A Contribuição dos Naturalistas Europeus do Século XIX e de Memorialistas do Século XX para a Conservação e a Promoção do Patrimônio Natural e Arqueológico do Norte de Minas (Parte 1)

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26/05/2016

história e­história

ISSN 1807­1783                atualizado em 22 de março de 2011

 

 

Editorial Expediente De Historiadores Dos Alunos

A Contribuição dos Naturalistas Europeus do Século XIX e de Memorialistas do Século XX para a Conservação e a Promoção do Patrimônio Natural e Arqueológico do Norte de Minas (Parte 1) por Thiago Pereira

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OS NATURALISTAS EUROPEUS NA AMÉRICA PORTUGUESA: Descobrindo o Território. Na atualidade tem sido grande a atenção ao debate sobre o patrimônio cultural em suas variações (arqueológico, paleontológico, histórico etc.), o natural, sobre o meio ambiente, objetivando a preservação e o desenvolvimento sustentável. O conceito de desenvolvimento sustentável iniciado nos anos 1960 e 1970, baseado no modelo de Ignacy Sachs é voltado para o fomento das potencialidades sociais, sendo estas econômicas ou não, de cada

Destaques

país e região; ultrapassando as questões naturais, alcançando as sociais.

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Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), desenvolvimento

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sustentável se dá no uso dos recursos naturais para fins sociais, de modo a garantir as necessidades das gerações atuais, sem prejudicar as gerações vindouras; objetivando pontos como: integração e conservação da natureza e desenvolvimento, satisfazer as necessidades humanas fundamentais e respeitar a diversidade cultural. O IBAMA em suas considerações concorda que existem divergências quanto os conceitos e metodologias, motivadas pela interdisciplinaridade do debate, mas que a discussão pode gerar contribuições para os diversos campos científicos e da sociedade. Mudanças climáticas, matas dizimadas, extinção da fauna e da flora, ocupação de terras não são mais objetos de estudos exclusivos dos biólogos, geólogos, geógrafos. O historiador tem contribuído cada vez mais, para os desafios e questões ambientais da atualidade. Neste artigo o pesquisar dos relatos e estudos dos naturalistas europeus que pela região passaram, bem como, considerações dos memorialistas do século XX, alinhados aos estudos contemporâneos sobre o patrimônio natural e o cultural (arqueológico e pré­ histórico), culmina na preocupação de preservar os recursos naturais, bens de

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valores culturais, os quais dão sentido para o indivíduo, como integrante de algo maior, a comunidade.e.e.e. Em 1808, com a vinda da corte portuguesa houve um aumento expressivo de estrangeiros no Brasil, destacando­se os naturalistas viajantes, que em primeiro momento objetivavam seus trabalhos relacionados às ciências naturais; mas que conseqüentemente formularam considerações sobre a política, cultura, economia e povos do Brasil do século XIX.

Figura 1 – O Embarque de D. João VI, príncipe Regente de Portugal, para o Brasil em 27 de Novembro, 1807. Pintura Oficial, autoria de Nicolas Lowis Albert Delerive. Fonte: Laurentino Gomes / Museu Nacional dos Coches, Lisboa. Segundo Kury (2001), a decisão de viajar era difícil para estes naturalistas em muitos aspectos, desde os perigos físicos durante as aventuras, ao desafio de valorização dos seus trabalhos; porque a comunidade cientifica da época não era unânime quanto à qualidade e valorização dos trabalhos de viajantes. A tarefa de viajar era confiada de forma geral, aos naturalistas mais jovens, aos oficiais da Marinha, nobres em busca de entretenimento filantrópico e aventureiros em geral. Os naturalistas viajantes queriam ver “com os próprios olhos”, cabendo a eles, a desafiadora tarefa de transformar sensações, experiências e seres vivos integrantes da ordem natural, como registros e análises nos seus cadernos de estudos. Esse ver “com os próprios olhos” pode ser entendido também, como os valores e padrões eurocêntricos, os quais refletiriam nos trabalhos sobre o Novo Mundo, como demonstram as palavras do botânico francês Auguste de Saint­Hiliare (1830, p.11), ao descrever parte da vegetação nos trópicos: “nada aqui lembra a cansativa monotonia de nossas florestas de http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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carvalhos e de pinheiros.”

Figura 2 – Família de indios Puri em viagem pela mata. In: Príncipe Wied­Neuwied. Fonte:Ana Luisa Fayet. Os naturalistas que vieram ao Brasil do século XIX reivindicaram a influência Humboldtiana, dentre eles, Von Martius, Spix e Auguste de Saint­ Hilaire. O naturalista alemão Alexandre Von Humboldt é o exemplo mais conhecido do naturalista que compreendia a viagem como insubstituível; a sua obra “Kosmo” é destaque do seu legado. Para Humboldt[2], as impressões experimentadas pelo viajante em cada região, compõem a própria atividade científica e não podem ser substituídas, quer por descrições ou amostras de lugares que foram coletadas. Humboldt era leitor de Bernardin de Saint­Pierre, e com este compartilhava que “o gosto e a sensibilidade são parte integrante do ato de conhecimento” (KURY, 2001. p.865), ultrapassando a questão estética e alcançando a preocupação por parte do naturalista pelas paisagens peculiares com suas distribuições de vegetais ao redor do planeta: “Cada região da terra, por razões climáticas, geográficas e topográficas, acolhe espécies vegetais distintas, que compõem diferentes fisionomias”. (KURY, 2001. p.865).

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Figura 3 – Rancho na Serra da Caraça, Minas Gerais, por Martius e Spix. Fonte: Laurentino Gomes / Biblioteca Guita e José Mindlin. O modelo de Humboldt foi norteador para seus contemporâneos, ao influenciar determinada maneira de retratar os lugares percorridos pelos viajantes, através de anotações, litografias, relatos etc. A descrição de fisionomias particulares possibilitava, mesmo que indireta e paradoxalmente, as realidades peculiares integrassem o cosmo. Neste entendimento, a passagem dos naturalistas pela região do atual norte de Minas traz consideráveis contribuições para o conhecimento da região, e especialmente, para uma história dos estudos do patrimônio cultural, que será detalhado ao longo deste trabalho científico e como entendia, o botânico frances Auguste de Saint­Hilaire, para ele, os registros proporcionariam conhecimento: pois os habitantes “saberão com certeza, pelos escritos de alguns viajantes, quais foram os primórdios não só das suas cidades, mas também das suas menores povoações”. (SAINT­HILAIRE, 1937. p.9).

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Figura 4 – Quadro (Mapa) da Mesorregião Norte de Minas, com suas 07 microregiões. Fonte: Minas Net. 1. BANDEIRAS E ENTRADAS NO ATUAL NORTE DE MINAS: Abriram Caminhos e Núcleos de Povoamento. A origem do estabelecimento do homem branco no Norte de Minas Gerais está ligada as excussões de bandeiras e entradas. A primeira bandeira que chegou a esta região foi no governo geral de Tomé de Souza, comandada pelo espanhol Francisco Bruza Espinoza, iniciada em Porto Seguro em 13 de junho de 1553, atravessou a Serra do Espinhaço, chegando à região do vale do rio São Francisco, também é denominada como expedição Espinosa­ Navarro, por ter o padre jesuíta João de Aspicuelta Navarro, como integrante da expedição, enviado pelo padre Manoel da Nóbrega. Como afirmam Silveira; Colares (1999. p. 21): A expedição Espinosa Navarro, composta por doze homens determinados, talvez espanhóis e portugueses, foi a primeira a pisar as terras da vasta região do Norte de Minas, habitada pelos índios Anaiós e Tapuias. Mas era muito cedo ainda para fundar as cidades do sertão, longe do litoral. Os escritos do padre Aspicuelta Navarro registram considerações fundamentais para a compreensão da região do atual norte de Minas Gerais, como afirma o reconhecido memorialista Hermes de Paula: O itinerário de Spinoza tem sido reconstituído por diversos historiadores, todos baseados na

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célebre carta do Padre Navarro a seus irmãos na Bahia, havendo mesmo divergências acentuadas em alguns pontos. Entretanto, a passagem dessa primeira bandeira através da nossa região constitui ponto pacífico. Em 13 de junho de 1553, partia de Porto Seguro a primeira expedição que devassaria o Território Nacional, subindo o rio Mucuri (ou Araquá) até a região do atual município de Teófilo Otoni, volvendo à direita e vencendo a região das pedras coradas, atravessou o rio Jequitinhonha, Rio Pardo etc., e alcançando a Serra Geral no atual município de Rio Pardo de Minas, volveu para o sul – ora fraldeando ora transpondo a Serra – até atingir o rio Verde Grande (ou Jequitaí), descambando, afinal para o rio São Francisco. (1969. p.3). O jesuíta demonstra as dificuldades enfrentadas por ele e todos os integrantes da expedição ao adentrar as terras interioranas: Passa de anno e meio que por mandado do nosso P. Manoel da Nobrega, ando em companhia de doze homens christãos, que por mandado do Capitão andaram pela terra a dentro a descubrir se havia alguma nação de mais qualidade, ou se havia alguma cousa porque viessem mais christãos a povoal­a [...] Entramos pela terra dentro 350 legoas, sempre por caminhos poucos descobertos, por serras mui fragosas que não teem conta, e tantos rios que em partes no espaço de quatro ou cinco legoas passamos cincoenta vezes contadas por água, e muitas vezes se me não socorreram me houvera afogado. Mais de tres meses fomos por terras mui humidas e frias por causa das muitas arvores mui grossas, e altas, de folha que sempre está verde. Chovia muitas vezes; e muitas noites dormiamos molhados, especialmente em logares despovados; quase todos em cuja companhia eu ia estiveram quais à morte de enfermidades, uns nas aldeias, outros em despovoados e sem ter outra medicina que sangrar­se de pé, forçando a necessidade de a caminhar; e sem ter outro mantimento as mais das vezes que farinha e água não perigou a ninguem. Registra considerações sobre os povos que viviam na região e alguns dos seus costumes e modo peculiar de vida: http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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N. S. com sua misericórdia, livrando­nos também de muitos perigos de índios contrarios que algumas vezes determinaram, matar­nos principalmente em uma aldea grande de onde estavam os seos feiticeiros fazendo feitçarias, aos quaes, porque andam de uma parte para outra, fazendo os índios grande recebimento, concertando os caminhos por onde hão de vir e fazendo grandes festas de comer e beber [...] os índios andavam pintados com tintas, ainda nos rostos, e emplumados de pennas de diversas cores, bailando, e fazendo muitos gestos, torcendo as bocas e dando uivos como perros; cada um trazia na mão uma cabaça pintada. Sobre os indígenas que habitavam a região, o padre da Companhia de Jesus denomina alguns destes povos, os Tapuias e os chama de selvagens: No outro dia nós fomos e passamos muitos despovoados especialmente um de vinte e tres jornadas por entre uns Índios que chama Tapuyas que é uma geração de Índios bestiaes e feros; por que andam pelos bosques, como manadas de veados, nus, com os cabellos compridos como mulheres; a sua fala é muito barbara e elles mui carniceiros; trazem frechas ervadas e dão cabo de um homem num momento. Para passar por entre elles juntamos muitos dos que estão em paz comnosco, e passamos com espias adiante com grande perigo. Um índio que vinha comnosco, e era para muito, de súbito veio uma manada de Tapuyas, que despedaçando­o o levaram em quartos, em com este receio nem os brancos, nem os índios ousaram d’então por diante apartar­se do caminho. A carta traz considerações que caracterizam a região ao abordar sua vegetação, seus rios e fauna, além dos povos Tapuias e de outros indígenas, os Tamoios, que segundo o jesuíta, eram rivais dos Tapuias que eram mais numerosos na região: Caminhos poucos descobertos, por serras mui fragosas […] tantos rios [...] arvores mui grossas, e altas, de folhas que sempre está verde […] os dias aqui eram calorosos e as noites frias, as quaes passamos sem mais cobertura que a do céo. Neste ermo passamos uma http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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serra mui grande, que corre do norte para o meio dia e nella achamos rochas mui altas de pedra marmore. Desta serra nascem muitos rios caudaes: dois delles passamos que vão sahir ao mar entre Porto Seguro e Ihéos; chamar­ se um Rio Grande, e o outro Rio das Orinas [Rio Jequitinhonha]. Daqui fomos dar com uma nação de gentios que se chama “Catiguçu”. Daqui partimos e fomos até um rio mui caudal, por nome ‘Pará’, que segundo os índios nos informaram é o Rio de S. Francisco e é mui largo. Da parte donde estávamos são os índios que deixei; da outra se chamam Tamoyos, inimigos delles e por todas as outras partes Tapuyas. A partir da carta do padre Navarro, são encontradas os primeiros esforços para levar a fé católica aos gentios e as expressões de choque cultural ocorridas pelo encontro destes diferentes povos (indígenas e europeus). Assim nos assentamos em uma aldea junto da qual passa um rio por nome ‘Monayl’ [Jequitaí] que vai dar no outro [...] erguemos logo uma cruz grande e a puzemos na entrada da aldea e junto della fizemos uma hermida [espécie de templo, igreja] aonde fazia pratica de N. Sor. aos companheiros, e com licença de todos comeceei de ir pelas aldeãs, e logo na terceira onde fui achei as suas miseraveis festas, pois tinham na praça uma menina pequena atada com umas cordas para a matar, ao que se havia, juntado muita gente de outras aldeas; cheguei­me a ella,falei­lhe na lingua dos nosos indios mas não me entendeu porque era filha de Tapuyas, que são os selvagens de que atraz disse. Aqui vi cerimonias que nunca tinha visto neste acto de matar. Daqui fui bastante triste par outras aldeas, onde também lhes disse coisas de N. Sor.; e folgaram de as ouvir, mas logo se esquecem, mudando o sentido em seus vinhos e guerras. Após o trabalho nas aldeias, o padre jesuíta retornou junto aos barcos; provavelmente a expedição foi avistada por outros indígenas que segundo Navarro, tentaram perseguí­los; além de que foram necessárias orientações dos próprios indígenas para nortear no caminho e para possíveis contatos com os povos prováveis de encontrar: Corremos mui grande perigo, porque os http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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Indios que estão de outras banda do Rio souberam de nós, e passaram a nos impedir a viagem; e foi o perigo tão grande que me metti na hermida, e me puz diante de um Crucifixo, que levava comigo. Foi N.Sor. servido que ainda alguns Indios foram mal tratados, nenhum perigou, e eu os curava com mel silvestre; pelo que nos embarcamos com muito cuidado, e fomos pelo rio abaixo, mas não podemos continuar a navegação […] um índio principal que ia comnosco mui bom homem, começou a fazer­lhes uma pratica a seu modo […] e assim foi necessário tomar conselho de novo acerca de nosso caminho por ser toda a terra povoada em derredor de diversissimas gerações de Indios muy barbaros e crueis. Segundo o antropólogo João Batista de Almeida Costa (1997. p. 78), o território era habitado pelos povos indígenas Tapuias e Caiapós, no período de ocupação e povoamento do território pelos bandeirantes. O que Costa contribui ao considerar que estes povos possuíam sua própria cultura, “viviam da caça, pesca, coleta e cultivo de algumas espécies vegetais. No século XVIII, em confrontos com os integrantes de bandeiras, esses indígenas foram mortos, escravizados ou expulsos da região.” (1997, p. 77). Costa (1997. p. 78) afirma ainda que baianos e paulistas capitaneados por Matias Cardoso e Fernão Dias Paes Leme demandaram para esta região na busca de pedras preciosas e aprisionamento de indígenas, o que possibilitou o estabelecimento do homem branco com a ocupação do território a partir de três formas diferenciadas: as constituições de grandes fazendas dedicadas à criação de gado como a Fazenda da atual Montes Claros – MG. A mineração em algumas localidades como Grão Mogol e Jequitaí; e lugares que ocorreram as duas formas. A população que circulava por esse espaço possivelmente desde a Pré­História, ou mesmo que pertencente a novas migrações era oriunda dos povos ameríndios que por séculos e milênios forjaram diferentes e peculiares organizações sociais; foi paulatinamente exterminada ou banida, porém seus registros permaneceram em toda a região, os quais foram motivadores de análises e considerações de estudiosos como os naturalistas europeus que no século XIX, desbravaram inúmeras regiões do Novo Mundo: o Norte de Minas foi alvo de muitas destas analises que de forma modesta serão mencionadas neste trabalho, além de alguns desenhos feitos pelos naturalistas e suas equipes dos povos indígenas encontrados ao longo das suas viagens que se encontram no trabalho. 1.1. CAMINHOS DA COLÔNIA: As Bandeiras e Missões. http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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De acordo com Silveira; Colares (1999. p. 21), praticamente duzentos anos após a bandeira comandada pelo espanhol Bruzza de Espinoza, é que as cidades do sertão de forma geral, foram formadas. Desta vez, as bandeiras partiram de São Paulo, Fernão Paes Dias Lemes, Matias Cardoso e Gonçalves Figueira estiveram na região objetivando o encontro de pedras preciosas no “sertão do norte da capitania de São Paulo e Minas de Ouro”. Apesar de não encontradas as pedras preciosas, sobretudo, esmeraldas, estas bandeiras foram fundamentais para o surgimento das fazendas que foi uma das formas do estabelecimento do homem branco na região, como apontado por Costa (1997). Em 12 de abril de 1707, Gonçalves Figueira, (reconhecido como fundador de Montes Claros – MG), obteve alvará da Coroa Portuguesa de uma sesmaria, que tinha ao sul montes calcários de rocha branca, que provavelmente é o motivo do nome da Fazenda dos Montes Claros, a qual transformaria em um importante centro de comércio de gado, é o que afirma Tupinambá (1988), além de atribuir ao trabalho dos jesuítas importância enaltecedora para o povoamento da região: Os jesuítas cujo trabalho na formação do Brasil, ‘a sua melhor obra’, nunca será suficientemente enaltecida; aliavam a missão evangelizadora à incumbência de observar a região [Norte de Minas Gerais] por aqui conhecemos as passagens remotas daqueles pioneiros até 1640 […] e depois disto a continuaçao da obra da Igreja Católica pelos seus ministros, transformando os índios em fatores civilizados do povoamento do solo querido.

Figura 5 – A Inacabada Igreja de pedra, Nossa Senhora do Matozinho, do século XVII, teria sido construída a mando de Fernão Dias Paes Leme. http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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Distrito de Barra do Guaicuí, no município de Várzea da Palma – MG. Fonte: Arquivo Pessoal de Thiago Pereira, 2010.

Figura 6 – “A tradição, no entanto, não tem dúvidas ao sugerir a presença de padres jesuítas no local, nos séculos XVII e XVIII, época em que teriam construído históricas edificações que hoje se encontram em ruínas nesta área.” (Site da Prefeitura Mun. de Pirapora) Fonte: Arquivo Pessoal de Thiago Pereira, 2010.

Figura 7 – Detalhe da lateral da Igreja. Fonte: Arquivo Pessoal de Thiago Pereira, 2010. As considerações de Tupinambá (1988) deságuam junto às do jesuíta Navarro (1555), quanto à importância das missões evangelizadoras dos http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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“gentios” desta região, pois o religioso desenvolveu os primeiros trabalhos de evangelização no norte de Minas: Daqui fui […] par outras aldeas, onde tambem lhes disse coisas de N.Sor.; […] achamos na terra que andamos que commummente não tem superior, o que é causa de todos os males; tem tal lei entre si que recebendo o menor delles uma injuria dos christãos, se juntam todos a vingal­a [...] o fructo solido desta terra parece que será quando se for povoando de christãos. Ds. N. Sor. Por sua misericordia tire estes miseraveis das abominações em que estão, e a nós outros dê sua graça, para que façamos sua santa vontade. [Evangelizar]. Estas considerações por mais sintéticas, demonstram através dos remotos tempos a nossa história, em destaque para o antigo arraial de Formigas, que em 03 de julho de 1857 foi elevado à categoria de cidade de Montes Claros, tornando na atualidade, pólo regional. Portanto, os apontamentos como os históricos, geográficos da região, às vezes, serão os de Montes Claros como representante da parte setentrional de Minas Gerais.

Figura 8 – Índios Botocudos. In: Príncipe Wied­Neuwied. Fonte: Ana Luisa Fayet. 2. OS “VELHOS” RELATOS DOS NATURALISTAS: Contribuem Para As Discussões Mais Recentes de Preservação, Pesquisa e Desenvolvimento Sustentável. Segundo Campos (1998. p. 37), as primeiras informações de ossadas de animais enormes e desconhecidos do sertão mineiro, foram oriundas http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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dos naturalistas viajantes que percorreram o Brasil ainda misterioso. A área do atual Parque estadual da Lapa Grande no município de Montes Claros – MG pode ser tomada como fio condutor para conduzir através dos apontamentos dos memorialistas do século XX as considerações e análises feitas pelos naturalistas europeus do século XIX, embora de forma proposital, se fará considerações dos estudos destes estudiosos que fogem a região, para situá­los enquanto pesquisadores e referências, além de apontamentos atuais, demonstrando a necessidade da preservação do patrimônio arqueológico e pré­histórico da região. Para Ribeiro; Gomes; César Junior (2005. p.60), “a área abrange a região central da fazenda Lapa Grande, ao longo do rio de mesmo nome”, oferecendo atrativos naturais e diversificados. No trabalho, os autores propõem considerações sobre uma esperada criação do atual parque estadual da Lapa Grande: “os primeiros proponentes tinham em mente a preservação do mais extenso potencial espeleológico, arqueológico e histórico do Norte de Minas, formado por grutas” (2005. p. 60). Barbosa (2005. p.73), afirma a Lapa Grande como local de visitação de todos os turistas ilustres que passaram pela região. Dentre eles pode­se mencionar o barão Eschwenge, Auguste Saint­Hilaire, Spix e Martius e o Príncipe Maximiliano Neuwided.

Figura 9 – Lapa Grande. Fonte: Fábio Marçal / Prefeitura Municipal de Montes Claros – MG. 2.1. O BARÃO ESCHWENGE E A EXTRAÇÃO DO SALITRE. O alemão Ludwig von Eschweges[3] (1777 – 1855), ou simplesmente barão de Eschweges, natural do grão ducado de Essen (Alemanha), vai para Portugal e depois ao Brasil em 1809, atrás da recém chegada família real portuguesa, para trabalhar na área de mineração. Em Minas Gerais, o jovem http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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barão pôde ter a província como um precioso laboratório de ensaios e pesquisas; nomeado intendente das Minas do Ouro e curador do gabinete de Mineralogia do governo, instalado no Rio de Janeiro. O barão percorreu a capitania de Minas Gerais, na segunda metade do século XIX, para seus trabalhos auríferos e de extração em geral, mas também para conhecimento da região, com inclusão do sertão.

Figura 10 – o Barão de Eschweges. Fonte: Portal São Francisco, 2011. Ao visitar a Lapa Grande em Formigas, atual Montes Claros – MG, Eschwenge, na obra “Contribuições para a Geognóstica do Brasil”, destaca a importância do salitre para a sociedade do período: “Um dos principais ramos do comércio de Formigas é o Salitre, que se encontra em grande abundância nas cavernas calcáreas da vizinhança” (ESCHWEGES apud Barbosa, 2005. p. 73). O barão Eschwenge junto ao rei D. João VI, retornaria em 1821 a Portugal, sendo este o momento de divulgação dos estudos e elementos recolhidos no Brasil[4]. Posteriormente, o barão estaria em terras germânicas, depois regressaria a Portugal, mas com a morte de D. João VI, definitivamente voltaria à Alemanha em 1829. Ramos (2008. p. 103) afirma que os naturalistas viajantes, ao percorrer Minas Gerais no século XIX, puderam perceber os contrastes econômicos, sociais e culturais. No sertão da província, os fazendeiros se ocupavam sempre da criação de gado e suas casas eram no geral, escassas e pobres; nesta região era explorado o salitre – nitrato de sódio ou ainda nitro sódio KNO3, forte oxidante, o que ainda de acordo com Ramos (2008, p. 103), http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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deste produto se arrecadava milhares de arrobas que em sua maioria era remessada para a fábrica de pólvora do Rio de Janeiro, enquanto se permitia a exploração. Paiva (1996. p. 214), contribui para contextualizar a produção da região que chama de propensa para o trabalho e lavoura: gados, cavalos, couros e toicinhos, o feijão, o salitre, milho, abóbora, laranja, algodão etc. compreendiam em uma pequena variedade. 2.2. AUGUSTE DE SAIINT­HILAIRE: Provavelmente, o Mais Conhecido pelos Norte Mineiros. O botânico francês Auguste de Saint­Hilaire, também visitou a região norte mineira. Saint­Hilaire nasceu em Orleans, em 1779 e morreu na mesma cidade no ano de 1853. Era de família nobre e passou anos de sua juventude na Alemanha, aprendendo a língua e a cultura alemã. Quando retornou à França, dedicou­se aos trabalhos de História Natural, publicando artigos em revistas especializadas.

Figura 11 – Auguste de Saint­Hilaire. Fonte: Projeto Manuelzão ­ UFMG, 2011. Em 1816 veio pela primeira vez ao Brasil, acompanhando a missão do duque de Luxemburgo, que objetivava resolver o conflito entre Portugal e França quanto à posse da Guiana, pós a queda de Napoleão. Neste momento, o botânico francês estava articulado ao meio científico do seu país e Europa: já tinha 37 anos e possuía conhecimentos extensos de Botânica com as publicações e artigos sobre fauna e flora francesas, sobretudo de anatomia dos frutos. Tinha contato com Antoine­Laurent de Jussie, do Museu de História http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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Natural de Paris; era amigo de Karl Sigismund Kunth, preparador de Humboldt; correspondente do importante botânico suíço Augustin­Pyramus de Candolle; demonstrando então articulação do mundo cientifico europeu. De acordo com Kury (2003. p. 4), a vinda de Saint­Hilaire junto ao duque diplomata, amigo da família do botânico, recebeu apoios e significativas cartas de recomendação, como as do chanceler Dambray, o que resultou no envio de Saint­Hilaire na qualidade de viajante naturalista pelo governo; e este a responsabilidade de enviar para o Museu de História Natural toda correspondência científica e objetos de história natural que coletasse. O francês também contribui com significativas considerações sobre a extração do salitre em Coração de Jesus – MG no século XIX: O salitre é para essa região, uma riqueza muito sólida. Essa substância se encontra em grande parte do deserto, e é permitido indistintamente a todos os particulares explorar terras salitradas em qualquer lugar que seja. Ouvi um rico fazendeiro queixar­se de que assim se privava aos colonos de um dos produtos de suas terras, e se expunham suas propriedades a depreciações. Na verdade, dizia o mesmo fazendeiro, a lei estipula que aqueles que exploram terrenos salitrados indenizem os colonos dos prejuízos que lhes causam; como, porém os que se ocupam desse trabalho em terras de outrem são geralmente homens pobres, a indenização raramente são paga. Existe por todos os arredores dessa povoação de Coração de Jesus grande número de grotas de onde se extraem terras salitradas. Os arredores da povoação de Formigas produziram também muito salitre; atualmente, porém, as jazidas dessa zona estão quase esgotadas. Censura­se, aliás, aos que tinham as terras salitradas das grotas em que se encontram, de terem eles próprios posto um fim a esse gênero de produção, não devolvendo jamais às cavernas a terra dela extraída. (SAINT­HILAIRE, Auguste de. apud. CAMPOS, Leonardo. 1988. p. 38). Saint­Hilaire ao falar da extração do salitre em Coração de Jesus – MG, que já estava em período de escassez, traz considerações sobre a Lapa Grande que ainda se extraia a substância, além de retratar os modos de vida no sertão, os modos de locomoção e caracterizações do espaço geográfico: Aproveitei minha permanência em Formigas [Montes Claros – MG], para ir ver uma grota de http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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onde se extraía salitre, provavelmente a única região que, por essa época, ainda fornecia a substância. Depois de atravessar, por espaço de cerca de uma légua, catingas absolutamente semelhantes às da 7ª divisão, cheguei a uma casinhola denominada Lagoinha, cujo dono era o proprietário da caverna. Fizeram­me subir para um desses carros de boi em uso na região, e em breve cheguei a rochedos que estão dispostos por estratos horizontais, e formam uma espécie de muralha perpendicular ao solo. Exatamente por baixo desses rochedos está a entrada da caverna. Antes de os homens terem começado a trabalhar aí, ela já fora escavada pela natureza em uma área de cerca de trinta passos de comprimento por oito ou dez de largura. (SAINT­HILAIRE, Auguste de. apud. CAMPOS, Leonardo. 1988. p. 38­39). O botânico relata a experiência de visitar a Lapa Grande, e a retrata como lugar de vivências dos homens da região com suas formas pecuiares de extrair o salitre, em relação ao restante do Brasil, além de considerar espécies da fauna que tiveram seu espaço invadido devido à extração na Lapa Grande: Por ocasião de minha viagem havia três anos que se tirava terra salitrada dessa caverna, e ela se prolongava muito adiante sob a rocha, formando várias sinuosidades. Penetrei até o lugar a que tinham chegado os trabalhadores, caminhando quase sempre encurvado [...] o rochedo serve de cobertura a essa galeria; por toda a parte a terra é muito fortemente salitrada; quanto ao mais não vi nada que me parecesse digno de nota. A postura, que se é obrigado a tomar na caverna, não permite que se tire a terra nessas grandes bacias denominadas bateias, que estão em uso no País. Empregam­se, por isso, carretas extremamente pequenas, semelhantes a brinquedos de crianças, e que são feitos pelo modelo dos grandes carros de boi. O que me pareceu muito digno de nota, é que os próprios filhos do proprietário é que trabalhavam na extração do salitre. Os mais velhos cavavam o solo e conduziam o carro de boi destinado a transportá­los; os mais jovens tomavam essa terra em tinas e atiravam=na para o carro. Os trabalhadores queixavam­se bastante de uma pequena mosca que os http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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incomodava horrivelmente. A caverna era também, ao que parece, o asilo de uma grande quantidade de morcegos; mas como se tinha acabado de escorraça­los, não vi nenhum. (SAINT­HILAIRE, Auguste de. apud. CAMPOS, Leonardo. 1988. p. 39). Demonstra nos relatos preocupação com um possível potencial geológico da Lapa Grande, bem como considerações de fósseis de outros locais do sertão mineiro: Seria para desejar que algum geólogo visitasse como cuidado as grotas do deserto. Encontraria aí provavelmente ossos fósseis, pois que me deram em Vila do Fanado [Minas Nova – MG], um dente de mastodonte, que está atualmente no Museu de Paris, e me disseram ter sido encontrado em um terreno salitrado do sertão. Não sei bem mesmo se não me falaram de ossadas gigantescas descobertas nessa região. (SAINT­HILAIRE, Auguste de. apud. CAMPOS, Leonardo. 1988. p. 39). Em seus registros, precisamente em notas de rodapés, faz apontamentos a outros naturalistas: Spix e Von Martius e Eschwege, que visitaram a região com considerações do patrimônio natural e cultural norte mineiro: Depois que esse capítulo foi redigido vi, pelo livro dos Srs. Spix e Martius, que eles realizaram o voto que eu exprimira. Os geólogos provavelmente não lerão sem interesse a descrição que esses sábios deram da caverna vizinha de Formigas que chamaram Lapa Grande, e onde encontraram ossadas de tapires, coatis, onças e megalonyx. Parece, aliás, que a Lapa Grande já não era mais explorada quando foi visitada pelos Srs. Spix e martius – Antes desses viajantes, Casal, na sua Corografia Brazilica, impressa em 1771, falara já das ossadas fósseis encontradas em grande número em várias províncias do Brasil. Disse que, no fim do último século, se descobriu, no termo de Vila do Rio das Contas, uma carcaça que, embora danificada, ocupava um espaço de mais de trinta passos; que as costelas mediam palmo e meio de largura; as pernas eram do tamanho de um homem de estatura média; um dente molar, sem as raízes, pesava quatro libras, e que foram necessárias todas as forças de quatro http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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homens para destacar o maxiliar inferior [...]Lê­se também, na última obra do Sr. Eschwege que, visitando as grutas de Bem Vista, entre Formiga e Bambuí, na entrada do sertão, na comarca de S. João del­Rei, ele aí encontrou um fragmento de osso fóssil que verossilmente pertencera ao braço de um homem. O mesmo escritor [Eschwege] acrescenta que, sem falar dos fósseis, vêem­se, na superfície das mesmas grutas, muitas ossadas [...] que ele em particular encontrou um crânio humano [...]. (SAINT­ HILAIRE, Auguste de. apud. CAMPOS, Leonardo. 1988. p. 40). Percebe na obra do francês, as diferenças entre o sertão da província e as regiões mineradoras, o que reafirma o norte de Minas como região detentora de modo de vida peculiar: Nessa região, onde não se existem médicos, encontram­se, em grande número de povoações, pessoas de idade, que se dedicam a procurar conhecer vegetais úteis, que recolhem as tradições de seus antepassados; fazem às vezes experiências, e dão conselhos aos doentes. [...] muitas vezes, mesmo fui obrigado a privar­me de coisas de que necessitava, porque não me podiam arranjar troco. Como não se extrai ouro das terras do sertão, os bilhetes denominados de permuta não tem curso ali. Não se conta, outrossim, por vinténs de ouro, como nas regiões auríferas da província, mas por vinténs de vinte réis, como se pratica no Rio de Janeiro e numa porção doutros lugares. (SAINT­HILAIRE, Auguste de. 1974. p. 318 ­ 319 e 348). 2.3. SPIX E VON MARTIUS: Também Passaram pela Lapa Grande. Os naturalistas germânicos Joahnn Baptist Ritter Von Spix e Carl Friedrich Philip Von Martius chegaram ao Brasil em 1817, integrando a comitiva da arquiduquesa austríaca Leopoldina, que se casaria com o príncipe real Pedro I. Retornariam à Europa em 1820, com os resultados dos mais variados estudos (botânica, mineralogia, sobre os povos do Brasil etc.).

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Figura 12 – Von Martius e Spix. Fonte: Projeto Manuelzão ­ UFMG, 2011. Kury (2001. p. 866), pontua que, talvez Martius seja o mais importante humboldtiano que visitou o Brasil, por ter produzido classificações precisas e trabalhos em antropologia, história, além de descrever com sensibilidade diversas fisionomias vegetais do Brasil. Quando Von Martius e Spix estiveram na região norte de Minas Gerais (o norte geográfico), fizeram as seguintes considerações a respeito do buriti (planta alta, da família das palmáceas, cujo nome científico é Mauritia flexuosa, e encontra­se presente em Minas Gerais e outras regiões do Brasil.): Ele fornece aos habitantes fio e fibras resistentes, tiradas da epiderme das folhas; com estas, dá coberta para palhoças; fazem­se gradeados e ripas, com a parte periférica de seu caule; remos, com a haste de suas folhas; uma bebida muito agradável, semelhante a água de bétula e suscetível de fermentação alcoólica, com a seiva contida no caule; e um saboroso petisco è preparado com a polpa do fruto, misturando com açúcar, que, com o nome de saieta, é doce apreciado e artigo de comércio do sertão de minas com a costa. Todas estas utilidades tornaram quase sagrada para os sertanejos a preciosa árvore e, nalgumas regiões, com, pó exemplo, em São Romão, é costume dar­se em dote à filha também um certo número de buritis (SPIX, MARTIUS apud FAGUNDES; MARTINS, 2002, p.68)

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Figura 13 – Fruto do Buritizeiro, próximo ao rio Piauí no estado de mesmo nome. Fonte: Arquivo Pessoal de Thiago Pereira, 2011. Segundo Lopes (2008. p.617), Spix e Von Martius encontraram na Lapa Grande, próximo a Formigas, atual Montes Claros – MG, ossos de tapires, quatis e restos do que teriam identificado impropriamente como Megalonyx. Os próprios Spix e Von Martius na renomada obra Viagem pelo Brasil (1817­1820) descrevem o achado e caracteriza a Lapa Grande de Montes Claros – MG: A Lapa Grande [...] Foram encontradas as tais ossadas de animais primitivos. Está situada a légua e meia a oeste do arraial, na denominada Serra do Vicente ou Cabeceiras do Rio dos Bois. Esta motnanha baixa eleva­ se, quando muito, a uns 450 pés acima de Formigas, e consiste em três cadeias, separadas por vales raros. Transpusemos a primeira dessa série. [...] A boca da gruta era de 70 pés de altura e 80 de largura, e a negrura lúgubre do fundo era acentuada pelos bancos e rochas de caleita branca, que se destacam do centro e das paredes da entrada com as suas prodigiosas formas [...] no fundo dessa gruta, subimos por dezoito degraus quase regulares, igualmente recobertos de carbono de cálcio, estendendo­se em forma de cascata. [...] Cavamos na argila fina, que reveste esta região da caverna com uma camada de 4 a 8 polegadas, e foi grande a nossa alegria, ao acharmos, não ossos grandes, é verdade, mas alguns fragmentos, que nos http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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deram a certeza de se tratar de restos de um Megalonix; sobretudo achamos vértebras, metacarpos e últimas falanges. Nunca as ossadas estão incrustadas na própria pedra calcária, porém, jazem mais ou menos encobertas, soltas e sem ordem, na terra. No caminho de volta, ahcamos ossos de antas, quatis e onças de época bem recente, espalhados na parte da frente da caverna e pareciam ser restos da presa que aqui foi devorada. (SPIX, MARTIUS apud CAMPOS, Leonardo. 1988, p.43) Continuam a descrição da Lapa Grande de Montes Claros, com significativos detalhes com sua formação e a vegetação do entorno: Toda a montanha é de uma pedra calcária compacta, cinza­azulada, em geral em camadas horizontais, inclinadas em 3º grau que parece pertencer à formação calcária de transição [...] é esta a mesma pedra calcária que está espalhada desde o Rio Verde até o Rio das Velhas, e ao outro lado do mesmo até ao Rio Abaeté, contendo, ali e acolá, jazidas de gesso, com argila amarelo­ferruginosa ou caulinita branca [...] A vegetação predominante aqui parece ser, quase em geral, de catingas e campos ressecados. Pelo alto portão de entrada, alcançamos uma abóboda, que tem 30 a 40 pés de largura, e outro tanto de altura, e cujo chão desigual, coberto de montículos de calcitas sonora, vai gradualmente descendo. Depois de termos dado uns 100 passos, verificamos que a caverna se dividia em diversas galerias naturais. Tomamos por um desses caminhos, o qual subiu logo, em curvas, e obrigou os curiosos a se porem de joelhos, pois as paredes ásperas, recortadas em formas grotescas e rasgadas se estreitam; porém, repentinamente, alarga­se de novo a galeria, e termina numa gruta espaçosa, cujas paredes estão cobertas, aqui e acolá, de calcita avermelhada ou com brancos prismas cristalinos compridos, hexaédricos, de espato calcário. No fundo dessa gruta, subimos por dezoito degraus quase regulares, igualmente recobertos de carbonato de cálcio, estendendo­se em forma de cascata. Foi aqui, sobre um dos degraus de cima, que um dos nossos guias achou, há sete anos, uma costela de seis pés de comprimento e outros restos de ossadas de um animal primitivo. (SPIX, MARTIUS apud CAMPOS, Leonardo. 1988, http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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p.42) Os naturalistas germânicos nos seus relatos levantam hipóteses para as particularidades da gruta, como suas paredes polidas, cor e demais qualidades físicas, sugerindo, por exemplo, que as paredes da gruta teriam outrora, sido alcançadas por águas e que estas poderiam ter possibilitado o enterramento de possíveis fósseis; o que provavelmente os levou a ficarem horas escavando no local: É uma terra muito fina, de cor castanha ou avermelhada, raramente amarela ou cinzenta, que aparece nas cavidades da pedra calcária, e sobretudo, no chão, em buracos, ou embaixo de saliências, na espressura de algumas polegadas até um pé, pegadas em massas informes, porosas, que têm muita semelhança com a terra dos grandes formigueiros. Na cor e mais quailidades físicas, esta terra é exatamente igual à de fora da caverna, somente é mais fina e como que mais lavada. Tanto por esta particularidade, como pela circunstância de serem polidas as paredes nas curvas da caverna, e, em diferentes alturas, haver eflorescências de marga, parece provável que antigamente as águas passaram violentamente pela caverna, enterrando talvez também aquelas ossadas dos animais primitivos. Depois de havermos, durante várias horas, revolvido a terra em busca de resto de ossadas, percorremos ainda algumas galerias. (SPIX, MARTIUS apud CAMPOS, Leonardo. 1988, p.42) Expõem considerações a respeito da fauna da região e de catalogações de espécies feitas por eles, após saírem da caverna: Quando saímos desta extraordinária caverna, era noite fechada, e encotramos os guias, ocupados em alimentar uma fogueira, que tinham acendido à entrada. As altas chamas, refletindo­se na pedra, deitavam longe os seus clarões vacilantes, por entre os troncos nus da mata, pondo em debanda inúmeras varas de assustados caititus [...] a fumaça enxotava das gretas das rochas bandos de numerosos morcegos, que esvoaçavam pipiando aflitos, em volta de nós, proporcionou­nos ensejo de conhecer algumas espécies desses animais fantásticos. Pegamos três diferentes http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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espécies de morcegos que aqui se alinhavam em comum. Estas espécies são extremamente abundantes em todo o sertão de Minas, porém especialmente no Rio São Francisco, onde as muitas fendas e lapas, nas montanhas calcárias sem vegetação, lhes oferecem bons abrigos; os morcegos às vezes atacam o gado, à noite, em tão numerosos bandos, que os habitantes são obrigados a abandonar as suas fazendas e retirar­se para regiões mais sossegadas. Não é, portanto nada raro que se façam campanhas contra esses sugadores de sangue perturbadores da paz. (SPIX, MARTIUS apud CAMPOS, Leonardo. 1988, p.42) Assim como outros naturalistas, apontam o salitre como importante para a economia de Formigas, além de demonstrar que era de conhecimento geral, a existência de fósseis no sertão: Outro objeto, para o qual se volvia a nossa observação, era o salitre, que já tinha sido extraído daqui aos milhares de arrobas. [...] Formigas negocia com os produtos do sertão: gado e cavalos, couros crus de boi, de veados, estes últimos curtidos grosseiramente, toicinho, porém, sobretudo salitre, extrado em grande quantidade das cavernas calcárias próximas. Estas grutas também eram de grande interesse para nós, porque deviam conter ossada de enormes animais desconhecidos, dos quais já muitas vezes nos havia falado no sertão. No distrito de Formigas existem várias cavernas de salitre: a Lapa do Rio Lagoinha, a Lapa do Miréllis no Ribeirão Pacuí, da qual se extraíram 4.000 arrobas de salitre; as Lapas do Cedro, Buriti, Boqueirão etc. A mais importante, porém entre todas, pareceu­nos a Lapa Grande. (SPIX, MARTIUS apud CAMPOS, Leonardo. 1988, p.41 e 43) Como afirmaram Spix e Martius, era de conhecido geral a existência de fósseis na região e por todo o território; Lopes (2008. p. 617), considera que não havia grande interesse local por estes fosséis, que poderiam ser encontrados por acaso, presenteados a estrangeiros ou simplesmente destruídos para a fabricação de cal e aproveitamento do salitre, ao contrário de outros lugares no Novo Mundo, como na Argentina que os fósseis assumiram inúmeros significados, incluindo o comercial. O naturalista dinamarquês Peter Lund, hoje considerado Pai da Arqueologia e Paleontologia brasileiras, descreveu http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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com propriedade esta realidade: Os brasileiros consideram esses ossos indignos de qualquer estudo, embora não desconheçam sua existência. Segundo suas asserções, cujo justo valor reconheço, por numerosas experiências, a aparição de ossadas na terra das grutas seria mesmo um fato extremamente frequente. Nunca verifiquei que procurassem explicar por qualquer modo a existência dos notáveis depósitos de tais destroços. Uniformemente acreditam que as ossadas são de seres humanos [...] sem que esta diferença das dimensões do corpo pareça excitar sua admiração. Muita surpresa lhes causa ver alguém ocupar­se em apanhar tais ossadas [...] a maioria dos habitantes do lugar considera, pois esta questão de ossos como um mero engodo, acreditando que os diamantes, o ouro e outras riquezas são o fim verdadeiro das nossas visitas ás cavernas. (LUND, Peter. apud. LOPES. 2008, p.617 ­ 618) Tupinambá (1988. p. 56 ­ 57) considera que a Lapa Grande e outras grutas de Montes Claros – MG, já mencionadas em trechos de Spix e Von Martius neste trabalho, não passaram despercebidas por estes e outros viajantes: Várias são as grutas existentes no município e notadamente já pela atenção e curiosidades despertadas a alguns turistas e observadores a Gruta da Lapa Grande até hoje desconhecida e impenetrável no seu extremo, apesar de várias tentativas arrojadas já feitas por diversos viajantes. A Lapa Água, a da Bocaína e outras. As 03 primeiras a 9 quilômetros e a última a 12 quilômetros da cidade. Lapa do Meirelles – Fazenda Buriti, Lapa Grande, a mais célebre, visitada por Martins [Martius], Spix, Saint­Hilaire, Príncipe Maximiliano Neuvide, Fernando César [ou Czar da Bulgária] da Bulgária. Lapa do Guiné, Lapa da Claudina, Lapa Pintada, Lapa D’Água, Lapa da Lagoinha [...] Em 1818, por ocasião de sua visita, martins econtrou nela um “megalonix” fóssil.” Hermes de Paula (1979) no consagrado livro Montes Claros – sua história, sua gente, seus constumes afirma que antes dos automóveis, a Lapa Grande era um passeio forçado aos domingos, além de ser visitada por todos os http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=45

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viajantes ilustres que passaram pela cidade, desde os tempos que esta era arraial. Ou seja, por todas estas considerações, preservar o complexo da Lapa Grande com seu potencial espeleológico, arqueológico, sua importância por abrigar nascentes de rios da cidade, fauna e flora, valor histórico quanto às considerações feitas pelos naturalistas do século XIX desde a preocupação da extração de salitre, aos memorialistas do século XX com seus registros, estudos e visitações à atualidade, legitimam a importância da criação do Parque estadual da Lapa Grande[5], com sua área de 7.000 mil hectares.

Figura 14 – Visita técnica no Complexo do Parque estadual Lapa Grande. Fonte: Fábio Marçal / Prefeitura Municipal de Montes Claros – MG. Ir para Segunda Página

[1] Acadêmico de História pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, bolsista ICV – Iniciação Cientifica Voluntária UNIMONTES. E­mail: [email protected] [2] KURY, Lorelai. Auguste de Saint­Hilaire, viajante exemplar. São Paulo: Revista Intellèctus, ano II, nº 1, 2003. [3] Para uma noção maior sobre o trabalho do barão de Eschwenge, um trabalho inicial de significativa qualidade é o de NETO, Maria João Baptista. Wilhelm Ludwig von Eschwege (1777­1855), um percurso cultural e artístico entre a Alemanha, o Brasil e Portugal. Disponível em: < http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6162.pdf >Acesso em: 06 de fev. 2011 às 13h 10 min. Além de considerações da biografia no site: http://www.cprm.gov.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=519&sid=8

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acessado 04 março 2011 as 23 hs. [4] NETO, Maria João Baptista. Wilhelm Ludwig von Eschwege (1777­1855), um percurso cultural e artístico entre a Alemanha, o Brasil e Portugal. p.386. Disponível em acessado 05 março 2011 às 08 hs. [5] O artigo O Turismo e o Patrimônio Arqueológico: Uma Possibilidade de Desenvolvimento Sustentável. no subtítulo O turismo articulado: Alternativa de Viabilizar o Desenvolvimento Local de autoria de PEREIRA;LEITE, traz maiores considerações sobre a primeira etapa de implementação da visitação ao Parque Estadual, bem como data de criação, política de educação patrimonial. Encontra­ se na Revista eletônica História e História, no link:< http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=arqueologia&id=42 >

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