A Construção do Brasil: Uma Grande Potência em Emergência

July 23, 2017 | Autor: E. Gwembe | Categoria: History
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O jesuíta AFRANIO PEIXOTO deixa uma ilustração que vai ao encontro da tese defendida pelo Claval ao afirmar que: «Com elle vieram os jesuítas em 49. Aqui acharam alguns pequenos núcleos de povoação na costa, de Pernambuco a São Vicente. Os indígenas comiam uns aos outros; os reinoes os matavam e escravizavam; uns e outros viviam na polygamia e na promiscuidade. Os próprios clérigos aqui se corrompiam. A causa, dal-a-ia o Padre Antonio de Sá: «a terra era tão larga e a gente tão solta».! Mas vieram os Jesuitas. Veiu com eles a Virtude. Para os colonos, que a esqueciam e a repudiavam, passada a Linha. Para os indios, canibais, intemperantes, sensuais, que jamais conheceram freio e reserva. …. Apenas com durarem perto de vinte anos, já vai alto o sol. Não se come mais carne humana; cada um tem sua mulher, a sua família; aprende-se a ler e escrever, aprendem-se officios». Cfr. Carneiro, José (Coord). Cartas Jesuíticas 1550-1568: Azpilcueta NAVARRO e outros, USP, 1988:38
Grabriel Soares de Souza diz-nos que ao cativo é-lhe posta uma corda no pescoço de modo a evitar a fuga e fica ao cuidado de uma moça que o acompanha em todos os movimentos podendo prostituir-se com ele durante 5 ou 6 meses findos os quais é morto e a carne consumida. Se a moça estiver grávia, o bebé que nasce é igualmente morto. Também fala das mulheres castas que vivem como homens e que tem ao seu serviço alguns escravos. Sintetiza que esta gente não tinha ocupação nenhuma senão comer, beber e matar gente.
Auxilio-me das leituras complementares em: Leme, Maria Cristina da Silva,Urbanismo no Brasil, 1895-1966. FUPAM e Studio Nobel, São Paulo. 1990:448-449)
Acerca desta matéria, o autor que aprofunda é: Gomes, Marco Aurélio de Figueiras, Lima, José Martins de. Pensamento e Prática Urbanistica em Belo Horizonte, 1895-1961, FUPAM e Studio Nobel, SP, 1990:121


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Eusébio André Pedro









Recensão crítica da Obra de Paul Claval
A Construção do Brasil: Uma Grande Potência em Emergência











Dokuz Eylül Üniversitesi
 İzmir, Turquia
19 de Abril de 2015

Eusébio André Pedro











Recensão crítica da Obra de Paul Claval
A Construção do Brasil: Uma Grande Potência em Emergência


Trabalho apresentado em Seminário sobre a Problemática da História do Brasil, no Curso do Mestrado em História, Relações Internacionais e Cooperação, Universidade do Porto, Faculdade de Letras, em 2011, sob orientação do Prof. Dr. Jorge Fernandes Alves
Trabalho apresentado em Seminário sobre a Problemática da História do Brasil, no Curso do Mestrado em História, Relações Internacionais e Cooperação, Universidade do Porto, Faculdade de Letras, em 2011, sob orientação do Prof. Dr. Jorge Fernandes Alves








Dokuz Eylül Üniversitesi
İzmir, Turquia
19 de Abril de 2015
ÍNDICE
Introdução 3
1. Apresentação geral da Obra 4
2. As Geopolíticas Atlânticas e a Formação do Brasil 5
3. O papel dos Jesuítas e o confronto das culturas 6
4. O Brasil Colonial, Séculos XVII-XVIII 8
5. A Modernidade e génese de uma grande potência 11
6. A República Velha e a Modernização do Brasil 12
7. A Ocupação dos Espaços: Contributo da Obra de Paul Claval 13
8. Modernidade e génese de uma grande potência 15
Conclusão 17
Bibliografia 18





Introdução
O presente trabalho é uma recensão crítica da obra de Paul Claval intitulada A Construção do Brasil: Uma Potência em Emergência. O objecto de estudo é o Brasil enquanto potência emergente. Constituem objectivos do estudo analisar o pensamento do autor em epígrafe, fazer uma análise crítica da obra em alusão e compreender a História do Brasil enquanto espaço criado e modificado pelo homem. Importa salientar que a visão do autor é mais geográfica do que Histórica pelo que os acontecimentos históricos ora descritos tendem a ser interpretados em função da Geografia. Ao ler a obra de Claval percebemos claramente que para ele o Brasil é uma potência emergente como resultado da importação do espaço ocidental. Numa das suas páginas ele aborda a questão em termos mais claros quando diz que qualquer um que chega nas metrópoles brasileiras questiona-se se se está na Europa. Em todo o caso ele vai destacando que à medida que se penetra para o interior do Brasil nota-se o fosso que separa os abastados dos paupérrimos. Dai que apresente o Brasil como o país dos extremos, por isso, complexo. É uma obra de extrema importância, pois, além de permitir a compreensão cronológica dos acontecimentos históricos que marcaram o espaço brasileiro, vai relatando como o espaço geográfico foi sendo reconstruido ao longo dos tempos. Apresenta o Sul como o local de onde sai o progresso porque foi ali onde existiam muitos europeus. E também considera que foi o Sul que tomou a ideia de desenvolver o Norte numa espécie de «salvador», Norte este que estava ainda nas garras da escravatura, que se extinguiu mais tarde. Foi na época da ditadura em que se desenvolveram obras de referência que permitiram criar um Brasil emergente. O esforço do exército foi crucial para o desenvolvimento da nação brasileira. Contudo, há novos desafios com que as metrópoles se defrontam como a questão das favelas, suficientemente exploradas por Claval.















Apresentação geral da Obra

Titulo da Obra: A Construção do Brasil: Uma Grande Potência em Emergência
Autor: Paul CLAVAL
Editora: Instituto Piaget
Local da Edição: Lisboa
Ano da Publicação: 2010
Tradutor: Duarte Pacheco Souza


Paul CLAVAL insere-se numa corrente geográfico-cultural, defensor de uma Epistemologia da Ciência da Geografia, influenciada pelo Positivismo lógico, segundo o qual a Geografia é uma Ciência dos lugares e não dos Homens. La Blache e Ratzel definiram os primeiros conceitos no século XIX. Segundo a nova epistemologia, os espaços geográficos são construção objectiva na noção do espaço perceptivo. Assim, os espaços podem ser reconstruidos mediante as necessidades e a acção dos homens.
Um olhar sobre a sua obra, A Construção do Brasil: Uma grande Potência em Emergência, é um fascínio, porque nela se entrelaçam aspectos histórico-geográficos. CLAVAL deixa antever que a imagem criada em torno do Brasil nem sempre corresponde a realidade ocultando-a, vezes sem conta. É o «Brasil dos Romances do Jorge Amado» que se conhece fora, sobretudo no meio ocidental francês dominado por uma imagem muito rica.
O autor aponta com o dedo aos franceses dizendo que a imagem que eles gostam e têm é de um Brasil alegre, divertido, sem preocupações, o do Carnaval e o dos ritmos tropicais, para de seguida alertar que tal não corresponde ao verdadeiro Brasil no qual povoam «gentes muitas vezes graves, por vezes nostálgicas, é um país trabalhador, onde a festa é apenas aparente, mas também um país de desempregados onde muitos deles permanecem sem emprego. É uma terra de paixão e de violência».
Com CLAVAL chegamos a descobrir que tantos mitos criados em torno do Brasil gigante não passam disso mesmo «mito» pois, embora haja pessoas que conhecem o seu gigantesco território, suas cidades, praias, carnavais e favelas, desconhecem os estereótipos que escondem a realidade, para concluir que «as imagens veiculadas pela imprensa e pelas obras escritas não acompanham a realidade. A imagem criada pincelada de alegria mas negligente, esconde uma realidade complexa, onde mistura e mestiçagem, diversidade e sociabilidade tornam-no país dos extremos.
Ao longo do texto, perceberemos como uma colónia se torna mais poderosa que a metrópole e CLAVAL não hesita em afirmar que tal se deveu a intervenção humana, que incorporou o espaço europeu no novo mundo, com todas as suas características e representações. Coloca, para ilustrar o seu posicionamento, os exemplos de Belo Horizonte ou São Paulo, cujos engenheiros recorreram aos modelos de ocidentais e americanas para desenhar as plantas das urbes. Embora reconhecendo as desigualdade sociais, CLAVAL confirma a sua tese de que em 500 anos o Brasil se constituiu num país digno de referência mundial, o que chama de uma potência emergente.
Esta força faz com que os espaços geográficos sejam incorporados no processo da formação «construção» da naçaão, como tem acontecido com Amazónia, cada vez mais valorizada. A pertinência da obra reside no facto de conciliar um debate metodológico baseado na análise histórico-cultural no qual o espaço geográfico vai sofrendo as mutações acompanhando o próprio desenvolvimento de construção da nação Brasileira.
Esta conciliação metodológica permite, para a comunidade cientifica, analisar no tempo, a emergência de elementos constituintes da nação brasileira e no espaço, a implementação das políticas de desenvolvimento territorial, onde sobressaem cidades gigantescas. É dentro destes espaços historicamente criados onde se desenvolve a diversidade da nação. CLAVAL chega a fazer um questionamento sobre o quotidiano dos brasileiros no que diz respeito ao seu modo de vida, seus sonhos dentro das desigualdades ai presentes. E conclui que, e como tese, as desigualdades agudas verificáveis no Brasil são o resultado de um rápido desenvolvimento.

As Geopolíticas Atlânticas e a Formação do Brasil
A leitura leva-nos a reflectir a importância da arte de navegar que teve como pioneiros primeiro Portugal, e depois a Espanha, onde a cidade de Lisboa e desempenhara papel de destaque. Numa primeira abordagem o autor apresenta a competição existente entre Portugal e Espanha, e tenta diferenciar as suas actuações em função dos interesses. Não tem dúvida quando afirma,
Portugal do século XV é um país pobre e pouco povoado. Situado no contacto com dois mundos marítimos, o do Atlântico e o do Mediterrâneo. A arte de navegar desenvolveu-se precocemente no mar interior, mas a proximidade das margens e a brevidade dos percursos travaram o progresso da navegação de longo curso. (…) Portugal é pobre, mas a casa real é rica. (p. 15)
CLAVAL ilustra entre outros: a construção do espaço e do povo brasileiro, modernidade e génese e mutação do Brasil. Assim sendo, na primeira parte intitulada A Construção do Espaço e do povo brasileiros, século XVI-XX, discute-se a geopolítica atlântica e a formação do Brasil e o brasil colonial. Nisto, um esforço singular de Claval vai para Portugal e Espanha enquanto pioneiros do processo da Expansão marítima.
O papado está presente nos episódios arrolados assim como os missionários, com destaque para os Jesuítas. A tese de Claval nesta primeira parte consiste em considerar 1) a descoberta do Brasil inscreve-se no esforço conjunto dos europeus na definição, aquisição e consolidação dos espaços geopolíticos; 2) as geopolíticas são uma invenção para legitimar a colonização. Na primeira tese ele afirma;
Para alcançar a Europa, é necessário corta-lo em ângulo recto até beneficiar, mais a Norte, dos ventos de Oeste: é o princípio da volta Portuguesa, da vuelta ibérica. A compreensão destes mecanismos torna possível a abertura do Atlântico Norte: esta descoberta é um feito dos marinheiros portugueses, castelhanos e italianos que frequentam, como Cristóvão Colombo, as rotas entre Lisboa, Sevilha, as Canárias, Madeira e Açores. (p. 16)
Reconhece, contudo que Portugal desempenhou um papel eminente na síntese e desenvolvimento dos saberes marítimos dos países do Mediterrâneo e do Atlântico, tendo ocupado o lugar-chave o que lhe permitiu explorar desde cedo as costas africanas e descobrir a rota marítima para as índias, tendo, por fim, descoberto, sem a procurar, uma América que lhe cabia por situar a Este da linha de demarcação entre áreas de expansão atribuídas aos portugueses e espanhóis. Esta demarcação fora fixada em 1493, pelo Papa Alexandre VI, renegociada depois entre Portugal e Espanha no Tratado de Tordesilhas, a 7 de Junho do ano seguinte, o que virá a ser confirmado pelo Papa Júlio II em 1516.
A acumulação de saberes que permitisse à navegação fez-se em Sevilha e Lisboa, e numa medida pequena em Genova e noutros portos italianos. As dinastias de Portugal e Espanha tinham uma preocupação comum: a conversão das almas, mas não retiravam das suas possessões o mesmo tipo de recursos. Diz-se que os portugueses eram pobres governados por um rei rico. Para os portugueses, os metais precisos ficaram muito atrás do comércio e o rei ficou como um negociante de especiarias.
A construção imperial de Portugal ficou confinada ao litoral para diminuir as despesas de transporte para uma penetração ao interior. A Espanha vivia cada vez mais dos metais das minas de prata do México e Potosí, por isso privilegiou a instalação territorial profunda. Na segunda tese ele pretende mostrar que as descobertas e os tratados seriam para legitimar a colonização ao conceder espaços geopolíticos aos descobridores. Embora obra pioneira de dois países, não tarda que todos os outros se sintam parte integrante do processo pois,
«os príncipes sonham assentar o seu poder sobre as novas bases, a Igreja Católica pretende surpreender os infiéis e procura converter os selvagens descobertos. As perspectivas comerciais são imensas: ouro e escravos das costas de África, especiarias e tecidos do Extremo Oriente, pescas e peles nas costas da América do Norte, trocas ao longo de todos os litorais» (p. 17)
Daqui resulta que todas as potências que se sentem capazes, se apaixonam pelo Novo Mundo recusando a partilha a que Portugal e Espanha procederam sob autoridade da Igreja Católica: desenvolvem objectivos geopolíticos reunindo meios para os pôr em prática que incluem saberes geográficos, técnicas de produção ou de transporte, técnicas de organização das relações sociais. O autor afirma categoricamente que não é possível conceber uma geopolítica atlântica sem dominar a arte da navegação, porque para escolher as rotas, é necessário conhecer as correntes atmosféricas e oceânicas dominantes.
Ainda considera que imaginar uma geopolítica significa conhecer os meios que se cobiça, os seus recursos e os meios e técnicas necessários para a sua exploração. Em último lugar, o autor ressalta que a geopolítica colonial assenta sobre a escolha das formas de exploração económica usando três possibilidades: comercializar com as populações indígenas, desenvolver as trocas com os colonos europeus que valorizam o país e explorar os recursos locais e retirar lucros impondo às sociedades locais uma dominação política.
Para CLAVAL, o processo de dominação colonial está interligado a concepção de ocupação dos espaços geográficos por meio de acção directa do estado, de homens singulares e dos missionários. Como todas as potências se apaixonam pelo novo mundo, o seu cruzamento explicará as características fundamentais do Brasil.
Haverá a necessidade de escravos para suster a terra visto que todos os pobres pretendem possuir escravos que são o garante da vida pois pescam, cultivam a terra e protegem o dono. De facto, o número de escravos indica o estatuto do proprietário. A terra é de boa qualidade onde se produz milho, frutas e mandioca além de ananases, mas há índios inimigos dos portugueses mas amigos de franceses os quais não têm Lei, Fé, Rei.

O papel dos Jesuítas e o confronto das culturas
Num segundo momento, CLAVAL autor aborda a questão do Brasil Colonial, para, de seguida, defender a tese segundo a qual, a construção do Brasil deveu-se aos padres Jesuitas, mas que estes, mediante os vícios, tiveram que olhar a juventude, num projecto com base numa visão futurista. Segundo ele, o processo de penetração para o interior foi moroso e difícil devido a presença dispersa de tribos hostis e canibais dos índios tendo resultado 1) choque entre as culturas; 2) maior miscigenação e 3) desempenho económico nas formas de organização de espaços geográficos. Aqui percebe-se, num e noutro ponto, que o autor prefere justificar a presença massiva da imigração europeia não pelo facto de os índios e escravos negros serem uma ameaça a cultura europeia, mas pelo facto do espaço ser tão grande com pouca gente para explorar respectivos recursos.
CLAVAL diz-nos que a igreja é parte interessada na aventura atlântica. A razão do catolicismo é muito simples segundo a opinião do autor: a possibilidade de compensar fora da Europa as perdas que a Reforma lhe provocou na Europa do Norte e do Centro. A igreja ficou parte integrante e interessada na aventura atlântica desde a origem, através do Tratado de Tordesilhas.
A vontade missionária é sensível a todos, católicos e protestantes. Com as instituições saídas da Reforma o papel da igreja fortifica-se, sobretudo quando o papado deixa a cargo de Portugal e da Espanha a iniciativa de abrirem as terras descobertas á verdadeira fé. Tudo muda com os Jesuítas, que superam os franciscanos e dominicanos e levam a peito a difusão da palavra de Deus entre os povos que ainda não tiveram seu conhecimento.
Os jesuítas desempenharam um papel de relevo nesta primeira fase da conquista e consolidação dos territórios que fazem o complexo brasileiro. Como ordem religiosa nova, fundada em 1540, os Jesuítas acompanham as missões de descoberta com muito entusiasmo, levando a cristandade nas áreas recém descobertas, catequisando os índios com a língua europeia, além de introduzirem costumes europeus cristãos. O catolicismo tem assim a possibilidade de compensar fora da Europa as perdas que a Reforma lhe provocou na Europa do Norte e do Centro. (p. 20)
Quando Tomé de Sousa, em 1548, viajou para o Brasil com os seus mil homens, levava a bordo seis missionários jesuítas. Os padres tinham a ideia unificadora do Brasil. Levavam consigo plantas sementes e animais para cultivar o solo. Igualmente levavam medicamentos para curar os enfermos e a eles próprios e sobretudo livros para ensinar. Porque os velhos eram tidos como algo perdido, habituados ao canibalismo, os jesuítas apostaram na educação das crianças, um projecto considerado pioneiro no pensamento ao futuro longínquo e nunca ao presente imediato.
Os velhos eram inférteis à educação. Pediram a mistura de culturas e para tal era necessário que se enviassem os jovens que andavam nas ruas de Lisboa, mesmo que fossem maus, ladrões e perdidos incluindo as prostitutas. O obstáculo da construção do Brasil acabaram sendo os próprios europeus que fizeram com que a poligamia e a devassidão fossem desenfreadas. Era preciso enviar mulheres ao Brasil.
Os jesuítas sabiam que as conversões eram mais fáceis onde os índios não estavam submetidos às múltiplas tentações às quais se entregavam os comerciantes europeus. Por essa razão fazem germinar as ideias de protecção dos ameríndios a partir de então. A sua obra contribuiu para redução de caça ao homem que ameaçava directamente as sociedades autóctones. A escravidão foi o ponto de muitas contendas porque a terra precisava de gente que plantasse a cana sacarina. Por isso, recrutaram os índios, numa primeira fase, incentivando lutas inter-grupais, e depois, os negros africanos, promovendo a escravatura. Em 1570, a Carta Regia regulamenta os cativeiros das guerras justas (libertação ao tráfico de índios).
A partir do momento em que o povoamento europeu era criado no ultramar, as condições de elaboração de decisões mudaram. As informações que detinham aqueles que estavam no terreno eram insubstituíveis pois eram eles que conheciam os meios e a forma de os explorar, eram eles que lidavam com as populações indígenas e sabiam como as enquadrar e as associar às empresas económicas interessantes para a Europa. Não hesitavam em recorrer à coacção para os obrigar a trabalhar. (p. 22)
Os colonos instalados no terreno tinham ideia exacta daextensão que pretendiam para as possessões da metrópole e sobre os meios a utilizar para lá chegar. Embora desconfiassem, os responsáveis dos países europeus dependiam deles, concedendo facilmente a sua confiança aos europeus de origem. A intervenção dos padres jesuítas presentes no local evitou a competição na busca de escravos e e na promoção de lutas injustas entre os índios, pois havia o resgate, o qual era feito mediante troca de objectos pelos escravos. Havia bichos como cobras e feras.
Em síntese, a descoberta do Brasil foi um acontecimento relevante no qual novas formas de viver foram descobertas pelos portugueses. A necessidade de comunicação permitiu que os gestos falassem mais alto do que a voz. Entretanto, o choque entre as culturas foi notório, quando alguns portugueses eram capturados e transformados em cativos. Igualmente houve incentivo de prática de guerras injustas entre os índios devido ao estímulo do resgate que era feito pelos portugueses, de modo a conseguirem mais escravos em troca de coisas simples que eram admiradas pelos índios predadores.
O Brasil Colonial, Séculos XVII-XVIII
Do texto podemos compreender que as ideias de base das geopolíticas coloniais são antes de mais elaboradas pelos estados. O longo período da vida brasileira (1500-1822) revestiu-se da tentativa e materialização de muitos projectos visando a consolidação dos espaços conquistados e criação de serviços administrativos capazes de dar cunho ao papel que a nova terra viria a desempenhar no futuro da metrópole. Foi a 27de Março de 1547 que se materializa o primeiro projecto de uma administração eficaz quando Tomé de Sousa pousa a Bahia nomeado pelo rei D. João III.
A implantação portuguesa torna-se permanente para concretizar a soberania sobre o pedaço da América que o Tratado de Tordesilhas deu miraculosamente a Portugal e para proteger a região das empresas estrangeiras. A empresa colonial desenvolve-se verdadeiramente sob o reinado de D. João III (1521-1555). O problema é incitar os portugueses a instalarem-se no Brasil. Em conformidade com os usos da época, D. João II tira partido das disposições do direito feudal. (p. 25)
Claval faz notar que foram usados métodos feudais para incentivar a implantação recorrendo-se a sesmaria que era um terreno maninho concebida para povoar as terras devastadas, atribuída gratuitamente, na condição de o beneficiário a habitar e valorizar. Estes lotes eram distribuídos sem outra contrapartida para além do pagamento do imposto, a dízima ao rei, e direitos ao capitão donatário, e sem qualquer outra obrigação para além da valorização das terras. Esta iniciativa teve um sucesso limitado porque nem todas as capitanias a valorizavam.
O momento era complicado devido a concorrência espanhol e francesa enquanto a metrópole se debatia com a falta de recursos para administrar outros territórios orientais o que fez com que diminuísse ou mesmo abandonasse algumas das possessões. De facto, naquela época havia problemas financeiros para manter as fortalezas distantes. Existe uma tese que defende que os portugueses terão sido forçados a criar uma administração no Brasil devido a descoberta das minas Potosi pelos espanhóis o que impulsionou a necessidade do estabelecimento de mecanismos tendentes a controlar as prováveis minas por descobrir.
Entretanto, outra tese aponta o facto de revoltas frequentes por parte dos índios como a causa da tomada desta posição. De facto, entre os que defendem esta tese encontramos o próprio governador Tome de Sousa que considera as revoltas de Bahia (1545), Espirito Santo (1546), Porto Seguro (1546) e São Tomé e Príncipe (1546), como estando na origem da decisão. O governador tinha recebido poderes especiais do rei para intervir na justiça, na fazenda e na milícia, com atributos acrescido conferindo-lhe ainda o poder de premiar e de punir. A missão era criar equipamento para defender as capitanias, que constituiu a sua missão difícil.
Os europeus estavam desarmados face aos meios tropicais. Indo ao Brasil, foram portadores de germes que explicaram as epidemias que dizimaram as populações índias. Eles não possuíam uma imunidade o que levou a níveis de mortalidade elevados que a população não se consegue reproduzir localmente. Eles não conheciam as plantas nem animais que ai podiam prosperar. A valorização dos meios tropicais de exploração da terra foram desprezados no plano comercial até que se olhasse a possibilidade de produzir os produtos precisados na Europa (p. 22).
Duas plantas americanas entraram rapidamente neste círculo de interesses: o cacau e o tabaco. Mas depois, o interesse pelo açúcar fê-los pensarem no incentivo da cultura de cana sacarina, vinda da Índia, passando pelo Mediterrâneo onde é praticada em pequena escala. Portugal primeiro cultivou-as na Madeira enquanto Espanha as cultiva nas Canárias, experiência estendida para Cabo Verde e depois para as Ilhas de São Tomé e Príncipe, devido a aridez de Cabo Verde. Os portugueses transportam a fórmula da produção de Cana Sacarina ao Brasil e os Espanhóis a São Domingos.
Em termos comerciais, as frotas que se expediam tinham essencialmente uma missão de informação, indo para lá das costas desconhecidas, de descobrir novas terras, de compreender a mecânica de ventos e das correntes para organizar melhor as travessias. Não era precisa nenhuma instalação permanente .
Nesta fase, o Brasil apenas desempenha o papel de fornecedor de madeira vermelha para tintas, pau-brasil. Como a tripulação era pouca, para abater árvores e fazer os carregamentos, alguns indígenas são recrutados como voluntários em troca de machados, machetes e utensílios de ferro de que apreciavam a eficácia. As relações estabelecidas eram pacíficas. Entretanto, alguns portugueses acabavam instalando-se, casados por uma índia que lhes ensinavam a língua. O caso evidente foi aquele em que um dos chefes índios contava com um residente português a quem deu sua filha em casamento. Tratava-se de Ramalho, o fundador de Santo André, perto de São Paulo (p. 24) .
Os portugueses integrados eram importantes guias pois conheciam as rotas, ajudando as suas mulheres nos trabalhos de campo. Os seus instrumentos eram mais eficazes do que os dos índios. A base de alimentação era o milho, a mandioca e o feijão. Os seus filhos, embora sentindo-se portugueses como os pais, sabiam bem os costumes índios. Portanto, os portugueses tiveram uma capacidade de união com as mulheres índias, dando origem a mestiçagem e a aprendizagem dela resultante. O português aprendeu a comer a mandioca e a preparar os campos mediante o uso das queimadas.
As condições para criar as plantações foram difíceis porque a técnica das operações do açúcar situavam-se fora do domínio habitual dos saberes vernáculos. Eram precisas pessoas capazes de organizar as plantações, o corte e o transporte das canas que depois eram moídas antes que as operações da extracção do açúcar começassem. Era necessário recorrer a métodos agrícolas e a técnicas industriais não familiares com os ameríndios nem aos africanos. O desbravamento fez-se pelo fogo, utilizando, de seguida, a enxada e planta-se à mão. Algumas vezes bois foram atrelados para transporte de canas aos moinhos, mas nunca para puxar charrua.
A sucessão das plantações criou uma necessidade de mão-de-obra. Primeiro colaboraram os índios e depois inicia a caça ao escravo que se propaga rapidamente o que criou um clima de hostilidade que se caracterizou entre os índios e os portugueses. Os portugueses aliavam-se a certos grupos para fazer prisioneiros noutras tribos, transformando-os em escravos. A partir de 1550 as condições mudaram rapidamente devido ao olhar francês sobre a região e os sucessos da plantação. Os franceses tinham falhado por pouco o controlo e Portugal reteve a lição sobre a importância de ocupação permanente, criando pontos de apoio fortificados.
O sucesso económico da economia açucareira do Brasil confirma-se na segunda metade do seculo XVI, estalam revoltas de escravos em São Tome de 1574-1586 que arruínam a primeira zona portuguesa de produção de açúcar nos trópicos. Em 1585 já existiam 115 engenhos onde se moia a cana sacarina, o coração da plantação, elevando-se para 192, em1612. (p. 29).
O desenvolvimento acelerado verificou-se na Bahia e em Pernambuco, desenvolveu-se em todo o lado onde existiam terras florestais ricas na proximidade do mar, baias ou rios navegáveis. O povoamento era dividido em múltiplos centros de resistência, repartidos por cerca de 2000 km e não de forma fortificada como era o desejo do governador Tomé de Sousa. Os lucros advenientes dos sucessos das plantações incitaram inveja porque eram desigualmente repartidos.
Havia muito a ganhar na pilhagem dos navios que regressavam a Sevilha ou a Lisboa. O corso e a pirataria concorreram na instauração de um clima de insegurança nas rotas a partir dos anos de 1560 e 1570. As consequências foram múltiplas. Para assegurar o regresso seguro, organizam-se os navios em comboios o que atrasa as relações e prejudica os pequenos portos. As fortificações multiplicaram-se e os engenheiros militares multiplicam os bastiões, os redentes e os taludes.
A repressão do protestantismo levada a cabo pelos espanhóis na Flandres fizeram nascer províncias unidas da Espanha e de Portugal que recorrem mais as companhias com privilégios. A reação à invasão estrangeira, sobretudo holandesa, parte dos colonos instalados no Brasil luta para romper a união.
A revolta contra a Espanha e a fundação da dinastia de Bragança, em1640, não remete para a situação dos anos 1570 ou 1580. Lisboa estava no centro do mundo no qual o lugar do Brasil era modesto. As possessões africanas não eram concebidas como intermediárias da rota do Cabo. Apesar de tudo, o Brasil estava nas preocupações da coroa que controlava os governadores não os mantendo no cargo por muitos anos.
Paul Claval apresenta-nos A Emergência de um grande espaço: império e primeira república. Um primeiro esforço do autor reincide no papel que a ida, ao Brasil da família real teve para defender que tal ida constituiu numa força centrífuga e centrípeta da acção exercida no espaço brasileiro. De acordo com suas palavras, 1) criou-se um tipo de colonização gerador de um Brasil Livre e Branco; 1) que o factor económico foi tão crucial para as decisões políticas em determinados espaços geográficos e 3) existiu Brasil popular e Brasil para as elites.
O autor ainda faz uma análise das Cidades como expressão do Brasil Tradicional. Recapitula a vida europeia para explicar aquilo que ele chama de transposição da cidade portuguesa. Mas de seguida, reconhece que os espaços criados tiveram que contar com modelos emprestados da Europa Ocidental e mostra que, só a partir da altura da Unificação da Alemanha e da Itália, por volta de 1870, é que há acelerado processo de urbanização dos espaços brasileiros, num processo que levou 50 anos.

A Modernidade e génese de uma grande potência
Na segunda parte: Modernidade e génese de uma grande potência, Paul Claval retoma aspectos de consciência nacional impulsionadas pelas teorias de Gilberto Freyre. Nisto, eles tenta conciliar a modernidade à consciência nacional. A conclusão do autor é a de que estavam criadas condições para uma visão marxista do Brasil, visão que irá ser predominante nos problemas futuros do Brasil até ao fecho do século XX.
De seguida, ele apresenta as geopolíticas do desenvolvimento no Brasil na qual os regimes políticos são cruciais na formação dos espaços geográficos. Num outro desenvolvimento, talvez o terceiro, ele mostra que o arranque económico coincide com a militarização do espaço. Dai que ele veja nos militares a força de modernização económica o que resulta num beco sem saída em termos dos limites das geopolíticas de desenvolvimento até 1980.
Assim, de acordo com sua tese, a criação dos espaços no Brasil contou com a Revolução Ecológica do século XX a qual teve sua influência no domínio urbano e na saúde. Para ele, 1) há uma marcha de reconversão das terras cultivadas; 2) essa marcha caminhou para o Norte e encontrou os factores limitantes relacionados com o meio ambiente; 3) cria-se um espaço económico nacional que permite a metropolização .
Em Um Gigante em Mutaçao, o autor mostra-nos que a urbanização acelerada tem problemas relevantes que resultam na existência de grupos marginais que, por sua vez, dão origem nas principais questões sociais, com destaque para a ocupação dos espaços de forma desordenada, em favelas. Mas é nas favelas onde os elementos políticos se encontram com os económicos, resultando daí o que ele designa de economia paralela.
É dentro desta desordem social que vão nascer o tempo e a cultura das massas reinventando o que da Europa foi importado para dar-lhe um carácter mais nacional, como foi com o Samba. Igualmente será nos espaço desordenado que nascerão as escolas de Samba. Enquanto isso, as culturas ligadas a elite vão desenvolvendo suas atividades, nasce o desporto da elite, o amor às praias, a telenovela e a cultura das massas. O fenómeno religioso não é deixado de lado. Apesar de profundamente católico, a sua força é tida em conta como sendo possível geradora de uma rápida evolução religiosa, para seitas e protestantismo.
Defende-se, ao pico deste poto, como o Brasil tende a transformar a sua realidade a partir da modernidade para à altermundialização. A valorização dos espaços geográficos como o Amazonia, aparece associada ao sentimento nacional e uma fábrica de sonhos. Os problemas próprios do Brasil actual, como os referentes ao acesso à terra, as favelas e os sem-tecto são evocados. A tese é de que a Sociedade Brasileira tem dentro de si uma contra-sociedade, assim como a cultura tem a sua contra-cultura o que resulta numa subversão cultural.

A República Velha e a Modernização do Brasil
Foi durante a Republica Velha que emergiram grandes obras. Houve intervenções tendentes a sanear e instalar canalizações de água e esgotos. Também a instalação da rede de carros eléctricos mereceu atenção. Todos estes projectos eram anteriores a República mas tiveram um novo impulso. A capital de Minas Gerais estava sem muito ouro.
Por isso não se justificava a sua escolha pois estava situada numa região de relvo escarpado e de difícil acesso. Além de tudo isso, lembrava o papel desempenhado pela aristocracia mineira na história do Estado, quando a riqueza provinha, cada vez mais, da criação do gado ou da produção do café. Decidiu-se criar uma nova capital do Estado: Belo Horizonte.
Em 1892, Afonso Pena que era presidente do Estado de Minas Gerais convidou Aarão Leal de Carvalho Reis, um engenheiro experiente na área de canalização das águas e dos caminhos de ferro, para dirigir a Comissão de estudos das localidades selecionadas para a Nova Capital.
Ao engenheiro coube a concepção da planta da nova cidade quando estava animado com convicções positivistas e acreditou que a sua missão era importante. Reuniu uma equipa que incluiu José Magalhães formado na Escola de Belas Artes de Paris, Paul Villon, e o suíço Morandi, que também trabalhava na elaboração da planta de La Plata, na Argentina.
A planta que Reis elaborou sobre Belo Horizonte, indica semelhanças com a planta da cidade de Washington. Mas também tem semelhanças com a planta efectuada por Haussmann quando reformava Paris e sobretudo, a planta de La Plata, com a qual a cidade mineira partilha a mesma concepçao urbanística.
De Paris, aproveitaram-se ideias referentes as grandes avenidas arborizadas e a importância dada aos parques e às zonas ajardinadas. Para tal contou com a contribuição do colaborador paisagista Paul Villon. O sistema de quadrados cortados tinha muito em comum com a cidade de La Plata. Era sistema cortado por vias diagonais e fechado por uma avenida circular reflectindo na importância das zonas verdes.
O projecto desta nova cidade não se limitou a uma planta, mas incluiu também um planeamento de actividades. A equipa de Reis interessava-se pela zona suburbana, propicia à instalação de parques necessários para garantir higiene e lazer na vida citadina. Foi inaugurada em 1897 e desenvolveu-se lentamente até que precisou de uma geração para a encher e encher os espaços circunscritos na avenida circular. Belo Horizonte, foi concebido como centro administrativo, mas depois atraiu indústrias e recebeu massas pobres que teve de alojar. Como se pode depreender, os engenheiros civis que participaram nas obras de construção da cidade do Belo Horizonte não foram urbanistas de formação. Os engenheiros brasileiros da altura estavam ao corrente das ideias da Europa e dos Estados Unidos de América, até porque alguns deles tinham passado algum tempo na Europa. Fenómenos naturais também tiveram sua influencia na concepção das novas cidades.
As condições do tráfico marítimo tinham mudado. Tradicionalmente os barcos fundeavam junto da costa. Eram carregados ou descarregados por uma lancha que fazia a ligação com as praias. Mas nessa altura, a construção de cais se generaliza. Os engenheiros que participaram da construção das obras de relevo foram induzidos a remodelar os bairros a beira-mar, uma vez que as operações efectuadas pressupunham a regularização do traçado litoral através do atulhamento das angras e dos pântanos.
A imigração no Brasil trouxe mudanças socioculturais e comportamentais envolvidas na inserção dos imigrantes na sociedade brasileira. Formaram-se novas identidades fundadas na diferença cultural. Ao que parece, a maior atenção vai às questões econômicas e políticas envolvendo a migração em larga escala, em consonância com a globalização. O fenômeno migratório também produziu etnicidade, palavra-chave nas análises de sistemas interétnicos amplamente usada nas últimas décadas com implicações nas políticas de reconhecimento associadas ao multiculturalismo e aos direitos de minorias.
Num país onde o campo não está ainda formado, a ligação às cidades é interessante, pois a personalidade e o génio da população exprime-se mais fortemente. No início, a cidade brasileira é uma simples transposição da cidade portuguesa. Nunca houve, da parte de Lisboa, um esforço semelhante ao que Madrid efectuou, então, para impor, por todo o lado, a mesma força nos centros que a colonização fez surgir no Novo Mundo. (pp. 127-128).
Algumas cidades com plano regular surgem em redor das minas e tem o estatuto de vilas e a coroa transforma as vilas mais importantes em cidades. A partir de 1890 ou 20 anos antes, a urbanização acelera e há um rompimento com a cidade colonial. Surgem então novos problemas com destaque para o Rio de Janeiro e São Paulo com os saturamentos, o que exige novos meios de transporte que ampliam as áreas de construção o que de certa forma permite as classes abastadas a abandonarem o centro. Por outro lado as migrações internas acabam saturando cada vez mais a periferia dos centros urbanos criando as favelas.
Isto irá, no futuro, requerer uma intervenção modernizante das cidades como foram os casos das reformas de Pereira Passos no Rio de Janeiro, cujo estudiosa de fundo na reforma urbana foi Sonia Gomes Pereiraque aplicou inteligentemente o modelo parisiense e que fez do Rio uma cidade industrial moderna ao empregar uma semântica urbana tradicional. Outra transformação foi a do fazendeiro e homem de negócios, Antonio da Silva Prado que entre 1889-1910, como presidente da câmara municipal, desempenha um papel importante na transformação de São Paulo. (pp. 157-158).

A Ocupação dos Espaços: Contributo da Obra de Paul Claval
A colonização não se instala sobre um território virgem. No primeiro momento dos contactos, as densidades são fracas em todo o lado. Se havia 7, 8 ou 10 milhões de índios, eram «sociedades contra o Estado» divididas em tribos que se opunham em guerras sem fim, e sacrificavam os prisioneiros em rituais complexos, ligados ao valor moral reconhecido à vingança. A crença numa Terra sem Mal lançava-os em longas migrações. Nisto, o governo de Lisboa trabalha em estreita ligação com o do Brasil, numa altura em que o peso dos interesses e dos meios comerciais estão virados ao o açúcar e o que o rodeia.
A colonização portuguesa podia justificar-se por considerações religiosas: não era urgente levar a palavra de Deus a populações que a ignoravam? Mas desde o começo, um lugar importante está reservado às considerações económicas: o comércio do pau-brasil e a produção de açúcar tornam-se, desde cedo, actividades lucrativas. É a segunda que o país deve o seu desenvolvimento precoce. A orientação mercantil confirma-se a seguir à introdução holandesa. O açúcar mantém-se durante todo o período colonial uma das bases essenciais da económica brasileira. (pp. 49-50)
Igualmente houve peso dos interesses comerciais, como ouro, diamante e as pedras preciosas. Os colonos portugueses instalados no Brasil sonham, como todos aqueles que deixam a Europa na época, encontrar ouro e pedras preciosas. Foi preciso mais de um seculo e meio para que as descobertas se materializassem. Assinalaram primeiro ouro na Serra do Mar, no actual estado do Paraná, ao Sul de São Paulo. As descobertas essenciais são feitas no norte, no actual estado de Minas Gerais, ao qual dão o seu nome. (p. 50)
A aposta aos recurso minerais exige mão de obra numerosa, servil em larga medida, mas não unicamente. É preciso alimentar as populações dos centros de extracção. Se em 1700 havia 300 mil almas, 70 anos depois já eram 1700.000, quando a produção de ouro começa a baixar. Este aumento populacional condiciona as políticas de Lisboa em face da organização económica do Brasil. Aliás, havia temos das ocupações holandesas que se mostravam mais organizadas. A propósito disso, Claval diz que,
Os holandeses souberam organizar bem a economia das suas possessões. A partir de 1640, os portugueses tentaram retirar as lições. Quando Portugal retoma a sua independência, as autoridades espanholas fazem tudo para bloquear o seu comércio e os portugueses reagem instalando-se permanentemente no estuário de La Plata onde fundam a colónia do Sacramento, uma excelente base para o contrabando com as colonias espanholas. (p. 53)
Portanto, como se pode ver, além da economia, a política desempenhou o seu papel. A fundação e consolidação de uma nova sociedade leva aos portugueses a adoptarem um tipo de povoamento: um aglomerado nas zonas das plantações ou nos aldeamentos de reagrupamento das populações índias, no resto do território predomina a dispersão. O local é constituído por uma serie de comunidades organizadas em torno do local de culto: a Igreja não o estruturou em paróquias de acordo cm a prática quotidiana das populações. Assim, o Federalismo passa a ser uma das forças centrífugas de acção. No Brasil, Lisboa era proprietária de todos os espaços não concedidos. A independência não modifica esta situação: a terra no Brasil, pertenceu, em princípio, primeiro ao Rei de Portugal, depois, ao governo do império.
Como o país atingiu, aproximadamente os seus limites territoriais actuais a partir do final do seculo XVIII, encontra-se dividido na sua quase totalidade em capitanias, logo, em províncias. No brasil, a solução federal tem como objectivo não ferir as susceptibilidades locais e evitar a rigidez de um sistema demasiado centralizado. No entanto, parece ser insuficiente em muitas regiões: revoltas, agitações, movimentos separatistas atravessam o país durante uma geração. (p. 91)
Na instalação das colonias europeias nos estados do sul os caminhos-de-ferro desempenham papel de relevo. Os colonos eram atraídos pela possibilidade de obter terrenos baratos. Os primeiros recém-chegados são os alemães, que se espalham nas encostas arborizadas da Serra, a norte do Porto Alegre. São também os alemães que se instalam em Santa Catarina. Criam comunidades rurais de aparência completamente germânica, como em Pomerode, ainda que os arrozais, nos quais se reflectem as casas de taipas, em nada lembram a Europa Central. A segunda componente do povoamento é italiana, ao Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Eles recebiam pequenos lotes, de cerca de vinte hectares.
O império e a republica caracterizou-se pela ruptura e continuidade tendo registado os seguintes acontecimentos importantes: voto da constituição em Fevereiro de 1889, inflacção explosiva do encilhamento, nascimento da confederação operaria brasileira, greve geral em São Paulo, em 1917, revolta dos tententes no forte de Copacabana, em 1927, queda do preço do café e inicio da grande crise no Brasil, e fim da Primeira República com a entrada de Getulio Vagas ao poder. (pp. 110-111).
Os imigrantes provenientes de toda a Europa mediterrânica, central ou oriental, aceitam a língua e as leis do país: à excepção dos alemaes, que permanecem fiéis à sua língua, durante várias gerações, todos se fundem rapidamente no molde comum.

Modernidade e génese de uma grande potência
O autor mostra que o Brasil seguia com atenção tudo o que acontecia na Europa porque pensavam que as condições de progresso ainda não estavam reunidas no Brasil. mas com primeira guerra mundial estas ambições são postas em causa. A europa enfraquecida pelos conflitos deixou de fascinar as elites e o desenvolvimento está virado de fora para dentro como uma obrigação moral.
Sai da modernidade externa para a modernidade nacional. Para ele, é um cenário que se desenha nos anos 20 do seculo XX e tem um ápice nos anos 30. «Os artistas reflectem, muitas vezes, a evolução e a sensibilidade dos países onde vivem. As estadas no estrangeiro, em particular em França, bem como a imigração proveniente da europa Central e Leste, reforçam a nova pregnância da ideia de modernidade no domínio da arte. (p. 167)
A ideia de consciência nacional levou tempo. A ponto de alguns acreditarem nela, atribuindo-se papeis desiguais. Tal foi defendido por Alberto Tores que em 1914 afirmava que «Brasil nunca foi um país organizado». O que acontecia é que o sul estava livre, por isso desenvolvido enquanto o norte que acabava de libertar-se da escravatura ainda estava pobre. Essa imagem exaltava o sul tido como uma terra de progresso realçando os traços arcaicos do norte.
Acusa-se as populações do norte de serem fanáticas da violência. Por isso, o Estado de São Paulo, em 1923, manda o jornalista Moraes Barros, para fazer uma investigação destas regiões desfavorecidas. A maneira de as designar começou a mudar e o termo Nordeste aparece pela primeira vez em 1919, para designar a área da acção da Inspeção federal das obras públicas contra as secas IFOCS. (p. 171)
É neste tempo que Gilberto Freyre se insurge contra a pretensão das elites sulistas em reduzir a História do Brasil à das últimas fases da colonização, e em ignorar o resto do país. A ideia do Brasil branco retinha apenas uma das componentes regionais, a que se constituiu progressivamente durante o seculo XIX sob efeito conjunto da política imperial e da acção dos empresários de São Paulo. Assim, o Brasil constituía o todo constituído por partes das quais não se podia separar.
A partir de 1950 surgem as geopolíticas do desenvolvimento incentivadas pelos militares que tem uma visão mais abrangente que vai resultar num milagre económico dourado. A partir do momento em que o Brasil descobre que faz parte do Terceiro Mundo, a sua ligação com o Ocidente já não parece ser tao evidente. Surge uma atitude reivindicativa em relação aos países desenvolvidos e industrializados. O Brasil tem de erradicar a miséria. Tem de encontrar o caminho do crescimento. Já não é considerado como semelhante a um modelo estrangeiro à Europa, como no final do seculo XIX, ou aos Estados Unidos da America.
Apesar de os projectos do desenvolvimento datarem desde 1930, é a partir de 1950 e 30 anos depois que ganham maior relevo, o verdadeiro arranque económico. Foi a segunda guerra mundial que permite a retoma economia e facilita o arranque de certas industrias embora o pais tivesse dificuldades em equipar-se. Em 1953 cria-se a Petrobras com a missão de prospectar, extrair e refinar o petróleo em território nacional, como para a Companhia do Vale do Rio Doce. Houve, antes, negociações secretas para fundar uma companhia electrica nacional, a Eletrobras. E em 1956 a economia atinge a plenitude. (p. 213).
Na base dos progressos verificados neste período, novas áreas são exploradas e criados novos espaços de intervenção do desenvolvimento e o Brasil impõe-se precocemente na cena internacional.
A unidade cultural também é evidente porque de uma ponta à outra deste imenso território as pessoas falam a mesma língua, dançam os mesmos ritmos, partilham a mesma paixão pela festa e são igualmente apaixonadas pelo jogo de futebol. Existe uma dúvida que o Brasil seja uma realidade tao viva no domínio politico como o é no domínio cultural. (p. 267)
De entre os problemas acuais do Brasil cumpre apontar o caso das favelas. O problema que apresentam as favelas são múltiplos: económicos, já que é necessário fornecer aos seus habitantes meios de se inserir nos mercados de habitação e trabalho, culturais, já que eles são portadores de contracultura em contradição com alguns dos valores da sociedade dominante; politicas, já que esperam que as instituições oficiais lhes providenciem o que eles necessitam, mas não tem ideia que isto tem um preço. Sentem-se brasileiros, mas não estão prontos a pagar impostos. Acham natural piratear as linhas eléctricas para terem iluminação sem pagar nada às companhias distribuidoras. (p. 324)














Conclusão
Analisar em forma de recensão crítica a obra de Paul Claval foi um exercício frutífero. Frutífero na medida a em que suscitou maior interesse na aprendizagem da História do Brasil, um país aparentemente apresentado com eldorado, quando, como ficou a saber-se, esconde dentro de si grandes desigualdades sociais cujo termo designador é o de «um país dos extremos».
Em contrapartida, indo ao lado do Curso em que me formo, o livro mostrou que o desenvolvimento só é possível mediante uma cooperação e junção de ideias de várias proveniências. Foi isso o que permitiu a criação de novos espaços atractivos no Brasil actual, num processo que foi muito longo e penoso.
Paul Claval aborda a História do Brasil de forma simples e compreensível, numa linha geográfica, tendo como o pano de fundo, o papel das relações geopolíticas na recriação de espaços e no desenvolvimento. Não é de estranhar que ele aborde a questão do Brasil envolvendo todos os países que, no começo da expansão, iniciada por Portugal e pela Espanha, se viam parte integrante num projecto de que não eram actores na sua origem.
Segundo Claval há um novo enfoque cultural devido a insatisfação dos pesquisadores pelas perspectivas existentes. A perspectiva cultural levarianos a renúncia aos pontos de vista totalizantes permitindo partir do indivíduo e de suas experiências porque é através delas que os homens descobrem o mundo, a natureza a sociedade, a cultura e o espaço.
Claval ignora o facto de que é dificil identificar o espaço cultural real e sua representação, pois, o quotidiano dos individuos não pode ser uma categoria de análise em si sem incluir a dimensao ideologica do individuo e respectivas representações. A noção de espaço produzido pela sociedade termina na paisagem imaginária a crer nas suas palavras segundo as quais «o espaço constitui um palco onde as pessoas se oferecem um espetáculo». Ele consegue, com grande mestria, mostrar a possibilidade de a Geografia produzir uma teoria capaz de explicitar a realidade em função de seu aprisionamento aos estudos de casos. É este um dos contributos de Claval.
Finalmente, no papel de Lisboa, Claval mostra que a ameaça francesa e holandesa esteve na origem da pertinência da ocupação dos espaços de forma permanente. A obra em análise é um contributo na comunidade académica, ilumina como o homem tende a transformar os espaços, tentado resolver problemas ao mesmo que cria novos.











Bibliografia
CLAVAL, Paul. A Construção do Brasil: Uma grande Potência em Emergência. Instituto Piaget, Lisboa, 2010.

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