuída à polícia de São Paulo, pelo secretário de Segurança Pública e

referendada pela Folha de S. Paulo, por meio da citação da fala de Grella. As

citações deixam transparecer uma falta de autonomia da polícia em executar as atividades que lhes são inerentes, conforme se vê abaixo:

“Houve um equívoco, houve uma falha, nisto [acordo] resposta da PM quando os atos de vandalismo se fortemente. Eu só soube do acordo depois. Não tinha o orientação”, afirmou o secretário nesta sexta (20). (Folha 2014, p. 11)

e no tempo de colocaram mais nosso aval essa de S. P., 21 jun.

102

A narrativa da Folha de São Paulo tem como principal foco o acordo entre

a polícia e o Movimento Passe Livre (MPL), mostrando o descompasso entre a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e a instituição policial, o que também

pode evidenciar que os interesses políticos estão sendo colocados acima dos

interesses da comunidade. Fato que se torna mais evidente com a leitura da citação

em que o Secretário se refere ao bloqueio da radial leste, conforme se vê: “Grella disse que há determinação expressa para que a Radial Leste, principal via de

acesso à arena, não seja bloqueada em atos, assim como outras grandes avenidas, como a marginal Pinheiros, fechada pelo MPL na quinta” (p.11). Assim como os manifestantes, a narrativa marca também o posicionamento da Folha de S.Paulo,

contrário a ações que visem satisfazer apenas os interesses da Copa do Mundo. A estratégia, como em outras matérias, consiste em se utilizar das citações das diversas personagens que são introduzidas na matéria, tais como “O secretário não

especificou se essa determinação vale para a av. Paulista, que terá um ato contra a

Copa na segunda (23), mas afirmou que a ordem é agir como na abertura da Copa, no dia 12” (p. 11).

A narrativa traz à tona o interesse da Folha de S.Paulo com outra

manifestação marcada para o dia 23 jun. 2014, na Avenida Paulista. Interesse que

parece evidente quando a narrativa retoma outra manifestação, ocorrida dias antes,

por ocasião do início da Copa. A matéria relata que “na ocasião, a PM sufocou um protesto com mascarados a 11 km do Itaquerão. Jornalistas ficaram feridos com estilhaços de bombas de gás” (p. 11, grifo nosso). Outro aspecto que chama a

atenção é a quebra de expectativa do leitor, quando a matéria retoma o fato de duas

jornalistas da CNN terem se ferido durante a manifestação. Daí uma preocupação que pode ser justificada pela afirmação do secretário de Segurança Pública do

Estado, “[...] qualquer ato que se esboce no sentido de vandalismo vai ser contido,

afirmou” (p. 11). A essa afirmação equivale pensar em uso de força e a possibilidade de novos feridos.

Assim como o secretário de Segurança Pública de São Paulo, o

Governador do Estado também marcou seu posicionamento, “[...]em entrevista à TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo, o governador Geraldo Alkmin (PSDB) disse que

a ação passará por revisão” (p.11). Uma estratégia somente precisa ser revisada se

103 for inadequada. Na matéria sob análise, são várias as menções à inadequação da estratégia adotada pela polícia (Ex.: “houve excesso por parte de um PM”, “[...] O

professor de inglês [...] estava sozinho em frente a tropa quando levou dois tiros

[...]”, entre outras) ao tentar solucionar um impasse, negociando com os

manifestantes. A afirmativa do governador de São Paulo é imperativa: “A estratégia vai ser revista pela polícia, e ela estará presente [nas próximas manifestações]” (p. 11). As críticas não ficam por aí.

A narrativa subdivide-se e, com um subtítulo chamativo, evoca os

imaginários sociais relacionados aos manifestantes, em caixa alta e negrito, a

estratégia se desenvolve sob o seguinte subtítulo: “RESPONSABILIZAÇÃO – Segundo o secretário da Segurança, o MPL pode ser responsabilizado pelas

depredações – agências bancárias e lojas de carros de luxo foram atacadas por ‘black blocs’”. (p. 11). Há um deslocamento do eixo da notícia para os atos de

depredação praticados por um grupo de manifestantes, o que eufemiza os desencontros entre Governo e polícia. A citação do secretário de Segurança de que

“nas manifestações do MPL [há] a presença dos ‘black blocs’. Quem convoca uma manifestação tem que liderá-la e ter controle sobre aqueles que participam” (p. 11)

acaba por atribuir parte da responsabilidade dos atos de vandalismos à liderança do MPL, o que ameniza as falhas apontadas ao início da narrativa, alusivas ao acordo entre polícia e MPL.

As imagens que ilustram a matéria registram a atuação dos “black blocs”,

assim como mostram o trabalho da polícia técnica após os atos de vandalismos. São

imagens que cumprem uma função indicial, porém agregam um sentido simbólico

que engendram diversos imaginários sociais, tanto no que se refere à polícia, quanto no que se refere aos manifestantes.

104 FIGURA 11 – Folha de S.Paulo

Fonte: Folha de S.Paulo, 2014, p. 11

Ao atribuir a responsabilidade dos fatos ocorridos à polícia (por

costurarem um acordo com o MPL sem autorização do secretário) e aos líderes do

Movimento Passe Livre – MPL (por entender que a liderança tem responsabilidade sobre os manifestantes), a matéria publicada pela Folha de S.Paulo volta a jogar luz

sobre as críticas contra a polícia que deram o pontapé inicial na narração. Quanto

aos manifestantes, de acordo com o secretário, apesar de lhes atribuir responsabilidade nas depredações, “[...] ele preferiu não dizer se integrantes do MPL

serão indiciados. O episódio, continuou, irá para um inquérito instaurado desde 2013 pela Polícia Civil”. (p. 11). Há uma devolução da responsabilidade à polícia. Agora, a

responsabilidade pela apuração e uma possível punição cabe à instituição policial e ao Ministério Público.

Em outra citação da fala do secretário, a narrativa mostra que há uma

tentativa de eximir qualquer responsabilidade governamental no que tange ao

Movimento, já que somente o Ministério Público pode apresentar a denúncia, como se vê a seguir: “[...] o secretário disse que o MPL ainda pode ser punido na esfera civil, o que depende de ação do Ministério Público”. (p. 11). Estratégia que é corroborada por outra citação atribuída ao advogado Anis Kfouri, como se vê a

seguir: “[...] para o advogado Anis Kfouri, o grupo pode mesmo ser responsabilizado. ‘A partir do momento em que você incita um protesto sem tomar uma medida minimamente preventiva, você é responsável pelos possíveis danos’, disse”. (p. 11).

105 A sequência narrativa retoma a questão do papel actancial da polícia

como agente de uma estratégia que levou aos atos de depredação, “[...] a estratégia

policial causou estranheza até quem já liderou a corporação”. (p. 11). Na tentativa de

agregar à afirmação um valor de real, a narrativa busca nas palavras de um político e ex-comandante da corporação, uma reafirmação do erro da polícia ao costurar um acordo com o MPL e acompanhar a manifestação a distância: “O vereador Álvaro

Camilo (PSD), que comandou a PM por três anos, disse que a polícia deve negociar,

mas colocar a tropa em locais de onde possa intervir” (p. 11). A afirmativa aponta o que seria um dos primeiros erros da corporação, ao qual outros se seguirão.

Ainda citando as falas do vereador Álvaro Camilo, a narrativa da Folha de

S.Paulo segue mostrando outras falhas da polícia face à manifestação, “‘[...] a partir

do momento em que começaram a quebrar, deve haver intervenção, independente de acordo. Ao que vi, eles estavam um pouco longe’, afirmou”. Ao afirmar que a

intervenção independe de acordo, o ex-comandante refere-se claramente a uma obrigação legal da instituição em combater todo e qualquer ato considerado ilícito.

Outros atores são incluídos na narrativa, mostrando outros pontos de

vista e ativando no leitor diferentes imaginários, como é o caso da dona de uma das

lojas depredadas, “[...] uma das donas das lojas depredadas por ‘black bocks’ durante o protesto da quinta (19) comentou o caso em sua página numa rede social” (p. 11), e a citação dos seus comentários, em discurso direto, aciona imaginários

relacionados a um outro grupo social, teoricamente, à margem dos movimentos sociais ou das estratégias governamentais.

“A gente dá emprego pra um monte de gente, não xinga a presidente, faz tudo certinho e é isso que recebe em troca”, disse Mariana Caltabiano. “O pior é que minha mãe tinha acabado de cuidar da reforma dessa loja pessoalmente e estava bem feliz.” (Folha de S.Paulo,14 jun. 2014, p.13)

A inclusão de personagens como Mariana, em uma narrativa que tem

como objetivo trazer a público os atos de vandalismo de um pequeno grupo

“infiltrado” no Movimento Passe Livre (MPL), bem como evidenciar falhas da instituição policial no acompanhamento e combate a atos de natureza ilegal,

evidencia também uma estratégia discursiva de buscar um efeito de imparcialidade, por meio do ponto de vista de diferentes pessoas e seguimentos, “Mariana afirmou

106 também ser ‘a favor das manifestações, mas sem vandalismo’”. (p. 11). A

imparcialidade, neste caso, está ligada apenas ao direito de manifestação, excluindo-se os atos de vandalismo que deveriam ter sido coibidos pela polícia.

Outra demonstração de um discurso de imparcialidade é apresentada por

meio da citação da fala, em discurso indireto, do professor de História Lucas Monteiro, um dos militantes do MPL, vejamos: “MPL diz que não condena ação de “black blocs” – Militante do MPL (Movimento Passe Livre) e professor de História,

Lucas Monteiro, 30 anos, não defende, mas não condena, a ação de ‘black blocs’

nas manifestações do movimento” (p. 11). Aqui, porém, o aspecto da imparcialidade ganha novos contornos, pois a afirmação de que não defende, mas também condena a ação dos “Black blocs”, passa ao leitor um possível interpretativo de que o militante citado não se importa com os atos praticados pelos “Black blocs”. 4.11 Folha de S.Paulo (28 jun. 2014) A matéria publicada pela Folha de S.Paulo em 28 jun. 2014 apresenta

uma característica bastante diferente das matérias analisadas até então. A narrativa

consiste em traçar um paralelo entre um policial e um manifestante, mostrando os pontos de vistas, sentimentos, crenças de cada um. As imagens que compõem a

matéria jornalística mostram um oficial da Polícia Militar, pertencente ao Batalhão de

Policiamento de Eventos, à esquerda, e, logo abaixo, uma das lideranças dos protestos antiCopa. São imagens de arquivo cuja função está além de ilustrar a

matéria jornalística. Por trás da aparência tranquila de um policial em posição marcial e de um advogado, membro de movimentos sociais, muitos possíveis

imaginários se escondem. Se por um lado, a imagem de um policial fardado engendra imaginários ligados à repressão, à força estatal, de outro lado, a imagem

de um advogado, trajando calça jeans e camiseta com dizeres contra a realização

da Copa da Fifa, engendra imaginários que simbolizam o povo, a luta contra a força, luta contra a “[...] apropriação do espaço público por uma entidade privada”. (p. 14).

107 FIGURA 12 – Folha de S.Paulo

Fonte: Folha de S. Paulo, 2014, p. 14.

Alternando as vozes das personagens da matéria jornalística, por meio de

citações em discurso direto e indireto ou até mesmo estabelecendo algumas relações, a narrativa segue construindo um imaginário sobre o policial e sobre o manifestante. Inicialmente, a narrativa apresenta a voz do policial, “[...] não vim de marte. Sou PM em uma sociedade desigual – Nós PMs, somos a voz que a

sociedade não escuta. Quando morremos ninguém percebe que há uma pessoa

dentro da farda”. (p. 14). Esta é uma percepção única de um indivíduo pertencente a uma organização policial, há uma queixa, de uma maneira geral, de que o policial não é reconhecido como um membro da sociedade.

E o que dizer quando o mundo acadêmico, que deveria pregar a

igualdade, mostra o seu estranhamento ao se deparar com um policial que busca o

aperfeiçoamento do seu nível de formação acadêmica? É o que sugere a narrativa quando nos mostra a citação, em discurso direto, da fala de Steevan, o policial

militar: “[...] quando fiz seleção de mestrado, ao dizer que era PM, uma professora

disse: ‘coitado’. Era como se ela dissesse: como ele quer entrar nesse jogo? Esse jogo não é para ele”. (p. 14). A citação do policial nos leva a uma outra questão, a

imagem da polícia, no imaginário social coletivo é que a instituição é composta de

108 indivíduos de baixa escolaridade e um alto potencial para resolução de conflitos com

uso da força física. É essa imagem cristalizada no imaginário social que explica a

reação dos colegas de curso de Steevan, “[...] no início, eu sentia o estranhamento

dos colegas, um movimento corporal de afastamento” (p. 14); é como se o policial fosse portador de uma doença contagiosa e estivesse tentando invadir um mundo que não é o seu. Uma pós-graduação não combina com sua profissão.

Da mesma forma, os objetivos também parecem causar estranheza ao

mundo acadêmico, assim como à Folha, que os revela por meio de outra citação de

Steevan: “[...] fui para a universidade para pesquisar os protestos, porque é lá que constrói o conhecimento, mas dentro da biblioteca. Minha voz não estava lá, e eu

queria levar a minha voz”. (p. 14). A narrativa revela ainda que há uma diferença de paradigmas entre o pensamento policial e o pensamento do mundo acadêmico que a Folha de S. Paulo mostra por meio da citação de Steevan:

Para o mundo acadêmico, a polícia faz repressão. Para mim, o que eu faço é mediação. Sou favorável às manifestações. Numa democracia, a participação não pode se restringir ao voto na urna. Mas se há aquele que quer protestar, há também aquele que quer passar. E somos nós que temos que mediar isso. (Folha de S.Paulo,28 jun. 2014, p. 14)

A narrativa mostra ainda que, no que tange à violência, as percepções

são bem diferentes, como podemos ver na citação do policial Steevan: “[...] dizem que a polícia brasileira é violenta. Mas a sociedade é violenta. O policial não vem de

Marte ou da Lua. Vem da mesma sociedade desigual”. (p. 14). Ao mostrar o olhar de

um policial para a questão da violência e para a sociedade, de forma geral, diferentes imaginários são acionados e mostra que o olhar de um policial para a

sociedade que o observa e julga a todo tempo pode devolver a essa mesma sociedade os mesmos julgamentos e acusações sofridos, o que sugere que o processo de estereotipagem é uma via de mão dupla.

A matéria estabelece ainda uma relação entre o policial e o manifestante

em dias de jogos; são diferentes objetivos a partir de diferentes atividades que vão,

consequentemente, engendrar diferentes imaginários, vejamos: “[...] em dia de jogo

Brasil x Chile, no Mineirão, em Belo Horizonte Steevan Oliveira e Luiz Fernando Vasconcelos acordam com propósitos diferentes”. (p. 14). As diferenças começam a

109 ser estabelecidas a partir dos propósitos de cada um e ganham novos contornos a cada trecho acrescentado à narrativa. Inicialmente, a estratégia discursiva consiste

em descrever a postura do policial em dias de jogos, como se vê: “Steevan vai vestir a farda da polícia militar para atuar em casos de ‘confrontos violentos’. Ele integra a tropa de choque da Polícia Militar mineira”. (p. 14). Na narrativa, Steevan não é

descrito apenas como um policial militar, mas como um integrante da tropa de

choque da polícia, aliás, é exatamente a tropa que participa diretamente dos confrontos com os manifestantes.

Em seguida, há uma descrição de Luiz Fernando, advogado militante dos

movimentos sociais, logo a seguir: “Luiz é uma das lideranças dos protestos antiCopa. Vai vestir sua camiseta contra a Fifa e denunciar a ‘apropriação do espaço público por uma entidade privada’. O movimento que Luiz representa defende o fim

da PM”. (p. 14). A descrição de Luiz Fernando agrega também elementos importantes na formação de imaginários, pois além de ser uma das lideranças dos

protestos antiCopa, defende o fim da PM e denuncia a apropriação do espaço público por uma entidade privada, no caso, a Fifa.

A narrativa apresenta também uma pequena análise da distância social

entre as personagens da narrativa, “[...] entre eles, há uma ponte frágil, uma amostra das fraturas provocas pela desigualdade do país. Ambos são alunos do curso de mestrado em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mas

Steevan é o único PM no curso”. (p. 14). Um dos imaginários que certamente serão ativados é que, apesar de transitar também pelo mundo acadêmico, Steevan é o único PM no curso, uma exceção à regra, talvez a causa de tanto estranhamento dos colegas de curso. Porém:

“Luiz Fernando é advogado que trabalha como voluntário para causas sociais. Pertence às Brigadas Populares, organização política que reivindica a reforma urbana, entre outras bandeiras. Seu movimento defende a extinção da Polícia Militar. Em um protesto, no segundo semestre do ano passado, Luiz Fernando e Steevan encontraram-se”. (Folha de S.Paulo,14 jun. 2014, p. 14)

O encontro entre os personagens, apresentado na narrativa, também cria

efeitos interessantes para o leitor, vejamos: “‘Foi um estranhamento vê-lo de farda. Mas conseguimos uma solução pelo diálogo’, conta. Considero ele um amigo, mas sei que, se o bicho pegar, a PM vai reprimir”. (p. 14). A citação mostra que, apesar

110 da amizade, a farda surge como um obstáculo que se interpõe não apenas entre o vínculo de amizade entre as personagens, como também entre as atividades de

ambos, entre os objetivos dos movimentos sociais e a missão da polícia, entre outros. É o que mostra o trecho a seguir, que, ao mencionar os protestos de 2013,

em Belo Horizonte, evidencia a ação “violenta” da polícia e a prisão de manifestantes, em especial, de um repórter da Mídia Ninja.

Belo Horizonte foi um dos principais palcos dos protestos de junho de 2013. A repressão policial foi violenta. As manifestações contra a Copa são muito menores, ainda assim manifestantes foram presos e um repórter da Mídia Ninja afirma ter sido espancada. (Folha de S.Paulo,14 jun. 2014, p. 14)

Outra estratégia discursiva empregada pela Folha de S. Paulo é retomar

um fato anterior, a cassação de uma liminar proibindo a polícia de executar a tática

de cercamento (envelopamento) dos manifestantes, como se vê: “[...] uma liminar

que proibia o cerco policial e revistas em manifestantes foi cassada na quinta-feira (26) por recurso da Advocacia Geral do Estado”. (p. 14). Ao remeter o leitor à cassação da liminar, a Folha de S. Paulo, por meio de um jogo de discursivo, leva o

leitor ao pressuposto de que havia uma liminar limitando a ação da polícia e, mais importante é que se a justiça entendeu inicialmente que cabia expedir a liminar

limitando a ação policial, certamente há indícios que tais procedimentos policiais estariam em descordo com as leis. No caso, confrontando diretamente com o direito

constitucional de se manifestar. Além da cassação da liminar, a matéria é acrescida

com a informação de que “[...] a PM convocou unidades do interior do Estado e botou mais de 13 mil policiais nas ruas”, o que para o leitor pode representar mais repressão aos manifestantes.

A matéria é fechada com duas citações, uma de Luiz Fernando,

comparando a ação policial a um período ditatorial, “‘[...] vivemos uma situação semelhante à ditadura militar’, diz Luiz Fernando” e a citação do policial militar

Steevan, argumentando em defesa da polícia, “‘[...] gritam ditadura quando aparecemos, mas eu nem vivi a ditadura, nem a maioria dos manifestantes’, defende

Steevan. ‘Minha lógica não é a do nós e eles. São papéis diferentes’”. (p. 14). Ao

colocar lado a lado o ponto de vista de personagens da notícia, a Folha de S. Paulo,

ao menos aparentemente, cumpre o seu papel de dar voz aos lados opostos representados pelas personagens (polícia x manifestantes); é uma estratégia

111 discursiva que pretende mostrar a imparcialidade do veículo midiático. Contudo,

lado, é uma forma de trazer ao leitor os imaginários por trás das diferentes posições ocupadas por Steevan e Luiz Fernando. 4.12 O Globo (03 jul. 2014) A matéria publicada pelo jornal O Globo em 03 jul. 2014 inicia-se com a

afirmação de que a “[...] Polícia Militar usou bombas de efeito moral para dispersar cerca 2.500 torcedores brasileiros e estrangeiros que lotavam as ruas da Vila Madalena, bairro boêmio da Zona Oeste da capital, por volta das 02h de ontem”. (p.

13). Inicialmente, a narrativa não apresenta o fator gerador da intervenção policial, apenas menciona que, “[...] de acordo com a PM, os torcedores continuavam na rua mesmo após o fechamento dos bares e estariam impedindo a limpeza das ruas” (p.

13) e, mesmo quando o relato é baseado em testemunhos, a narrativa apenas dá conta de que a PM usou bombas de efeito moral enquanto um grupo de torcedores

disparou rojões. A estratégia discursiva empregada permite ao leitor vários interpretativos, tais como os torcedores lançaram rojões após a PM usar bombas de

efeito moral, a PM usou as bombas de efeito moral para revidar os ataques com

rojões, a utilização das bombas e rojões foi simultânea, como em uma briga de torcidas organizadas etc.

“Testemunhas afirmaram que a PM usou bombas de efeito moral, enquanto um grupo de torcedores disparou rojões. Foram enviados 220 policiais, com motos e viaturas. Eles fizeram um cordão de isolamento para garantir a dispersão. Ninguém ficou ferido”. (O Globo, 03 jun. 2014, p. 13)

Além das bombas de efeito moral, a PM enviou 220 policiais, com motos

e viaturas para controlar o tumulto. A narrativa inclui uma citação, em discurso

indireto, atribuída ao prefeito de São Paulo, a qual, para um leitor atento, revela uma espécie de subordinação do município à Secretaria responsável pela realização da Copa do Mundo, vejamos: “[...] o prefeito Fernando Haddad disse que vai pedir uma

análise do plano de segurança do bairro à Secretaria competente para o jogo entre Brasil e Colômbia”. (p. 13). Porém, se a citação da fala do prefeito sugere que a

responsabilidade pela segurança do bairro está sob jurisdição da Secretaria da

Copa, a citação da fala do governador do Estado, Geraldo Alckmin, creditando a

112 ação policial à conduta dos torcedores, sugere que a ação policial está alinhada às estratégias governamentais de segurança pública, conforme se vê: “[...] já o

governador Geraldo Alckmin disse que, em situações como essa, a polícia tem que

agir: A população do bairro clama que lá está tendo problemas a madrugada inteira”. (p. 13). Ao afirmar que a população do bairro tem tido problemas a madrugada

inteira, conforme mostra o excerto acima, o governador justificou a ação policial

afirmando que o clamor público e a reação dos torcedores foram os pivôs de uma

ação policial que culminou com o uso de bombas de gás lacrimogênio por parte da

polícia, o que se busca legitimar com a alegação de que “[...] alguns torcedores exaltados reagiram arremessando pedras, garrafas e rojões. Neste momento, foi empregada uma granada de efeito moral para afastar os agressores”. (p. 13). No

entanto, a imagem que estampa a narrativa, ancorando o registro do ocorrido, traz

em si uma carga simbólica que leva o leitor a outro possível interpretativo, pois sugere que apesar das alegações de que a polícia reagiu ao ataque de rojões, por parte dos torcedores, não registra tais ataques, focando apenas na fumaça expelida

pelas bombas de gás lacrimogêneo e em alguns torcedores observando a ação, de forma pacífica. A imagem traz ainda uma legenda, com os seguintes dizeres: “De

madrugada. Bomba de gás é lançada entre torcedores na Vila Madalena”. (p. 13). Devemos nos lembrar que uma fotografia é apenas um recorte de um momento, ou

como afirma Santaella (1997), é uma foto trabalhada, escolhida, editada de acordo

com as normas profissionais, no intuito de criar o efeito de veracidade, de real. É uma imagem que possibilita ao leitor diferentes interpretativos, pois não há na

captura do momento imagem de torcedores confrontando a polícia, o que gera indagações sobre a necessidade das bombas de gás. Daí, a possibilidade de

suscitar interpretativos de que a polícia é violenta; que não está preparada para lidar com multidões de jovens que se reúnem de forma pacífica para se divertirem, entre outros. É exatamente pelas possibilidades de interpretação que a imagem pode

gerar é que se faz necessário afirmar que uma imagem não encerra em si a verdade real dos fatos, ela é apenas uma parcela dela. Veja a seguir:

113 FIGURA 13 – O Globo

Fonte: O Globo, 2014, p. 13.

4.13 O Globo (16 jun. 2014) A matéria publicada pelo jornal O Globo de 16 jun. 2014, sob o título “PM

prende jornalista do Globo que filmava prisão de torcedor”, narra a prisão de uma repórter do jornal O Globo que fazia a cobertura de uma ação policial na Quinta da

Boa Vista, focando no papel actancial da polícia, tratada como agente (actante

agressor) responsável pela prisão de uma funcionária de um veículo midiático, de

forma “arbitrária”, sob acusação de cometimento de um crime de menor potencial ofensivo, desacato.

Repórter foi algemada e acusada de desacato à autoridade – Um policial militar identificado apenas como Sargento Farias prendeu ontem à tarde a repórter do jornal O GLOBO Vera Araújo, quando ela tentava filmar uma ação de PMs na quinta da boa vista. (O Globo, 16 jun. 2014, p. 07)

De uma maneira diferente, a narrativa qualifica as personagens, a

repórter, pelo prenome e sobrenome (Vera Araújo), o militar como “[...] um policial

militar identificado apenas como Sargento Farias”. (p. 07). A identificação dos personagens sugere uma espécie de hierarquia das funções (repórter x militar). Todavia, a narrativa relata apenas que a repórter foi algemada após ser acusada de desacato de autoridade, de acordo com o jornal O Globo, “[...] os policiais deram voz

114 de prisão após a jornalista registrar imagens de um torcedor argentino que havia

sido detido por supostamente urinar na rua”. (p. 07). Outra estratégia discursiva

empregada é narrar quase todo o ocorrido em discurso indireto, o que sugere ao leitor que o narrador tem ciência de todos os fatos, conhece todos os pormenores,

mesmo que participando como um narrador observador. Há na matéria uma única citação em discurso direto, atribuída à repórter Vera, acusando o militar de haver lhe machucado o pulso. Até lá, a narrativa vai adjetivando a ação do militar (“irritado”,

“muito nervoso”), atribuindo a ele as “arbitrariedades” que a matéria deseja denunciar.

Irritado com a filmagem, o sargento, que usava uma identificação do grupamento responsável pela segurança durante a Copa, determinou que a jornalista desligasse o equipamento. Embora Vera tenha apresentado a sua identificação profissional, o sargento decidiu prender a jornalista “por desacato a autoridade”. (O Globo, 16 jun. 2014, p. 07)

A alegação de que Vera foi presa, embora tenha apresentado sua

identificação profissional, sugere uma espécie de imunidade jornalística, ignorada e vilipendiada pela polícia, conforme se vê: “[...] após colocar a Vera Araújo na patrulha o sargento, ao invés de seguir imediatamente para a delegacia registrar o

caso, percorreu por mais de uma hora ruas de Benfica, São Cristóvão e Jacaré”. (p.

07). Apesar de o leitor inferir que as informações referentes ao caso tenham sido

repassadas pela repórter, a narrativa é carregada de emoções que acabam por envolver o leitor, engendrando alguns imaginários ligados a imagens negativas da polícia já cristalizados no imaginário social.

As estratégias discursivas consistem em modular as ações do Sargento

Farias, por meio da narrativa de suas ações, mostrando que a prisão, a condução e prisão da jornalista Vera fazem parte de uma série de mal-entendidos, conforme se vê: “[...] durante o percurso, sargento Farias tomou o celular da jornalista, que

tentava fazer contato com representantes e do jornal para explicar o mal-entendido. Muito nervoso, ele decidiu parar o veículo e algemar Vera Araújo”. (p. 07). A

expressão “muito nervoso”, antecedendo a narração de que “ele decidiu parar o

veículo e algemar Vera Araújo”, demonstra uma certa afetação do narrador que parece tomar para si o ocorrido com a repórter, sugerindo que as ações do militar são baseadas na sua vontade, ignorando todo e qualquer limite legal.

115 A única citação em discurso direto é atribuída à repórter Vera, a qual

acusa o militar de lhe causar algumas lesões no pulso: “‘Ele (Farias) apertou tanto que os meus pulsos estão machucados. Ele simplesmente não quis ouvir minhas

explicações. Além disso, me agrediu verbalmente’ – disse Vera”. (p. 07). A matéria não dá voz à parte acusada das arbitrariedades, nem mesmo menciona se a

oportunidade lhe foi oferecida. Porém, acrescenta que representantes da Corregedoria da Polícia Militar foram enviados à delegacia para acompanhar o desenrolar dos fatos, elemento discursivo que vai criar um efeito de verdade às acusações proferidas contra o militar.

Ao tomar conhecimento do caso, o comando da Secretaria de Segurança e também da Polícia Militar mandaram representantes da Corregedoria de Polícia Militar para a delegacia. Segundo o tenente-coronel Cláudio Costa, relações públicas da PM, a Corregedoria vai apurar a responsabilidade do policial. (O Globo, 16 jun. 2014, p. 07)

A narrativa ancora-se na informação do oficial relações públicas da PM,

Tenente Coronel Cláudio Costa, para reforçar esse efeito de verdade, conforme vemos a seguir: “‘O comando da Polícia Militar determinou que o caso seja

investigado. O policial será ouvido e, assim que tomarmos o depoimento dele, teremos condições de informar quais as medidas que poderão ser tomadas’ –

afirmou Costa”. (p. 07). No entanto, a informação de que foi determinada uma investigação parece não ser suficiente para encerrar a matéria, pois a narrativa

retoma ainda outro ocorrido, no mês de abril, ocasião em que outro jornalista de O

Globo foi detido quando fazia fotos de uma ação de PMs. O fato é narrado nos

seguintes termos: “Em abril, um outro jornalista do GLOBO foi detido por policiais militares quando fazia fotos de uma ação de PMs, durante a desocupação da favela da OI, no Engenho Novo. Um dos policiais derrubou o aparelho celular usado pelo jornalista para filmar a operação”. (p. 07). Aparentemente, o motivo das duas detenções é o mesmo, pelo menos na versão apresentada por O Globo, a filmagem

da ação policial. O que não fica claro nas narrativas é se houve algum outro desentendimento além da filmagem, ficando explícitas as arbitrariedades que são imputadas aos policiais após as detenções.

116

Em seguida, outro PM arrancou seus óculos e lhe aplicou uma chave de braço, acusando o repórter de incitar a violência. Após ser imobilizado, ele foi filmado pelo mesmo policial, que dizia: “Estou filmando um repórter da Globo que estava jogando pedras. Vocês mostram a nossa cara, agora estou mostrando a sua”. O policial agressor não usava identificação na farda. Na época, a PM também abriu uma sindicância para apurar a ação dos policiais. (O Globo, 16 jun. 2014, p. 07)

A inversão dos papéis, ou seja, o repórter filmado por um dos policiais

que o prendeu, assume um ar de sacrilégio na narrativa do jornal O Globo, já que

este é o papel do repórter e, ainda, esse foi um dos motivos alegados para a

detenção de um funcionário do veículo midiático. O que se percebe é que a prisão dos dois repórteres é tratada como absurda pelo veículo e, em nome da defesa da

classe, o princípio da imparcialidade parece ter sido abandonado e os fatos passaram a ser considerados como ataques à imprensa.

A prisão do repórter em abril levou a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Nacional de Jornais e o Sindicado dos Jornalistas do Rio a condenarem a prisão do repórter e os ataques à imprensa. (O Globo, 16 jun. 2014, p. 07)

As estratégias discursivas vão se alternando, da acusação de ataques à

imprensa, após as prisões de Vera e de outro repórter meses antes, a narrativa toma novo rumo, passando a tratar do confronto entre PMs e manifestantes, durante um

ato público, conforme se vê: “Manifestantes e PMs se enfrentam no Rio – Um

protesto contra a Copa do Mundo na Zona Norte reuniu apenas 200 pessoas, mas terminou em confronto e depredação de bancos, na noite de ontem”. (p. 07, grifo

nosso). Novamente, a narrativa recebe uma modulação quando se refere ao número de participantes, apenas 200 pessoas, e ainda assim houve confronto com a polícia,

vejamos: “O ato que foi marcado pelas redes sociais, começou pacificamente na Praça Saens Peña, na Tijuca e seguiu em direção ao Maracanã, onde Argentina e

Bósnia – Herzegovina jogavam”. (p. 07). Além da informação sobre a quantidade de manifestantes, outra estratégia discursiva é verificada na informação de que o ato “começou pacificamente”, o que possibilita ao leitor a acionar um dos imaginários já

117 cristalizados no imaginário social de que a violência e o confronto devem ser creditados à polícia.

E é exatamente o que sugere a narrativa, conforme podemos ver no

excerto seguinte: “Policiais militares acompanharam a passeata até a avenida do

Maracanã, onde fizeram uma barreira humana e dispararam bombas de efeito moral. Os manifestantes se dispersaram por ruas dos bairros Maracanã e Vila Isabel”. (p. 07. Nesse excerto, a narrativa parece sugerir que os manifestantes foram sendo

tangidos até um local previamente escolhido para então serem atacados com bombas de efeito moral. Até aqui, a narrativa não faz menção a possíveis motivos

para os disparos de bombas de efeito moral. Somente ao narrar o confronto no Boulevard 28 de Setembro, o ataque à polícia é narrado.

No Boulevard 28 de Setembro, houve confronto, e policiais foram atacados com coquetéis molotov e pedras. Um motorista que ficou acuado no trânsito desceu do carro, um Fox prata, e deu vários tiros para o alto. Os manifestantes jogaram pedras no veículo, mas o homem conseguiu fugir. (O Globo, 16 jun. 2014, p. 07)

O confronto no Boulevard 28 de Setembro é narrado também por meio de

imagem, a qual cumpre sua função primeira que é registrar o ocorrido. No entanto,

quando se analisa toda a matéria publicada pelo O Globo, desde a prisão da repórter Vera Araújo, à narração dos confrontos entre manifestantes e polícia,

podemos perceber uma imagem com grande carga simbólica. É uma imagem que reforça os imaginários de despreparo da polícia para lidar com manifestações violentas, ao mesmo tempo em que a narrativa registra pelos menos dois fatos que

colocam a polícia em uma posição de violenta e arbitrária, porém, nos dois relatos, o que a narrativa apresenta como vítimas, são dois repórteres do jornal O Globo. Vejamos a seguir a imagem utilizada pelo O Globo na narrativa:

118 FIGURA 14 – O Globo

Fonte: O Globo, 2014, p. 07

4.14 O Globo (26 jun. 2014) Em 26 jun. 2014, o jornal O Globo, por meio do título “PM é proibida de

cercar manifestantes em BH”, apresenta ao leitor uma tática diferente da polícia

mineira para lidar com os manifestantes e evitar atos de vandalismo. A narrativa apresenta alguns elementos discursivos que atuam junto ao imaginário do leitor,

despertando-o para uma situação que sugere uma espécie de arbitrariedade. Por exemplo, o ato da polícia “[...] isolar os manifestantes cercando o espaço público com forte aparato policial”.

Após atos de vandalismo próximos da Praça da Liberdade, na Zona Sul, no dia da estreia do Brasil contra a Croácia, em São Paulo, a PM mineira passou a usar a tática de isolar os manifestantes cercando o espaço público com forte aparato policial. Com essa estratégia, os policiais já atuaram com sucesso na Praça Sete, no Centro e na região da Savassi, na Zona Sul. (O Globo, 26 jun. 2014, p. 10)

119 É esse mesmo sentimento de que um direito constitucional está sendo

cerceado que levou o Centro de Cooperação Comunitária Casa Palmares a acionar a justiça, no intuito de bloquear a ação policial. De acordo com a matéria, “[...]

alegando que estavam tendo o direito de ir e vir cerceado pelos militares,

representantes do movimento denominado Centro de Cooperação Comunitária Casa Palmaras acionaram o Tribunal de Justiça de Minas”. (p. 10). O direito à livre

manifestação está garantido na Constituição Federal, assim como o direito de ir e

vir. E, ao jogar com essas informações, a narrativa volta a evocar um imaginário social de que a polícia é “arbitrária” e existe para cercear os direitos das pessoas de bem.

O direito à livre manifestação é reforçado com a decisão judicial que

proibiu os cercos realizados pela PM. É por meio da citação indireta da decisão

judicial que também se manifesta o jornal O Globo, vejamos: “Divulgada ontem, a

decisão do juiz Ronaldo Claret de Moraes determina que os manifestantes podem se reunir pacificamente em qualquer espaço público da capital mineira. Mas têm que

avisar com antecedência o local escolhido”. (p. 10). O mesmo posicionamento ganha

um reforço extra na citação em discurso direto que segue a primeira informação de que houve a proibição dos cercos.

Não há dúvida de que é direito de todos os cidadãos brasileiros manifestarse publicamente questionando a realização da Copa do Mundo da Fifa que está sendo realizada no Brasil, como forma de liberdade de expressão, desde que o façam pacificamente, sem armas e que avisem previamente a autoridade competente, no caso específico a Polícia Militar de Minas Gerais, responsável pela segurança pública deste estado, anotou o magistrado. (O Globo, 26 jun. 2014, p. 10)

A citação de um trecho da decisão judicial evoca diferentes tipos de

imaginários, os quais passam pelo papel fundamental da justiça na defesa dos direitos dos cidadãos, o papel institucional da polícia, o papel dos cidadãos na luta pelos ideais e por uma sociedade mais justa, entre outros. É uma estratégia

discursiva extremamente eficiente, mas que pode ser reforçada pelo veículo midiático com a retomada de uma manifestação ocorrida em 12 de junho, ocasião em que um bando de mascarados quebrou agências bancárias, depredou prédios, pontos de ônibus etc .

120 No dia 12, véspera do primeiro jogo do Brasil, um bando de mascarados quebrou agências bancárias, depredou a Praça da Liberdade, destruiu canteiros, pontos de ônibus e até tombou uma viatura da Polícia Civil. Neste dia, como não foi utilizada a tática de isolamento dos manifestantes, a polícia teve que revidar com tiros de balas de borracha e bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. (O Globo, 26 jun. 2014, p. 10)

Por um lado, esta é uma estratégia discursiva cuja função é muito mais

que simplesmente contextualizar o leitor, ela permite a este engendrar imaginários

que habitam os dois polos da queda de braço, a incapacidade da polícia em atuar em manifestações que haja confrontos e depredações; por outro lado, o papel da

magistratura na defesa dos direitos dos cidadãos de bem e a necessidade de atuar

como poder regulador e também protetor dos direitos e patrimônios de uma outra parcela da comunidade.

121 5 A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA IMAGEM DA “POLÍCIA” PELA IMPRENSA A análise das matérias selecionadas para compor este corpus mostra que

as estratégias discursivas partem de escolhas dos veículos midiáticos (conscientes ou não) e acabam por provocar alguns dos efeitos pretendidos. A estrutura narrativa

das matérias está longe de seguir apenas a lógica cronológica, é uma narrativa

intercalada de citações em discursos direto e indireto, organizada a partir de postos, pressupostos e subentendidos e, principalmente, de imagens, as quais produzem

um efeito de evocação, despertando em nossa memória individual e coletiva, lembranças de experiências passadas sob a forma de outras imagens.

São exatamente essas estratégias discursivas, entre outras, que

permearam as análises efetuadas no capítulo anterior. A partir dos possíveis efeitos discursivos é que são engendrados os diversos imaginários individuais e sociais.

Esses imaginários, de acordo com Charaudeau (2007a), representariam uma

perspectiva para delimitar as coisas do universo a partir de saberes que arquitetam sistemas de pensamento individuais e coletivos. Uma das formas de produzir os

possíveis efeitos discursivos no discurso midiático passa necessariamente pelas

diversas vozes presentes em uma narrativa, como vemos na tabela a seguir, elaborada a partir das vozes presentes nas matérias analisadas nos três veículos midiáticos que compõem o corpus desta pesquisa.

Cabe-nos, porém, ressaltar que os dados numéricos visualizados na

tabela se referem apenas às citações em discurso direto, já que esta é sempre uma

maneira de o locutor se proteger por trás do sentido literal de suas palavras, deixando ao interlocutor a responsabilidade da interpretação que delas se faz.

Veículos

Estado de Minas

TABELA 3 – Vozes presentes nas narrativas Participantes

Folha de S. Paulo O Globo

Fonte: Elaborado pelo autor.

08

03

00

Polícia 18

03

02

Autoridades 04

10

01

Testemunhas etc. 04

02

01

122 Apesar de a TABELA 3 registrar apenas a heterogeneidade mostrada,

outras estratégias discursivas estão presentes nas narrativas constitutivas do corpus. A escolha pelos relatos em discurso direto visa somente analisar um dos aspectos das estratégias discursivas que possibilitam aos veículos midiáticos

produzirem um efeito de imparcialidade e legitimidade, além de permitir outros efeitos de sentido que passam pelos discursos de outrem.

As análises mostram que em seis matérias publicadas pelo jornal Estado

de Minas, houve um total de 34 citações em discurso direto, o que mostra que o discurso é bastante heterogêneo e também rico em efeitos de sentido possíveis. As

citações em discurso direto, além de marcar um recorte da fala do outro, também

podem desvelar o ponto de vista do enunciador, expondo também imagens e estereótipos arraigados no subconsciente de cada um. Citações do tipo, “Ele

admitiu, porém, que pode rever prontamente a estratégia” (p. 15), atribuída ao Chefe da Comunicação Organizacional da Polícia, ao defender a polícia das acusações de “omissa”, entre outras inferências possíveis, frente aos atos de vandalismos

praticados em data de 12 de junho de 2014 (Estado de Minas, de 13 jun. 2014), pode levar o leitor a evocar imaginários de valoração negativa para a polícia, já que

admitir a possibilidade de revisão de uma estratégia equivale a dizer que esta não foi a mais acertada, ou que as críticas têm algum tipo de fundamento, entre outros

imaginários possíveis. Da mesma forma, a citação atribuída à empresária Mariana da Silva, comentando a ação da polícia, publicação de 14 jun. 2014, pode reforçar os efeitos de sentido suscitados na citação anterior, conforme podemos ver: “Não dá

para ser assim. A polícia tinha que ter agido com mais presteza” (p. 15). As imagens

da polícia produzidas a partir de citações, tais como as apresentadas acima, inscrevem-se no que Amossy (2014) denomina de ethos escritural (opõe-se ao tradicional ethos oral, o qual impõe a fala imediata de um locutor encarnado). O

ethos escritural exige do leitor um trabalho de elaboração imaginária a partir de indícios textuais imaginários.

Quanto ao jornal Folha de S. Paulo, a TABELA 3 mostra que foram

dezoito citações em discurso direto, em um total de quatro matérias analisadas. Algumas das citações, tais como a citação do professor de inglês Rafael Marques

Lusvarghi, publicada no dia 14 jun. 2014, “quando a PM começou a avançar, mantive a posição. Eles jogaram algumas bombas e eu arremessei uma de volta” (p.

123 13), mostram como o discurso é polissêmico em si, basta verificar que pelo menos

dois possíveis efeitos de sentido podem ser extraídos da citação do professor: o primeiro efeito de sentido possível desvela uma imagem de um herói lutando contra as injustiças, contra a força do Estado, contra a violência etc.; o segundo desvela

uma imagem de uma polícia violenta, despreparada e arbitrária, que usa a força para resolver conflitos quando deveria utilizar outras estratégias. Além de evocar

também um imaginário de “despreparo”, já que há uma quebra de expectativa do

papel constitucional da polícia, a qual é responsável direta pela proteção dos cidadãos.

A matéria publicada em 28 jun. 2014 adota uma postura diferente, ela

constrói uma narrativa baseada nos imaginários construídos a partir do ponto de

vista de um policial e de um manifestante; é uma matéria que ao mesmo tempo em

que mostra o ethos do policial (indivíduo da mesma sociedade a que pertencem os manifestantes, porém encarregado de manter a paz social e proteger os cidadãos de

bem das ameaças e dos crimes em geral) e do manifestante (indivíduo pertencente

a uma determinada classe social, engajado em lutar por algum direito que julga violado pelas autoridades governamentais ou alguma das instituições que representa o Estado.), produz efeitos de sentido que funcionam como estratégias de captação e credibilidade.

Já o jornal O Globo, nas três matérias analisadas, empregou um total de

quatro citações em discurso direto, tais como a citação atribuída ao governador de

São Paulo, Geraldo Alckmin, “alguns torcedores exaltados reagiram arremessando pedras, garrafões e rojões. Neste momento, foi empregada uma granada de efeito moral para afastar os agressores” (O Globo, 03/07/2014, p. 13). A matéria, publicada

em 03 jul. 2014, tem como título a seguinte manchete, “PM usa bombas para dispersar torcedores” (O Globo, 03/07/2014, p. 13) e é ancorada por uma imagem que mostra uma fumaça, provavelmente proveniente das bombas e alguns

torcedores em situação aparentemente tranquila, não há imagens de agressões à

polícia, o que leva à evocação de uma imagem negativa da polícia, sugerindo que é uma instituição “violenta” e que engana para encobrir suas arbitrariedades.

A estratégia de empregar a citação em discurso direto para mostrar a

“truculência policial” é repetida na matéria publicada no dia 16 jun. 2014, sob o título “PM prende jornalista do Globo que filmava prisão de torcedor” (O Globo, 16 jun.

124 2014, p. 07). A única citação em discurso direto na matéria é atribuída à jornalista presa pela PM: “Ele (Farias) apertou tanto que meus pulsos estão machucados. Ele

simplesmente não quis ouvir minhas explicações. Além disso, me agrediu verbalmente – disse Vera” (p. 07). Novamente, a estratégia acaba por reforçar uma

imagem negativa da polícia, a imagem de uma polícia “violenta” e “despreparada”. Além de evocar, como estratégia de captação, os imaginários sociodiscursivos que

suscitam uma imagem negativa da polícia, a matéria apresenta outra estratégia que

tem o poder de adesão, a prisão de outro repórter do Globo, em abril de 2014, a qual narra um episódio de uso da força por parte da polícia contra o repórter que filmava a ação de PMs durante uma desocupação da favela da OI.

Na verdade, os imaginários sociodiscursivos de que a polícia é violenta

estão presentes no cotidiano das pessoas, afinal não é de hoje que, para a maioria

das pessoas, a polícia tem sido considerada um aparelho opressor e repressor da sociedade, trata-se, na verdade, de resquícios de um longo período de regime militar

no Brasil. O regime militar acabou em 1985, no entanto, algumas imagens estereotipadas permaneceram, dentre eles a ideia do uso da violência e da

arbitrariedade nas ações por parte da polícia. Além do mais, ainda que estejamos em um Estado Democrático de Direito, o papel institucional da polícia, que inclui a

fiscalização do cumprimento das leis e a obrigação de coibir os mais diversos

delitos, é um papel que incomoda grande parcela da população. Além disso, os imaginários já cristalizados socialmente acabam sendo alimentados e reforçados pela mídia em geral.

Se para Charaudeau (2007a) os estereótipos dizem respeito àquilo que é

dito de maneira repetitiva e que terminam por se sedimentar, pelas suas características de recorrência e imutabilidade, descrevendo uma caracterização

simplificadora e generalizante, não nos é vedado dizer que a imagem sociodiscursiva da polícia é baseada principalmente em estereótipos, isto é,

baseada em julgamentos de um sujeito, portanto, passível de ocultação da verdade, de um julgamento deformante.

É a partir da recorrência e da generalização que o discurso midiático vai

construindo a imagem discursiva da polícia. Com essas características, a

aceitabilidade e a adesão ao discurso midiático se tornam mais naturais e até

125 mesmo facilitados, o que é feito empregando-se diversas estratégias discursivas que foram apontadas durante as análises do capítulo anterior.

Apresentamos, inicialmente, no início deste capítulo, uma tabela

mostrando o emprego das citações em discurso direto, como forma de dar voz aos

personagens das narrativas. Porém, as análises mostraram que a despeito da

utilização das citações em discurso direto, várias outras estratégias permeiam o discurso midiático, dentre elas, a citação em discurso indireto, a qual é recorrente nos três veículos midiáticos que compõem o corpus desta pesquisa, até porque o

discurso indireto institui um jogo na fronteira entre o discurso citado e o discurso que cita. Para Maingueneau (1997), quando um falante se apaga por trás do “locutor” de

um gênero determinado de discurso e mostra que o faz, poderá pretender se beneficiar da autoridade ligada a esse tipo de enunciação, ou arruiná-la.

Ao se apagar por trás de outro locutor, as narrativas analisadas acabam

por produzir alguns efeitos de sentido que têm o poder de evocar uma imagem

negativa da polícia, conforme nos mostra a citação em discurso indireto da avaliação

do advogado Alexandre Silva, na publicação do Estado de Minas, de 13 jun. 2014:

“Na avaliação do advogado Alexandre Silva, a polícia pouco fez para conter o vandalismo. Por outro lado, ele criticou o uso de balas de borracha contra

manifestantes que estavam de costas” (p. 15). A citação de Alexandre Silva aponta para uma escolha discursiva que, ao ser analisada com o título da matéria, “Livres

para destruir” (E.M, 13/06/14p. 15), agrega um valor simbólico e, de alguma maneira, também marca uma imagem de uma polícia “despreparada” e

“descompromissada” com a comunidade que deveria servir. É uma imagem que está atrelada a outras imagens discursivas já cristalizadas no imaginário sociodiscursivo9.

De acordo com Charaudeau (2007a), a mecânica das representações sociais

engendra, pela produção do discurso, saberes que se estruturam em saberes de

conhecimento e de crença. Charaudeau (2012a, p. 121) define os saberes de crença como “toda adesão a ideias preconcebidas, a rumores, a julgamentos estereotipados que apareçam sob a forma de enunciados mais ou menos fixos que circulam nos grupos sociais”.

Os imaginários sociodiscursivos “[...] são engendrados pelos discursos que circulam nos grupos sociais, se organizam em sistemas de pensamento coerentes criadores de valores [...]” (CHARAUDEAU, 2007a, não paginado). 9

126 Conforme mostram os exemplos a seguir, publicados no Estado de Minas

de 15 jun. 2014, atribuídos a representantes da Frente Única de Suporte Jurídico

aos Manifestantes. A primeira delas tem o poder de evocar a imagem de uma polícia “arbitrária”, que não respeita as mesmas leis que tem por obrigação defender: “a PM

persiste cerceando o direito de ir e vir, apesar do caráter integralmente pacífico da manifestação dos mais diversos grupos que se encontram na Praça Sete” (p. 15). A

segunda retoma uma crença sedimentada no imaginário social, a imagem de uma polícia com “resquícios do Regime Militar”, que perdurou no Brasil até a proclamação da Constituição Federal de 1988, conforme mostra a opinião do advogado Alexandre Silva, “Advogados que integram a Frente Única de Suporte Jurídico aos

Manifestantes criticaram as prisões ocorridas no entorno da Praça Sete. O grupo

considera que houve excessos e prometeu um relatório de cada caso. ‘Isso é uma

coisa típica de um estado de sítio. O próprio cerco da Praça é inconstitucional’, opina o advogado Alexandre Silva” (G/N) (p. 21).

A imagem discursiva da polícia, a partir da matéria apresentada, tem

como referência o que Charaudeau (2012a, p. 118) chama de “discurso circulante”,

isto é, a soma empírica de enunciados com visada definicional sobre o que são os seres, as ações, os acontecimentos, suas características, seus comportamentos e julgamentos a eles ligados.

É bem verdade que nem sempre a imagem construída se assemelha à

imagem almejada pela polícia, já que são inúmeras as variantes que interferem

nessa imagem, primeiramente, pela constituição histórica da própria polícia, cuja

vinculação com o militarismo é sempre suscitada; depois, pela especificidade de suas atribuições, pois, pelos estatutos e leis que regem a atividade, tais atribuições

deveriam ser um obstáculo aos desejos e ações daqueles que estão em desacordo com as normas e comportamentos sociais definidos por lei. Por fim, por serem

consideradas, por alguns setores da sociedade, apenas como força coercitiva do

Estado, principalmente, frente a manifestações populares, ocasiões em que as possibilidades de enfrentamento estão sempre presentes. Além do mais, a divulgação de fatos em que há o envolvimento de maus policiais acaba reforçando uma imagem estereotipada da polícia.

Enfim, os efeitos de sentido produzidos a partir do discurso midiático são

inúmeros e imprevisíveis, já que dependem também da soma das experiências

127 vividas pelo leitor/receptor e das suas crenças e do contexto em que os discursos

midiáticos são recebidos por esse leitor. A esse respeito, devemos lembrar o contexto em que as matérias em análise foram publicadas, todas elas a partir de

manifestações populares em decorrência da realização da Copa do Mundo de futebol 2014. Daí o papel institucional da polícia em tentar impedir atos de

vandalismo, delimitar itinerários, acessos, entre outros. Por consequência, a evocação da imagem de uma instituição castradora dos direitos individuais,

defensora das elites e, no presente caso, subserviente a interesses de organismos internacionais, como à Fifa.

Partindo-se desse contexto, o discurso midiático coloca em evidência

elementos discursivos, por meio da estratégia de encenação, que terão em vista a

visada de captação, mas não é somente a visada de captação que movimentará o discurso midiático, conforme nos diz Charaudeau (2012a, p. 92), a instância

midiática está “condenada” a procurar emocionar seu público, o que ela fará baseando-se nos apelos emocionais que prevalecem em cada comunidade sociocultural e nos conhecimentos dos universos de crenças que aí circulam.

É nessa busca por emocionar seu público e garantir a captação que

vislumbramos nas matérias analisadas, várias outras estratégias discursivas

empregadas e que apresentam enorme efeito na construção da imagem da polícia,

uma delas é exatamente a movimentação do universo de crenças socioculturais, o

que é feito evocando imagens da polícia já cristalizadas no imaginário sociodiscursivo. Ao evocar as imagens de “violenta”, “arbitrária”, “despreparada”, entre outros, o leitor, como participante desse fenômeno de crença, adere a uma verdade universal, a um mundo de evidência que o tranquiliza.

Charaudeau (2012a), afirma que o discurso midiático não precisa revelar

a verdade, mas somente colocá-la em evidência num quadro de inteligibilidade

acessível a um grande número de indivíduos. A essa atividade o autor chama de

vulgarização, a qual ele afirma ser, por definição, deformante. Com efeito, ao acrescentar à narrativa informações que evocam uma imagem de arbitrariedade da

polícia, conforme o extrato de uma publicação do Estado de Minas, de 26 jun. 2014,

“o advogado questiona ainda o impedimento de pessoas de fora do cerco terem acesso à parte interna, onde o grupo ficou concentrado, e reforçou que a liminar é favorável ao mandado de segurança impetrado pelo grupo” (p. 20), o veículo

128 midiático coloca em evidência uma verdade: a tática do cerco aos manifestantes e uma opinião, expressa por um advogado que representa o grupo de manifestantes.

Daí o efeito da deformação, pois, conforme Charaudeau (2002), essa deformação

dependerá do alvo construído pelo sujeito que conta ou explica; quanto mais amplo for o alvo, tanto no plano sociológico, quanto no intelectual e cultural, maior a

necessidade de que o saber que deu origem à informação seja transformado, ou mesmo deformado, para ser acessível ao alvo.

No caso da presente pesquisa, o alvo é a polícia, instituição que pela sua

missão institucional abrange os mais longínquos rincões, atuando na pacificação de conflitos, sob condições adversas, o que a torna um alvo extremamente amplo, tanto

no plano sociológico, quanto no plano sociocultural. Nesse contexto, se quanto mais ampla maior a deformação, também mais negativa poderá ser a imagem construída

da polícia. As estratégias utilizadas para a construção dessa imagem são várias, na

verdade, é como nos diz Maingueneau (2014, p. 16): “[...] na elaboração do ethos, interagem fenômenos de ordens muito diversas: os índices sobre os quais se apoia o intérprete vão desde a escolha do registro da língua e as palavras até o planejamento textual, passando pelo ritmo e a modulação”.

É o que nos mostra a estratégia adotada pelo jornal Estado de Minas de

13 jun. 2014, em que a narrativa se inicia com o estabelecimento do quantitativo de

mascarados (70 mascarados) que “espalharam pânico” e enfrentaram policiais militares, deixando um “rastro de destruição” (p. 15, grifos nossos). Depois, retoma a narrativa em ordem cronológica, dispondo as informações sobre a manifestação

ocorrida, de forma a reforçar o efeito de sentido que pretende criar. Inicialmente, como forma de contextualização, o autor da matéria dá a informação sobre a quantidade de manifestantes (de 800 a 1.000 manifestantes entre sindicalistas,

membros de movimentos sociais, de ocupações urbanas e estudantes). Após, vem o

quantitativo policial (aproximadamente 6 mil militares, sendo 1,2 mil do Batalhão

Copa). No entanto, a matéria jornalística não deixa claro se o efetivo de 6 mil

militares estava todo ele empregado na contenção daquele ato que gerou as depredações. Ao frisar o efetivo policial disponibilizados para conter as

manifestações, demonstrando a superioridade da polícia face aos mascarados envolvidos no ato público, um dos efeitos de sentido possibilitados ao leitor é que,

apesar da superioridade numérica, a instituição responsável por prover a segurança

129 pública não pode fazê-lo, mesmo se deparando com um grupo reduzido de

manifestantes. A estratégia discursiva de destacar o enfrentamento à polícia e ao rastro de destruição acabam por reforçar um efeito de sentido, sugerido logo na

introdução da reportagem, que evoca o despreparo da polícia para lidar com situações que deveriam ser previsíveis para o contexto sociopolítico em que ocorreram as manifestações.

O uso da imagem associada ao texto é outra estratégia largamente

empregada no discurso midiático e que é quase infalível na produção de sentidos. Um exemplo é a análise da matéria publicada no jornal Estado de Minas de 15 jun. 2014, em que a imagem de apenas um manifestante portando uma bandeira do

Brasil, em frente ao grande contingente policial, tem o poder simbólico de demonstrar a desproporção de forças entre Estado (polícia) e manifestantes (povo),

pode também mostrar o idealismo contra a força, amor à pátria contra autoritarismo etc. Além de todo o simbolismo presente na imagem, a legenda, sob a foto, “jovem

diante de militares durante protesto na Praça Sete: PM afirma que agiu para evitar

tumulto e garantir segurança” (p. 21), remete ainda a um fato célebre, um jovem

diante de tanques de guerra na Praça da Paz Celestial, em 1989, na China. O que a imagem sugere é que um ato heroico de um jovem idealista, sozinho à frente de uma tropa, não pode representar um risco de tumulto, apesar da informação de que a PM agiu para evitar tumulto e garantir a segurança no ambiente de protesto.

Em outra matéria, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo de 13 jun.

2014, ao narrar que black blocs se infiltraram em atos e enfrentaram polícia em São Paulo, o veículo midiático inicia a narrativa informando ao leitor que “a PM usou

bombas de gás e balas de borracha para impedir manifestantes de atrapalharem

acesso a abertura da Copa” (p. 10), acrescentando quase em seguida a ação da polícia em que “ao menos 11 pessoas se feriram, entre eles uma repórter e uma produtora da rede norte-americana CNN [...]” (p. 10). A matéria mostra um

planejamento textual com uma cuidadosa escolha de informações, focando,

principalmente, no papel actancial da polícia, apresentada como agente de uma ação que levou duas pessoas a ficarem feridas. As análises desvelaram que há,

constantemente, uma alternância nos papéis actanciais da polícia, ora como agente, ora como paciente, de acordo com os efeitos pretendidos em cada matéria, evocando a cada publicação variados efeitos de sentido em nós leitores.

130 Se o ethos prévio10 condiciona a construção do ethos discursivo11, uma

imagem prévia, estereotipada da polícia, condicionará, de certa forma, a produção dos efeitos discursivos, reforçando os estereótipos já existentes e produzindo como

efeitos patêmicos a falta de credibilidade e até mesmo legitimidade, além de levar a

confrontos diversos e prejuízos para a prestação do serviço à própria comunidade como um todo.

Na verdade, o que esta pesquisa nos mostrou é que a imagem discursiva

da polícia, ao menos no período analisado, foi construída a partir de conhecimentos prévios (ou crenças) sobre a instituição, cristalizados no imaginário sociodiscursivo,

evocada, reforçada e alimentada por meio de jogos discursivos que incluem o uso de imagens, organização textual que têm como base as escolhas da forma com que

as informações são apresentadas, hierarquizando as informações de acordo com os

efeitos que se pretende produzir. Esses estereótipos sobre a polícia nos levam à definição que Barthes (2007) apresenta sobre o mito. Para o autor, a fala mítica é

formada por uma matéria já trabalhada, pois visa uma comunicação apropriada e situa o mito numa relação de dependência a uma ciência geral extensiva à Linguística, ao que acrescenta: “a significação é própria do mito, pois o “mito não

esconde nada” e tem a função de deformar. A deformação é possível porque a forma do mito já é constituída por um sentido linguístico [...]” (p. 213). Assim como o mito, o que vimos nas análises é que a imagem discursiva da polícia é uma imagem

deformada, já construída e solidificada por meio do discurso midiático ao longo dos tempos.

Além disso, não devemos nos esquecer de que as matérias analisadas se

referem a manifestações populares, as quais, pelo seu caráter social, agregam

valores que interferem diretamente na vida das pessoas. As manifestações sociais têm, na maioria das vezes, como mote a luta por direitos (seja pela manutenção de

direitos individuais e coletivos ou pela conquista de novos direitos). A polícia, por usa vez, tem por dever exercer a função de mantenedora da paz social, porém, às vezes, desempenha um papel considerado de oposição à luta por direitos 10

Ethos prévio – Imagem preexistente do locutor (Amossy, 2014, p. 145).

11

Ethos discursivo – Imagem que o locutor constrói em seu discurso (Amossy, 2014, p. 145).

131 encabeçada pelos diversos movimentos populares. Papel esse, frequentemente,

comparado ao regime militar que governou o Brasil por algumas décadas, ocasião em que inúmeros direitos individuais e coletivos foram solapados. O Estado

Democrático de Direitos, vigente atualmente, é ainda muito recente, o que faz com

que as comparações sejam a tônica nos casos de repressão a algum tipo de manifestação social.

Dessa forma, a retomada de experiências passadas, aliadas às demais

estratégias discursivas apresentadas ao longo desta pesquisa, acaba por se tornar um reforço de peso na construção da imagem discursiva da polícia.

132 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de analisar a construção da

imagem discursiva da polícia e os imaginários a ela relacionados no discurso de

informação da imprensa brasileira durante as manifestações no período da Copa do

Mundo de futebol no Brasil, entre 12 de junho a 11 de julho de 2014. Assim,

buscamos percorrer as diversas estratégias discursivas utilizadas no tratamento do acontecimento, já que entender as diversas estratégias discursivas empregadas

cotidianamente pela mídia é extremamente relevante para o desenvolvimento de uma visão crítica do discurso midiático.

Como resultado, vimos que o discurso midiático se serve de várias

estratégias discursivas em uma mesma narrativa para produzir os efeitos desejados,

dentre as quais destacamos as citações em discursos direto e indireto, as quais,

além de marcar a heterogeneidade discursiva, têm o poder de criar o efeito de real e legitimar o discurso, podendo ainda evocar ou reforçar imagens pré-existentes no imaginário coletivo; podemos destacar o uso da imagem como elemento de fixação

de um conteúdo, como relais, complementação de um conteúdo e, principalmente, elemento simbólico, capaz de evocar imaginários diversos, mesmo que esses

pareçam contradizer a mensagem escrita de uma matéria jornalística. Daí a importância de compreender também os ideais imagéticos que compõem o discurso midiático.

Aliás, o que se esperava com esta pesquisa era exatamente demonstrar

quais são as estratégias discursivas utilizadas pela mídia para construir a imagem da polícia. E o que foi desvelado é que as citações, o uso da imagem, entre outros artifícios, são importantes estratégias discursivas presentes na organização textual do discurso midiático. Assim como o uso das imagens e citações em discurso direto

ou indireto, a forma de organização da narrativa pode influenciar os resultados, já que a escolha da forma com que as informações são apresentadas pode produzir efeitos de sentido estratégicos, inclusive efeitos não previstos pelo próprio jornalista.

No entanto, há de se ressaltar que os efeitos nem sempre os efeitos

visados são os efeitos produzidos, é o que afirma Charaudeau (2002), para ele a

intenção do agente, para a produção de um efeito dependerá da possível reação do

outro. Daí podermos afirmar que, se as estratégias discursivas empregadas no

133 discurso midiático não são aleatórias, as escolhas também não levarão necessariamente ao alcance de um objetivo predeterminado, a recepção do outro é

articulada pelo contexto, pelas experiências individuais de cada um e por vários outros fatores externos à intenção do agente produtor de um discurso, entre outros.

Da mesma forma, observa-se que a história pode ser responsável por um

imaginário cristalizado por um determinado grupo ou comunidade, pelo menos é o

que nos mostram as diversas alusões ao regime militar na ação policial durante as manifestações. O imaginário que se evoca nesse caso é de uma polícia com resquícios ditatoriais.

Espera-se que essa pesquisa possa contribuir com as instituições

policiais, pois compreender o processo de construção de uma imagem por meio de

um discurso pode levar à adoção de diferentes estratégias que permitam a construção de uma imagem favorável à instituição, já que uma imagem positiva pode

representar um ganho na credibilidade, na legitimidade e na representatividade da polícia.

Ainda, espera-se também que a pesquisa possa contribuir com os órgãos

de imprensa, levando os profissionais da mídia à reflexão sobre o imaginário

sociodiscursivo e aos possíveis efeitos de uma construção discursiva de imagem, pois conhecer o processo de construção de uma imagem e, principalmente, conhecer alguns dos elementos cristalizados no imaginário sociodiscursivo de um

determinado grupo pode ser de extrema importância para as instâncias midiáticas.

Mesmo porque a importância dos acontecimentos noticiados pela mídia pode ser avaliada pelo número de vozes desencadeadas por elas: vozes que informam, explicam, comentam, criticam, parafraseiam, extrapolam, conjeturam, enfim, pelo

alcance do eco público produzido pela notícia. Por isso, é necessário que os profissionais da mídia tenham a consciência de que nem sempre dar voz a uma

personagem (vítima, testemunha, acusado etc.), autoridade ou especialista a respeito de um acontecimento, significa garantir um espaço democrático ou representa posicionamento de imparcialidade da mídia, como mostram as várias

análises realizadas ao longo da pesquisa. Além disso, conforme David Silva (2007, p. 9), “na tentativa, às vezes, de garantir a credibilidade da informação transmitida, o jornalista utiliza e valida a citação como estratégia discursiva de autentificação de seu discurso”.

134 Por fim, espera-se também que esta pesquisa possa servir de incentivo à

comunidade acadêmica para o desenvolvimento de outros estudos que ampliem o entendimento e fomentem novas discussões sobre o discurso midiático, sobre o

imaginário sociodiscursivo e sobre a imagem da polícia, já que no decurso desta

pesquisa não conseguimos vislumbrar nenhum outro estudo na área sobre esse

objeto, polêmico, contraditório, mas sem dúvida, parte constitutiva de nosso modelo de organização social e sobre o qual, acreditamos, muito ainda tem a ser dito. .

135 REFERÊNCIAS AMOSSY, Ruth (org.). Imagem de si no discurso: a construção do ethos. 2ª ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2014. BARTHES, Roland. Retórica da imagem. In: BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p. 27-45. BARTHES, Roland. Mitologias. 3. ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2007. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. BRIGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutemberg à Internet. Trad. Maria Carmelita Pádua Dias. Revisão técnica Paulo Vaz. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. CHARAUDEAU, Patrick. O discurso entre a ação e a comunicação. 2002. Disponível em: . Acesso em: 07 dez. 2015. CHARAUDEAU, P. Les stéréotypes, c’est bien. Les imaginaires, c’est mieux. In: BOYER H. (Dir.) Stéréotypage, stéréotypes: fonctionnements ordinaires et mises en scène. v. 4. Langue(s), discours. Paris: L’Harmattan, 2007a. p. 49-63. CHARAUDEAU, Patrick. A patemização na televisão como estratégia de autenticidade. In: Mendes, Emília; MACHADO, Ida Lucia. (Org.). As emoções no discurso. Campinas, SP: Mercado Letras, 2007b. Não paginado. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. 2. ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012a. CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012b. CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. 3. ed., São Paulo: Contexto, 2014. DAVID-SILVA, Giani. A informação televisiva: uma encenação da realidade (Comparação entre telejornais brasileiros e franceses). 2005. 219 f. Tese (Doutorado

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137 ANEXOS A – ESTADO DE MINAS 13 jun. 2014

138 14 jun. 2014

139 15 jun. 2014

140

19 jun. 2014

141

26 jun. 2014

142 27 jun. 2014

143 29 jun. 2014

144 ANEXOS B – FOLHA DE S.PAULO 13 jun. 2014

145 14 jun. 2014

146 21 jun. 2014

147 29 jun. 2014

148 ANEXOS C – O GLOBO 03 jul. 2014

149 16 jul. 2014

150 26 jul. 2014

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