A Construção Social da Música: um estudo de memória e tradições do Samba de Roda em Conceição do Jacuípe

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA CENTRO DE ARTES, HUMANIDES E LETRAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

MARCUS BERNARDES DE OLIVEIRA SILVEIRA

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA MÚSICA: Um estudo de memória e tradições do Samba de Roda em Conceição do Jacuípe

CACHOEIRA-BA 2014

MARCUS BERNARDES DE OLIVEIRA SILVEIRA

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA MÚSICA: Um estudo de memória e tradições do Samba de Roda em Conceição do Jacuípe

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Colegiado de Ciências Sociais do Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais. Orientador: Professor Doutor Wilson Rogério Penteado Júnior

CACHOEIRA-BA 2014

MARCUS BERNARDES DE OLIVEIRA SILVEIRA

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA MÚSICA: Um estudo de memória e tradições do Samba de Roda em Conceição do Jacuípe

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais.

Aprovado em __/__/__

BANCA EXAMINADORA _______________________________________ Wilson Rogério Penteado Júnior (Orientador) Doutor em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

_________________________________________ Maria Salete de Souza Nery Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal do Recôncavo da Bahia ________________________________________________ Katharina Döring Mestre em Etnomusicologia pela Universidade Federal da Bahia Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Siegen Universidade do Estado da Bahia

Para minha mãe: Pelo amor que está para além do seu conceito e das amarras sociais

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos irmãos e irmãs que estão no plano espiritual me amparando em todo momento e, que ficam mais próximos nos desafios mais difíceis. Sinto comigo sempre uma multidão de obreiros do bem, sinto também a alegria e a responsabilidade que o simples ato de viver implica. Agradeço aos grupos Coisas de Berimbau e Raízes da Pindoba; esse trabalho foi uma construção conjunta. Muito obrigado aos Mestres Aloísio, Cristovão e Liodoro pelos momentos de muita música e alegria. Muito obrigado a Zeni, sempre muito atenciosa. À Tonho do Samba e sua esposa, muito obrigado por dividir os seus anseios, as suas vidas. Muito obrigado a Marcos Brother e todos os familiares e amigos de Domingos de Saul. Agradeço aos meus pais. Ao meu pai por todo o apoio e suporte, pela preocupação constante com o meu futuro. À minha mãe pelo amor incondicional, pela minha introdução tanto na música quanto na ciência, pela inquietude diante das arbitrariedades do mundo social. Agradeço aos meus irmãos. À minha irmã, por cada vibração positiva e ligação quando eu tinha um trabalho aprovado em algum congresso. Ao meu irmão, pelo incentivo constante aos estudos, por me mostrar a seriedade que uma vida acadêmica exige. Ao meu cunhado pela atenção e primeira leitura dinâmica pública deste trabalho. À pequena Maria, pelas alegrias que eu nem imaginava que poderia emanar de um ser humano, por me lembrar de manter sempre ativa a curiosidade infante. À Cíntia, minha companheira, por todos os momentos de carinho. Agradeço aos irmãos que reencontrei em Cachoeira. Luis e Eduardo, constantes nesses anos todos. Acredito que a nossa convivência em república, em irmandade, possibilitou o conhecimento de nós mesmos. Sinto-me uma pessoa melhor após conhecê-los. À Guigas, obrigado pelos momentos de risadas, pelas instruções fotográficas. À Daniels, irmão de ciência, agradeço pelas conversas filosóficas até de madrugada, pelas viagens. Agradeço aos amigos que acreditam junto comigo que as Ciências Sociais estão para além dos muros da sala de aula: June, Cesinha, Daniel, Valdir, Paulo, Cacau, Matheus, Camillo e Zeca. À Ian, obrigado pelo constante aprendizado musical que é dividir os palcos contigo. Obrigado a Adriano e Gugu, amigos de infância, muitas vezes longe, mas sempre presentes. Muito obrigado ao amigo Dias, pelas viagens e conversas sobre o recôncavo. Agradeço ao meu orientador Wilson, por acreditar desde o início na proposta deste trabalho, pela dedicação e leituras sempre atentas. Aos professores Luis Flávio e Diogo Valença por me fazerem perceber a importância da vida acadêmica. Agradeço às professoras Ana Paula e Jurema Machado pelas leituras quando a pesquisa era apenas um projeto, especialmente a Ana pelo incentivo ao mestrado. À professora Salete, pelas orientações e exemplo de docência. À professora Katharina Döring, pela simplicidade e atenção. Aos professores Osmundo e Juvenal pela orientação de um dos capítulos deste trabalho.

RESUMO

A presente pesquisa insere-se nos campos de conhecimento da Antropologia Simbólica e da Sociologia da Cultura. A análise da construção, reconstrução e produção de uma determinada musicalidade envolve processos extremamente complexos como as relações entre contexto e o próprio “texto” musical; entre cantores e instrumentistas; musicalidade e visões de mundo. Neste trabalho, visa-se compreender o processo de construção social do Samba de Roda, pensado a partir de dois conceitos fundamentais e complementares: a memória musical e as tradições. Busca-se o aprofundamento do conceito de memória musical analisando os processos de socialização e transmissão do saber musical, os atos de criação musical e improvisação, bem como a própria história do samba, segundo a percepção dos músicos. Metodologicamente a pesquisa se estrutura na análise empírica dos grupos Coisas de Berimbau e Raízes da Pindoba, através do método da observação participante em conjunto com técnicas de entrevistas semiestruturadas. A escolha dos grupos provenientes da cidade de Conceição do Jacuípe foi feita a partir da constatação de ambientes socioculturais distintos para uma mesma musicalidade. A relevância para pesquisa encontra-se no fato de buscar similitudes (bem como analisar divergências) da pluralidade de tradições de Sambas de Roda no recôncavo. O conceito de tradição será abordado em dois escopos: enquanto discurso e prática produzidos pelos próprios sujeitos e enquanto uma noção imposta pelo Estado. Palavras-Chaves: Samba de Roda; Memória Coletiva; Cultura Popular; Tradição.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 ....................................................................................................................................... 49 Mapa 2 ....................................................................................................................................... 54 Mapa 3 ....................................................................................................................................... 55 Mapa 4 ....................................................................................................................................... 56 Mapa 5 ....................................................................................................................................... 56 Foto: Casa do Samba em Berimbau ........................................................................................... 58 Foto: Domingos Júlio dos Santos .............................................................................................. 58 Foto: “Seu Domingos de Saul” e “Dona Glória” ....................................................................... 70 Foto: Grupo Coisas de Berimbau............................................................................................... 70 Foto: Grupo Raízes da Pindoba ................................................................................................. 71 Foto: Os pandeiros ..................................................................................................................... 71 Foto: Violão e Cavaquinho ........................................................................................................ 72 Foto: Castanhola ........................................................................................................................ 73 Foto: Prato-e-Faca...................................................................................................................... 74 Foto: Tabuinha ........................................................................................................................... 74 Foto: Chocalho ........................................................................................................................... 75 Foto: Timbau e Unitário ............................................................................................................ 75 Foto: Repique ............................................................................................................................. 76 Foto: Triângulo .......................................................................................................................... 76 Foto: Xequerê ............................................................................................................................ 76 Foto: Sambadeira ....................................................................................................................... 77

LISTAS DE TABELA

Tabela 1...................................................................................................................................... 51 Tabela 2...................................................................................................................................... 51

LISTA DE SIGLAS

ASSEBA – Associação de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia CET - Coordenação Estadual dos Territórios de Identidade da Bahia IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INRC – Inventário Nacional de Referências Culturais IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEPLAN - Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 11 CAPÍTULO 1 – CULTURAS POPULARES: NOTAS HISTÓRICAS E EPISTEMOLÓGICAS .......................................................................................................................... 20 Folclore e Cultura Popular ......................................................................................................... 22 Mário de Andrade e o Ensaio Sobre a Música Brasileira .......................................................... 26 Tradições, Mundialização e Culturas Populares ........................................................................ 28 CAPÍTULO 2 – COSMOVISÃO E IDENTIDADE: OS BANTO E O SAMBA DE RODA 32 Música e História ....................................................................................................................... 32 Elaboração de um Modelo Abstrato .......................................................................................... 36 Identidade e Mudança Cultural .................................................................................................. 39 CAPÍTULO 3 – ETNOGRAFIA DA MEMÓRIA MUSICAL .................................................... 43 Memória Musical: Construção de um Conceito ........................................................................ 44 De feira à cidade: Berimbau (Conceição do Jacuípe) ................................................................ 49 Casa do Samba Mestre Domingos Saul ..................................................................................... 56 “O Reis” ..................................................................................................................................... 59 Coisas de Berimbau e Raízes da Pindoba .................................................................................. 63 CAPÍTULO 4 – A TRADIÇÃO EM DOIS ESCOPOS ................................................................. 78 “O Parecer” ................................................................................................................................ 81 Revalidação do Título de Patrimônio Cultural Brasileiro ......................................................... 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 88 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 90

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INTRODUÇÃO

O interesse em estudar o Samba de Roda, bem como as questões ligadas à memória coletiva e aspectos da tradição foi construído paulatinamente. Ao iniciar meus estudos em Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, adentrando em problemas sociológicos e me fascinando pelas indagações antropológicas, percebi (ainda sem saber da vasta bibliografia) que a música poderia ser um grande tema de pesquisa. Poderia agregar uma conhecida atividade minha ao mundo novo da ciência que me era apresentado. Como muitos instrumentistas, a minha socialização musical começou na família. Ainda pequeno, aprendendo meus primeiros acordes no violão ensinados por minha mãe, ouvia os discos da década de 1980 do Trio Tapajós, importante conjunto baiano que desenvolveu tecnicamente um instrumento peculiar do estado: a guitarra baiana. Minha relação com esta história, anterior ao meu próprio nascimento, é a minha primeira referência musical: meu tio, José Renato, conhecido no meio musical como Renatinho, era um dos integrantes do conjunto e hoje uma das grandes referências do instrumento. Meu avô, talvez seja a origem ainda acessível desta relação familiar com a música. Também instrumentista, e de um instrumento acessível a poucos por sua tão falada complexidade: a sanfona. No decorrer deste presente trabalho descobri suas relações como músico de Samba de Roda! Quando jovem participava de diferentes grupos musicais na cidade de Riachão do Jacuípe e, foi em uma de suas apresentações que conheceu a minha avó. Apesar das referências da guitarra baiana e da sanfona, o instrumento que escolhi foi o violão. Depois de uma rápida passagem pelo cavaquinho, me fascinei pela ampla possibilidade harmônica do instrumento, com sons graves e agudos. No início do aprendizado utilizava revistas com músicas cifradas, e aos poucos comecei a ouvir as músicas e reproduzi-las no violão. Meu aprendizado então do instrumento não foi sistemático, não passei por nenhuma escola de música, nem tive professores. Em nenhum momento pensei na graduação de Música, talvez por essa não familiarização com os aspectos teóricos musicais. Em âmbito de graduação o que acabou prevalecendo foram minhas inquietações a respeito do mundo social. E como o Samba de Roda apareceu como a musicalidade a ser discutida? Passei parte da minha infância e adolescência na cidade de Conceição do Jacuípe. Até então não sabia que a

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cidade fazia parte do recôncavo1, tampouco que existiam grupos de samba de roda. Só quando fui morar em Cachoeira, em 2010, que comecei a ouvir falar do samba, dos ensaios às quartas-feiras na Casa do Samba de Dona Dalva. No mesmo ano comecei a esboçar uma ideia de pesquisa sobre a música em situação de diáspora nas Américas. Minhas principais influências musicais são de referenciais afro-americanos: o blues, o jazz, o baião, o chorinho. Comecei a perceber a importância histórica que o samba de roda teve para a construção das musicalidades que se desenvolviam no Rio de Janeiro no início do século XX, e posteriormente tornaram-se símbolos da brasilidade. Enxergava também em paralelo o blues norte americano como esta célula central para uma multiplicidade de ritmos rurais e urbanos que se desenvolvia nos Estados Unidos, ganhando proporções mundiais. Pareciam-me demasiado interessantes estas relações entre o Mississipi e o Paraguaçu, entre o Blues e o Samba de Roda, entre o Jazz e o Choro. Entretanto tal amplitude temática e a inexperiência do pesquisador mostraram-se inviáveis para tal empreitada. Aos poucos fui percebendo que o Samba de Roda era um complexo cultural que demandaria várias pesquisas, bem como um ponto de partida importante para se pensar questões mais amplas. Repensei a questão, voltando-me especificamente para o Samba de Roda, no intuito de entender como a música é socialmente construída. A partir de leituras sobre História Oral e minicursos, mais tarde aprofundando o tema usando referenciais das ciências sociais, a memória coletiva se tornou uma ferramenta analítica interessante para pensar a construção desta musicalidade; já que a entendia como um processo histórico de influências múltiplas, mas também como uma referência presente fundamental para as pessoas inseridas no contexto. Em 2012 fui bolsista de iniciação científica no projeto Um estudo sócio-antropológico do samba-de-roda, suas especificidades, e sua implicação como patrimônio cultural, na região recôncava da Bahia – (Cachoeira, São Félix e Conceição do Jacuípe), com o plano de trabalho A Dinâmica da Memória Musical: As Tradições do Samba de Roda em Cachoeira, São Felix e Conceição do Jacuípe, sob a orientação do professor Wilson Penteado com quem já estabelecera relações de orientação desde 2011. Apesar da pesquisa abarcar grupos das três cidades, ela foi mais desenvolvida em São Felix e Conceição do Jacuípe; na primeira cidade por uma outra bolsista, e

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A região do recôncavo da Bahia, geografica e conceitualmente, delimita os municípios que estão no entorno da Baía de Todos os Santos. Porém existem critérios políticos, econômicos e culturais que são também levados em consideração. Assim o entendimento de um “recôncavo cultural” acaba por abarcar mais municípios. Esse debate será melhor problematizado no Capítulo 3.

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na segunda por mim. Neste mesmo ano, integrei um grupo de estagiários que realizou o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) no Recôncavo da Bahia, abarcando os municípios: Maragogipe, Salinas da Margarida, Saubara, Itaparica, São Felix, Cachoeira e Santo Amaro. Este INRC foi exigido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) ao Estaleiro Enseada do Paraguaçu por construir em uma área histórica e de dimensões culturais reconhecidas por órgãos públicos específicos. Este trabalho me permitiu conhecer outros grupos de Samba de Roda. Percebi então a pluralidade de tradições que os grupos de samba possuíam no Recôncavo. Paulatinamente comecei a redirecionar o meu universo empírico. Conheci o samba a partir de Cachoeira, entretanto, após ouvir aquelas músicas, reconheci os sons que ouvira na minha adolescência em Conceição do Jacuípe. Muitos grupos de cidades como Cachoeira, São Felix, Santo Amaro, São Francisco do Conde foram estudados por pesquisadores hoje renomados. Alguns destes grupos manifestam a ideia de que não necessitam mais de pesquisas sobre si mesmos, porque aqueles pesquisadores teriam finalizado o trabalho. É uma atitude compreensível, já que os mesmos escutavam muitas vezes perguntas parecidas com aquelas já respondidas. Outra questão fundamental é uma relação de privilégios que existe na Rede do Samba2, que marginaliza grupos e também cidades. Esta é uma relação complexa entre governos municipais, população, Associação de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (ASSEBA), articuladores e grupos que será problematizada. A cidade de Conceição do Jacuípe e seus grupos ocupam um espaço marginalizado diante de grupos e cidades que são entendidas como “mais tradicionais”, mas que na verdade possuem uma melhor articulação política neste processo de patrimonialização do Samba de Roda. A escolha da cidade de Conceição do Jacuípe como universo de pesquisa, advém destas questões e da constatação de ambientes socioculturais distintos para uma mesma musicalidade. A relevância para pesquisa encontra-se no fato de buscar similitudes (bem como analisar divergências) da pluralidade de tradições de Sambas de Roda no recôncavo. Em 2013, como continuidade do projeto de pesquisa de iniciação científica ainda em curso, reestruturei o meu plano de trabalho para Os Discursos de Tradição no Samba de Roda em Conceição do Jacuípe. Na primeira pesquisa trabalhei mais especificamente com a temática da memória, neste segundo plano de trabalho o enfoque foi nos discursos de tradição, das 2

Articulação política das Casas de Sambas distribuídas em 15 municípios do Recôncavo da Bahia: Santo Amaro, Feira de Santana, Maragojipe, Antônio Cardoso, Saubara, São Francisco do Conde, São Felix, São Sebastião do Passé, Teodoro Sampaio, Conceição do Jacuípe, Cachoeira, Terra Nova, Irará, Salvador e Simões Filho.

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características do samba na cidade, na história dos grupos. Acabo por fazer aqui também o relato da minha memória musical. Nada mais justo, já que a pesquisa tratará da memória de vários músicos, considerei pertinente apresentar minhas recordações reconstruídas como explicação de um tema de pesquisa. O trabalho se estrutura na análise empírica dos grupos da cidade de Conceição do Jacuípe3, através do método da observação participante em conjunto com técnicas de entrevistas semiestruturadas. É importante salientar que os agentes sociais nesse caso são os músicos, e não os dançarinos ou cantores, nas questões relativas à memória musical. A pesquisa trata do aprendizado musical (transmissão oral e mimética) dos instrumentos, da percepção dos mesmos em relação à musicalidade do samba de roda. A memória dos músicos, nesse sentido, é uma fonte de análise que vai nortear a compreensão da pesquisa tanto para explicar a história musical do grupo quanto desvendar as formas de organização do samba, de transmissão de conhecimentos musicais Neste sentido, a memória musical é um fator fundamental para pensar o papel que as lembranças possuem em uma musicalidade que não registra suas músicas em partituras. Assim, busca-se o registro de narrativas observando interpretações sobre a história do samba em suas múltiplas dimensões, bem como as implicações disto nos processos de construção dos discursos de tradição. A presente pesquisa insere-se nos campos de conhecimento da Antropologia Simbólica e da Sociologia da Cultura. A análise da construção, reconstrução e produção de uma determinada musicalidade envolve processos extremamente complexos como as relações entre contexto e o próprio “texto” musical; entre cantores e instrumentistas; musicalidade e visões de mundo. Neste trabalho, visa-se compreender o processo de construção social do Samba de Roda pensado a partir de dois conceitos fundamentais e complementares: a memória musical e as tradições. Busca-se o aprofundamento do conceito de memória musical analisando os processos de socialização e transmissão do saber musical, os atos de criação musical e improvisação, bem como a própria história do samba, segundo a percepção dos músicos. O conceito de tradição será

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Os atuais grupos da cidade são Raízes da Pindoba e Coisas de Berimbau, ambos registrados na ASSEBA. A pesquisa focará então na análise empírica destes dois grupos. Entretanto no trabalho de campo descobriu-se a existência de outro grupo, Filhos das Lages, que se encontra desativado.

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abordado em dois escopos: enquanto discurso e prática produzidos pelos próprios sujeitos e como uma noção imposta pelo Estado. O Samba de Roda é objeto de estudo das ciências humanas muito antes do mesmo se tornar Patrimônio Imaterial Brasileiro (IPHAN/2004) e Patrimônio Oral da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO/2005). Desde os anos 70/80 do século passado, com os estudos do etnomusicólogo Ralph Waddey (tendo publicado dois artigos, em 1980 e 1981), talvez até antes, o Samba de Roda enquanto manifestação musical, coreográfica, estético-poética é abordado em estudos folcloristas, etnomusicológicos, históricos, antropológicos. Entretanto a questão da criação da Associação de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (ASSEBA) e, consequentemente, da difusão de Casas de Samba pela região do recôncavo baiano constitui um fenômeno recente. A patrimonialização de um bem cultural traz consigo toda uma gama de questões que precisam de um estudo mais aprofundado. Com a realização da presente pesquisa, ao se propor investigar os discursos de tradição (que englobam as falas dos próprios agentes e a gerência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), contribui-se para a compreensão da rede complexa que se estabelece entre o Estado brasileiro (burocrático, normativo, desenvolvimentista) e a cultura popular (dinâmica e tradicional). A pesquisa busca, também, compreender as dinâmicas da memória musical. Poucos trabalhos se voltaram à temática do processo de aprendizagem no samba, da socialização, da improvisação e seus significados musicais e sociais. Pensar a memória dentro de um contexto musical afro-brasileiro é fundamental para compreender toda uma rede complexa de relações que permeiam desde a história colonial e a escravidão, perpassando pelo mundo simbólico, cosmovisão e religião de africanos escravizados, até o sentido que a música possui atualmente para sambadores e sambadeiras no recôncavo baiano. O conceito de memória aplicado ao universo simbólico da música (afro-brasileira) permite desdobrar e ampliar a noção de Memória Coletiva dos Músicos escrito em 1939 na forma de um ensaio por Maurice Halbwachs. O autor limita-se a pensar esta memória em um contexto europeu. A variabilidade harmônica da música europeia escrita está altamente conectada com a função que a partitura exerce como aporte da memória. Como o músico europeu não é obrigado a decorar diversos movimentos de vários minutos de duração (e talvez não tivesse sido possível sem as pautas), a música pode se

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desenvolver com o mecanismo da partitura e atingir um alto grau de complexidade harmônica4. O Samba de Roda (assim como outros gêneros musicais “apócrifos” como o blues norte-americano) não desenvolveu tal variabilidade por se inserir em outra lógica funcional. Sem a partitura, a memória musical perpassa todos os níveis de construção social da música. Assim, diante de uma “simplicidade harmônica”, acrescenta-se uma enorme variação melódica com a incorporação do improviso. A memória, nesse processo, age recombinando notas elementares já conhecidas e adquiridas na aprendizagem musical. A própria discussão conceitual de memória perpassa pelo âmbito da tradição. O Samba de Roda pode ser entendido enquanto uma música tradicional. Existe uma profunda ligação entre o samba e a história social do lugar (recôncavo) em que se desenvolve. Variando entre uma cosmovisão católica (pensando em um catolicismo popular), ora uma cosmovisão candomblecista, ora uma inter-relação de ambos, o Samba de Roda transmite em suas letras e em suas manifestações corporais (dança) aspectos destas cosmovisões. Sua principal forma de conhecimento musical é passada através da memória, em uma lógica geracional. Pensar uma concepção de tradição mais crítica é elaborar uma análise a partir do empírico, construindo um conceito a partir do campo. O seu conceito pode ser melhor compreendido quando analisados os discursos de tradição dos próprios agentes em diálogo às noções de tradição impostas pelo Estado brasileiro via Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O presente trabalho adota como pressuposto duas hipóteses complementares. Primeiro de que o estudo da memória musical se restringiu a musicalidades europeias que possuem a partitura como linguagem musical. O estudo deste conceito aplicado a uma musicalidade afro-brasileira (Samba de Roda) permitirá ampliar as possibilidades analíticas do mesmo, já que esta guarda especificidades em sua constituição. Segundo que as noções de tradição impostas pelo Estado brasileiro (via IPHAN) sobre as culturas ditas populares, apesar de no âmbito discursivo respeitar as dinâmicas culturais, na prática “cristalizam” as tradições. Destarte, o objetivo geral da pesquisa é compreender o processo de construção social do Samba de Roda na cidade de Conceição do Jacuípe, pensado a partir da memória musical e dos discursos de tradições. 4

Os conceitos de harmonia, melodia e ritmo são aqui entendidos em suas formas mais elementares. Melodia é uma sucessão de sons musicais combinados; ritmo a duração e acentuação dos sons e pausas e harmonia a combinação dos sons simultâneos (CHEDIAK; 1986).

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Enquanto os objetivos específicos se relacionam na compreensão e análise dos discursos êmicos de tradição dos grupos pesquisados; nas relações entre músicos e instrumentos no que tange aos processos de aprendizagem, escolha dos instrumentos, funções técnicas e simbólicas destes instrumentos e transmissão do saber musical; na análise de como os integrantes dos grupos em questão percebem o reconhecimento patrimonial conferido pelo Estado – através do IPHAN – ao samba de roda e, consequentemente, quais as implicações disto nas relações vividas cotidianamente por eles e na construção dos seus próprios discursos do que venha a ser “tradição” no samba de roda e; na investigação dos significados do texto musical nos grupos estudados no sentido de compreender aspectos ditos “tradicionais” na cosmovisão dos próprios agentes praticantes. A música pode englobar diferentes conceituações e escopos dependendo da área de conhecimento que o pesquisador se posicione. Em desenvolvimento com a própria Antropologia, no século XIX, nasce uma disciplina hibrida articulando conceitos e pressupostos epistemológicos da antropologia e da musicologia: a etnomusicologia. Se por um lado nos trabalhos clássicos da antropologia nota-se a preocupação em estudar as culturas de determinados povos em sua totalidade (Política, Economia, Religião, Parentesco), a música configura nesse universo uma articulação, vista como construtora de relações sociais que ora pode ser entendida como parte integrante de um complexo ritual religioso ou como reafirmação dos laços de solidariedade social. Grosso modo, a música pode ser um exemplo de comunicação entre os (e dos) povos e um aspecto fundante de estruturas fundamentais (por que não dizer elementares?) das sociedades, já que o homem em lugar nenhum e em nenhum tempo concebe a desordem (mesmo que a ordem possua uma pluralidade de formas e sentidos culturais). A música, como a própria sociedade, só existe em função de ordem, de regras. Neste sentido, cada musicalidade também possui um sentido bem peculiar para determinados povos, se coadunando com o lugar social em que a mesma se desenvolve, engendrando uma rede complexa de sentidos que só através de pressupostos científicos um estrangeiro tem a possibilidade de compreender um pouco a realidade do outro. Talvez o princípio da alteridade seja a principal questão posta à Antropologia e este é o desafio fundamental: pensar construções culturais outras. O samba de roda tem sido objeto de estudo dentro da academia, sobretudo a partir de uma perspectiva etnomusicológica. Trabalhos como de Ralph Waddey (1980/81), Thiago de Oliveira Pinto (1991), Francisca Marques (2003), Katharina Doring (2004), Cassio Nobre (2008), Raiana Alves

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(2009) entre outros, fazem uma importante abordagem sobre esta musicalidade. Tais pesquisas trazem contribuições significativas de levantamento histórico e diferentes práticas etnográficas, ora versando sobre a viola machete, ora explicitando sobre a importância da captação de áudio na pesquisa. O Dossiê Samba de Roda do Recôncavo Baiano, também organizado por um etnomusicólogo, Carlos Sandroni (2007), faz uma grande verificação das áreas do recôncavo onde existem grupos de samba de roda, apresentando aspectos bem gerais do samba. Estudos mais recentes como os de Michael Iyanaga (2011) e Nina Graeff (2013), ainda sob a perspectiva etnomusicológica, versam sobre o samba de caruru e as performances no samba de roda. Com o processo de patrimonialização do samba de roda nos anos de 2004 e 2005, percebe-se que ocorreu um aumento de interesse de pesquisa por esta musicalidade. Porém fazem-se necessários outros olhares científicos. A etnomusicologia é uma disciplina hibrida (cabe ao etnomusicólogo dominar o arcabouço teórico tanto da antropologia quanto da musicologia). Nota-se nos trabalhos, com algumas exceções, uma primazia da musicologia sobre a antropologia. O presente trabalho pretende construir uma análise sociológica e antropológica do fenômeno musical, não desconsiderando, evidentemente, as grandes contribuições das pesquisas etnomusicológicas. Pouco foi discutido sobre os processos de socialização dentro do samba de roda, pensando conceitos como o significado social da improvisação, as transmissões do saber musical, a construção de discursos de identidade e tradição, e isto, talvez tenha um impacto fundamental sobre ideias de tradição no samba de roda. Existem dois modelos básicos de influência estética e simbólica para a música afrobrasileira. As tradições religiosas ioruba, que se mantiveram mais coesas e fechadas ideologicamente, enquanto expressão musical extremamente ligada à sua liturgia, e as tradições religiosas banto mais abertas a influências diversas. Musicalmente (pensando em estruturas rítmicas), os banto teriam seguido dois caminhos: um ritual, ortodoxo, representado nas músicas de culto de umbanda, e outro enquanto gênero secular tradicional, o Samba de Roda. Esta classificação de gênero secular tradicional é trazida por José Jorge de Carvalho (2000). Entretanto a questão de entender o samba como meramente secular é problemática. Como falar de modelos estéticos de tradições religiosas e inserir o samba em um processo de secularização?

Mencionar um fenômeno que se seculariza é explanar sobre uma ideia de

racionalização. A memória musical, portanto, é o conceito que permite se inferir sobre os traços

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característicos do samba de roda. Acrescida de uma exploração da memória desde os momentos de aprendizagem até o ato musical (improvisação), o conceito de memória aplicada a uma musicalidade afro-brasileira ganha novos contornos analíticos. Para além de uma dicotomia equivocada dos limiares entre o sagrado e o profano, a análise torna-se mais profunda enxergando em termos de ambivalências como proposto por Elias (1970). O samba de roda então é sagrado e profano. A sua lógica de transmissão de conhecimentos perpassa pelas lógicas geracionais, mas também pelo conhecimento no caso dos instrumentos de cordas das cifras 5. Desse modo, a memória musical está conectada a uma rede complexa de relações em que uma musicalidade se mostra tradicional dentro de estruturas racionalizadas e profana, bem como dentro de estruturas de pensamentos religiosos. O Capítulo 1 Culturas Populares: notas históricas e epistemológicas propõe um debate teórico acerca da construção dos aspectos das culturas ditas populares, perpassando pelos estudos folcloristas, relacionando com as práticas patrimoniais. O Capítulo 2 Cosmovisão e Identidade: Os Banto e o Samba de Roda procura evidenciar as influências estéticas e simbólicas africanas no Samba de Roda, a partir do estudo dos povos banto. O Capítulo 3 Etnografia da Memória Musical, a partir da memória coletiva dos grupos (Raízes da Pindoba e Coisas de Berimbau) problematizará tanto as dinâmicas de socialização promovidas pelo samba quanto a história da cidade, buscando compreender o processo de construção social da música. Por fim, o Capítulo 4 A Tradição em Dois Escopos apresenta as relações entre os discursos e práticas de tradição dos grupos pesquisados com a dimensão política do processo de patrimonialização.

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As cifras são nomenclaturas musicais mais simples (em termo de informação sobre a música: harmonia, melodia, ritmo, intensidade, andamento, compassos) do que as partituras. A cifra acompanhada das letras só indica a harmonia utilizada dissociada do ritmo e da melodia. É necessário um conhecimento prévio da música melodicamente, para reproduzir a música harmonicamente através de um cordofone qualquer.

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CAPÍTULO 1

Culturas Populares: notas históricas e epistemológicas

Dentro do âmbito da Sociologia da Cultura e da Antropologia, a palavra cultura adjetivado de popular traz uma série de complexidades analíticas. Existem diferenças significativas das concepções de cultura popular para folcloristas e cientistas sociais, divergências tanto de projeto de empreendimento científico quanto ao nível de conceituação. Já o folclore entendido como uma face da cultura popular e, portanto, um campo de estudo, engendra tensões entre o Folclore (enquanto disciplina autônoma) e as Ciências Sociais. O estudo da cultura popular no Brasil de fins do século XIX, e ao longo do XX, esteve atrelado à questão da identidade nacional e foi inicialmente abordada por folcloristas. Na Europa do século XIX, a valorização do saber popular estava imbricada com as teorias positivistas da época. Assim o estudo da cultura popular também se confundia com o estudo do homem primitivo, do exótico, dos traços culturais sobreviventes, daqueles povos não inteiramente afetados pela industrialização e eram os antropólogos evolucionistas, os românticos e os folcloristas que principiaram tais observações. O conceito de “civilização” expressa a consciência que o Ocidente tem de si mesmo; seu próprio projeto imperialista de criação de um modelo a ser seguido. Contudo não é um conceito que possui significação única para os diferentes países europeus. Para a Inglaterra e França, o termo “civilização” remete a uma noção de progresso para a humanidade; para os alemães, “Zivilisation” é um valor secundário e superficial, sendo a “Cultura” (Kultur) o conceito que expressaria melhor o orgulho das realizações nacionais (ELIAS; 2011). O conceito alemão de “Kultur” remete ao particularismo histórico, a identidade de grupos e diferenças nacionais, por isso o conceito se expandiu a partir de pesquisas antropológicas. Na Alemanha, o conceito de cultura é então pensado e desenvolvido por uma intelligentsia (intelectuais burgueses) que não tinha influência nas decisões políticas, no sentido de governabilidade. Na metade do século XVIII, os intelectuais burgueses alemães eram uma elite diante do povo, mas uma segunda classe para a aristocracia cortesã. Se na França, “civilização” pode ser entendida como a autoimagem do seu país, “Kultur” era a autoimagem da classe intelectual alemã, responsável por difundir uma

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nova língua culta alemã, nas figuras do clérigo e do professor. Nesse sentido, na Alemanha, dois conceitos vão se desenvolvendo assimilando características distintas, enquanto “Kultur” remete a “profundeza”,

“honestidade”,

“autenticidade”;

“Zivilization”

se

caracteriza

pela

“superficialidade”, “falsidade”, “na ordem da aparência”. Elias (2011) identifica o processo no qual esta antítese social torna-se paulatinamente nacional. Na França, a burguesia não se diferenciava tanto da aristocracia, setores importantes da burguesia foram absorvidos pela aristocracia de corte no século XVIII. Depois da Revolução Francesa os valores aristocráticos (absorvidos pela classe média) tornam-se valores nacionais. Já na Alemanha, onde ocorreu um processo de diferenciação entre burguesia e aristocracia, com a ascensão da classe média alemã, suas características sociais específicas vão se transformando em características nacionais.

O conceito francês de civilisation, exatamente como o conceito alemão correspondente de Kultur, emergiu nesse movimento de oposição na segunda metade do século XVIII. Seu processo de formação, função e significado foi tão diferente dos implícitos no conceito alemão como as circunstâncias e costumes da classe média nos dois países. (ELIAS, 2011, 51).

Destarte, é nesse processo de construção de uma identidade nacional que se vincula o interesse dos intelectuais pelos costumes do povo. Segundo Burke (2010) este interesse possuía razões estéticas e políticas. Estéticas por sua revolta contra a “arte” vigente; o romantismo no campo artístico buscava uma maior autonomia de criação individual. Políticas porque a própria ideia de nação foi construída a partir de referenciais do que estes intelectuais (românticos, folcloristas) acreditavam ser efetivamente do povo. Os românticos são então responsáveis pela criação da ideia de uma cultura popular anônima, autêntica, que refletiria a alma nacional; enquanto os folcloristas foram os continuadores desse processo. Nos séculos XVII e XVIII, não existia uma separação nítida entre, uma cultura erudita e outra popular, ambas se entrelaçavam se caso fosse possível falar em duas realidades em termos antagônicos. Entretanto, o processo de interação entre elite e povo não era simétrico, “a gente culta não associava baladas, livros populares e festas à gente comum, precisamente porque também participava, ela mesma, dessas formas de

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cultura” (BURKE; 2010; 55), mas o “povo”6 não compartilhava do universo das elites. Só então no século XIX, que as tradições populares são “descobertas” pelos intelectuais. A busca de tradições populares no caso alemão, relaciona-se a extinguir a dominação estrangeira (no caso a dominação francesa), resolvendo as contradições internas entre elite e povo e construindo uma identidade nacional para se contrapor a outros países. Herder, filósofo alemão, faz a crítica à ideia de progresso e as concepções evolucionistas, propondo um relativismo histórico. Para o autor as bases da sociedade alemã estão na cultura popular; esta apresentaria três características fundamentais: primitiva, comunitária e pura. Uma primeira separação entre uma cultura erudita e uma cultura popular é pensada então sob os termos da autenticidade, do anonimato, do intuitivo, de uma sabedoria popular que não se adquire com o conhecimento formal. Nesse sentido não é a cultura estritamente das classes populares, subalternas que é enfatizada, mas a idealização de uma cultura através da noção de povo. O entendimento desta cultura popular só é compreensível a partir de uma “substância de cultura” (tradicional) pertencente ao passado. Contudo a transmissão de uma tradição (referendado então no passado) não inibe o desenvolvimento de estilos individuais. Talvez o termo “cultura popular”, enquanto um conceito residual, só tenha sentido em sociedades de classes. Em sociedades em que exista pouca diferenciação social; no qual o pescador, cantor e curandeiro constituem a mesma pessoa, pode-se perceber uma cultura partilhada por todos os membros.

Folclore e Cultura Popular

Distinções de grafia implicam em significações diferentes para o termo “folclore”; se grafado com o “f” minúsculo pode designar, grosso modo, as formas de saber do povo, se grafado com o “F” maiúsculo, refere-se a um saber erudito que estuda aquele saber popular (BRANDÃO; 6

Assim como “cultura popular”, “povo” não é uma categoria homogênea. Para os “descobridores” da cultura popular o “povo” eram os camponeses; justamente porque estes representavam os estratos sociais até então pouco afetados pelos processos de industrialização vigentes na Europa Ocidental. Neste sentido, suas canções, danças, contos foram todos adjetivados de “populares”. Não obstante, este não é um conjunto uniforme e homogêneo, há diferenças de condições sociais e materiais, idade, sexo, religião, educação, dentro deste complexo “povo”. O Folclore seria assim a ciência que estuda as sobrevivências arcaicas na Idade Moderna destes povos que se acreditava não alterada pela industrialização.

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1984). Contudo os debates que envolvem a palavra “folclore” tomaram grandes proporções desde a criação do termo por William Thoms em 1846. O termo nasce no século XIX sob a influência do positivismo e do evolucionismo. Cabia ao Folclore enquanto categoria do conhecimento, o estudo das sobrevivências, no sentido de que o progresso não abarcaria todos os setores da vida e classes sociais, tendo o “povo” um conhecimento peculiar. Em oposição ao sentido de “cultura” na França, “folclore” seria o termo referente à cultura das camadas baixas e subalternas com transmissões orais, ditas tradicionais. Todo este empreendimento de constituição de uma Ciência do Saber Popular era burguês, impregnado das concepções de progresso. O povo seria portador de um saber oral, mecânico em oposição à burguesia culta, das artes. A criação da ideia de folclore é desenvolvida concomitantemente e influenciada pelo pensamento das Ciências Sociais no século XIX. Neste ínterim, a questão do folclore ao longo do século XX suscitou debates que podem ser resumidos em três grandes perspectivas, como aponta Florestan Fernandes (1989): 1. O folclore como expressão estética da mentalidade popular; 2. O folclore como disciplina autônoma científica; 3. O folclore como uma realidade objetiva e dentro da esfera da cultura. O folclore está no âmbito de uma ordem maior de fenômenos que é a cultura e, portanto no campo de análise das ciências sociais. Entretanto vários autores apresentaram posições diferentes. Renato Ortiz destaca um primeiro obstáculo à constituição do Folclore enquanto uma nova disciplina já que seu nome “designa simultaneamente o objeto a ser estudado e a própria ciência” (ORTIZ; 1992; 53). Outra questão refere-se à sustentação nas pesquisas dos folcloristas da ideia de anonimato, herança do movimento romântico; bem como do esforço colecionador, do cultivo das tradições, numa perspectiva salvacionista e de preservação. A posição de Florestan (1989) é a de que o folclore é um objeto de investigação científica, uma realidade objetiva. Segundo o pensador marxista para Herskovits o folclore está presente nos mitos, contos, músicas, danças. Boas define o folclore como um aspecto da Etnologia que estuda a literatura tradicional dos povos de qualquer cultura. Redfield amplia o conceito para pensar as técnicas, crenças, comportamentos e tradições. Em 1951, acontece no Brasil o I Congresso Brasileiro de Folclore, no qual se define que o Folclore é integrante das ciências antropológicas e culturais (BRANDÃO, 1984; FERNANDES, 1989). Contudo, para se existir uma ciência é necessário que ela detenha um objeto próprio de estudo. Em fins do século XIX, Durkheim definiu os fatos sociais como

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objeto de estudo da Sociologia, delimitando as diferenças de método e investigação do homem em relação à Psicologia, por exemplo. Florestan Fernandes (1989) relativiza a situação do folclore, definindo-o enquanto uma disciplina no máximo humanística. Os folcloristas, certamente, possuem no Brasil, contribuições teóricas extremamente relevantes para as discussões culturais. Os estudos de Mario de Andrade, que serão detalhados posteriormente, são pioneiros nas pesquisas musicais da cultura popular. Se um estudioso deseja investigar o folclore em suas relações com as condicionantes culturais e sociais, ele precisará conhecer os métodos das ciências sociais. Para o estudo do folclore, enquanto um conhecimento em si, é necessário adotar uma perspectiva folclorista. As diferenças dos indivíduos enquanto ao acesso de manutenção de determinados conhecimentos estão ligados à questão de classe e não de natureza ou mentalidade como afirmavam os primeiros folcloristas. Estes se preocupavam com as mentalidades dos povos “não civilizados”, acreditando que estes possuíam uma estrutura mental pré-lógica. Destarte, o folclore era a parte não escrita dos povos civilizados, a sua infância. Esta perspectiva era uma necessidade de interesses de classe do século XIX, que promovia uma distinção entre a burguesia e o povo.

Aqueles valores, considerados “sobrevivências”, são mais acessíveis a um número maior de indivíduos porque sua transmissão se faz por meio de processos informais, pelo “intercâmbio cotidiano”, enquanto a educação sistemática, veículo comum do pensamento científico, abre-se ainda hoje, na maioria dos países, a um número bem mais restrito de pessoas. (FERNANDES; 1989, 42)

O folclore, neste ínterim, remete a uma coletivização da criação popular que é altamente dinâmica. Está intimamente ligado a um modo de vida de classe, politicamente ativo, socialmente coletivizado, em constante movimento. Neste aspecto a questão da tradição aparece como fundamental nas relações de transmissão. A organização não formal dos processos de aprendizagem parece ser o elemento distintivo entre o que é próprio da cultura popular e o que é erudito. Tais distinções também remetem as ideologias do mundo burguês, em que nas sociedades industriais capitalistas o trabalho manual e o trabalho intelectual passam a ser vivenciados como realidades profundamente divergentes. Esta dissociação entre o “fazer” (ligado ao popular) e o “saber” (erudito) é básico para compreender as relações de conflitos do capital, a exploração do homem pelo homem. A noção de cultura popular, portanto, insere-se no debate

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sobre hierarquias sociais (CUCHE; 1999). Em uma perspectiva minimalista, a cultura popular seria uma derivação da cultura dominante, uma cultura marginal e alienada. Na perspectiva maximalista, a cultura popular possuiria a criatividade popular, portanto mais autêntico e superior à cultura das elites. No entanto, tais radicalismos não servem nem para fins analíticos, podem-se entender as culturas populares por definição enquanto ligadas a grupos subalternos, mas não enquanto “tipos ideais” com características universais e bem delineadas. A problemática de se entender folclore como sinônimo de cultura popular remete a aspectos conceituais e dos significados históricos (ou construídos historicamente) das palavras. Etimologicamente “folclore” significa saber popular; a cultura entendida como um saber acumulado geracional implicaria em perceber suas relações sinonímias. Entretanto o que historicamente ficou compreendido por folclore é uma parcela circunscrita de uma cultura de um povo (um povo fora dos processos de industrialização) com características impostas pelo folclorista como sempre anônimas, tradicionais, autêntica, enfim, uma visão romântica. A cultura popular, ou pensando antropologicamente, o estudo das culturas locais, deve ser compreendida localmente (GEERTZ;1997).

A noção de cultura popular é fruto recente da História; como os antiquários possuíam um mero interesse de colecionador, ela surge somente com o movimento romântico, cristalizando-se com os folcloristas. Trata-se portanto de um criação de intelectuais, que com intenções variadas, voltam-se para a compreensão das tradições. (ORTIZ; 1992; 61)

A construção da ideia de cultura popular acaba por apresentar características bem distintas a depender das relações estabelecidas entre intelectuais e Estado Nacional. Na Inglaterra e França, nota-se uma preocupação “científica” com as questões ligadas aos costumes dos povos. No Sul e Leste Europeus, há um entrelaçamento entre cultura popular e elemento nacional. No Brasil, assim como na Itália e Alemanha, a cultura popular passa a ser pensada pelos intelectuais dos respectivos países como parte da construção do Estado-Nação. A questão inicial dos folcloristas, no sentido de registro das manifestações da cultura popular, está ligada ao projeto moderno dos governos democrático-liberais de manter as concepções de povo e nacionalidade dentro do capitalismo. No caso brasileiro, Mario de Andrade é o intelectual representante de um

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pensamento que valorizava o erudito e o popular e seus estudos iniciam um novo campo de investigação: a pesquisa do folclore musical.

Mário de Andrade e o Ensaio Sobre a Música Brasileira

Para Florestan Fernandes (1989) o conjunto da obra de Mário de Andrade deve ser compreendido a partir da análise dos seus estudos do folclore musical brasileiro. Atualmente as pesquisas relativas às musicalidades tradicionais, ou características da cultura popular, estão sendo desenvolvidas por pesquisadores de diferentes áreas: História Social, Sociologia, Antropologia, Museologia, Musicologia e a Etnomusicologia. Os estudos referentes ao Samba de Roda, por exemplo, desde a década de 70 estão no âmbito principalmente da Etnomusicologia. Por ser uma disciplina híbrida que abarca tanto conhecimentos musicológicos e etnológicos, permite uma análise profunda das relações entre texto e contexto musical. Entretanto os primeiros estudos de pesquisa musical no Brasil foram feitos por folcloristas como Silvio Romero, Oneyda Alvarenga e o próprio Mário de Andrade. Mário de Andrade concebia a arte erudita e a arte popular em um plano de equilíbrio. Interessante pensar que o termo arte, um elemento de distinção de classe na Europa, é utilizado pelo autor tanto para as manifestações culturais da elite quanto do povo. Para ele estas não podem ser vistas como antagônicas e independentes. É necessária a fusão de ambas para o nascimento de uma terceira arte, verdadeiramente revolucionária e universal. Nota-se um movimento do plano folclórico para o plano da arte erudita. A música popular, acrescida de uma transposição erudita, transformar-se-ia em uma música artística, imediatamente desinteressada. No seu Ensaio sobre a Música Brasileira, Mário de Andrade (1962) vai buscar caracterizar esta música brasileira, suas influências, suas complexidades. Uma questão central é a análise do ritmo. O autor percebe as diferenças rítmicas entre a música inscrita nas pautas e a obra executada, ressaltando que muitas vezes ambas diferem totalmente. Sua explicação é a de que existe uma síntese que os compositores populares apresentam aos pesquisadores que se propõem escrever as pautas, porém a música popular tem a marca da improvisação, das composições instantâneas, que ao mesmo tempo a torna complexa e fugidia para um

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conhecimento cientifico que não se propõe pensar a mudança. Neste sentido, talvez o registro sonoro seja mais importante para a análise do que a partitura. Para além das influências diretas na música brasileira (indígena, africana e portuguesa), Mário de Andrade destaca a espanhola e hispano-americana, como a habanera e o tango; o jazz americano e outras referências europeias como a valsa, polca, mazurca, shottsh. Em relação à melodia da música popular, Mário de Andrade a adjetiva como dinamogênica, ou seja, é voltada às necessidades humanas inconscientes (para o autor a arte nacional está ligada aos processos inconscientes do povo, no sentido que não existe um empreendimento claro, um objetivo especifico, neste sentido seria uma arte eminentemente desinteressada), se dissocia paulatinamente de perspectivas individualistas para incorporar valores gerais, tornando-se pública. Entretanto, a música artística (aquela da síntese do popular com o erudito) não pode se restringir aos processos harmônicos da música popular, porque neste aspecto esta é desprovida de informações polifônicas complexas. Apesar do desenvolvimento harmônico ter se iniciado na Europa, foi fruto de processos e empreendimentos meramente individuais que foram incorporados por outras culturas e assim perderam o caráter nacional. Ou seja, não existe um padrão de harmonia alemão, italiano ou francês. Neste ínterim, as referências harmônicas na música brasileira não seriam portuguesas, mas europeias. Mário de Andrade ao passo que valoriza o elemento popular não deixa de perscrutar um aprimoramento da música popular através da música erudita. Assim compositores como VillaLobos e Ernesto Nazareth representam esse processo de refinamento, quando a música popular é submetida à manipulação erudita de um corpo de profissionais (BOURDIEU; 2009). O autor de Macunaíma parece defender a apropriação erudita dos temas populares para a criação de uma arte original. A pesquisa sobre uma determinada música popular é sempre um desafio e requer atualizações constantes. Por ser extremamente dinâmica, a tentativa de colocar em pautas seus sons musicais, traz uma série de dificuldades. São necessários novos desdobramentos epistemológicos para perceber este processo recorrente de significações. Pensar a partir de uma memória coletiva é utilizar uma ferramenta de análise que ao mesmo tempo configura uma historicidade e por outro lado levam em consideração as mudanças. A música popular, apesar da complexa rede de ressignificações, mantem características tradicionais (no sentido mutável, trazendo uma ideia de representatividade) que atribui uma identidade social de pertencimento a

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um determinado grupo, ao mesmo tempo, que estabelece uma ponte simbólica entre o passado e o presente que constantemente se reconfigura. A tradição e seus discursos são fundamentais para compreender este quadro.

Tradições, Mundialização e Culturas Populares

Chamo técnica um ato tradicional eficaz (e vejam que nisso não difere do ato mágico, religioso, simbólico). Ele precisa ser tradicional e eficaz. Não há técnica e não há transmissão se não houver tradição. Eis em quê o homem se distingue antes de tudo dos animais: pela transmissão de suas técnicas e muito provavelmente por sua transmissão oral. (MAUSS; 2003; 407)

O objetivo mais amplo desta pesquisa é compreender o processo de construção social da música. Como recorte empírico o Samba de Roda aparece como foco principal de análise. Porém é fundamental relacionar esta musicalidade afro-brasileira especifica a um contexto mais amplo. Neste sentido que este capítulo propõe o debate acerca das concepções de cultura popular, para desconstruir determinados estereótipos e “lugares comuns” dentro das pesquisas acadêmicas. A análise discutida a partir de Mário de Andrade insere-se na perspectiva de pensar a música sobre a ótica dos estudos folcloristas. O Samba de Roda do Recôncavo baiano passou por um processo de patrimonialização recente. As concepções de patrimônio aplicadas ao universo das culturas populares parecem reafirmar na prática aquelas noções de “autenticidade” e tradicionalidade cunhadas no século XIX e instituídas no Brasil pelos folcloristas. A proposta de uma etnografia da memória junto a grupos específicos torna-se fundamental para debater tais noções. Para Ortiz, “não se pode, porém, pensar o processo de rememorização como sendo estático, a tradição nunca é mantida integralmente” (ORTIZ; 2006; 132). A memória coletiva é entendida como a ritualização da tradição, na ordem da vivência. A transmissão oral, entretanto, em contextos atuais e, mais especificamente no caso do Samba de Roda, acarreta análises mais complexas. Os processos de aprendizagem musical não estão apenas no âmbito da tradição oral, em que determinados conhecimentos são passados de pais para filhos, a aprendizagem atual remete à socialização em outros espaços que não os familiares (escolas, igrejas). A sua lógica de transmissão de conhecimentos perpassa pelas lógicas geracionais, mas também pelo

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conhecimento, no caso dos instrumentos de cordas, das cifras. Estas são nomenclaturas musicais mais simples (em termo de informação sobre a música: harmonia, melodia, ritmo, intensidade, andamento, compassos) do que as partituras. A cifra acompanhada das letras só indica a harmonia utilizada dissociada do ritmo e da melodia. É necessário um conhecimento prévio da música melodicamente, para reproduzir a música harmonicamente através de um cordofone qualquer. A memória musical está conectada a uma rede complexa de relações em que uma musicalidade se mostra tradicional dentro de estruturas racionalizadas e profana, dentro de estruturas de pensamentos religiosos (Irmandades, Igrejas, Terreiros). Destarte, o desafio atual das Ciências Sociais consiste em pensar sociologicamente o global. Os paradigmas de análise remetem às relações indivíduo/sociedade em nível nacional. Uma análise em nível de integração global constitui um desafio epistemológico. Ortiz (2006) relaciona a ideia de mundialização aos fenômenos culturais. Para que o processo de mundialização exista, ele deve se conectar as práticas cotidianas, está presente nas relações sociais. Pensando no Samba de Roda, podemos evidenciar estes aspectos no uso de instrumentos elétricos, na própria substituição da viola machete pela viola industrial. Muitos instrumentos de percussão utilizados também são de caráter industrial, com peles sintéticas. Os próprios agentes justificam seu uso em função de facilidades como afinação mais precisa e melhor manutenção. Notam-se referências culturais mundializadas para uma musicalidade do recôncavo da Bahia. Na América Latina as culturas populares, as tradições existem em nível local articulados com o Estado-nação e a indústria cultural. O apelo à tradição e as culturas populares foi historicamente uma exigência social; “a recuperação da cultura popular foi a maneira encontrada para se exprimir os ideais vanguardistas e o projeto de construção nacional” (ORTIZ; 2006; 188). A mundialização da cultura redefine as concepções de tradição, no qual uma “moderna tradição” remeteria a processos globais de consumo, transformando o popular em internacional-popular. Contudo outro ponto de partida para compreender tais noções de “tradição”, “popular”, “autenticidade”, seria perceber as mudanças, engendradas pelo desenvolvimento do capitalismo, na cultura dos trabalhadores. A associação equívoca com a concepção de “tradição” no sentido conservador pode estar ligada a ideia de luta e resistência no quadro mais amplo de apropriação de expropriação do trabalho. Ou seja, em uma dialética de contenção e resistência, a cultura dominante desorganiza e reorganiza constantemente a cultura popular (isto não quer dizer que os grupos não possuam agência sobre suas produções culturais, o que se está evidenciando são as

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lutas de classes). Tal cultura dominante não é somente a figura mítica do burguês que desconfigura (no processo de alienação) culturalmente o trabalhador, mas também se manifesta em várias instâncias do governo e na própria academia. Os processos de patrimonialização, por exemplo, é um aspecto claro desta problemática, no qual intelectuais e burocratas possuem o poder discursivo e prático de (des)(re)organizar as culturas populares. Tendo em vista estes movimentos dialéticos e a própria heterogeneidade do conceito, as culturas populares podem ser entendidas como:

as formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes específicas; que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares [...] numa tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com a cultura dominante [...]. Seu principal foco de atenção é a relação entre a cultura e as questões de hegemonia. (HALL; 2003; 241)

As questões de hegemonia são melhores compreendidas se analisarmos como se dão as relações entre Estado e culturas populares no Brasil. O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) é um instrumento do Instituto do Patrimônio Histórica e Artístico Nacional (IPHAN) para a identificação do patrimônio imaterial. É um banco de dados de descrição dos chamados bens culturais, que são primeiramente identificados, para um posterior desenvolvimento de uma política de patrimônio, um plano de salvaguarda. Os bens culturais são divididos em cinco categorias: Celebração, Forma de Expressão, Ofícios e Saberes, Lugares e Edificações. O fato de uma manifestação ser considerada um bem cultural está ligado se o mesmo se configura como uma prática tradicional. O conceito de tradição para o INRC está ligado a uma transmissão do conhecimento geracional e um reconhecimento da comunidade para referenciar o bem. A questão central é que o registro destas manifestações, embora o discurso seja o contrário, cristaliza as culturas populares. Sendo assim existe uma concepção de tradição inventada imposta pelo Estado aos agentes. Ocorre o registro de um bem cultural (de qualquer ordem) e espera-se que ela continue daquela mesma forma. Este excerto, inclusive, é determinante para que um bem continue sendo um patrimônio ou não. Os elementos de repetição e inculcação de certos valores são impostos nesse processo. O Samba de Roda registrado no Dossiê do IPAHN em 2004 (inscrito no Livro de Registro das Formas de Expressão) possui determinadas características. O Samba de Roda daqui a vinte anos terá outras características que não caberá à instância

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governamental nenhuma dirimir se houve uma perda de tradicionalidade, porque esse mesmo samba registrado é diferente do samba do século XX, por exemplo. Estas mudanças na música não determinam a tradicionalidade da mesma. Uma música pode ser entendida como tradicional pela relação dos agentes com o lugar social, suas conexões com a cosmovisão que rege o grupo; bem como em suas relações de transmissão de conhecimento, principalmente ligadas à memória coletiva. Vansina (2010) analisa a tradição enquanto funcional e sustentadora de instituições. A sua transmissão é feita através da superfície social. O poder de síntese, de aprendizagem, de uma acumulação de conhecimento ao longo de gerações constitui o saber tradicional e, mais que isso, é responsável pela manutenção das próprias sociedades, como afirma Mauss (2003). A estrutura mental da tradição – e, portanto sua memória – está na base das representações coletivas inconscientes de uma sociedade que constituem a cosmovisão do grupo (VANSINA; 2010). A memória coletiva, assim depende da instituição a qual a tradição está ligada. A memória musical está atrelada ao grupo de músicos, cantores, sambadores e sambadeiras e também às instituições religiosas (Irmandades Católicas/Candomblé). No caso da música afro-brasileira, a situação de diáspora é fundamental para compreender as dinâmicas da memória coletiva.

Quando os negros africanos são trazidos para a América, a infra-estrutura material de suas sociedades desaparece. Eles devem reconstruir suas crenças, no contexto do mundo escravocrata. Os mecanismos da memória coletiva lhes permite recuperar as lembranças do esquecimento. (...) Um novo território é redesenhado, no qual a identidade anterior é preservada. (ORTIZ; 2006; 75).

A proposta de se pensar um Atlântico Negro, visa justamente perceber essa formação intercultural e transnacional. A questão central é compreender o terror racial e escravocrata expresso nas memórias históricas incorporadas nas dinâmicas da criação cultural afro-atlântica (GILROY; 2001). A diáspora torna-se indispensável para compreender os processos culturais, as criações de identidades africanas no Novo Mundo. Neste sentido, a redefinição da tradição reverbera no próprio entendimento da modernidade. Assim as tradições africanas, que são ressignificadas no Brasil a partir do contexto colonial, fornecem elementos fundamentais para compreender a música afro-brasileira (e, portanto, o Samba de Roda) em suas tensões entre colonizadores e colonizados.

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CAPÍTULO 2

Cosmovisão e Identidade: Os Banto e o Samba de Roda

Música e História

A fala possui uma função fundamental nas sociedades africanas em geral. A oralidade nesse sentido é encarada com respeito e sua transmissão de saberes é uma preservação da sabedoria dos ancestrais. As palavras devem ser ditas em um ritmo específico, a música possui um papel fundamental na ordem social e mítica dessas sociedades. O Samba de Roda, neste sentido, é possuidor dessa herança africana. Em se tratando de influências estéticas e simbólicas da música afro-brasileira, destacam-se dois modelos: as tradições banto e ioruba. No que concerne ao Samba de Roda, a base estruturante é basicamente provenientes dos bantos como comprovado em estudos etnomusicológicos de Kazadi wa Mukuna (2006), Gerard Béhague (1976) , José Jorge de Carvalho (2000) e outros. Este capítulo procura demonstrar como os fatores culturais que moldam as visões de mundo dos indivíduos, em uma situação de diáspora, engendrou uma identidade africana no Brasil que por sua vez teve reflexos imperativos na música. A transmissão destes saberes (musicais), sobretudo transmitidos pela fala, foi preservada na memória dos descendentes dos africanos. Para povos que tiveram sua ancestralidade e cosmovisões em uma situação diaspórica, a busca e valorização do passado é uma constante necessidade. A música afro-brasileira, sobretudo a influenciada pelos bantos como é o caso do Samba de Roda, é a efetivação das relações estabelecidas entre cosmovisão e identidades sociais. A tradicionalidade do samba está ligada às relações entre os seus agentes, o universo simbólico no qual eles estão inseridos e as ambiências sociais em que estes atos se desenvolvem. Entender as construções musicais dos povos implica em perceber além dos aspectos estruturantes da Música (ritmo, harmonia, melodia), a conjuntura histórica do processo, as dinâmicas culturais e, principalmente as manifestações simbólicas “universais” da sociedade. A

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música podendo ser caracterizada como a exteriorização de uma unidade (bem como de uma diversidade coletivamente aceita) simbólica de determinado grupo através de sons, é percebida como um produto das relações sociais em um dinâmico permanente de ressignificações. Segundo Carvalho (1994), o processo de criação musical envolve dois níveis, numa tensão permanente e universal. O primeiro nível se refere aos “processos semióticos de produção musical em si”. Tais elementos semióticos estão no domínio do universo simbólico dos agentes sociais; a religião vista como parte integrante da visão de mundo dos indivíduos é uma peça fundamental para entender este nível de construção. No segundo nível estão os idiomas da música, seriam os discursos sobre a música que se resumem em: o discurso dos “nativos” e os analíticos (etnomusicológicos). A produção musical envolve processos complexos entre cantores e instrumentistas, contexto e o próprio “texto” musical e musicalidades e visões de mundo (PINTO; 2001). É substancialmente sobre o último processo que este capítulo versa. As fontes significantes da música encontram-se no arcabouço da cultura7. As crenças religiosas trazem toda uma filosofia de vida que influencia diretamente os sujeitos nas formas de perceber o mundo. A religião, nesse sentido, desempenha mais do que outros elementos, um papel fundante para captar os sentidos de uma peça musical. Adotando uma perspectiva weberiana, a religião teria um alcance muito maior nas relações estabelecidas pelo grupo social sob sua influência do que outros aspectos da cultura, justamente pela sua capacidade de moldar a visão de mundo dos indivíduos. Este excerto tem uma implicação prática na conduta dos agentes sociais. A análise da mesma, que desemboca nas estruturas simbólicas (a cosmovisão), é fundamental em dois aspectos: primeiro em função de uma interferência direta na música 8 e, segundo nas suas ligações com a criação e desenvolvimento de identidades.

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Adotando o conceito de cultura como simbólico (GEERTZ; 2008), as atividades antrópicas transmitem significados. A música como uma manifestação coletiva, como um “documento de atuação”, é pública na medida em que seu significado o é. Neste sentido, segundo Carvalho (1994; 06) “cada peça musical mobiliza um horizonte simbólico e formal próprio e singular, em que contextos culturais vários se entrecruzam”. 8

Em relação à música afro-brasileira podem-se destacar dois modelos básicos de influência estética e simbólica. As tradições religiosas iorubas: a evocação de orixás nas letras das músicas; padrão de compasso aditivo em 12 – seja 7 + 5, ou 5+7; estilo antifonal de canto; polirritmia. E as tradições bantos: raízes estéticas angolanas; variações de samba, ritmos binários (CARVALHO; 2000).

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Em seus estudos sobre os Deuses Orixás na África e Novo Mundo, Verger (1997) descreve várias cerimônias onde a função musical é sine qua non para os processos religiosos. No que tange ao Novo Mundo, os atabaques são responsáveis tanto em chamar os orixás quanto em transmitir suas mensagens. No início das cerimônias de Candomblé os atabaques são tocados sem o acompanhamento da dança ou do fator melódico. A pureza do ritmo associa-se a cada orixá. O elemento melódico destaca-se em cerimônias particulares (sacrifícios, oferendas, louvores). São cânticos (em linguagem ioruba), executados sem os tambores, marcados por singelas palmas. Esses aspectos são importantes para perceber a linguagem musical atrelada aos fenômenos religiosos. Para entender historicamente este complexo cultural que é o Samba de Roda, é fundamental perceber as relações Portugal-África-Brasil. Antes mesmo da inserção do Brasil no mercado colonial, Portugal já mantinha relações escravistas com a África, no qual os negros escravizados ocupavam diversas funções urbanas e rurais. No Brasil, o crescimento das comunidades, a rentabilidade do tráfico de escravos e a indústria da cana impôs o trabalho compulsório. Os negros eram provenientes principalmente das regiões da Guiné e Angola. A população de escravos foi aumentando exponencialmente à medida que no século XVII iniciavase certa vida urbana em Salvador, Recife e Rio de Janeiro.

Os negros africanos e seus primeiros descendentes crioulos e mestiços estavam prontos para fazer sua entrada na vida cultural do Brasil, ao som ruidoso e potente dos seus batuques, calundus e autos de embaixadas e coroações de reis do Congo. (TINHORÃO; 2008; 27)

José Ramos Tinhorão, em Os Sons dos Negros no Brasil, traz conceituações interessantes sobre os termos empregados na época colonial que se referia à musicalidade dos africanos e descendentes. Batuque seria um termo genérico português para os sons dos africanos considerados ruidosos, segundo as concepções musicais europeias vigentes na época. No entanto, por trás deste termo, se esconde uma diversidade de práticas religiosas, danças rituais e formas de lazer. O Calundu seria uma dança religiosa de escravos, também utilizada como sinônimo de Lundu, embora este designasse uma dança de roda profana à base de umbigas, marcada por palmas e entoada por violas. O termo samba parece substituir o termo genérico batuque quando a

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umbigada passa a prevalecer enquanto coreografia. Tinhorão, neste sentido, estabelece relações entre o Lundu e o Samba de Roda:

O pormenor de bailarem os pares “quase sem moverem as pernas, com toda a ondulação licenciosa dos corpos” é uma clara referência ao miudinho que passaria mais tarde aos sambas de roda, onde os dançarinos (homens e mulheres) aproximavam-se de frente uma para o outro, tremelicando o corpo apenas da cintura para baixo, para culminar no tal contato “imodesto”, ante os aplausos e gritos de estímulo dos presentes. (TINHORÃO; 2008; 66-67).

Outro elemento fundamental deste contexto são os cantos de trabalho. A visão dos cronistas da época colonial, segundo Tinhorão (2008), é que os cantos de trabalho eram importantes para o escravo naquela situação imposta e forçada, gerando através da música laços de solidariedade e força para continuar na labuta diária. Entretanto, é possível que tenham utilizado versos de seus cantos para conversarem enquanto trabalhavam, descobrindo formas de comunicação que o senhor não percebia, através de figuras de linguagem que mascaravam o real sentido das mensagens. A palavra cantada envolve relações entre a mensagem que a música pode passar e as interações entre poetas e músicos. No campo empírico há uma confluência do sagrado e do profano. No século XIX na Bahia, era provável que existissem distinções dos ritmos do candomblé e dos batuques. Estes (os batuques) foram expressões musicais que seriam a gênese do samba baiano e por consequência, do carioca (MUKUNA; 2006). Segundo o mesmo autor o termo batuque seria uma denominação portuguesa para samba de umbigada ou dança de roda existente nesse período, que por sua vez teria se originado (dentre outras influências) do Semba (umbigada) da região Congo-Angola. Os batuques lúdicos diferenciavam quanto ao grupo étnico executor, podendo ser distinguidos como originários do Congo-Angola ou crioulo, que possuía uma maior aceitação pelo seu status de “mais civilizado”. Tanto em Angola como no Congo, a presença do círculo na dança é fundamental. Este fato pode ser evidenciado num trecho do livro Contribuição Portuguesa para o Conhecimento da Alma Negra, embora seja uma visão etnocêntrica ocidental:

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Nada têm [...] de extraordinário, estes batuques de Angola. Os dançarinos, só homens, só mulheres, ou uns e outros misturados, formam uma roda e vão andando de lado, a passos curtos, o corpo inclinado para a frente, mexendo os quadris e batendo palmas, ritmicamente, acompanhados pelo ruído incessante dos tambores ou pelo som da marimbas. Em certos casos, uma ou duas mulheres bailam isoladas no meio da roda, mas são sempre simples os passos dessa dança elementar. O que impressiona é o ardor que os pretos põem na dança, como se ela fosse qualquer coisa de essencial. O que inspira é muito mais um sentimento religioso que a sensualidade, ao contrário do que supõem os que confundem com esta o impudor natural. Uma coisa me convence, não só da importância que os pretos dão ao batuque, mas da existência, entre eles, dum sentimento de dignidade e orgulho: é a absoluta indiferença pelos espectadores brancos. (OLIVEIRA; 1952; 11)

Assim, batuques de sentido lúdico e batuques de sentido religioso influenciavam-se reciprocamente9. Pensar o Samba de Roda em uma relação dicotômica que separa a instância do sagrado e do profano é uma tentativa de reduzir, até em termos analíticos, a compreensão do fenômeno cultural. O escopo adotado na pesquisa seria dialético, no sentido de compreender justamente a intersecção dos processos, a ambivalência.

Elaboração de um Modelo Abstrato

O mundo social empírico é complexo e polissêmico, cabe ao pesquisador estabelecer meios para torná-lo mais inteligível. Destarte o universal só pode ser contemplado pelo estudo das particularidades. É fato que diferentes fatores influenciaram a construção do samba na Bahia; a historiografia da colonização retrata claramente a vinda de diversos povos africanos inseridos 9

É fundamental perceber que no Recôncavo Baiano, a festa de Nossa Senhora da Boa Morte (segundo Verger, a Irmandade da Boa Morte foi fundada por mulheres do grupo étnico Nagô, cuja maioria pertencia à nação Kêto), é um exemplo notável de elementos católicos e dos divertimentos profanos no espaço público, no qual os batuques contavam como parte integrante no programa do evento católico (VERGER, 1997; SANSONE; SANTOS, 1997). A ideia de Nação segundo Vivaldo da Costa Lima refere-se a um “padrão ideológico e ritual dos terreiros de candomblé da Bahia fundados por africanos angolas, congos, gêges, nagôs” (LIMA; 1974; 77). A nação Kêto, desde os mais antigos terreiros da Bahia (Engenho Velho e Terreiro de Alaketu), passou a ser associado a um ideal de pureza nagô; ocorrendo no Recôncavo Baiano um processo valorativo da cultura ioruba. Estas Irmandades Negras expressavam o pacto colonial entre negros e brancos, preservando as tradições africanas, com uma estética própria e padrões de danças referentes à sua musicalidade. Para Carvalho (2000), a maioria dos gêneros musicais afrobrasileiros está ligada a essas irmandades. A Irmandade da Boa Morte em Cachoeira é um exemplo da ligação entre religiosidade e gêneros seculares tradicionais (samba de roda).

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em um universo comum, subjugados a uma cultura dominante europeia. Esta questão no plano empírico torna-se impossível de ser analisada observando o todo. É necessária inicialmente a segmentação destas influências para uma melhor compreensão do processo. Outro aspecto importante, é que entendo as manifestações musicais no século XIX na Bahia (sambas e batuques) como uma manifestação de classe social, não relacionado apenas a um grupo étnico específico. Embora a base (material e imaterial) destes sambas esteja ligada a referenciais africanos, ocorreu em seu desenvolvimento uma apropriação desta música pelas camadas pobres e marginalizadas da sociedade baiana (sujeitos sociais múltiplos: escravos, crioulos, alforriados, brancos pobres, mestiços, prostitutas etc.). Assim os batuques do século XIX representavam uma afronta moral e também musical aos padrões estéticos das elites baianas, fato que se comprova nas proibições oficiais desta manifestação artística já muito popular (SANSONE; SANTOS, 1997). Entretanto o objetivo deste capítulo remete a algumas influências bantos na construção musical na Bahia. A delimitação da região do Congo-Angola foi feita a partir da constatação de que esta é a origem de parte significativa do contingente africano trazido à Bahia (FIGUEIREDO; 2010). Perceber traços da cosmologia destes agentes sociais, analisando suas sociedades, sua conjuntura histórica específica poderá elucidar várias reconstruções e reinvenções destes povos na cultura baiana, no caso aqui latente os sambas e batuques do século XIX na Bahia. Tais manifestações musicais serão determinantes para o ulterior desenvolvimento dos Sambas de Roda no Recôncavo, que foram adquirindo características específicas em função dos lugares sociais em que se estabeleceram, porém mantiveram aspectos universais que as legitimam a denominação de sambas de roda. Esta visão de universalidade é percebida enquanto categoria de análise, ou seja, um modelo abstrato para explicar o fenômeno cultural; já que como a própria pesquisa aponta existe uma pluralidade de tradições do Samba de Roda dentro e fora do território do Recôncavo baiano. Contudo, mesmo percebendo tal diversidade, os sambadores10 reconhecem uma musicalidade chamada Samba de Roda que possui subtipos, gêneros; mas que de forma geral, possuem semelhanças estruturais.

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Ver Capítulo 3 e Capítulo 4.

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Em função desta busca por perceber ligações entre fatores subjetivos de um grupo social e os reflexos imperativos na musicalidade do mesmo, tenho a hipótese de que se existe uma cosmovisão genérica (designado por Mukuna como denominadores culturais comuns) comum aos povos congo-angolanos que no tráfico transatlântico estabeleceram-se na Bahia; talvez tais características tenham influenciado determinadas formas musicais (a importante função da roda no samba, ideias de circularidade, sentidos religiosos na música, determinadas performances) do Samba de Roda em sua construção social. Esta cosmovisão é vista em sua forma unitária coerente como um modelo explicativo. Robert Slenes (1992) aponta três autores (Craemer, Vansina e Fox) que apresentam aspectos comuns da religiosidade da África Central. O núcleo seria a percepção do “complexo cultural ventura-desventura”, no qual se busca a harmonia, a saúde, o equilíbrio, sendo os seus opostos frutos da interferência de espíritos e pessoas através da feitiçaria. Assim a manutenção destes valores remete a estados de pureza ritual.

As cerimônias e os tabus observados pela comunidade ou pelo indivíduo para atingir esse estado de pureza – associado especialmente à dança, à música e ao transe – geralmente são feitos em torno de um fetiche (charm), que é um objeto feito sob inspiração, incorporando os símbolos mais poderosos do movimento (religioso). (SLENES; 1992; 58).

No Brasil, parte-se desta mesma noção de ventura-desventura, entretanto reinterpretando novos símbolos adquiridos, pois a cultura é dinâmica. A cosmovisão congo-angolense (de povos falantes de kikongo, kimbundu e umbundu, principalmente) apresentaria uma dupla importância: uma influência mítica na música e principal referencial de criação para uma identidade banta, no movimento de diáspora África-Brasil.

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Identidade e Mudança Cultural

Embora a maioria dos antropólogos tenha insistido, durante o século XIX e boa parte do atual, que a unidade da África Central e Austral era apenas linguística, há razões para pensar que representantes desses povos, quando misturados e transportados ao Brasil, não demoraram muito em perceber a existência entre si de elos culturais mais profundos. (SLENES; 1992; 49)

Tais razões apontadas por Slenes, que extrapolam as similitudes linguísticas, seriam a base para compreender a construção de identidades. Para o autor este é um processo complexo ligado a acontecimentos que precedem a viagem atlântica. A identidade banta só foi possível em função de visões de mundo compartilhadas, em certo sentido, numa busca de semelhanças culturais. A memória coletiva possui um papel de conservação e transmissão dos valores das instituições em sociedades orais, como é o caso da África Central. Nessas sociedades estes valores eram transmitidos pelas tradições; representações coletivas inconscientes (VANSINA; 2010) que influenciam as formas de expressão e constituem as visões de mundo. A semelhança estrutural da linguagem (entre alguns povos, pois entre outros não existia essa unidade banto preconizada por tantos linguistas europeus) pode ter sido o veículo inicial para as primeiras interações. O termo “malungo” possuindo analogias significantes em três grandes línguas (kikongo, kimbundu e umbundu) da África Central, além do sentido literal – para muitos autores: “companheiro” de barco, de sofrimento, “irmão” – apresentaria significados cosmológicos comuns aos povos falantes dessas línguas. A significação remete a outro termo: Kalunga (mar, rio). Este termo possui uma representação mental que extrapola a sua função literal e que era apreendida por estes povos como uma passagem para o mundo dos mortos. Na região CongoAngola a cor branca simboliza a morte; enquanto os homens eram pretos (vida), os espíritos eram brancos. Assim a viagem transatlântica simbolizava uma passagem para o mundo dos mortos: o Novo Mundo. No processo do tráfico de escravos diferentes povos em suas pluralidades culturais e historicidades próprias, eram aprisionados e amontoados em um ambiente comum, numa mesma situação de desespero e medo em frente ao desconhecido, sendo brutalizados pela escravidão. Estes momentos comuns lhe conferiam uma identidade que era construída em função

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de semelhanças como forma simbólica de resistência. A terminologia banto foi uma referência linguística cunhada na Europa no século XIX (SILVA, 2006), no entanto ulteriormente passou a ser designada pelos próprios africanos e descendentes como afirmação de uma identidade africana na Bahia. Assim, Slenes afirma:

Se num primeiro momento, na travessia da África e do Atlântico, os falantes de línguas bantu começaram a perceber que podiam trocar ideias com outras pessoas (...), no Brasil eles se deram conta de que sua liminaridade provavelmente iria durar para sempre. (SLENES; 1992; 56)

O estudo da problemática banto e de aspectos cosmológicos comuns aos povos da região CongoAngola foi elaborado a partir da constatação de influências decisivas, tanto em aspectos estruturais da música quanto em significação simbólica11, na musicalidade no Recôncavo baiano. Em diversas letras12 dos gêneros tradicionais afro-brasileiros são notáveis as evocações estritamente referentes à África Central (Angola, Congo). Este desejo de retorno à África (Central), mais do que uma referência histórica, ou uma fantasia para fugir do sofrimento imposto pela escravidão, Angola e Congo podem ser pensados também como uma região mental (CARVALHO; 2000). Para Sodré (1998), a organização formal do samba ou batuque africano foi trazida para o Brasil por escravos originários de Angola e do Congo, principalmente. Os mais importantes grupos populacionais desta região, segundo Figueiredo (2010), são: Kongo (ou bakongo, falantes de kikongo) localizado na margem sul do baixo curso do Rio Congo; Mbundu (Ambundo ou Bundu) estabelecidos ao redor da Bacia do Rio Kwanza; e Umbundu (ou 11

“Através dela [sincopa], o escravo – não podendo manter integralmente a música africana – infiltrou a sua concepção temporal-cósmico-rítmica nas formas musicais brancas. Era uma tática de falsa submissão: o negro acatava o sistema tonal europeu, mas ao mesmo tempo o desestabilizava, ritmicamente, através da sincopa – uma solução de compromisso” (SODRÉ; 1998; 25). Embora Sodré não enfatize, é necessário perceber o processo de socialização aos quais os escravos e seus descendentes estavam inseridos. Um exemplo, no que tange às práticas do Candomblé, os negros eram socializados em um respeito mútuo ao Catolicismo e às suas religiões autóctones. A respeito da estrutura musical, Lima (1996) destaca a influência banto de forma geral na música popular brasileira, citando o exemplo da célula rítmica de dezesseis pulsações: Versão a: (16) [x.x.x.xx.x.x.xx.] (nove batidas) Versão b: (16) [x.x.x.x..x.x.x..] (sete batidas) 12

Ver Carvalho (2000).

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Ovimbundu) no planalto Angolano. Estes dados geográficos são relativos à região do CongoAngola pré-colonial. Ainda segundo o mesmo autor, nos três primeiros séculos de tráfico de escravos para o Brasil, os principais grupos eram da referida região. VERGER (1997) afirma que até aproximadamente o final do século XVII, em relação à Bahia, esses contatos foram particularmente intensos com Angola e o Congo. A respeito da importância desses povos para a construção musical no Recôncavo, no seu artigo Divertimentos Estrondosos: Batuques e Sambas no Século XIX, Jocélio dos Santos numa relação comparativa entre África Central e Bahia afirma “o batuque, que aparecia no Congo e em Angola sob a mesma denominação, era tido como uma dança de pretos provenientes das nações conguesa e bunda” (SANTOS; 1997; 18). Constatado o fato da importância desses povos congo-angolanos no processo musical e histórico (além de outros aspectos diversos que extrapolam a proposta deste capítulo), a construção de uma identidade africana na Bahia engendrada a partir de referenciais simbólicos compartilhados funcionou como uma espécie de síntese para uma quantidade enorme de significados e significantes culturais existentes em África, mas que na Bahia adquiriram outras feições. Como exemplo, Pierre Verger encontrou diferenças nas relações estabelecidas entre indivíduos e Orixás na África e no Novo Mundo. Em África, o Orixá é um bem de família, coletivo e que abarca toda uma comunidade. Nos terreiros de Candomblé, os Orixás são pessoais, isto é, cada adepto possui o seu e todos estão reunidos em torno do orixá do terreiro, “símbolo do reagrupamento, do que foi disperso pelo tráfico” (VERGER; 1997; 33). Este excerto, embora trate mais especificamente na região da África Ocidental, é ilustrativo para perceber que os referencias foram e sempre serão ressignificados. Embora as matrizes africanas sejam importantíssimas para compreender o processo de construção social da música no Recôncavo, as ambiências em que se desenrolaram esses processos, os aspectos sociais diversos têm um papel definitivo para a cor de determinada musicalidade. O estudo da identidade dos bantos e suas implicações na música, nesse ínterim, é justamente a preocupação de perceber a aplicação desses referenciais centro-africanos efetivamente no Samba de Roda do Recôncavo da Bahia. A identidade é um conteúdo comunicativo que orienta o desenvolvimento das relações, contendo duas dimensões: uma pessoal (individual) sujeita a interações; e uma social (coletiva), onde seria o plano em que a identidade se erige. Assim, a identidade social surge como a atualização do processo de identificação e envolve a noção de grupo social (OLIVEIRA; 2003).

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A visão da construção de identidades africanas no Novo Mundo só possui sentido, tendo em vista os processos de ressignificação das práticas culturais. A criação de comunidades, desta noção de grupo social, a partir da junção de diversos grupos étnicos (mesmo com algum grau de reconhecimento) em um mesmo local e situação (diaspórica e escravista), só foi possível em função de processos de mudança cultural.

A tarefa organizacional dos africanos escravizados no Novo Mundo foi a de criar instituições – instituições que se mostrassem receptivas às necessidades da vida cotidiana, dentro das condições limitantes que a escravidão lhes impunha. (MINTZ; PRICE; 2003; 38).

A noção de instituição que os antropólogos norte-americanos se referem, remete a ideia de uma interação social regular de caráter normativo. Uma musicalidade, construída socialmente, é sobretudo um espaço de interações sociais. A percepção de uma influência estrutural (em termos musicais) de um determinado grupo identificado por referenciais culturais comuns não expressa a ideia de uma continuidade entre um traço cultural africano e sua influência no Novo Mundo, no sentido de “transportar” uma cultura para as colônias. Porém, justamente o oposto. A criação de identidades no Novo Mundo já é uma prática de mudança cultural. Pensar em grupos banto só tem sentido no contexto colonial, nas Américas, não em África. Para que estas práticas sejam ressignificadas por determinados agentes, pressupõem-se, em primeira instância, um certo grau de reconhecimento mútuo (dado pela construção de identidades). A pesquisa procura delinear estes processos de ressignificação cultural através da memória coletiva de grupos de sambadores e sambadeiras, através da análise da história do Samba de Roda e suas relações com a cidade, as festividades e os agentes praticantes.

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CAPÍTULO 3 Etnografia da Memória Musical

A música afro-brasileira é um conceito utilizado de forma genérica para compreender todas as manifestações musicais em que exista, em maior ou menor grau, uma concepção estética e/ou estrutural africana de fato ou, interpretadas como de influência africana, criadas pelos escravos e seus descendentes a partir do contexto colonial. A questão central é perceber que, influências à parte, a música em si já é uma construção social e, portanto, plural. A música brasileira traz consigo uma ideia de mistura, de hibridismo que está necessariamente conectada ao mito fundador da sociedade nacional brasileira embasada sob a égide das três raças: o “branco” português, o “negro” africano e o “vermelho” autóctone. A literatura de análise musical, primeiramente discutida pelos folcloristas, consolida na música essa ideia de uma relação harmônica entre a música do colonizador e à do colonizado/escravizado, deixando de lado todas as relações de poder deste processo em função de um discurso de valorização e construção de uma identidade nacional. Assim a música afro-brasileira, o próprio conceito, remete a uma generalização e um modelo de referência para uma sociedade brasileira industrial emergente. Para pensar a música afro-brasileira faz-se necessário também entender a musicalidade dos africanos e seus descendentes em uma relação de poder com a música ibérica. O Samba de Roda é uma expressão musical afro-brasileira, que tem sua base estrutural (células rítmicas de 16 pulsações) provenientes dos bantos, possuindo também influências iorubanas diversas (referências a deuses do panteão da Religião dos Orixás), e por fim contribuições portuguesas (as chulas portuguesas, a viola, o pandeiro, o próprio idioma). Compreender esta rede complexa de construções e influências implica em desenvolver categorias que elucidem e tornem mais inteligível o processo. A Memória Musical, e de uma musicalidade afro-brasileira, traz consigo outros conceitos importantes e inter-relacionados para compreender a construção social deste samba. Em se tratando de Samba de Roda, e dos músicos (agentes criadores e executantes), a memória tem um papel fundamental para a manutenção tanto das estruturas musicais quanto da própria história do samba. O tempo, neste ínterim, perpassa por todas as relações do processo de

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construção musical, desde a ligação com um passado que é valorizado (sempre ocorrendo uma adaptação ao presente, ou seja, estabilidade e mudança promovendo uma tensão) até às próprias noções cosmo-rítmico-musicais atrelando tempo social e tempo musical.

Memória Musical: Construção de um Conceito

O conceito de memória aplicado ao universo simbólico da música (afro-brasileira) permite desdobrar e ampliar a noção de Memória Coletiva dos Músicos escrito em 1939 na forma de um ensaio por Maurice Halbwachs (1990). O autor francês foi o pioneiro no estudo sistemático da memória dentro do campo da sociologia. Sua postura epistemológica é estruturalfuncionalista; logo seu estudo pode ser compreendido enquanto uma teoria estrutural da memória; uma morfologia social da memória em termos durkheimianos. Seu pensamento será mais detalhado posteriormente. Bergson (1999) possuirá um papel relevante em sua obra. A teoria bergsoniana da memória é um processo de prolongamento do passado ao presente. Parte-se do passado que se materializa em uma percepção atual. Halbwachs herda essa concepção de reconstrução do passado no presente. Enquanto Bergson associa o tempo às experiências de vida; Halbwachs atrela a noção de passado que existe no momento presente como algo referenciado pelo grupo. Ou seja, é o grupo social, o coletivo que determina o que é memorável (SANTOS; 2003). A conduta social dos indivíduos é altamente influenciada pela cosmovisão do grupo (costumes, tradição, crenças, valores, sentimentos). Assim as memórias podem ser pensadas em função destas convenções sociais. Nas palavras de Halbwachs, através de quadros sociais da memória. A tradição, nesse sentido, é compreendida enquanto quadros coletivos anteriores aos indivíduos, sendo incorporados nas configurações estabelecidas no presente. Pensando a memória dos músicos, como padrões (de referências) musicais são construídos? O ato da improvisação (presente no Samba de Roda) é uma criação, uma composição instantânea de escalas e acordes previamente conhecidos que são recombinados. Conhece-se o alfabeto, logo pode se criar palavras combinando as letras. No caso do Samba de Roda este conhecimento é apreendido pela memória através de três procedimentos básicos: observação, mimetismo e prática. Nos

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instrumentos de percussão é mais fácil constatar essa apreensão pelo olhar e depois a tentativa de reproduzir aqueles toques observados. Os agentes inseridos no contexto do samba observam os instrumentistas mais experientes tocando e se identificam com algum instrumento. As justificativas são variadas. Uns gostam do som que o instrumento produz; outros porque o pai ou algum amigo também tocava. Nesse sentido, a observação, o olhar o outro tocando é a principal forma de aprendizagem. A transmissão se dá através, tanto de ensinamentos (orais) práticos dos músicos mais experientes, quanto da observação dos aprendizes. O historiador Peter Burke (2006) ao descrever os processos de transmissão da memória social (que influenciado por Halbwachs também destaca a influência da organização social na memória) identifica cinco meios desta transmissão: tradições orais; as memórias e “relatos” escritos; imagens (pictóricas ou fotográficas); representações coletivas e o espaço. Três destes meios são fundamentalmente importantes para a análise da memória musical. As representações coletivas (e por que não dizer representações coletivas de uma sociedade de músicos?), termo de Durkheim, exerce uma influência muito grande nos quadros sociais da memória (e por que não dizer em quadros sociais da memória dos músicos?) de Halbwachs. Em síntese, as representações coletivas são os quadros sociais da memória na medida em que: são exteriores às consciências individuais (memórias individuais), não derivando destas tomadas isoladamente, mas sendo produto da interação das mesmas. O espaço é outro termo importante. Como exemplo os terreiros de candomblé envolvem uma reconstrução do espaço africano. Neste ínterim, o uso da memória está atrelado a uma questão sine qua non: porque algumas culturas parecem lembrar-se do seu passado mais do que outras? No caso do Samba de Roda existem diversas perspectivas envolvidas. Um fato fundamental é por ser considerado Patrimônio Oral da Humanidade; a consequência disso é uma constante busca (em nível prático e discursivo) de uma tradição que é cada vez mais dinâmica e mutável, mas impostamente tentada por órgãos públicos a cristalizarse. Porém paralelo a isso, ser um sambador é um bem de família. É ser herdeiro de algo, por sua história, que deve ser mantido e passado para as novas gerações. “O samba tá na veia e na alma”13, este excerto sintetiza a ideia de uma tradição que é internalizada pelos agentes através de seus antepassados, legitimando a inevitabilidade de se fazer samba. Outro aspecto é a consciência que cada membro do grupo tem do seu papel em preservar essa musicalidade com traços dos seus ancestrais. Neste sentido a memória musical envolve a história dos grupos de Samba de Roda e a 13

Tonho do Samba em entrevista concedida em 06 de dezembro 2013

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própria história do samba. Todo momento de execução do samba é um momento de não esquecer toda uma história colonial de escravidão e diáspora do povo africano. Em seu livro A Memória Coletiva, Halbwachs atrela o ato de recordar à noção de grupo. A memória se conserva no grupo e é tratada como um conjunto de acontecimentos compartilhados pelos membros do mesmo. Ela possui uma característica de exterioridade (operacionalização) em um processo de interiorização (socialização), justamente por ser algo compartilhado. Lembranças assim, reconhecidas e reconstruídas. Halbwachs faz uma distinção entre pensamentos e lembranças. Estas envolveriam noções de depoimentos e racionalização; enquanto que os pensamentos seriam impressões pessoais influenciadas por correntes do pensamento social. Para o sociólogo francês a memória social está intimamente ligada à ideia de tradição. A História para o autor começa quando acaba a tradição, ou seja, quando a memória social deixa de ser operacionalizada. Para a memória coletiva o passado não se opõe ao presente, ambos não constituem realidades contrárias, são períodos históricos vizinhos. Neste sentido, sua concepção de tradição é altamente dinâmica. Outra questão interessante são as relações da memória coletiva com o tempo e o espaço. Halbwachs entende as divisões do tempo resultantes de convenções e costumes, portanto o tempo tem uma dimensão social. Para um exame crítico do tempo é necessário estabelecer relações entre um alto nível de síntese e poder de coerção. Nessa perspectiva, Elias relaciona tempo e memória: A palavra “tempo”, diríamos, designa simbolicamente a relação que um grupo humano, ou qualquer grupo de seres vivos dotado de uma capacidade biológica de memória e de síntese, estabelece entre dois ou mais processos, um dos quais é padronizado para servir aos outros como quadro de referência e padrão de medida. (ELIAS; 1998; 40)

A própria ideia de síntese em Elias está ligada a uma noção de memória social. O desenvolvimento das sociedades está atrelado à acumulação de conhecimento (sínteses) passada de forma geracional. Enquanto a esfera social é altamente dinâmica e mutável, a esfera biológica passa por transformações extremamente lentas. Assim pode-se afirmar que a capacidade cognitiva da memória ente homens atuais e primevos é semelhante. O tempo, enquanto quadro de referência estabelecida pelos grupos para propor limites reconhecíveis é uma aproximação teórica entre Elias e Halbwachs. O tempo é fixado e referenciado pelo grupo, segundo Halbwachs. Sua noção de grupo social é construída essencialmente pelo interesse, uma ordem de ideias e

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preocupações compartilhadas, concordância de pensamentos. A relação com o espaço estabelece quadros fixos para as lembranças através de imagens espaciais. A dicotomia sagrado e profano, segundo o autor, também se realiza em termos materiais no espaço; assim existiriam espaços religiosos, jurídicos, econômicos. O conceito, entretanto, não consegue explicar as intersecções. O terreiro de candomblé (sendo um espaço religioso a priori) comporta tanto ritos sagrados quanto sambas de caboclo (que são Sambas de Roda, e, portanto fora da dimensão do “puramente” sagrado). Por fim, partindo para a análise do ensaio A Memória Coletiva dos Músicos, Halbwachs desenvolve a tese de que ao ouvir determinados sons lembra-se dos objetos que o produzem. No tocante aos sons musicais, estes não se fixariam na memória sob a forma de lembranças auditivas, mas pela sua capacidade de reprodução através de uma sequência de movimentos vocais. Tentando categorizar formas de lembrança musical, partindo de um princípio de lembrar a música pelo viés escrito (partitura), pode-se pensar na seguinte relação, na esteira do sociólogo francês: 1. Não-Músico e Não-Letrado (reprodução cantando) 2. Não-Músico e Letrado (conhecimento da partitura) 3. Músico e Letrado (conhecimento da partitura e execução) 4. Músico e Não-Letrado (conhecimento através da memória musical e execução) O músico do Samba de Roda encaixa-se no item quatro e é a partir dele que se pode avançar no conceito de memória musical. Halbwachs entende a partitura como um aporte material do cérebro. O conjunto de notas na pauta representaria uma pequena parte de um conhecimento mais amplo sobre as convenções e obrigações dentro de uma sociedade de músicos ocidentais. É evidente que o conhecimento da linguagem da partitura envolvem processos de memória e aprendizado, porém a determinação das músicas em partitura anula ou diminui as possibilidades criativas do instrumentista no ato da execução; a criatividade se restringi ao momento de composição. Mas qual seria o lugar de uma memória dentro de uma musicalidade que não guarda seus acordes e não cristaliza seus sons em uma pauta? Acredito que a memória nesse processo é determinante para compreender toda a lógica da construção social da música do Samba de Roda. Em uma concepção aristotélica, a memória é uma forma de conhecimento e, neste caso do samba, a memória é um meio efetivo de manutenção e execução da música. A hipótese que pode ser levada é a relação entre variação melódica, simplicidade harmônica (simples no sentido de

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padrões harmônicos recorrentes) e a improvisação. A variabilidade harmônica da música europeia escrita está altamente conectada com a função que a partitura exerceu. Como o músico europeu não é obrigado a decorar diversos movimentos de vários minutos de duração (e talvez não tivesse sido possível sem as pautas), a música pode se desenvolver com o mecanismo da partitura e atingir um alto grau de complexidade harmônica. O Samba de Roda (assim como outros gêneros musicais “apócrifos” como o blues norte-americano) não desenvolveu tal variabilidade por se inserir em outra lógica funcional. Sem a partitura, a memória musical perpassa todos os níveis de construção social da música. Assim, diante de uma “simplicidade harmônica”, acrescenta-se uma enorme variação melódica com a incorporação do improviso. A memória, nesse processo, age recombinando notas elementares já conhecidas e adquiridas na aprendizagem musical. É importante ressaltar que esta análise abarca as estruturas harmônicas e melódicas da música, não se inserindo a dimensão rítmica. Em termos de complexidade – e aqui entendo como pluralidade de instrumentos utilizados e diversidade de sons – rítmica a música afro-brasileira, pela herança africana, tem um desenvolvimento muito maior. Isso não quer dizer que a contribuição africana se resuma ao âmbito percussivo, até porque no caso do Samba de Roda mesmo a viola sendo um instrumento português, o modo de tocar foi totalmente ressignificado pelos africanos e seus descentes no Brasil. No entanto a contribuição rítmica africana à musicalidade brasileira possui um peso maior. A noção de memória musical assim é ampliada se pensar na perspectiva de uma musicalidade em que o papel da memória perpassa desde os processos de aprendizagem e acumulação de conhecimento até o ato de execução musical de uma forma totalizante. A memória musical é entendida como uma ferramenta analítica para compreender a história e o lugar do samba em Conceição do Jacuípe. Através da memória coletiva dos grupos (Raízes da Pindoba e Coisas de Berimbau), será problematizado tanto as dinâmicas de socialização promovidas pelo samba quanto a própria história da cidade, buscando compreender o processo de construção social da música.

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De feira à cidade: Berimbau (Conceição do Jacuípe) Mapa 1: Localização Conceição do Jacuípe

Dados cartográficos 2014 Google

Mapa 2: Mapa Urbano Conceição do Jacuípe

Dados cartográficos 2014 Google

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Conceição do Jacuípe é um município do Estado da Bahia que se localiza a cerca de 97 quilômetros da capital baiana Salvador e a 28 quilômetros de Feira de Santana. Considerada então como um dos municípios que fazem parte da nascente Região Metropolitana de Feira de Santana. Os municípios limítrofes são: Amélia Rodrigues, Coração de Maria, Santo Amaro, Feira de Santana, Terra Nova e Teodoro Sampaio. Sua população estimada para 2013, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 32.761 habitantes. Além de abrigar fábricas de calçados, eletrodomésticos, fumo e seringas; na agricultura Conceição do Jacuípe se destaca na produção de hortaliças, sendo uma grande fornecedora do produto no Estado da Bahia. Além das hortaliças, se sobressaem a cultura do tomate e mamão (conforme tabela 1) Na produção animal o principal efetivo está na produção avícola (conforme tabela 2). A cidade possui uma área territorial de 117.559 km² situada nas terras baixas no rio Jacuípe. O início do seu povoamento remonta aos séculos XVII e XVIII, inseridos no processo de expansão da indústria canavieira no período colonial, com a instalação de engenhos de açúcar. No final do século XIX começa a se estruturar um arraial naquele território, cujo nome remete a sua localização: Arraial de Baixa (Baixada) do Jacuípe. Neste período Santo Amaro despontava como principal referência para os incipientes povoados que iam se formando. No início do século XX, começa a se desenvolver uma feira livre naquele arraial, onde se vendiam produtos agrícolas provavelmente das roças que se situavam dentro das terras do engenho, mas que tinha a peculiaridade de ser encerrada com sambas e batuques. A feira era então frequentada por pequenos produtores agrícolas (que também eram músicos e capoeiristas), provavelmente escravos libertos já que legalmente a instituição escravocrata fora abolida, mas ainda deveriam estar ligados as terras dos senhores de engenho. Além da comercialização dos produtos agrícolas, verifica-se uma intensa atividade musical, tanto em venda de instrumentos – tambores artesanais feitos de oco de madeira, pandeiros com couros de animais, berimbaus (a região é propícia para o desenvolvimento de plantas cujo o fruto é a cabaça, matéria-prima para a confecção do instrumento) – quanto na finalização das feiras ao som dos sambas de roda. A feira então passa a ser conhecida como Feira do Berimbau, utilizando a palavra “berimbau” como síntese do complexo cultural que se desenvolvia na feira. Um povoado começa a se erigir em torno da feira, estabelecendo uma intensa ligação política com Santo Amaro. Muitos políticos, secretários, juízes residiam no Povoado do Berimbau (ou tinham nascido no povoado) e trabalhavam na cidade de Santo Amaro.

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Tabela 1

Tabela 2

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A feira acontece até hoje todas as terças e sábados. Substancialmente o caráter da feira é voltado para os produtos da agricultura familiar, permanecendo a venda da farinha de mandioca e produtos derivados como o beiju14. As Casas de Farinha são muito comuns na cidade. Contudo as musicalidades que originaram o nome da feira não acontecem ritualmente ao final da labuta, porém a feira historicamente foi canalizadora de várias tradições populares que se desmembraram nas manifestações da cultura popular da cidade com o desenvolvimento da tradição do Samba de Roda, na construção artesanal de instrumentos, nas Cantorias de Reis, na Lapinha, no artesanato, na culinária. Em 1953 pela Lei nº 628, o Povoado do Berimbau, oficialmente torna-se Vila de Conceição do Jacuípe, pertencente à Santo Amaro. O novo nome, dado impostamente pelas autoridades políticas, é uma referência à Padroeira da cidade Nossa Senhora da Conceição em conjunto com o nome do rio Jacuípe. Em 1961, com o sancionamento da Lei nº 1.531 pelo então Governador da Bahia Juracy Montenegro Magalhães, a vila se emancipa enquanto cidade, permanecendo o nome de Conceição do Jacuípe15. A mudança do nome da cidade evidencia o caráter autoritário das figuras políticas imersas em uma ideologia racista discriminatória da época. Uma cidade deveria então fazer referência em seu nome a uma entidade católica, branca, do colonizador e não, a um aspecto cultural da população majoritariamente negra da cidade. Contudo Berimbau (enquanto cidade) possui uma característica de insurgência. Mesmo com a mudança do nome, os habitantes reconhecem a existência de dois nomes: um oficial e o outro que eles se identificam historicamente. Tanto que a população atual comumente denomina a cidade como Berimbau nas conversações cotidianas. A festa de São João da cidade, nos moldes do entretenimento de massa tal como na maior parte dos municípios baianos, com artistas da música veiculada às grande mídias, é exportado pela prefeitura da cidade como o “São João de Berimbau”. O nome Berimbau, mesmo com as tentativas de deslegitimação, continuou conectado a identidade local. O exemplo pode ser evidenciado em outras esferas, como o nome das ruas. Mesmo com a adoção de nomes oficiais, de cidadãos tidos como importantes para a cidade, os primeiros nomes que possuem uma historicidade com o desenvolvimento do local se sobrepõe à oficialidade. A atual rua Juvêncio Dias é referendada como a “Rua do Garrancho”, porque 14

“Bolo de massa de mandioca ou de tapioca, do tupi mbeiú, o enroscado, o enrolado, alimento característico indígena e amplamente descrito pelos cronistas coloniais no séc. XVI” (CASCUDO; 1998; 153) 15

Segundo o IBGE referente a dados históricos do município.

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antigamente a rua era cheia de árvores secas com pequenos caminhos, onde as pessoas passavam e se arranhavam nos galhos secos. Então quando alguém chegava ao seu destino, através dessa rua, outra pessoa já sabia em função dos arranhões que ela tinha passado pela “Rua do Garrancho”. É um traço cultural interessante em que as pessoas reconhecem a existência dos dois nomes, contudo ao conhecer a historicidade do primeiro nome não oficial, as pessoas o empregam cotidianamente. O nome já está inserido na lógica cultural que referenda e identifica os espaços da cidade. Por ter pertencido e estar vinculado historicamente a Santo Amaro, Berimbau culturalmente sofreu influências desta região. Segundo Mestre Aloísio16, o Samba de Roda executado pelo seu grupo Coisas de Berimbau (o nome do grupo faz alusão justamente as tradições populares perpetradas na história da cidade) é o “Santo amarense”, “Samba de BeiraMar”, “Samba Chula” ou “Samba da Boca do Recôncavo”. A Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) enquadra Conceição do Jacuípe como pertencente ao território do Portal do Sertão (conforme mapa 3). Geograficamente a região do Recôncavo da Bahia abarcaria os municípios que estão no entorno da Baía de Todos os Santos (conforme mapa 4). Contudo estas determinações constituem uma finalidade política e econômica em fragmentar o estado em espaços com fronteiras bem delineadas e classificar os mesmos tentando perceber similitudes (climáticas, geográficas, econômicas) para a construção de políticas territoriais de desenvolvimento. A dimensão cultural é sobredeterminada em função de outros interesses. Neste sentido, em termos culturais e pensando a partir do desenvolvimento de distintas tradições do samba de roda, Conceição do Jacuípe, assim como Amélia Rodrigues e Terra Nova são identificados como pertencentes à região do recôncavo da Bahia. A partir de Coração de Maria, que faz fronteira com Conceição do Jacuípe pelo Rio Pojuca, abarcando cidades como Irará e Riachão do Jacuípe, a tradição do Samba de Roda é caracterizada como “sertaneja”, proveniente do “Sertão” e, portanto, diferente da tradição de Samba de Roda desenvolvida em Berimbau.

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Entrevista concedida em quatro de janeiro de 2014.

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Mapa 3: Território do Portal do Sertão

Fonte: SEPLAN-SEI

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Mapa 4: Território do Recôncavo

Fonte: SEPLAN-SEI

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Casa do Samba Mestre Domingos Saul Casa do Samba em Berimbau

Foto: Marcus Bernardes

Mapa 5: Ruas Conceição do Jacuípe

Dados cartográficos 2014 Google

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Em 14 de agosto de 2011 foi inaugurada a Casa do Samba Mestre Domingos Saul em Conceição do Jacuípe. Em conjunto com outros quatorze municípios, estas Casas do Samba compõem a Rede do Samba de Roda da Bahia coordenado pela ASSEBA. Esta diretriz organizacional se coaduna com o Plano de Ação desenvolvido para a salvaguarda do Samba de Roda em quatro eixos: organização, transmissão, difusão e documentação. A ASSEBA em reunião com o grupo Coisas de Berimbau explicitou a necessidade de criação de uma Casa de Samba na cidade. Mestre Aloísio alugou uma casa na rua Teodoro Sampaio, no entanto o espaço era muito pequeno e uma outra casa foi alugada, na mesma rua em que o sambador reside, na rua Sete Abril (mapa 5). Esta localização tem uma importância histórica para o Samba de Roda em Berimbau.

A reza era aqui nessa rua (rua sete de abril). Quando cheguei o samba já tinha começado. Mas eu nunca tinha vindo nessa rua, ninguém... não me conhecia, não sabia d’aonde eu era, não sabia d’onde eu vim, nada. Era um volume sem guia. Eu cheguei na janela, me debrucei. E é vai o samba. O dono da casa quando sambava, ele não largava o cavaquinho lá na mesa, ele saía com o cavaquinho na mão. Depois ele encarou assim e disse: “ô garoto”, veja que eu tava pequeno ainda, “ô garoto, você há muito tempo que tô lhe vendo encostado aí na janela, você gosta do muquém17?” Eu disse, eu bato um pandierinho18. Ele disse: “entre pra cá”. Aí eu arrudiei, entrei. Aí comecei. É vai eu devagarzinho. Quando foi mais tarde o dono da casa disse: “Mas rapaz, você viu o que acontece? O que a gente tava perdendo? O menino é entendido”. É esse Domingos de Saul que eu tô contando a história. (MESTRE ALOÍSIO; 14 de dezembro de 2013).

A homenagem ao Mestre Domingos de Saul está ligado ao reconhecimento histórico da vida de Domingos Júlio dos Santos e a influência do mesmo no Samba de Roda em Berimbau. Saul Moreira era o nome de seu pai (Maria Júlia, a mãe), com quem aprendeu as tradições do samba, logo a referência a Saul no seu nome diz respeito a uma identificação como filho de alguém. Apesar do nome da casa não trazer a preposição de, Casa do Samba Mestre Domingos Saul, no trabalho de campo os agentes se referiam a ele como Domingos de Saul.

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Apelido para se referir ao samba.

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Diminutivo para se referir ao instrumento pandeiro.

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Domingos Júlio dos Santos

Foto: Acervo da Família “Seu Domingos de Saul” e “Dona Glória”

Foto: Acervo da Família

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Segundo depoimento de Zilda19 filha de Domingos de Saul, seu pai nasceu em Bela Vista20 em princípios do século XX, uma roça identificada como pertencente à Berimbau, já que está localizada antes do rio Pojuca que faz divisa com Coração de Maria. Assim como o pai, Domingos de Saul era marceneiro e carpinteiro. Ele trabalhava no Engenho do Cipó21, com a desativação desse engenho e com o dinheiro da indenização, comprou algumas terras. Sua casa foi construída na rua Sete de Abril, mesma rua onde está localizada a Casa do Samba da cidade. Além das atividades mencionadas, Domingos de Saul cultivava produtos agrícolas nas suas terras (banana, mandioca) e vendia na feira do Berimbau. O transporte utilizado era de tração animal. Também era capoeirista, instrumentista (seu instrumento principal era o cavaquinho) e construía instrumentos de percussão e cordas artesanalmente. Ele era responsável pelas sambas que aconteciam após as feiras; sua esposa Dona Glória era doceira e pandeirista. Domingos de Saul tem uma influência fundamental e familiar nos dois grupos de Samba de Roda existentes em Berimbau (Raízes da Pindoba e Coisas de Berimbau). E se normalmente os estudos relacionam o Samba de Roda aos Carurus de São Cosme e Damião (IPHAN; 2007), em Berimbau as tradições do samba estão vinculados também a outra festividade do catolicismo popular: a Cantoria de Reis. “O Reis” A “Cantoria de Reis”, “Folia de Reis”, “Festa de Reis”, ou simplesmente “o Reis” como será tratado aqui, seria uma manifestação cultural europeia trazida pelos portugueses na colonização. Difundida por toda a península Ibérica era comum as visitações nas residências entoadas por cantigas e o recebimento de presentes. O 06 de janeiro é oficialmente o dia dos Reis Magos pela Igreja Católica, onde se rememora os presentes trazidos pelos Reis Baltazar, Belchior e Gaspar, a peregrinação e as alegrias do nascimento do messias (PERGO; 2007). O contexto brasileiro, a partir do desenvolvimento desta manifestação em vários lugares do país, engendrou 19

Entrevista concedida em 14 de dezembro 2013

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Foi também referendado durante a pesquisa que Domingos de Saul nasceu na Fazenda Lagoa dos Porcos. Hoje estas terras foram divididas em várias fazendas menores que se localizam na zona rural de Conceição do Jacuípe. Contudo, na época do nascimento de Domingos estas terras pertenciam ao Doutor Gastão Pedreira. 21

O Engenho do Cipó pertencia a Aurélio Pinto.

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variações regionais quanto ao período, os tipos de músicas, os rituais. Apesar das variações, a “Folia de Reis” pode ser entendida como uma manifestação tradicional do catolicismo popular. Ikeda (1994) estudou o Ciclo de Reis em Goiânia, tentando entender o “viver rural” em uma “moderna” cidade brasileira. O autor determina três tipos de folias: o sistema mineiro, o sistema baiano e o sistema misto. A folia acontece no período de 24 de dezembro a 06 de janeiro. Os grupos de foliões visitam as casas, portando bandeiras de identificação e angariando “esmolas” para a Festa de Reis (no dia 06 de janeiro). Os donos das casas são comunicados das visitas e as “peregrinações” ocorrem entre os bairros. Foi constato musicalidades diferentes para cada sistema, e no sistema baiano os grupos tocavam sambas de roda. O ritual do “Reis” que acontece em Berimbau parece diferir em muitos aspectos. “O Reis” acontece até os dias de hoje na cidade, porém a manifestação expressa aqui foi relatada pelos agentes rememorando as antigas Cantorias de Reis na cidade e região. A folia estudada por Ikeda, além de evidenciar as relações existentes entre Samba de Roda e Folia de Reis que foram levados por baianos para Goiânia, permitirá mostrar as peculiaridades do “Reis” em Berimbau, por comparação. “O Reis” começava em Berimbau no dia 06 de janeiro e muitas vezes terminava nas vésperas da Semana Santa em abril. As visitações nas casa poderiam ser avisadas (Reis Avisado) ou não (Reis de Surpresa ou Reis Roubado). Cada forma de visitação exigia uma organização diferente. Sendo avisado, isto implicava que o dono da casa deveria arcar com as despesas da festa. Se “o Reis” não era avisado com antecedência para o dono da casa, cabia às pessoas que estavam levando “o Reis” organizar a festa. Cada pessoa ajudava no que podia para arrumar comida e bebida para todos. Além do dono da casa, até os donos de venda 22 eram acordados para comprar café e biscoito para alimentar as pessoas. Outras comidas e bebidas típicas da festa era a galinha cozida e a cachaça feita em alambique. “O Reis” percorria longas distâncias, abarcando regiões que hoje são municípios distintos. O grupo de até cinquenta pessoas fazia estes trajetos a pé ou, quando conseguiam, com um caminhão “pau de arará”. Com o “balaio” de comidas e bebidas pronto, restava seguir em silêncio até a casa em que seria levado “o Reis”, que apesar da surpresa de não esperar aquela festa naquele dia, era uma pessoa da comunidade que partilhava e entendia o ritual. Para Tonho do Samba (Raízes da Pindoba) “o samba é o Reis em segredo”. Os 22

Termo que se refere aos pequenos mercados típicos de cidades do interior da Bahia que vendem desde produtos de higiene à alimentação.

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músicos estavam empunhados então com violas, cavaquinhos e pandeiros. Os pandeiristas levavam uma gazeta (jornal) para queimar e fazer fogo para afinar o instrumento. Aquelas pessoas então se aproximavam da casa (sempre à noite) e cantavam “o Reis”:

Ô de casa, Ô de fora Maria vai ver quem é É um cantador de Reis Mandado por São José Cantar Reis não é pecado Porque São José também cantou São José também chorou Vendo o seu filho morto Pregado numa cruz, pro santo amor23 O dono da casa então abrindo as portas para aqueles que estavam levando “o Reis” para sua casa, iniciava a festa que duraria até o outro dia de manhã. Domingos de Saul em conjunto com sua família foram apontados como as principais figuras da tradição de “Reis” na cidade. A festa começava então por volta das 22h. O horário da meia noite, durante “o Reis”, apresenta dois significados aparentemente antagônicos, mas por certo complementares. Toda vez que Domingos de Saul estava tocando em um “Reis”, quando chegava o horário de meia noite, ele parava de tocar, abraçava seu cavaquinho e fica quieto por um tempo. As pessoas ao redor pensavam que estava dormindo ou descansando. Porém, conta os sambadores que o conheciam, que ele estava rezando, já que acreditava que se deveria agradecer e pedir bênçãos no início do dia. Uma atitude diferente é de outra figura desse mesmo tempo. Segundo Mestre Liodoro24 (Coisas de Berimbau), o seu tio (Chico Miúdo que tocava violão) nesse mesmo horário, mudava o jeito de tocar e brincava dizendo que estava tocando o “sambinha do Cão”. O final da festa, já de manhã, era terminado muitas vezes com o “Coco”. Este consiste de versos entoados apenas ao som da viola (ou cavaquinho) e o som dos pés batendo no chão. 23

Esta versão foi construída como uma síntese das versões apresentadas durante as entrevistas.

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Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2013.

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Tava ralando o meu coco Minha mulher pra morrer Antes eu quero que ela morra De que meu coco perder

O coco pra nascer coco Precisa ser ralado em culé (colher) O homem pra nascer homem É preciso ter quatro mulé (mulher)25

Ô rala o coco Sacode a colhé (colher) Primeiro os homi (homem) Depois as mulhé (mulher)26

Os versos retratam a estrutura do patriarcado em que possivelmente o próprio Samba de Roda ou musicalidades que influenciaram o mesmo foram constituídos. Os sambadores identificam que o samba na cidade foi transmitido pelos seus antepassados que eram escravos e trabalhavam nos engenhos da região. Aquela sociedade colonial estabelecia e determinava os lugares e papéis de cada indivíduo. Ser escravo e ser mulher era uma dupla espoliação. O “Coco” acontecia no final das festas. Era costume que a casa deveria ser limpa antes que o grupo fosse embora e tal atividade de limpeza doméstica pertencia ao universo feminino. Neste sentido as mulheres poderiam não estar presentes quando o “Coco” acontecia, sendo os seus versos (enquanto informação histórica) esclarecedores desta dupla expropriação da mulher negra no contexto colonial. 25

Versos transmitidos por Liodoro em entrevista no dia 14 de dezembro de 2013

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Versos transmitidos por Tonho do Samba em entrevista no dia 06 de dezembro de 2013

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Em Berimbau portanto, há uma profunda relação entre o Samba de Roda e a Cantoria de Reis que se estrutura na história da própria cidade que possui uma forte relação com o catolicismo. Além disso os dois grupos da cidade foram constituídos e pensados enquanto grupos em Cantoria de Reis.

Coisas de Berimbau e Raízes da Pindoba

A formalização dos grupos Coisas de Berimbau e Raízes da Pindoba constitui um fenômeno recente. Em determinadas festividades como “o Reis”, aniversários, carurus de promessa no mês de setembro, as pessoas da cidade participantes dessa comunidade que vivenciava às tradições do samba de roda se reuniam em torno da música. Não existia a ideia de um grupo fixo, com papéis e instrumentos determinados. Existiam sambadores e sambadeiras, que partilhavam das mesmas tradições e, se organizam durante estas festividades. O que não quer dizer que eram fenômenos espontâneos, no sentido ingênuo do termo. Os sambas, as rezas, os Carurus, “o Reis”, eram manifestações pensadas e organizadas como já foi exposto. A história dos dois grupos remete a uma influência externa para a formatação e nomeação de um conjunto de Samba de Roda. O grupo Coisas de Berimbau é o mais antigo da cidade, tanto em função dos seus participantes (a maioria idosos), quanto de registro na ASSEBA. Existe uma grande variação e inconstância de pessoas no grupo que se torna complicado em saber o número exato de participantes e a função de cada um. Certo mesmo são os três mestres: Aloísio, Cristóvão e Liodoro. Este último era fundador do extinto grupo Filhos das Lages, porém por desinteresse dos componentes o grupo se desintegrou. Coisas de Berimbau possui um CD gravado pelo projeto Pontão de Cultura da ASSEBA; neste consta a seguinte relação quanto aos músicos: Jorginho (Pandeiro I), Liodoro (Pandeiro II), Salvador (Pandeiro III e vocalização), Cristóvão (Pandeiro IV e vocalização), Edmilson e Manoel (Timbau), Nair (Triângulo e vocalização), Cabrito (Violão), José (Cavaquinho), Aloísio (Puxador de samba). No geral, contando sambadores e sambadeiras, o grupo possui cerca de 20 pessoas. A criação do grupo com o nome Coisas de Berimbau aconteceu em uma Cantoria de Reis. Uma figura pública da cidade (incentivador da cultura local) sugeriu àquelas pessoas que animavam “o Reis” a formação de um grupo, sugerindo inclusive o nome. Mestre Aloísio assumiu desde então a coordenação do grupo. O próximo passo foi o registro na

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ASSEBA. A necessidade de um articulador, de uma figura política para resolver as demandas burocráticas do grupo em relação à associação, mostrou-se fundamental. Mestre Aloísio nasceu em Terra Nova, só na sua infância (aos 8 anos) foi morar em Berimbau onde vive atualmente. Conheceu o samba através dos pais, sua mãe tocava pandeiro e o pai era sanfoneiro. Seus pais não tinham com quem deixar os filhos, então os levava para o samba. Antigamente com poucas pessoas se fazia o samba. Na adolescência já viajavam pelas regiões vizinhas com um amigo tocando nas rezas e nas festas, “duas pessoas cantando e tocando mais as sambadeiras, tava feito o samba”27. O necessário então para se fazer o samba em termos instrumentais era o pandeiro, o tambor28 e o cavaquinho. Estes três instrumentos do decorrer da pesquisa mostraram-se característicos da tradição do Samba de Roda na cidade. Ao longo do trabalho de campo, ouvindo diferentes pessoas (mestres, sambadores e sambadeiras, comunidade envolvida com o samba), o cavaquinho aparece como principal instrumento entre os cordofones. Mesmo após as oficinas de construção da viola machete29 organizada pela ASSEBA30, é notório que nenhum dos dois grupos da cidade possuem o instrumento. Na tradição do Samba de Roda em Berimbau, a viola machete não era conhecida pelos agentes31. Muitos só descobriram sua existência pós-processo de patrimonialização. O Raízes da Pindoba também se constitui enquanto grupo a partir de uma Cantoria de Reis em fevereiro de 2007. O grupo foi organizado por Tonho do Samba e um amigo a partir dos sambas que faziam nos aniversários, nos Reis. A princípio o nome do grupo remete a localidade em que a maioria dos componentes moravam, que era o bairro conhecido por Pindoba em 27

Entrevista concedida em quatro de janeiro de 2014.

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Este tambor, também chamado tamborinho, era construído artesanalmente feito com oco de madeira e couro de alguma animal (raposa, bode, jiboia) esticado batido com brochas. Os pandeiros também tinha esse mesmo processo artesanal, sendo necessário o fogo para afinar o instrumento. 29

A viola machete é um cordofone de dez cordas entendido como característico do Samba de Roda no Recôncavo da Bahia. Uma das diretrizes do plano de Salvaguarda do IPHAN é justamente no processo de revitalização do instrumento. Ver Nobre (2008); IPHAN (2007). 30

Um dos alunos desta oficina é residente em Berimbau e responsável atualmente pela construção das violas machetes da ASSEBA. O seu nome é Marcos Luis dos Santos (conhecido como Marcos Brother) e ele é neto de Domingo de Saul. 31

Foi mencionado por apenas uma pessoa, Mestre Liodoro, a existência de uma viola “regra inteira” de 24 cordas, tocado pelo falecido irmão da sua sogra. Também foi relatado a existência do banjo, do bandolim e da sanfona de oito baixos chamada de “pé de bode”.

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Conceição do Jacuípe. Porém o nome do grupo, segundo Tonho do Samba32, remete à árvore chamada pindoba que tem relações interessantes com a região. A árvore é matéria-prima para construção de vassouras que são utilizadas nas Casas de Farinha da cidade, para varrer a farinha do forno, quando esta termina de secar. Da sua árvore também consome-se o fruto, chamado “nicuri”33. Com o tempo, Tonho do Samba assumiu a liderança do grupo e com ajuda da sua esposa registrou o grupo na ASSEBA. Ao contrário do Coisas de Berimbau (que apesar das variações das pessoas nas apresentações, possui um número relativamente fixo), os componentes do grupo Raízes da Pindoba não são fixos. A maioria dos músicos tocam por “cachê” 34 e o grupo não possui sambadeiras. O único componente fixo do grupo nesse sentido é o próprio Tonho do Samba. Além de organizar as apresentações, é o vocalista e compositor do grupo e também possui os instrumentos musicais. Tonho do Samba (José Antônio dos Santos Conceição) nasceu em 1971 na zona rural do município de Coração de Maria. Passou a infância em Santo Amaro e na adolescência foi morar em Berimbau. Suas primeiras lembranças do samba remontam ao período que morava na roça e ele ia com seus pais para as rezas animadas com Samba de Roda. Seu pai tocava repique e sua mãe, assim como Dona Glória e a mãe de Mestre Aloísio, tocava pandeiro. Outra característica interessante do samba em Berimbau é em relação às mulheres. Em outras cidades como Cachoeira em São Felix por exemplo, as mulheres quando tocam algum instrumento são as tabuinhas35 ou o prato-e-faca. Em Berimbau nota-se a presença de mulheres tocando outros instrumentos como o pandeiro e o triângulo36. Um momento de socialização no samba, em relação a processos de aprendizagem que foi identificado, eram os intervalos no samba. Nesse momento as crianças tinham a oportunidade de se aproximar dos instrumentos e “brincar”, tentando reproduzir aqueles sons que estavam ouvindo. Mas isto não quer dizer que era uma atividade respaldada pelos mais velhos, 32

Entrevista concedida em fevereiro de 2012.

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O “nicuri” serve de alimento para a população da região com o chamado “fufu de nicuri”. “Pegava o nicuri, quebrava ele, botava no pilão com um pouco de farinha e açúcar e pau! Tome-le bater no pilão! Aí pegava aquilo ali pra tomar café” (Tonho do Samba; 06 de dezembro de 2013). 34

O “cachê” se refere normalmente a uma quantia em dinheiro que cada músico recebe por apresentação.

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Dois pedaços de madeiras que são batidos um no outro, compondo a linha rítmica do samba.

36

“Há indícios de que seja originário do Norte da África (Marrocos)” (REPPOLHO; 2012; 96).

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normalmente os pais não ensinavam diretamente aos filhos. Mestre Aloísio afirma que não teve nenhum professor e nem seu pai teve. Os adultos não ensinavam às crianças, elas aprendiam observando, “pela cabeça”. “Eu fui sempre vendo e aprendi. É o dom. Me mande fazer outra coisa além do samba que eu não sei não. Eu só escuto o samba, só toco o samba”37. Contudo a lógica atual de transmissão para as novas gerações apresenta modificações estruturais. Se no passado, a criança ou o jovem, entravam em contato com o samba e experimentavam a música em seu próprio contexto ritual; hoje, com os planos de salvaguarda e as possibilidades de extinção desta musicalidade (mesmo que a preocupação pareça remeter mais aos discursos de autenticidade da cultura popular, do seu caráter de excepcionalidade), a transmissão ocorre via projeto de oficinas mirins. Na Casa do Samba Mestre Domingos Saul são organizadas aulas de instrumentos para jovens interessados em conhecer o Samba de Roda. As aulas são ministradas pelos componentes do grupo Coisas de Berimbau. No decorrer da pesquisa, analisando diferentes momentos de performances dos grupos e as oficinas ministradas na Casa do Samba, os instrumentos identificados foram: pandeiro, timbau, triângulo, xequerê, repique, unitário, violão, cavaquinho, castanhola, tabuinha, prato-e-faca e caixa de fósforo. O grupo Coisas de Berimbau é formado por sambadores e sambadeiras em sua maior parte já idosos, com faixa etária em média de 60 a 85 anos. O tipo de samba do grupo é o “Samba Beira-Mar”, também chamado de “Santo Amarense” ou “Samba Chula”. O “Beira-Mar” se caracteriza pelo canto e resposta; enquanto um sambador “grita” o samba (ou seja, o “puxador”, aquela que conduz o repertório e decide quais músicas cantar), o outro sambador (e as sambadeiras também) “rela”, responde o que o outro disse, é o chamado relativo que caracteriza as chulas. O grupo utiliza fardas, camisas com o nome do grupo, inclusive as sambadeiras. Os homens trajam estas camisas com a nomenclatura do grupo (de cores verde ou azul) e calças; os mestres (Aloísio, Cristovão e Liodoro) usam chapéus. As mulheres além das camisas mencionadas, usam saias rodadas coloridas. O grupo Coisas de Berimbau se apresenta normalmente com cinco pandeiros, tocados pelos cinco mestres. O pandeiro foi instituído no Brasil via Portugal, era um instrumento popular em toda a Europa no período colonial (REPPOLHO; 2012). Assim como a viola e outros

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Tonho do Samba, entrevista concedida em 06 de dezembro de 2013.

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instrumentos de cordas (NOBRE; 2008), é possível que o pandeiro tenha sido trazido pelos jesuítas e apresentados aos escravos em práticas de catequese. No samba, os pandeiros são tocados “numa pancada só”, ou seja, no mesmo ritmo e da mesma forma. A posição do instrumento é bem peculiar, sendo tocado na vertical, ao contrário de outros gêneros com o Choro, que o pandeiro é tocado na horizontal. Os improvisos característicos do instrumento acontecem em momentos precisos da apresentação, em que o pandeirista se sobressai em relação aos outros ao “repicar” o instrumento. Esse “repicar” consiste na repetição acelerada de toques no centro do pandeiro com os dedos indicador, médio e anelar. Outros instrumentos que compõem a linha rítmica do grupo são o timbau, o triângulo, o chocalho e as tabuinhas. Estes dois últimos são executados pelas sambadeiras; em algumas apresentações também foi visto mulheres tocando triângulo. Outros instrumentos mencionados são improvisados de utensílios doméstico; sendo tocados por homens e mulheres. Além do prato-e-faca38, da caixa de fósforo39, existe a castanhola. A castanhola (que nos remete a pensar nos acompanhamentos rítmicos da música flamenca espanhola) é improvisada com duas colheres; seguradas em uma mão pelo polegar e indicador e a outra pelo anelar. Elas são postas viradas uma para cima e a outra pra baixo e, são tocadas com a outra mão e a coxa em movimento constante, marcando o ritmo. Os instrumentos de cordas “puxam” o samba, para depois entrar o acompanhamento rítmico. Existem dois momentos fundamentais durante o samba que se alternam por toda a apresentação. Quando começa, o samba tem uma característica instrumental. Os músicos se posicionam em um semicírculo que é completado pelas sambadeiras. Quando o “puxador” inicia as chulas, o centro do círculo permanece intocado. Enquanto a letra está sendo cantada, as sambadeiras continuam completando o círculo e cantando. Quando a letra é finalizada, o samba volta a ser instrumental. Nesse momento as sambadeiras vão dançar dentro do círculo, primeiro saudando cada músico, com os passos característicos do chamado “miudinho”, onde os pés quase não saem do chão e os seus corpos mais se parecem pêndulos em movimentos suaves. Neste contexto abre-se espaço para o improviso. Além do já citado “repicar” do pandeiro; o cavaquinho e o violão alternam-se em improvisações. Na maior parte da apresentação, o violão exerce a 38

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A faca ao riscar o prato em movimento constante, acompanha ritmicamente o samba.

A caixa de fósforo é também muito utilizada nas rodas de samba no Rio de Janeiro. Consiste em utilizar a caixa vazia com apenas um palito inserido até a metade da caixa. O ritmo é dado pelo som do palito batendo na caixa vazia.

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função de acompanhamento nas regiões graves do instrumento, podendo construir acordes ou apenas fazer a marcação. Os solos consistem em variações melódicas ascendentes e descendentes de escalas maiores, principalmente em Sol e Ré, tanto do violão quanto do cavaquinho. Logo o “puxador” começa a entoar outras letras e as sambadeiras retornam ao círculo, os improvisos cessam e esperam o outro momento. O grupo Raízes da Pindoba, em suas apresentações, é formado por cerca de oito a dez pessoas. O grupo não possui sambadeiras. O samba feito pelo grupo é chamado de “Samba Corrido” que se caracteriza por uma dinâmica mais rápida, tem uma voz principal que não necessita necessariamente de resposta nos versos, mas podem ter a presença de uma segunda voz. Enquanto que no grupo Coisas de Berimbau os músicos permanecem parados, no Raízes da Pindoba os instrumentistas também dançam. Além dos instrumentos já citados, o grupo utiliza ainda o xequerê40, o repique41 e o unitário42. O grupo pode ser entendido no contexto de transformação que passa o Samba de Roda, no intuito de ocupar novos espaços e novos públicos:

É melão, é melancia O Samba de Roda chegou na Bahia É melão, é melancia Raízes da Pindoba que contagia Essa mistura tropical O samba é cultura nacional43

A letra é composição de Tonho do Samba. Nela pode-se identificar a tradição em dois escopos. Os versos não deixam de identificar a realidade rural em que o samba se construiu na cidade de

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“Instrumento feito de cabaça, uma variante do tradicional de ‘Aguê’ nigeriano. (...) No Brasil é usado nos terreiros de Candomblé e Umbanda, nos maracatus de Nação em Pernambuco com o nome de ‘Agbe’, que em Iorubá significa ‘Cabaça’, em blocos afros denominados de Afoxés, tendo como maior referência o Bloco Afro Ijexá Filhos de Gandhy, da Bahia, e em diversos estilos musicais”. (REPPOLHO; 2012; 101). 41

Um tipo de tambor afro-uruguaio, tocado com as duas mãos, uma com baqueta e a outra com a mão (REPPOLHO; 2012). 42

É um tipo de tambor pequeno, tocado com duas baquetas.

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Versos transmitidos por Tonho do Samba em entrevista no dia 06 de dezembro de 2013

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Conceição do Jacuípe e, nem da suas próprias vivências. Tonho do Samba, quando jovem, trabalhava com o pai na lida do campo, para ajudar a família e alimentar os irmãos. Entretanto, uma outra concepção é exposta que está ligada ao processo de patrimonialização. “O samba é cultura nacional” sintetiza a assimilação da ideia de que o samba é um patrimônio de dimensões nacionais. O samba de roda, entendido agora como patrimônio, passa a engendrar novos discursos e novas performances.

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Grupo Coisas de Berimbau

Foto: Marcus Bernardes

Grupo Raízes da Pindoba (Tonho do Samba)

Foto: Acervo do Grupo Raízes da Pindoba

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Os pandeiros (Mestre Liodoro, Mestre Cristóvão e Mestre Aloísio)

Foto: Marcus Bernardes

Violão e Cavaquinho

Foto: Marcus Bernardes

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Castanhola (Mestre Liodoro)

Foto: Marcus Bernardes

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Prato-e-Faca

Foto: Marcus Bernardes

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Tabuinha

Foto: Marcus Bernardes Chocalho

Foto: Marcus Bernardes

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Timbau e Unitário

Foto: Acervo do Grupo Raízes da Pindoba Repique

Foto: Marcus Bernardes

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Triângulo

Foto: Marcus Bernardes Xequerê (da esquerda para a direita: unitário, xequerê e dois timbaus)

Foto: Acervo do Grupo Raízes da Pindoba

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Sambadeira

Foto: Marcus Bernardes

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CAPÍTULO 4

A Tradição em Dois Escopos

As práticas patrimoniais em relação à Antropologia atualmente possuem um aspecto duplo que deve ser evidenciado: o patrimônio enquanto objeto de estudo e enquanto campo de trabalho. Tais concepções implicam em diferentes condutas e visões sobre a realidade social. Desde o Museu Histórico e Nacional (1922), perpassando pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1937), Fundação Nacional Pró-Memória (anos 60 a 80), Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (anos 80 e 90) até chegar ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nos anos 90, o conceito de patrimônio atrelava-se somente ao plano material, com políticas de tombamento. No Brasil a inserção da noção de patrimônio se delineia no início do século XX, no sentido de construção de uma identidade nacional com a valorização de determinados símbolos, que foram sendo deslocados de sua acepção e significados locais, enquanto pertencentes à cultura popular, para um plano político de construção da nação, enquanto ideologia (ORTIZ, 2006). Nos anos 90, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) começa a se preocupar com as “culturas tradicionais” em seus aspectos imateriais também. Tais questões reverberam no país com a criação do Programa Nacional de Patrimônio Imaterial no ano 2000. A partir deste fato há uma incorporação do conceito relativizado de cultura da antropologia no que tange, à ênfase nas diferenças culturais e nos processos dinâmicos de cada povo, ao conceito de patrimônio intangível que será pensado e aplicado nas políticas culturais do IPHAN. Abre-se um novo campo de trabalho para antropólogos nos processos de patrimonialização em todo país. Entretanto se alguns grupos de intelectuais começam a se articular para criar metodologias e produzir pesquisas dentro das políticas culturais, outros enxergaram tais processos enquanto objeto de estudo e reflexão para problematizar as culturas locais dentro das questões de patrimonialização.

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O Samba de Roda é uma expressão musical afro-brasileira (coreográfica, poética), presente no Estado Bahia, com maior incidência44 na região do recôncavo baiano. Este samba passou por um processo de patrimonialização nos anos de 2004 e 2005, sendo considerado consecutivamente Patrimônio Imaterial Nacional pelo IPHAN e Patrimônio Oral da Humanidade pela UNESCO. A questão posta são as relações existentes entre o discurso acadêmico entrelaçado aos processos políticos de patrimonialização. Para um bem ser considerado patrimônio o primeiro passo deve ser o lançamento de um projeto de candidatura com pesquisas detalhando as características culturais daquele bem. Se uma manifestação cultural contar com um grande número de pesquisas já se sobrepõe a outras. Em se tratando de estudar as dinâmicas entre culturas populares e patrimônio é importante compreender que diferentes concepções de tempo engendram diferentes formas de memórias. A memória coletiva entendida como o meio de integração e ressignificação de práticas culturais dentro do universo das culturas populares é responsável por manter as características de pertencimento a um grupo. A noção de patrimônio, ocidental e capitalista, se insere como prática preservacionista. Uma comunidade que atualiza e ressignifica suas tradições (de qualquer ordem como musical, religiosa, artesanal) através de festas, rituais e performances, não se articula com a questão do Registro ou Tombamento. Segundo Tamaso (2005) o conflito é parte constitutiva das políticas de preservação dos patrimônios culturais, já que neste processo existe um dado novo na cultura local que é introduzida por intelectuais, técnicos, pesquisadores e políticos. Destarte a própria discussão de memória coletiva perpassa pelo âmbito da tradição. Segundo Vansina “o corpus da tradição é a memória coletiva de uma sociedade que se explica a si mesma” (VANSINA; 2010; 140). Pensar uma concepção de tradição mais crítica é elaborar uma análise a partir do empírico, construindo um conceito a partir do campo. Em função do crescente aumento de políticas públicas no campo cultural, vê-se a intersecção da tradição que deve ser reconhecida e ajudada pelo Estado (representante burocrático da modernidade). Neste

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Dentro do território baiano deve-se destacar a presença do samba de roda na Chapada Diamantina e na cidade de Riachão do Jacuípe. A cidade de Riachão do Jacuípe já conta a 12ª Edição do Festival Regional de Samba de Roda de Riachão do Jacuípe. Nesse festival participam grupos das cidades de Irará, Conceição do Coité, Ipirá, Itaberaba, São Domingos e Riachão do Jacuípe. Com exceção de Irará, nenhum desses grupos estão registrados na ASSEBA. Mesmo em caráter migratório existe a presença do Samba de Roda no Ciclo de Reis em Goiânia (IKEDA; 1994) e Curitiba.

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ínterim, ocorre um processo de valorização da música (o Samba de Roda) em detrimento dos atores envolvidos no processo. O conceito de tradições inventadas proposto por Hobsbawm (1997), embora esteja ligado ao processo de criação dos países na Ásia e África e na constituição dos Estados Nacionais europeus, pode ser readaptado às formas como o Estado brasileiro operacionaliza os fenômenos ditos tradicionais e constitutivos de um patrimônio. No século XIX, quando aconteceu a colonização europeia do continente africano; as potências colonizadoras, como forma de dominação, incutiram tradições inventadas buscando justificar as estruturas de dominação na colônia. Tais tradições eram ao mesmo tempo justificadoras do comando europeu e sinônimos de modernidade para os africanos. O termo é definido assim: Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. (HOBSBAWM; 1997; 9)

A tradição em dois escopos é evidenciada de forma dialética, levando em consideração às nuances do mundo social, portanto erigida em função do campo de pesquisa. A partir dos grupos estudados (Coisas de Berimbau e Raízes da Pindoba) e da participação em reuniões na ASSEBA foi possível identificar uma tensão (entre grupos de diferentes cidades, entre a coordenação da ASSEBA e os grupos) nos discursos de tradição sobre o (e do) Samba de Roda decorrentes da própria dinâmica interna da cultura (já que esta não é estável, portanto mutável e polissêmica), mas também das novas formas de organização em face do processo de patrimonialização. Todo discurso, toda performance é criação social, é inventada e, em certos níveis possuem seus aspectos de arbitrariedade; bem como toda prática que é cotidiana, recorrente e ritual implica-se em processos de continuidades. O que se está sendo posto em questão são as transformações das práticas culturais, através de políticas públicas que instauram a mudança, porém pensando a preservação.

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“O Parecer”

O Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial é o instrumento legal dos processos de patrimonialização do Estado brasileiro. O processo (01450.010146/20-4-60) referente ao Registro do “Samba de roda no Recôncavo baiano” é acompanho de um “Parecer” do IPHAN em relação à candidatura da musicalidade à Patrimônio Cultural Brasileiro. A relatora45 entende que o próprio conceito de patrimônio imaterial deve ser construído a partir da aplicação das políticas referentes ao Registro. A visão expressa em relação às justificativas da necessidade de Registro do referido bem, acaba por reificar ideias ingênuas em relação às culturas populares, construindo modelos que não possuem correspondência empírica.

Tratava-se de circunscrever no amplíssimo e difuso contexto do samba brasileiro uma manifestação que fosse espacialmente delimitável, culturalmente relevante e, sobretudo, cuja distinção, no universo musical e coreográfico tão diversificado do samba, estivesse fundada numa justificativa consistente. (IPHAN; 2007; 192)

Uma problemática que também é abordado no “Parecer” são as diferenças entre as sentenças “samba de roda do Recôncavo baiano” e “samba de roda no Recôncavo baiano”. A sentença que prevalece tanto no Registro quanto no Dossiê é o “samba de roda do Recôncavo baiano” já que torna a manifestação “espacialmente delimitável”. Embora, como demonstrado na pesquisa, existam tradições de Samba de Roda no estado da Bahia e a própria ideia de “recôncavo baiano” a depender dos critérios abarcam diferentes territórios. Outra questão posta é a de “culturalmente relevante”. O Brasil tem dimensões continentais e é feito de múltiplas manifestações culturais que são igualmente significativas. Cada grupo forja sua própria ideia de patrimônio no sentido de importância histórica para o mesmo. E continua o “Parecer”:

Embora todos esses traços contribuam para distinguir o samba de roda das manifestações contemporâneas mais conhecidas do samba, há um traço enfatizado no texto da instrução que, a meu ver, constitui um dos valores mais significativos dessa forma de expressão da cultura nacional, e que é característico do pagode (em sua versão mais tradicional) e de outras versões do samba brasileiro: a “espontaneidade” de sua ocorrência, construindo-se como uma forma de expressão profundamente internalizada nos indivíduos e grupos que o têm como parte de seu repertório cultural. A própria expressão “o samba acontece” é 45

Maria Cecília Londres Fonseca, conforme “Anexo 2 Parecer do Relator” (IPHAN; 2007; 191-198)

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elucidativa de uma manifestação não ritualizada do samba, contribuindo para relativizar o caráter de espetáculo que o samba brasileiro assume por ocasião dos desfiles carnavalescos. (IPHAN; 2007; 194)

Como já foi demostrado pela pesquisa46, se não existiam grupos formais de samba e sim pessoas que estando inseridos em um mesmo contexto cultural, se reuniam em festividades diversas com a presença constante desta musicalidade; isso não equivale dizer que os sambas são ou eram “espontâneos”. A Cantoria de Reis descrita nos informa o caráter de organização que as festas populares possuem, com papéis e funções determinadas e discutidas. As cantigas entoadas na festa possuem uma ordem; as próprias performances expostas (Coisas de Berimbau) implicam em um ritual que deve ser respeitado, cada instante da “roda” pressupõe condutas bem delineadas. É evidente que nas pesquisas relacionadas ao processo de candidatura do Samba de Roda à Patrimônio Cultural Brasileiro, buscou-se aspectos gerais desta manifestação para a criação de uma ideia em que o Samba de Roda fosse constante no território do recôncavo. Ao Registro cabe a inscrição de um bem cultural, então é compreensível o escopo voltado para as semelhanças, ao invés das diferenças. Porém na sombra dos modelos universais ficam escondidas as peculiaridades de cada região e, uma realidade empírica que atesta a construção de diferentes tradições de Samba de Roda.

Eu tive num samba em Acupe, naquela época. Por sinal quando cheguei lá, eu me atrapalhei todo. Porque a gente aqui samba é tipo Beira-Mar e lá é Beira-Mar, mas lá samba é Barravento. Barravento é aquele samba que diz o samba, mas não diz a resposta. E a gente aqui diz o samba e resposta, né? E eles lá, eles diz o samba, mas não tem resposta. É mesmo que foguete ruim. Sobe, mas não estoura! (MESTRE ALOÍSIO, 4 de janeiro 2014)

Mestre Aloísio também identifica as diferenças entre o Samba “Beira-Mar”, relacionado à Conceição do Jacuípe e o samba do “Sertão” referente às cidades como Irará e Riachão do Jacuípe. Historicamente, as relações estabelecidas entre os indivíduos envolvidos no contexto do Samba de Roda, parecem se restringir às regiões em que esta musicalidade se apresentava semelhante. Assim são destacados, por exemplo, uma intensa interação cultural (nas festividades 46

Ver Capítulo 3

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do catolicismo popular, relações de parentesco) entre Conceição do Jacuípe, Terra Nova, Coração de Maria e Santo Amaro. Nestas regiões se identificam o Samba “Beira-Mar”, ou seja, uma certa conformidade entre as manifestações culturais. Neste sentido, em regiões fora desta circunscrição, o diálogo entre tradições diferentes de Samba de Roda tornava-se mais difícil. O “Parecer” também destaca o “caráter de espetáculo” que o “samba brasileiro” vivencia através dos desfiles de Carnaval e, que, o Samba de Roda, por seu caráter “espontâneo”, estaria inserido em outra lógica. Em decorrência do próprio processo de patrimonialização, o samba de roda passou a ocupar novos espaços de apresentação. Se ele já não tinha esse caráter “espontâneo” pelos motivos referendados acima, a sua própria estrutura de organização se fragiliza em função das demandas atuais.

O samba de roda é o seguinte: hoje tem moço botando em cima do palco e tudo, mas o pessoal não gosta. O pessoal quando a gente faz o samba de roda no chão, aí junta todo mundo. Todo mundo quer brincar. Todo mundo tá gostando, todo mundo quer sambar. E lá em cima não. (MESTRE LIODORO, 14 de dezembro de 2013).

A apresentação em um palco desestrutura umas das principais características da musicalidade que é a roda; para além disso o próprio palco já representa um caráter de espetacularização. O grupo Raízes da Pindoba, por não ter sambadeiras, se insere nessa lógica sem muito conflitos. Porém, mais do que uma característica estruturante da musicalidade, ela é um princípio de fortalecimento da solidariedade social entre os indivíduos que é ritualizada nas performances. O relato destaca a aversão ao samba quando o mesmo é apresentado “lá em cima” do palco, é criada uma distância entre sambadores e comunidade. Em 2005 foi criada a Associação de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia como uma demanda política do próprio processo de patrimonialização do samba. Uma questão discutida naquele momento em relação à ASSEBA era “saber se sua atuação contribuirá para a autonomia e o empoderamento crescentes dos sambadores e sambadeiras” (SANDRONI; 2010; 378). Contudo a centralização de uma sede principal em Santo Amaro, mesmo com a posterior construção da Rede do Samba, engendrou o empoderamento em lugares e grupos específicos. A capacidade de articulação política de alguns grupos acabou por estabelecer espaços de privilégios.

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Revalidação do Título de Patrimônio Cultural Brasileiro

A reunião ocorrida em sete de dezembro de 2013 na Casa do Samba em Santo Amaro, sede da ASSEBA, objetivou discutir o processo de revalidação do título de Patrimônio Cultural Brasileiro concedido ao Samba de Roda pelo IPHAN em 2004. Esta reunião foi uma consequência do encontro que os coordenadores da ASSEBA tiveram com membros do IPHAN dois meses antes, quando foram informados deste processo de revalidação. O IPHAN contratará uma equipe de pesquisadores em 2014 que irá visitar as comunidades dos sambadores do recôncavo baiano. Esta é uma diretriz política do IPHAN, todo bem cultural proclamado como patrimônio após 10 anos deve passar por novas pesquisas no intuito de validar se aquele bem continua ou não com o status de patrimônio. A ASSEBA, como modo de participar desse processo de pesquisa e, já que esta equipe de pesquisadores não conseguirá contemplar todos os grupos de samba, propôs uma reunião com a necessidade de fazer uma auto avaliação da própria associação e da percepção dos sambadores sobre a situação do samba de roda nesses 10 anos. Esta auto avaliação consistiu em um documento enviado ao IPHAN, abarcando assim uma demanda maior dos sambadores da região. A reunião foi dividida em três grandes momentos. Uma primeira etapa foi a exposição de um dos coordenadores da ASSEBA sobre o objetivo da reunião. Foi explicado aos sambadores e sambadeiras que a cada 10 anos ocorre esse processo de revalidação, sendo necessário fazer uma avaliação desse período, pensando quais os pontos que foram avançados durante este tempo. O plano de salvaguarda contido no Dossiê foi exposto e explicado aos sambadores como metas a serem cumpridas e, a avaliação proposta pela reunião deve ter como base os pontos contidos neste plano, a saber, referentes a organização, transmissão, difusão e documentação no contexto do Samba de Roda. O segundo momento da reunião consistiu na divisão em grupos de trabalhos para uma melhor organização. Cada grupo deveria possuir mais ou menos trinta pessoas, sendo coordenados por articuladores das Casas de Samba. A indicação era de que os indivíduos da mesma cidade ficassem em grupos diferentes para uma maior pluralidade de informações. A ASSEBA foi criada justamente para gerir esse processo de patrimonialização; nos grupos de trabalho deveriam se expor os pontos positivos e negativos da associação. A fala dos

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coordenadores da ASSEBA era de que suas ações eram pautadas pelo Dossiê e pelas demandas dos sambadores. Nessas discussões dos grupos de trabalho foram ouvidos então os articuladores, lideranças de grupo, mestres, sambadores e sambadeiras. No terceiro momento da reunião, retornou-se para a sala principal para que os coordenadores dos respectivos grupos de trabalho expusessem as demandas propostas. O primeiro grupo de trabalho, segundo sua coordenadora, destacou mais pontos positivos do que negativos. Outro ponto que deveria ser evidenciado era uma projeção para os próximos 10 anos, caso o título de patrimônio ainda vigore. Nesse sentido três questões foram postas como fundamentais: a saúde dos sambadores, o registro da memória dos mestres e a sustentabilidade dos sambadores. Uma projeção interessante é a necessidade de inserir o samba de roda na mídia (rádio e televisão). Existe a crítica dos sambadores de que alguns grupos são privilegiados no sentido de terem mais espaços para se apresentarem. Alguns grupos já fizeram viagens para o exterior, enquanto outros não saem da sua região. Este dado novo incute, mesmo sem a intenção, uma lógica de competitividade. Uma musicalidade que tinha como base a integração, o fortalecimentos dos laços sociais; agora se insere um uma espaço de disputa midiática para ocupar lugares de prestigio em que os próprios discursos de tradição são acionados para legitimar determinados grupos em função de outros. No segundo grupo de trabalho, os sambadores apontaram a necessidade de conhecer mais as diretrizes do plano de salvaguarda. Segundo o coordenador deste grupo, os sambadores desejam continuar nesse processo de “resgate”. Estas demandas foram expostas publicamente pelos seus respectivos coordenadores, apresentando em comum os avanços que o processo de patrimonialização e a ASSEBA trouxeram para o samba de roda. Entretanto, no terceiro grupo de trabalho, no qual estavam presentes Tonho do Samba (Raízes da Pindoba), Mestre Liodoro (Coisas de Berimbau) e a articuladora da Casa do Samba Domingos Saul, foram destacados as falhas desse processo. No grupo de trabalho, Tonho do Samba expôs a dificuldade de manter um grupo mirim de samba de roda em função da distância entre a casa das crianças (que fica na zona rural) e a Casa do Samba Domingos Saul no centro da cidade. Outro apontamento foi a dificuldade do grupo em gravar o seu CD, previsto no Dossiê do IPHAN, já que era o único grupo da cidade de Conceição do Jacuípe que não conseguiu a gravação. Outro apontamento foi a necessidade de um maior apoio à Casa do Samba Domingo Saul, já que Mestre Aloísio (Coisas de Berimbau) que paga o aluguel do espaço, bem como a demanda e manutenção de

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instrumentos. Críticas foram feitas à burocratização da ASSEBA que promove várias reuniões, mas com poucos resultados. Alguns articuladores e lideranças de grupo expuseram as dificuldades de manter o samba em suas respectivas comunidades, destacando municípios como Santo Amaro, Cachoeira, São Francisco do Conde e Feira de Santana como espaços privilegiados. Outra questão é a falta de apoio no desenvolvimento de articuladores locais que representariam as Casas do Samba dos diversos municípios que compõem a Rede do Samba. De fato, nas cidades e grupos que não possuem um articulador ativo, participante das reuniões e conhecedor das demandas das suas comunidades, nota-se uma maior precarização nos grupos. Os espaços vistos pelos sambadores (de lugares tidos como marginais) como privilegiados revelam uma intensa atividade política dos grupos e dos articuladores. A figura do articulador é fundamental nesse processo, já que muitos grupos são formados por pessoas muito idosas ou de classe menos abastadas que muitas vezes só possuem o nível básico de educação. A burocratização exigida pela ASSEBA acaba por dificultar a integração entre estas Casas do Samba com a sede em Santo Amaro. A elaboração dos projetos (da ASSEBA e dirigidos ao IPHAN) mostram-se de difícil compreensão para os sambadores e sambadeiras. O articulador e as lideranças de grupos então são figuras centrais nessa ponte entre os grupos e a ASSEBA, logo entre os grupos e as políticas culturais do IPHAN. Depois

das

demandas

expostas

pelos

coordenadores,

abriu-se

espaço

para

complementações. É fundamental perceber a pluralidade de opiniões, convergindo em alguns pontos, porém em outros assumindo posições antagônicas. Enquanto alguns apontam para a necessidade de ocupar novos espaços (a mídia, por exemplo), outros se preocupam em não esquecer os antigos espaços ocupados (o samba de caruru). Este samba de caruru já apresenta tensões em sua própria constituição atualmente. O fato de um grupo ser convidado para ir tocar em um caruru, algo comum, gera uma tensão em função da indumentária utilizada pelo grupo: a farda. Muitos grupos que fazem parte da ASSEBA, adotaram a prática de confecção de uma camisa com o nome do grupo, uma necessidade de organização resultante desse processo de patrimonialização. O que é exposto na reunião é a intimidação que isto gera nos sambas de caruru, no qual outro sambador fica com receio de pegar um padeiro e tocar. A tradição em dois escopos é assim identificada nesse jogo de tensões em que o samba de roda é posto. A partir do momento que se organiza formalmente (ASSEBA) e uma nova questão é introduzida: as políticas culturais. A tensão é justamente veiculada ao samba de roda ser

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patrimonializado por determinadas características tradicionais, que também são vistas na ordem do excepcional; entretanto a dimensão política e burocrática exigida acaba por criar novas performances, novos discursos.

Esse movimento do Samba de Roda, isso é política de Estado. O Samba de Roda é Patrimônio da Humanidade. É Patrimônio Cultural Brasileiro. Vai virar Patrimônio Cultural do Estado da Bahia. Os municípios, alguns já tem Dia Municipal do Samba. Já vai ter Dia Nacional do Samba de Roda. Isso tá virando política. Então tocar no caruru, a gente tá nessa questão aí. Continuar fazendo o samba de roda no caruru, mas também sentar na mesa para discutir cm o presidente do IPHAN, com o superintendente do IPHAN, com a Ministra da Cultura, com os prefeitos. São dois pontos. É por isso que nós temos aqui alguns fóruns. Por isso que a gente conversa com os mestres de uma forma. É por isso que a gente conversa com as lideranças de grupos de uma outra forma. E com os articuladores, o tom tem que ser outro. A nossa posição é política. (ROSILDO, 7 de dezembro 2013).

A questão política é então uma realidade atual para os grupos de Samba de Roda. É certo que o processo de patrimonialização traria consequências desse nível e a própria organização em uma associação já demanda espaços de reuniões, discussões e metas. A ASSEBA proporcionou uma maior interação entre grupos de distintas cidades e, o conhecimento de outras tradições do Samba de Roda é exemplificado como um dado positivo. Cabe à ASSEBA e aos grupos antigos e os que estão para se formar, “administrar” esta tensão promovida pela tradição em dois escopos, ampliando a ideia local de comunidade agora expressa em nível de associação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dois conceitos foram aplicados e construídos empiricamente no decorrer da pesquisa. Os discursos de tradição vistos em dois escopos inserem-se nesta problemática de pensar o Samba de Roda enquanto Patrimônio Cultural Brasileiro. Por um lado existem práticas culturais dinâmicas que se ressignificam historicamente e, por outro, uma política preservacionista que acaba por inserir um dado novo naquela cultura, instaurando a mudança pensando, porém, na preservação. A memória musical, neste sentido, referendada a partir dos grupos permitiu a análise de forma totalizante, articulando a construção social do Samba de Roda à história local da cidade numa perspectiva histórica, cultural e política. Para um melhor entendimento do complexo cultural que é o Samba de Roda, em suas dinâmicas históricas e atuais, mostrou-se necessário analisar conceitualmente as noções de cultura popular. Uma análise das noções de cultura popular permitiu um posterior entendimento crítico de determinadas concepções de “autenticidade” e “excepcionalidade” que estão vinculadas aos discursos patrimoniais. Outra questão fundamental é a compreensão histórica dos processos de ressignificação das práticas culturais. A influência de referenciais estéticos e simbólicos africanos no Samba de Roda é acrescida de uma perspectiva que leva em consideração a mudança cultural. Os discursos de tradição podem ser entendidos como sustentadores de instituições, isto é, estão profundamente conectados com a coesão de um determinado grupo, em suas relações sociais. O poder de síntese, de aprendizagem, de uma acumulação de conhecimento ao longo de gerações constitui o saber tradicional e, mais que isso, é responsável pela manutenção das próprias sociedades. Neste sentido, as representações coletivas (os quadros sociais da memória) influenciam a tradição. A estrutura mental da tradição – e, portanto sua memória – está na base das representações coletivas inconscientes de uma sociedade que constituem a cosmovisão do grupo. A memória musical dos grupos revelaram especificidades interessantes sobre as tradições do Samba de Roda no recôncavo da Bahia. É fundamental neste momento político do Samba de Roda, trabalhos que atestem a pluralidade de tradições que esta musicalidade desenvolveu na região. Não existem pesquisas sobre o Samba de Roda em Conceição do Jacuípe e seus respectivos grupos. Assim o presente trabalho buscou traçar um panorama histórico e cultural da

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cidade e dos grupos, no qual se destacaram as performances, os instrumentos, os processos de socialização, bem como as principais festividades que se coadunam ao samba. A partir do estudo da cidade foi possível a própria problematização das concepções do que seja o “recôncavo”, constatando também a importância da articulação política neste novo processo de patrimonialização em que o Samba de Roda foi inserido. É importante ressaltar que esta articulação entre culturas populares e patrimônio é um fenômeno recente. Neste sentido, muito pouco tem se refletido nos trabalhos antropológicos sobre os impactos nos discursos de tradição que uma comunidade possui em suas relações com uma ideia de “Patrimônio Cultural do Brasil”. E mais que isso, quais as implicações para as comunidades que ficam à margem deste processo. O Samba de Roda, atualmente, possui esta dimensão política e a falta desta articulação implica em processos de marginalização. A memória coletiva e os discursos de tradição são assim pensados para compreender as demandas políticas atuais do Samba de Roda, bem como o seu processo de construção social.

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