A “corporalidade” de Dussel e o “trabalho” de Marx: a fragmentação da totalidade no momento epistemológico material

June 28, 2017 | Autor: V. Stegemann Dieter | Categoria: Marxist theory, Enrique Dussell, Ontologia
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A “corporalidade” de Dussel e o “trabalho” de Marx: a fragmentação da totalidade na momento epistemológico material The “corporeality” of Dussel and the “work” of Marx: the fragmentation of the totality in the material epistemological moment Vitor Stegemann Dieter1

Resumo Dussel em “Ética da Libertação” propõe-se a formar uma epistemologia material com fundamento na corporalidade. Na metodologia materialista histórica esta formulação é limitada, pois não compreende a essência dos homens: sua objetivação e exteriorização no processo com a natureza faltando-lhe o elemento da totalidade do trabalho.

Palavras-chaves: corporalidade; totalidade; trabalho

Abstract Dussel in “Ethics of Liberation” proposed to form an material epistemology founded in the corporeality. In the historical materialism methodology this formulation is limited because it does not understand the essence of men: its objectification and externalization in the process with nature lacking the element of totality of work.

Keywords: corporeality; totality; work

1 Introdução É de importância para uma teoria crítica tratar do momento da crítica material de Enrique Dussel – conforme exposta em “Ética de la liberación”. Especificamente, porém, no ponto em que Dussel se debruça sobre a crítica da economia política em Marx. 1

DIETER, Vitor Stegemann. Bolsista CAPES. Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR);

Especialista pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (UNIPOSITIVO); Bacharel em Direito do Estado pela UFPR.

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Portanto, para além da interpretação que Dussel faz de Marx, foi preciso também uma certa aproximação com os textos da juventude de Marx em conjunto com um grande clássico da literatura marxista ocidental: Georg Lukács. Foram escolhidos preferencialmente dois textos de Marx que são convenientes ao caso por dois motivos: são textos de maior conteúdo filosófico e textos que já revelam uma certa perspectiva madura de Marx que se prolongará ao longo do tempo. Tratam-se dos “Manuscritos econômicosfilosóficos” (também conhecidos como Manuscritos de Paris ou Manuscritos de 1843) e “A ideologia alemã”. Como se sabe, ambos os textos não foram publicados por Marx em vida, senão fruto do trabalho posterior dos organizadores e leitores de Marx que ao encontrar grande parte dos seus rascunhos, após a Revolução Russa de 1917, desenvolvem um trabalho de publicação que ainda está para ser concluído. Razão pela qual estes trabalhos só vieram à tona durante o século XX influenciando toda uma corrente de intelectuais marxistas e não-marxistas de esquerda que, muitas vezes, defendiam uma nova sociedade, mas não necessariamente apoiavam, pelo menos ao todo, a experiência soviética. A escolha dos textos, portanto, não é aleatória. É que Enrique Dussel, sem sombra de dúvidas um leitor voraz de Marx, ao se aproximar do momento da crítica material fará uma leitura cuidadosa destes textos influenciando radicalmente o próprio método por ele fundado.

2 Dussel no momento da crítica material da economia política de Marx No entendimento de Dussel, Marx é ponto necessário para a crítica, pois lhe fornece um conteúdo material positivo. O primeiro a possibilitar uma abertura radical na forma do pensamento de Karl Marx foi Frederich Engels o qual, mediante uma contribuição em um pequeno jornal do qual Marx era editor e contribuidor, faz o amigo Prussiano “dar um passo adiante” na sua teoria – conforme feliz expressão de Mezaros (MEZAROS, 2006). Ou mesmo, nas palavras de Enrique Dussel (2011, p. 315):

Engels fue históricamente el que motivó que el periodista, académico fracasado, crítico pequeño-burgués radical que se llamaba Karl Marx descubriera exactamente el nivel epistemológico de abstracción en el cual debería situarse el ejercicio adecuado de la razón ético-crítica: en el de la crítica de la naciente economía-política. La economía no era la especialidad inicial de Marx; la eligió como el lugar más pertinente para desarrollar su discurso ético-crítico. 2

Durante o exílio de Marx em Paris é que a consciência crítica está exposta, para além da negatividade do sistema. Pois é em Paris que conhecerá o movimento político operário, no qual encontraria a “afirmación primera” (DUSSEL, 2011, p. 316), qual seja, o desejo de viver e lutar pela vida da classe operária. Seria um encontro com a vítima que deve ser afirmada em sua dignidade e negada na sua negação. Consequentemente Marx está na busca de uma teoria que não se limite a “interpretar” – atividade que se limitaria a entender o mundo vigente a partir de sua própria e limitada positividade – senão “transformar”, a qual assume uma posição “ético-crítica” só posto quando na posição das vítimas. A crítica teórica, no sentido de análise das causas de negação, assenta-se no “momento da produção”, pois é ali que encontrará o momento material da economia, pois ali efetua produtos que por sua vez satisfazem necessidades às quais têm a própria vida como referência de instância última (DUSSEL, 2011, p. 315). A teoria é, porém, marcada pela crítica a partir da exterioridade, pois é a posição à qual permite refletir eticamente sobre a vida desde sua negação originada pelo “sistema ético vigente Europa” (DUSSEL, 2011, p. 318). De modo que na pobreza produzida por esse sistema, conforme Dussel (2011, p. 318), é que Marx encontrará a vítima por excelência do sistema, qual seja o operariado Europeu do século XIX, que padece por excelência da pobreza humana – não só no sentido da castração individual produzida pela alienação, como também pela castração do gênero humano. A partir da negatividade do sistema ético vigente Europa (Modernidade), encontraria Marx um momento de positividade. Este momento da positividade é a luta articulada de Marx pela formulação positiva de alternativas (o socialismo), contribuindo ativamente com a I Internacional (DUSSEL, 2011, p. 318). Marx encontraria o critério crítico material no momento crítico negativo.

En efecto, el criterio crítico de Marx no es más que un reconocer concreto el no-cumplimiento (la negación) del indicado criterio material positivo. [...] El capitalismo es injusto (aliena) porque niega la vida del sujeto obrero (lo desrealiza). (DUSSEL, 2011, p. 319) Deste ponto o desenvolvimento subsequente da teoria de Marx no âmbito da economia, com o aprofundamento da teoria do valor, por exemplo, bem como da descoberta da mais-valia, representam um desdobramento da temática encontrada em 1844. E o ponto epistemológico desvelado por Marx em 1844 é que com a propriedade privada o homem na sua objetivação é 3

roubado de sua subjetividade criadora e por isso alienado do produto do seu trabalho, do gênero humano e de si mesmo com o outro homem (MARX, 2010, p. 83-86). “Esa de vida de la víctima acumulada en el capital, y no recuperada como en el obrero, es el tema crítico-ético de toda la obra de Marx […]” (DUSSEL, 2011, p. 324)

3 A crítica material da economia política de Marx Não pretendemos, aqui, refazer a análise de Dussel sobre a crítica material de Marx, mas apenas nos aproximar com alguma atenção a alguns tópicos que serão importantes para num segundo momento em que se fará o contraste teórico epistemológico entre Dussel e Marx e Engels. Enquanto nas metodologias positivistas o homem só é considerado como coisa, para o materialismo-histórico o homem nunca é coisa, pois ele só existe mediante a atividade, produzindose a si mesmo. O homem não pode ser tomado como um dado, porque ele é ação (KONDER, 2009, p.112). Esta perspectiva já estava presente em Hegel, porém unicamente como atividade abstrata de consciência – trabalho intelectual. Por Marx será dotada de uma concretude já que exprime a perspectiva, não da classe ociosa, mas sim da classe que vive da sua capacidade produtiva material. Como explica Leandro Konder (2009, p. 114):

Tornava-se necessário, por conseguinte: a) tomar os indivíduos como seres ativos, jamais como definitivamente dados e acabados, jamais como produtos (fazendo abstração da condição deles de produtores e, inclusive, de produtores de si mesmos); b) tomar os indivíduos no contexto onde eles tenham existência real, quer dizer, não os considerar isoladamente, e sim a partir das relações sociais em que eles se formaram, ganharam existência ativa, e no quadro das quais passaram a exercer a atividade deles. O homem nada pode criar sem a realidade ao seu redor, da qual toma parte mesmo sem consciência disso. Este mundo sensível é a matéria por meio da qual o homem se produz, se efetiva (MARX, 2010, p. 81). Quando o homem se objetiva no mundo como ser ativo, produz o mundo uma atividade que liberta o homem de suas amarras naturais. Porém essa libertação é invertida em um mundo regido pela propriedade privada, em que o que o trabalhador produz não lhe pertence, não lhe é próprio. Em tal mundo a efetivação do homem só poderia ser uma desefetivação. Tornado sua vantagem em relação aos demais animais em um fardo histórico.

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A efetivação (Verwirklichung) do trabalho é sua objetivação. Esta efetivação do trabalho aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação (Entwirklichung) do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento (Entfremdung), como alienação (Entäusserung). (MARX, 2010, p. 80) O trabalhador torna-se um servo de seu objeto na medida em que esta sua atividade (objeto) não é mais meio de vida, restando de significante apenas como meio de subsistência física. Como consequência produz-se um estranhamento (Entfremdung) entre o trabalhador e o trabalho. O trabalho torna-se algo externo (äusserlich) ao trabalhador, é o lugar onde o trabalhador é mortificado. Ao perder o caráter de meio de vida, o homem só se encontra em si fora do trabalho: no bar, na mesa e na cama. “O animal se torna humano, e o humano, animal.” (MARX, 2010, p. 83). Só que o homem é um ser genérico, isto é se relaciona com a natureza inorgânica (realidade) de modo diferenciado, pois conforma parte de sua consciência, vida e atividade. O homem ao conseguir distanciar-se e produzir para além da necessidade imediata, o faz livremente. “[...] a atividade consciente livre é o caráter genérico do homem” (MARX, 2010, 84). Com o estranhamento da atividade humana esta sua atividade com o mundo tem apenas significação estranha, ele é dissociado da sua essência e por isso do mundo que com suas mãos produz. O homem estranha a sua humanidade, o seu ser genérico. O homem torna da “[...] sua essência, apenas um meio para sua existência” (MARX, 2010, p. 85) Uma consequência do homem estranhado do seu produto de trabalho, do seu trabalho e do gênero é que o homem estranha o outro homem como ser que não é ele mesmo. Este outro ser é algo diferente, um ser alheio e incompreensível que se apresenta como um poder absoluto, da mesma forma que a propriedade privada se apresenta a ele. O homem é coisificado para o outro homem (MARX, 2010, p. 86-97). Estas consequências nada mais são do que complexos produtos cuja origem histórico material só pode ser encontrada na propriedade privada. O trabalho, em si, não é alienação, mas sim libertação do homem ao lhe permitir se objetivar e criar no mundo a sua humanidade. Mas o trabalho próprio da relação de propriedade privada, enquanto exclusão da propriedade de um homem pelo outro, gera um antagonismo que tende à solução (MARX, 2010, p. 103). A retomada a apropriação efetiva do homem, enquanto essência, só pode ser realizada com a abolição da propriedade privada resolvendo o eterno conflito entre liberdade e necessidade e entre indivíduo e gênero do homem. Este comunismo, deste modo, “É o enigma resolvido da história e se sabe como esta solução.” (MARX, 2010, p. 105) 5

A superação da propriedade privada é uma superação positiva do estranhamento realizando um retorno do homem cindido na religião, família Estado etc. à sua existência social. “O estranhamento religioso enquanto tal somente se manifesta na região da consciência, do interior humano, mas o estranhamento econômico é o da vida efetiva – sua suprassunção abrange, por isso, ambos os lados.” (MARX, 2010, p. 106) A superação da propriedade privada constitui, assim, uma potencialidade para superar outras formas de estranhamento do próprio homem – como a religião – que dentro de um mundo alienado é inviável. Esta é uma tarefa que depende de uma crítica de mundo capaz de libertar o homem para tomar as rédeas de seu próprio destino. Justamente por isso não é uma tarefa que se resolve por oposições teóricas, mas cuja solução só pode ser dada de modo prático.

Mas, na medida em que, para o homem socialista, toda a assim denominada história mundial nada mais é do que o engendramento do homem mediante o trabalho humano, enquanto o vir a ser da natureza para o homem, então ele tem, portanto, a prova intuitiva, irresistível, do seu nascimento por meio de si mesmo, do seu processo de geração. (MARX, 2010, p. 114) A radicalidade argumentativa de Marx assentada nos Manuscritos econômicos filosóficos pode ser sintetizada em que se o homem produz o mundo, ele também é capaz de transformá-lo. O momento ético de Marx encontra-se no compromisso desalienador e por isso, radicalmente humanista: do homem, pelo homem e para o próprio homem.

4 Conclusão Enrique Dussel tem um ponto de contato com a teoria marxista, ou pelo menos, com uma perspectiva materialista ao admitir a postura teórica de Marx para a análise crítica epistemológica:

Repito nuevamente: pienso que Marx elige la economía desde una opción ético-crítica previa, y su crítica de la economía política es, exactamente, el ejercicio de la razón ético-crítica en un nivel material epistemológico pertinente. (DUSSEL, 2011, p. 320) Parece ser um esforço que permeia sua obra. Não podemos deixar de notar, como já exposto acima, a ênfase que Dussel dá, que o crucial da obra de Marx está em que ele busca se posicionar com uma crítica negativa ao sistema ético vigente do espaço-tempo de Marx – Europa no século XIX (o que chama de Modernidade). De modo que o ponto de encontro que Dussel realiza 6

com Marx está precisamente em que ambos buscam se posicionar sobre a ótica da exterioridade das vítimas para negar o sistema que nega a vida. Daí a ênfase do filósofo latino-americano em buscar mostrar como Marx formula sua teoria ao encontrar a exterioridade, a exclusão, e vê-la com outros (novos) olhos (DUSSEL, 2011, p. 318). Quando Dussel situa o proletariado como vítima para Marx, ele não realiza, de todo, uma injustiça com a teoria edificada por Engels e Marx, mas sim desloca um dos pontos cruciais da teoria

materialista-histórica

designificando-a

e,

portanto,

retirando-lhe

seu

fundamento

epistemológico-filosófico mais importante: a atividade humana. É como se Dussel admitisse – para sua teoria – a crítica de Marx apenas sob uma ótica superestrutural (como uma crítica à Modernidade). Pois a totalidade para Dussel é um ponto de raiz antropológica que recai sobre o homem como elemento estático – a corporalidade (DUSSEL, 2011, p. 324) e nunca como homem essencialmente produtivo. O que é dizer em outras palavras que o homem para a teoria materialista-histórica é um homem – sujeito – porque se objetiva. É na objetivação e exteriorização como elementos centrais da teoria, que começará e terminará a Totalidade marxista. E quando retirada o caráter da atividade humana, no sentido da produção material da vida, expressa de forma mais aguda na objetivação do trabalho, Dussel afasta a historicidade do homem na construção do seu próprio mundo como ser ativo. Nas palavras de Marx e Engels (2007, p. 33) “O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material [...].” Para Dussel, os homens têm por essência necessidades e este núcleo corporal é o ponto material deste filósofo. Sob esta ótica o homem compreendido na sua exterioridade é aquele que maior necessidade sente – em termos de negação da sua vida – e, portanto, o homem da Totalidade dusseliana é tomado, como ponto de partida, como vítima. Daí a significação especial que Dussel dá ao termo da corporalidade, pois este é o único ponto em comum no qual os demais homens, fundam-se como tais. Mas este passo prévio arrisca abalar a essência da história dos homens, pois os homens somente o são como gênero, porque se objetivam. Marx entendia este ponto como central e o manterá durante todas suas pesquisas posteriores, como dirá junto com Engels quando trata da atividade humana na Ideologia Alemã (2011, p. 33): “A primeira coisa a fazer em qualquer concepção histórica é, portanto, observar esse fato fundamental em toda a sua significação e em todo seu alcance e a ele fazer justiça.” Cuja consequência Marx enuncia um pouco depois:

Segue-se daí que um determinado modo de produção ou uma determinada fase industrial estão sempre ligados a um determinado modo de cooperação ou a uma determinada fase social [...] que a soma das forças produtivas 7

acessíveis ao homem condiciona o estado social e que, portanto a “história da humanidade” deve ser estudada e elaborada sempre em conexão coma história da indústria e das trocas. (MARX, 2011, p. 34) Mas em Dussel a história como Totalidade não se passa na história da indústria e das trocas. Faltando-lhe elementos que dissociem a estrutura econômica da sociedade com a estrutura que se eleva a partir desta, sua crítica precisa recair de modo genérico sobre a “sociedade” (indiferenciada) ou, o que é o mesmo, sobre a tal da Modernidade. A dissensão teórica de Dussel em relação a Marx estaria justamente fulcrado em que Marx falaria sob a inevitável ótica do seu sistema ético vigente – da Europa do século XIX. Dado paradigma o inviabilizaria de ver a negação das vítimas dessa totalidade (Europa) excludente. Seria preciso, portanto, se exteriorizar mais (Terceiro Mundo) para situar uma vítima mais totalizante que o proletariado – que por sua europeização não poderia compreender a vigência dos sistemas éticos sobre a exterioridade. Mas para a teoria materialista-histórica a negação do homem é a alienação que é a ele imposta pela propriedade privada. Não será um ponto de vista de uma corporalidade-externa que superará a alienação, mas a assunção da condição fundamental humana, qual seja, que o homem se objetiva. Que muito embora esta condição realize (nas condições atuais) a alienação não implica que ela seja assim por excelência, mas apenas que sob as condições de Propriedade privada (no capitalismo de mais-valor) e, portanto, de antagonismo entre trabalho intelectual e manual, o homem não poderá se tornar realmente livre. Esta afirmação não é europeizante ou da Modernidade, é afirmação da humanidade – do gênero – presente em todo homem: seja ele latino ou europeu. Aliás, o homem só pode ser considerado sujeito se é considerado sob esta ótica do trabalho, pois é só a partir do trabalho – como condição histórica humana – que o homem se torna algo mais do que simples ser natural: “Foi com o trabalho que o ser humano se “desgrudou” um pouco da natureza e pôde, pela primeira vez, contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos naturais. Se não fosse o trabalho não existiria relação sujeito-objeto.” (KONDER, 2006, p. 24) A vítima à qual Dussel dá ênfase aguda – o “proletário latino” da teoria da libertação – é Rigoberta Manchú a qual reuniria em si uma série de negatividades (mulher, camponesa, indígena, latino-americana etc.) que lhe permite ter uma dimensão mais totalizante. Contudo é, deste modo, na nossa opinião, que Dussel acaba recaindo em uma perspectiva particularizante e não mais totalizante – nos termos entendidos por Lukacs (2012, p. 64). Pois ao invés de fundar uma teoria que por excelência radica nos homens como gênero, funda uma teoria que encontra nos homens o

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particular. Aproveitando da aproximação Lukacsiana diríamos que Dussel perde a historicidade imanente de explicar a história como processo unitário:

Desse modo, com a recusa ou a obnubilação do método dialético, perde-se a inteligibilidade da história. Não se trata, naturalmente, de afirmar que certas personalidades ou épocas históricas [como a Modernidade] não poderiam ser descritas de maneira mais ou menos exata fora do método dialético. Trata-se, antes, da impossibilidade de compreender nessa perspectiva a história enquanto processo unitário. (LUKACS, 2012, p. 82) É preciso apenas notar que tomar o homem como ser que se objetiva e que encontrar este ponto epistemológico material, não implica negar as particularidades humanas – como por exemplo a origem camponesa, indígena ou feminina –, mas sim ter a radical compreensão que na expressão do universal se encontra o particular. “[...] é a partir do conjunto que a gente pode avaliar a dimensão de cada elemento do quadro.” (KONDER, 2006, p. 36) Não podemos aprofundar aqui esta afirmativa, porém é importante frisar que a grande contribuição do método materialista dialético é justamente essa. De encontrar pela primeira vez, com um fundamento materialista (trabalho), na expressão dos particulares não mais apenas a “soma das partes”, mas no próprio particular a permanência do universal, que nada mais é do que a categoria – marxista – de totalidade (LUKACS, 2012, p. 78). Sem nunca negar a vigência, existência e validez do particular na realidade. “A natureza humana, por conseguinte, conforme o conceito que Marx tem dela, só existe na história, num processo global de transformação, que abarca todos os seus aspectos.” (KONDER, 2006, p. 53) Não de uma forma estática – nas necessidades; na corporalidade; na vitimização – que se justapõem como fragmentações. O grande mérito de Dussel é que jamais, para fundamentar sua teoria, propõe-se a reduzir Marx. Pelo contrário, o profundo estudo que lhe dedica e a seriedade com que trabalha suas categorias aponta o verdadeiro domínio teórico-crítico que detém da teoria materialista-histórica. Inclusive chega a fundar pontos de encontro entre ambos. Porém, de forma consciente cinde-se de Marx e Engels e de toda a tradição marxista quando toma esta crítica como fonte apenas para a “Modernidade” ou “sistema ético vigente Europeu” porque assume um ponto de vista metodológico completamente distinto, ainda que a simples vista não pareça assim. Dussel entende a teoria marxista como particular, pois limitada à corporalidade do sujeito proletário e, sem embargo, entendemos que ao fazer isso torna, sob a ótica marxista, sua própria teoria particularista, pois nega o espaço do trabalho como momento último da Totalidade.

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5 Bibliografia DUSSEL, Enrique. Ética de la liberación: en la edad de la globalización y de la exclusión. Madrid: Trotta, 2011, 661 p. KONDER, Leandro. Marxismo e alienação: contribuição para um estudo do conceito marxista de alienação, São Paulo: Expressão Popular, 2009, 256 p. KONDER, Leandro. O que é Dialética, São Paulo: Brasiliense, 2006, 88 p. LUKÁCS, György. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. 2ª edição. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, 598 p. MARX, Karl; ENGELS, Frederich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. São Paulo: Boitempo, 2007, 614 p. MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2010, 191 p. MÉZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006, 296 p.

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