A CORPORIZAÇÃO DA DEMOCRACIA RACIAL

June 2, 2017 | Autor: Joyce Gonçalves | Categoria: Corporeidade, Racismo. Democracia racial. Literatura. Educação antirracista
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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CELSO SUCKOW DA FONSECA – CEFET/RJ DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - DIPPG

RELAÇÕES DE PODER E AS DISPUTAS DOS GRUPOS SOCIAIS NA SOCIEDADE CIVIL.

RIO DE JANEIRO 2014

A corporização da Democracia Racial

Joyce Gonçalves da Silva

Trabalho de Conclusão de Disciplina para a disciplina: Relações de poder e as disputas dos grupos sociais na sociedade civil.

Professor Dr. Mario Luiz.

Rio de Janeiro Setembro/2014.

A corporização da Democracia Racial

JOYCE GONÇALVES DA SILVA

Estudante de Mestrado do Programa PPRER- CEFET/RJ. [email protected]

Resumo A mestiçagem no Brasil além de fruto da miscigenação decorrente dos enormes contingentes étnicos existentes no país foi também uma ideologia difundida em prol da unificação nacional. Como discurso ideológico a mestiçagem teve como aporte a Democracia Racial. Esta atingiu profundamente a população negra ocasionando modificações práticas e discursivas na visão de mundo desta população. Calcada em um ideal da elite intelectual e política da época, a democracia racial elege a mestiçagem como propulsora da harmonia entre as três raças fundadoras do Brasil, estabelecendo relações amistosas que se configuraram em diferentes posturas das conhecidas em países da diáspora africana. O que esteve na mente dos que compartilharam desta visão foi que no Brasil não há preconceito racial, nem discriminação de cor. O presente trabalho visa à discussão, após breve abordagem conceitual sobre a democracia racial, das consequências da interiorização das ideologias difundidas na sociedade, por meio do corpo e do gesto da população negra assim como por seu posicionamento social na década entre 1920 e 1930.

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O surgimento de uma ideologia: a dominante. O país manteve por muitos séculos as teorias racialistas advindas da Europa como sua corrente de pensamento social. Intelectuais brasileiros abraçavam estas teorias difamando assim as miscigenações ocorridas desde o período da colonização. Na década de 1920, em decorrência da conjuntura internacional, com o fim da Primeira Guerra mundial, corre no pensamento social brasileiro a necessidade da instituição da nação brasileira. Diversos aspectos de uma nação já eram contemplados pelo país, a extensão territorial, a unidade linguística, porém faltava um povo, a imagem de uma população culturalmente coesa. A questão no momento era então: como definir o povo brasileiro. O conceito de raça ainda era muito utilizado no país. As diferenças entre as raças era atestada tanto pelos escritos importados, como por nossos museus etnográficos que desde o fim do século XIX acompanhavam as teorias racialistas europeias. A população negra era renegada por estes estudos, os africanos e seus descendentes não despertavam o interesse dos intelectuais dos museus (SKIDMORE, 2012, p.102). O primeiro estudo etnográfico foi realizado por um médico baiano que apesar de sua simpatia pela população negra e o fato de ser mulato, atestava cientificamente a inferioridade da raça negra e condenava a mestiçagem. Para ele o povo mestiço era degenerado e necessitava de uma legislação diferenciada, visto que era incapaz de assumir suas responsabilidades. O estudo de Nina Rodrigues fundamentou o pensamento racial brasileiro durante anos, assim como os escritos de outros autores como: Silvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres, entre outros. Mesmo datando do final do século XIX, as teorias raciais permaneceram vívidas nas argumentações dos intelectuais até o período de 1920. O povo brasileiro era visto, neste momento, como produto do cruzamento de três raças: a branca luso, o índio nativo e o negro africano. Os mestiços eram, "traço de união entre raças, é quase sempre um desequilibrado, um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens e sem a atitude intelectual dos ancestrais superiores" (MUNANGA, 2008, p.54). Isto se tratando dos sertanejos, pois segundo Euclides da Cunha, devido ao isolamento, estes mestiços poderiam ser o futuro do povo brasileiro, já que o não contato com os indivíduos da raça negra faria deles um povo em capacidade para ascensão, pois sobre o negro "não há esforços que consigam aproximá-lo sequer do nível intelectual do indo-europeu" (MUNANGA, 2008, p.56). Porém, alguns mulatos e negros conseguiram vencer a barreira do racismo e chegaram a lugares importantes na sociedade, com isso era eminente à adaptação das teorias correntes

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para a legitimação desta classe média mulata no grupo político-intelectual dominante. Temos como exemplo o próprio Nina Rodrigues, Machado de Assis e Dr. Juliano Moreira. As adaptações nas teorias levariam a um ideal final para o progresso da população brasileira: o embranquecimento da população. Todos os mestiços que alçaram sucesso no período eram considerados "mestiços superiores", aquele inteiramente responsável e que segundo Munanga (2008, p.53), carregava consigo os fenótipos da população branca, assim como veremos a seguir, o letramento e os comportamentos sociais embranquecidos. O dilema e as controvérsias só aumentaram a discussão para a definição do povo brasileiro. Um povo mestiço, desigual em suas oportunidades e, o mais conflitante, carregado de sangue negro, aquele que deturpava o caráter físico e moral dos mestiços, pois segundo Nina Rodrigues: "a influência do negro há de construir sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo; nada poderá deter a eliminação do sangue branco" (RODRIGUES, apud MUNANGA, 2008, p.53). Não todos concordavam com tal mensagem, alguns acreditavam sim, que o atraso intelectual dos negros era consequência do abandono do poder público com relação à educação e a saúde da população negra e mestiça em favor dos imigrantes. A educação seria a saída para o crescimento do país e o apaziguar das desigualdades sociais e raciais. Infelizmente, esta corrente de pensamento possuía menos força que a corrente do determinismo biológico. Assim, o conflito em melhorar a raça crescia o que precisava ser resolvido para que o país se modernizasse. "A ideia de embranquecimento foi uma maneira de racionalizar os sentimentos de inferioridade racial e cultural instilados pelo racismo científico e pelo determinismo geográfico do século XIX" (GUIMARÃES, 2012, p.53). A corrente de pensamento no período que se apoiava nas teorias de degenerescência do mestiço seguia agora apostando no branqueamento da população como meio de solução do problema do negro. A política do branqueamento foi colaborada com a imigração europeia no pós-abolição, objetivando a entrada de trabalhadores para a área rural e ocupação dos territórios do interior do país. O viés do branqueamento estava vigente a fim de contribuir para que a raça branca viesse a aumentar no Brasil, assim dissimulando o sangue e os caracteres negros dos mestiços. Este branqueamento não era apenas em nível biológico, mas também no nível cultural. No período, era estimulado à população negra que se adequasse aos meios brancos de conduta e atitudes corporais. Afinal, todo conhecimento e comportamento aceitos socialmente eram aqueles importados da Europa, interiorizados e defendidos pela classe políticaintelectual, difundidos na sociedade como norma social. 3

A imprensa negra da época incentivava aos seus leitores a modificações de hábitos, afastamento dos comportamentos que remetessem à origem africana (negação das vertentes culturais), adequação à estética branca (no caso das mulheres) e a educação formal. Desta maneira, o negro poderia apresentar-se melhor na sociedade e garantir algum espaço de sobrevivência dissimulando o racismo e ao preconceito. Como podemos ver a seguir: "No período de 1910 a 1930, as associações e a imprensa negra parecem articular-se em torno de três eixos: Primeiro, promover a vida social negra, através da atribuição e do reconhecimento da honra e do prestígio sociais distribuídos em diversos espaços de sociabilidade e consagração, principalmente clubes e os bailes; segundo, liderar um processo de reeducação da massa negra, no sentido de sua completa aculturação e distanciamento de suas origens africanas, a começar pela educação formal; terceiro, liderar a luta contra o preconceito de cor e o seu correlato, o sentimento de inferioridade" (GUIMARÃES, 2012, p.91).

Percebe-se que quanto mais assemelhado ao padrão branco, tanto estético quanto cultural, maior a possibilidade de integração na sociedade. Para muitos pensadores esta seria a solução ideal e em alguns séculos o Brasil possuiria uma população eminentemente branca, onde seus mestiços seriam aqueles fenotipicamente e geneticamente carregados dos valores morais e éticos dos brancos. Para o país, o estímulo à imigração ocasionou o desemprego da população negra e mestiça. Estes como não possuíam a educação necessária, o comportamento almejado e ainda carregavam os estigmas da escravidão, eram considerados cidadãos de segunda categoria ideais para trabalhos braçais e extenuantes. Os negros e mulatos se viram subalternizados, livres, porém mantidos na condição de precárias de trabalho. O preconceito no Brasil tinha e ainda tem uma condição peculiar, ele não era caracterizado somente pela ascendência, ou seja, se descende de negros ou não, e sim pela marca, pelas características físicas, pela cor. O fenótipo passa a ser o caracterizador do raça. No momento em que o mulato é visto com característica ambígua, podendo integrar a sociedade enquanto cidadão, caso possua os caracteres físicos ou educação e comportamento assemelhado aos de pessoas brancos, cria-se no país uma linha de cor, onde quanto mais negro e com traços negróides1, mais discriminado e menores oportunidades se tem. A ambiguidade do mulato é retratada desde o período colonial, quando filhos de senhores brancos, libertos do trabalho escravo, serviam ao senhor em funções onde não haviam brancos disponíveis. Ser mulato se torna oportunidade de liberdade e também ascensão e reconhecimento na sociedade. 1

Termo utilizado por Kabenlege Munanga a fim de caracterizar o fenótipo negro em mestiços.

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Ocorre um distanciamento étnico, onde o mulato renega sua ascendência negra a fim de manter seus privilégios. Há aqueles mestiços que não se enquadravam nas características exigidas e esses sim eram relegados a raça negra e impedida a sua integração na sociedade. Há uma possível quebra na comunhão entre negros e mestiços, pois o mulato busca ser branco para se afastar dos estigmas carregados pelos negros. Desta maneira, a realidade social do país continuava distanciada e desigual, negros e mulatos continuavam na subalternidade, havendo alguns poucos exemplos de ascensão e os brancos continuavam no topo da hierarquia social.

Mais um paradigma se ergue: onde encaixar os negros e mulatos. Com a entrada dos imigrantes no país, a população esteve ainda mais relegada ao desemprego, como já foi dito. A partir daí, observa-se que a população mais pobre e em posições subalternizadas na sociedade são justamente a negra e a mulata. O racismo colabora para que esta percepção se torne ainda mais concreta. Com a Revolução de 1930, o governo brasileiro no caminho pelo nacionalismo, com a modernização do país e consequente formação de uma identidade nacional, fecha a portas para a imigração. Constatando a precariedade no número de trabalhadores e o abandono da população, este governo exige das empresas a contratação de trabalhadores brasileiros em seus quadros. Nasce a classe proletária brasileira, composta em sua maioria por sua população negra e mestiça. O fato de a classe proletária obter os direitos trabalhistas e oportunidades de emprego, não impediu que fosse relacionada classe à cor e à pobreza. Desta maneira, no país se estabelece um preconceito de classe, onde a cor e a condição social são determinantes. A classe média tem seus privilégios assegurados, a burguesia industrial os seus e é relegado à classe operária a exploração do trabalho, salários baixos e baixa possibilidade de ascensão. "A mobilidade relativamente rápida dos imigrantes europeus testemunha, assim, a relativa complacência da sociedade brasileira vis a vis aos imigrantes brancos, contrastando muito com modo subordinado e preconceituoso com que os africanos foram assimilados" (GUIMARÃES, 2012, p.57). A democracia racial aparece como amenizador de possíveis conflitos nesta conjuntura e era defendida por alguns intelectuais que realmente acreditavam na ausência de impasses para a ascensão de negros e mulatos. O mito da democracia racial se constrói a partir do momento em que se enraíza e interioriza na sociedade e na consciência dos indivíduos. A partir dele tem-se a integração dos negros e mulatos na sociedade de classes, a mestiçagem é motivo de orgulho nacional, fez 5

parte da "estratégia dominante o transformismo e o embranquecimento, incorporação dos mestiços bem-sucedidos ao grupo dominante branco" (GUIMARÃES, 2012, p.120). Com a nacionalização, a democracia racial incorpora ao nacional as diferentes manifestações culturais - negras e indígenas - minimizando as diferenças étnicas, transformando a cultura nacional em um verdadeiro caldeirão. A mestiçagem, antes motivo de preocupação e rejeição, neste momento se torna motivo de orgulho e valorização do povo brasileiro. O mestiço se torna símbolo de brasilidade. A incorporação das culturas populares negras à cultura nacional trouxe consequências à população, assim como desarticulou a ação de movimentos étnicos. Agora, manifestações culturais importantes, fruto da resistência contra o racismo, tornam-se um produto nacional, destituído de sua etnia. É neste momento político-ideológico que a capoeira torna-se esporte nacional, assim como o samba, a feijoada e principalmente o mulato malandro e a sensual mulata. A valorização da imagem o mulato trouxe também a banalização desta imagem, aplicando a eles estereótipos que denegriam a capacidade de integração destes na sociedade2. O mulato estereotipado como malandro, vagabundo, avesso ao trabalho. E as mulatas: belas e sexualizadas tinham o carnaval e o sexo como seus produtos via exportação. Como podemos perceber mais uma vez o negro foi renegado. A incorporação das manifestações culturais, a valorização da mestiçagem, deixa a população negra mais uma vez em posição inferior. O negro: não era nem branco, rico, classe média com acesso à educação formal e melhores oportunidades de emprego e nem mulato, com possibilidade de ascensão e adequação, símbolo de brasilidade. O negro continua aquém da sociedade brasileira. Com tudo isso, a nação brasileira, cresce com a crença na igualdade de oportunidades e mantendo o mito fundador3, a união das três raças: branca, negra e índia, que convivem harmonicamente, não havendo discriminação ou preconceito que impeça a ascensão de seus integrantes. A sociedade brasileira torna-se exemplo de luta contra o racismo. A imagem brasileira no mundo é exemplo de civilidade e convivência entre as raças, tanto que a UNESCO realizou um estudo com o objetivo de atestar e divulgar dados da democracia racial no Brasil.

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Ver Almeida, S. e Silva, R. Do (in) visível ao risível: o negro e a "raça nacional" na criação caricatural da Primeira República. 3

Ver CHAUÍ, M. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. 9.ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2013.

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Porém na realidade não era isto que acontecia. Apesar de a democracia racial defender a igualdade de oportunidade, a população negra continuava subalternizada, sem possibilidades de ascensão na sociedade e agora, além do estigma do negro escravizado, havia outro: o preto pobre. Classe e raça passam a conjugar um mesmo significado, operacionalizando o racismo em diversas vertentes na sociedade. Assim a classe proletária e pobre do país tem em sua maioria, indivíduos negros, que na dissimulação do racismo, é elevado à discriminação social ou por classe. A transposição da discriminação de raça para classe vem do conjunto de características sociais associadas à raça negra. Considerados e posicionados à margem da sociedade, desde o pós abolição a população negra luta pela sua ascensão na sociedade de classes. Os motivos para a desigualdades vão desde a desvantagem que acompanha os negros desde a escravidão: como acesso à educação, saúde e cidadania, como também o abandono da República com os recém-libertos, impossibilitando a estruturação de moradia e trabalho, oferecendo melhores condições aos imigrantes. Além do racismo, que impede a ascensão e integração social de indivíduos negros. Observando esta conjuntura, elevemos nossa discussão para o nível corpóreo, físico da população negra.

O corpo negro como espaço de significação O corpo humano é o repositório de cultura e vivências do indivíduo, nele estão ancorados as memórias e sensações que exprimem a vida. O corpo também, de acordo com Paim e Strey (2004, p.02) "é fruto de uma construção social, repleto de representações culturais e simbólicas de uma sociedade, que imprime através deste mecanismo o corpo social adequado às suas normas. O corpo também é uma dimensão produzida pelos efeitos da cultura". Sendo o corpo o repositório da cultura e através dele que a apreensão de conhecimentos se faz presente, com o corpo aprendemos e compreendemos a ação no mundo. A corporeidade do ser é a sua experiência viva é a manifestação do EU. Assim a corporeidade é o corpo vivente, aquele que anda, fala, sente e se expressa. A expressividade do Eu se dá através da corporeidade. Desta maneira, temos em nossa corporeidade a expressão da vida, o que nos foi ensinado, o que foi visto, aprendido e sentido. De acordo com o que já vimos, o ideal do branqueamento e a democracia racial foram políticas utilizadas também na apreensão da ideologia da elite dominante. Elite esta, branca e baseada nos padrões estéticos, morais e éticos europeus na sua composição.

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Ao incentivar a modificação de comportamentos e atitudes da população negra, os intelectuais negros prezavam a educação formal como elemento preponderante para a ascensão do negro. Ora, a educação formal em 1920 e 1930 era baseada na educação tradicional mantendo ali a ideologia da elite, pois apenas brancos tinham acesso à educação formal. Assim negros que participaram desta educação, passaram a assumir o conhecimento, a estética e o comportamento branco como atitude corporal. A educação corporal no período era tida como primordial para a eugenização e aprimoramento da raça brasileira e era baseada na eugenia e na ginástica francesa. Logo, o corpo dos educandos do período precisava ser asseado, saudável, esteticamente limpo e contendo atitudes corporais condizentes com as expressões de sobriedade e civilidade da época.

Concluindo Analisando desta maneira, aqueles filhos da classe proletária que sem acesso à educação, tiveram que tipo de educação corporal? A educação do corpo daqueles desprovidos do acesso à escola era àquela informal que permeava o meio onde viviam. Descendentes de filhos de ex-escravos que carregavam em seus corpos as marcas da sensibilidade corporal vivida durante os tempos de escravidão, filhos de pessoas pobres que viviam em condições insalubres em becos e vielas, caracterizados por possuírem empregos onde o trabalho era extenuante. Essa era a característica das pessoas negras e pobres que viviam no Rio de Janeiro. Ao serem impedidos de integrarem-se na sociedade, estes negros mantinham em seus territórios manifestações culturais de seus antepassados negros e também compartilhavam da cultura nacional, onde o samba a capoeira, o candomblé, eram manifestações corporais recorrentes colaborando para a corporeidade destes. A conjuntura desta população, desde a sua ascendência, até a sua condição de classe pobre, juntamente com a coerção do racismo, fizeram com que as expressões corporais negras fossem marginalizadas e consideradas fora dos padrões para o convívio em sociedade. Os aceitáveis eram aqueles incorporados à cultura nacional, embranquecidos pela educação formal ou pela força da discriminação, onde se assumia comportamentos e atitudes da elite para amenizá-la. A corporeidade negra assim se constituiu da negação da raça, provocada pelo ideal do branqueamento, promovendo a estética branca assim como comportamentos e atitudes por meio da educação formal; da força coercitiva do racismo, ao relegar aos empregos subalternos de trabalhos físicos extenuantes e repetitivos os gestos corporais da população negra e as 8

manifestações culturais negras, sempre com dança e ritmo, engendrando uma cadência aos gestos corporais. A corporeidade negra foi segregada aos terreiros e às rodas de samba e capoeira, onde a manifestação dos gestos espontâneos e naturais poderia ser expressa sem o olhar crítico do racismo. A corporeidade negra teve então uma constituição conflitante, não desprendida de sua identidade, porém sem se encaixar na sociedade, induzindo à um sincretismo para sobrevivência. Afetada pela mestiçagem e pela democracia racial, a corporeidade negra sofreu com os desencadeamentos da ideologia quando corporizada pela população negra, perdendo assim alguns traços de sua etnicidade e ancestralidade. A consequente marginalização da corporeidade negra encontrou subsídios, então, nas ideologias racistas difundidas durante o período de pós-abolição e entre as décadas de 1920 e 1930, apesar da incorporação de algumas vertentes da cultura negra à cultura nacional.

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Referências Bibliográficas ALMEIDA, Silvia C., SILVA, Rogério S. Do (in)visível ao risível: o negro e a "raça nacional" na criação caricatural da Primeira República. Revista Estudo Históricos (Raça e História). v.26, n. 52 (juldez 2013) - Rio de Janeiro:Centro de Pesquisas e Documentação Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, 1988. CHAUÍ, Marilena. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. 9ª reimp. São Paulo: Editora Fundação PErseu Abramo, 2000. FILHO, Lino C. Educação Física no Brasil : A história que não se conta. 12ª.ed. Campinas, SP: Papirus, 2006. GUIMARÃES, Antônio S.A. Classes, raças e Democracia. 2ª.ed. São Paulo: Editora 34, 2012. ______________________. Racismo e Antirracismo no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Editora 34, 2009. HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Liv Sovik (Org). 2ª.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. MAIO, Marcos C. “Raça, doença e saúde pública no Brasil: um debate sobre o pensamento higienista do século XIX. In: MONTEIRO, S. e SANSONE, Livio. (orgs). Etnicidade na América Latina: um debate sobre raça, saúde e direitos reprodutivos. Rio de Janeiro, Ed Fiocruz, 2004, p. 15-44. MATTOS, Ivanilde G. Estética afirmativa: Corpo negro e Educação Física. Salvador: EDUNEB, 2009. MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. 3ª.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e identidade nacional. 14ª.ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. SALES, Jonas L. Corpo: A tradição negra e a construção estético/artístico contemporâneo. In: XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais. 12p. Bahia, Ago.2011. SCHWARCZ,L. M. Nem preto, nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. 1.ed - São Paulo; Claro Enigma, 2012. _______________. O Espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil. 18701930. 10ª reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. SKIDMORE,Thomas E. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870 - 1930) 1ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2012.

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