A corrida

July 18, 2017 | Autor: Pedro Vaz Serra | Categoria: European Union
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A corrida (publicado no Diário de Coimbra, a 16/04/2010 – sexta-feira)

Imaginem, meus estimados leitores, uma corrida onde, na grelha de partida, estão um avião a jacto, um carro de Fórmula 1, uma viatura ligeira, uma moto, uma bicicleta e um triciclo. Agora imaginem, por favor, que todos eles têm como objectivo chegar à meta ao mesmo tempo, da forma mais rápida possível. E tenham em consideração, por fim, que o percurso tem cerca de 100 quilómetros. Posto isto, é fácil concluir o que vai acontecer: o avião ganha, o Fórmula 1 chega à meta cerca de 37 minutos após o avião, a viatura ligeira e a moto após 56 minutos, a bicicleta muitas horas depois e, finalmente, o triciclo, que fica pelo caminho, não chega a cortar a meta. A Europa de hoje é, entre outros, uma mistura de Ponte Aérea Paris-Berlim com o Grande Prémio da Europa de Fórmula 1, na Bélgica. Ou das 24 Horas de Le Mans, ou do Rali da Acrópole, na Grécia, com o Prémio Moto GT, em Espanha. Ou da Tour de France, ou da Volta a Portugal em Bicicleta, com uma corrida de triciclos num qualquer Jardim Infantil… Todos a circular, com velocidades diferentes, em condições diferentes, com diferentes critérios de condução, mas com a obrigação de chegar à meta ao mesmo tempo, cumprindo os mesmos objectivos! Ou seja, não é possível. É utópico. Desgasta. Faz mal à saúde e à auto-estima. E às expectativas. É exactamente isto que, salvaguardando as devidas circunstâncias e proporções, acontece em toda a Europa e, em especial e no âmbito deste artigo, na Europa que tem o Euro como moeda comum. A adesão ao Euro, nesta data por parte de 16 países da União Europeia, representa o culminar de um processo ou, se preferirmos, o início de um projecto que, assente na denominada União Económica e Monetária (UEM), tem como elemento-base e de convergência entre os Estados participantes o facto de adoptarem uma moeda comum. Hoje, decorridos que estão 11 anos de Euro, os efeitos positivos são, naturalmente, muitos e visíveis. Mas os efeitos negativos são, também, vários e, por vezes, invisíveis. Vejamos: uma das reservas à unificação monetária da Europa foi, desde o início, o facto de o Euro não ter associado qualquer forma de integração política. O que, no plano prático, significa que a política orçamental, indispensável para corrigir desequilíbrios internos, está fragmentada pelos vários países que adoptam o Euro. O problema não é novo e foi, até, pré-diagnosticado antes da UEM ter nascido: uma moeda fiduciária única, mas com liberdade orçamental dos membros e com um Banco Central Europeu (BCE) limitado na sua missão, não constituem bons ingredientes para o sucesso e a consolidação deste ambicioso projecto. Antes pelo contrário. Temos uma política monetária e temos dezasseis políticas orçamentais, na Europa do Euro. Fora do Euro, temos mais onze Estados, cada um com a sua política orçamental e dependentes, na sua grande maioria, da política monetária dos restantes dezasseis. Confuso? Agora, imaginemos o que é isto tudo no dia-a-dia! E associemos às políticas referidas, a segurança comum, o alargamento, a imigração, etc., etc., etc. Os meus estimados leitores percebem, imediatamente, que não é possível, em plenitude, haver uma moeda comum a países como a Alemanha e Portugal (por uma questão de simplicidade, vou referir-me, apenas, à comparação entre estes dois países, mas poderia dar 16 exemplos, tantos quantos os membros actuais da UEM) que, na prática, é a moeda que responde perante os mercados internacionais e domésticos. É, assim, esta que dá maior ou menor competitividade às exportações europeias, mas também a que define o preço das compras que fazemos no nosso supermercado, tenham elas origem na Alemanha ou em Portugal.

Não é possível ter uma moeda (realmente) comum, quando os níveis de produtividade e salariais são tão díspares entre estes países: Portugal tem uma produtividade que corresponde a 70% da média europeia e os saláriois portugueses correspondem a cerca de 50% da média europeia. Com a agravante que, em Portugal, a diferença de salários entre o colaborador de topo de uma empresa e um colaborador de base dessa mesma empresa é de 32 vezes (!), quando essa mesma comparação, na Alemanha, é de 10 vezes. E ainda temos de contar – até porque é estrutural e condição necessária, mas não suficiente, para a adopção eficaz de uma moeda única – com as diferenças orçamentais e de dívida, entre muitos outros e importantes critérios e indicadores, entre os diversos países. Temos, em síntese, um conflito fundamental: Bruxelas emite um objectivo comum – o de atingirmos um défice de 3% até 2013 – válido para todos os Estados, sendo que os caminhos para chegar até lá, para atingir esse objectivo, são definidos por cada um dos países que, partindo de bases completamente distintas, têm o mesmo tempo para atingilo. Exactamente como o avião e a bicicleta, ou o triciclo, acima descritos… Consequência de tudo isto – e de mais alguns outros aspectos de circunstância e de enquadramento - ao longo destes 11 anos, agravaram-se as diferenças entre as economias da zona Euro e vários países viram os seus desequilíbrios estruturais aumentar, monstrando-se incapazes de corrigi-los. Portugal, entre 1990 e 1998, cresceu, em média, 2,7% ao ano. Mas, a partir de 1999 e até 2009, cresceu, em média, 0,9% ao ano. Foi a maior quebra de crescimento nos países que partilharam inicialmente a moeda única, logo seguido pela Itália, Alemanha, Irlanda e Holanda. Curiosamente, neste mesmo período, a Grécia – que adoptou a moeda única na seguda fase, em 2001 - foi dos países que mais cresceu, com um valor médio de 3,5% ao ano. O que prova, mais uma vez, que o crescimento, por si só, não basta. É preciso fazê-lo preceder do equilíbrio das Contas públicas, de um maior estímulo à actividade exportadora e, acima de tudo, da adopção de critérios sólidos, coerentes e consistentes. Por fim, quanto à eventual saída de alguns países da zona Euro, tal só virá a concretizarse quando e se a Alemanha constatar que os benefícios que decorrem da integração monetária são inferiores aos custos resultantes da solidariedade em manter essa mesma integração, de forma artificial. Se Portugal podia viver sem o Euro? Podia. Mas não era a mesma coisa. Seria melhor? Seria pior? Voltarei, em breve, a este assunto. Para já, tenhamos consciência que é com o Euro que estamos e com o Euro que devemos estar.

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