A corruptela dos significados na linguagem jurídica

June 9, 2017 | Autor: Angela Kretschmann | Categoria: Information Retrieval, Languages and Linguistics, Hermenéutica, Argumentação Jurídica
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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915

A Corruptela dos significados na linguagem jurídica

Ângela Kretschmann, Cesuca/Unisinos, [email protected] 1 Celso Augusto Nunes da Conceição, Cesuca, [email protected] 2 Ney Wiedemann Neto, Cesuca/Ajuris, [email protected], 3 Victor Drummond, [email protected] 4

Resumo: O presente artigo procura destacar a importância do sentido invocado pela linguagem, em especial tomada enquanto “logos”, a exigir uma consideração séria acerca do sentido que expressa, como resultado de uma dialética que lhe imprime valor e sentido. O debate envolve o convencionalismo da linguagem sobre os conceitos abertos no direito e sobre a importância da linguagem não ser instrumentalizada, mas servir de conhecimento do objeto a que se refere. Palavras-chave: linguagem, dialética, argumentação jurídica Abstract: This article seeks to highlight the improtance of the sense invoked by the language, especially as "logos", demanding a serious consideration of its sense, as a result of a dialectic that gives it value and meaning. The debate on the conventionality of language on the open concepts in Law and on the importance of not instrumentalized language, as it serves as a knowledge of the object it refers. Keywords: language, dialetics, legal arguments

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Pós-doutora pelo Institut for Information, Telecommunication and Media Law (ITM), Münster, Alemanha. Professora e diretora de pesquisa do Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha/RS (Cesuca). Professora do Mestrado em Direito da Empresa e Negócios da Unisinos. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos/RS). 2 Professor das disciplinas de Português Jurídico e Direito e Linguagem no Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha/RS (Cesuca). Mestre e doutor em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 3 Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Mestre em Poder Judiciário, FGV Direito Rio. Professor do Curso de Direito da Faculdade Inedi CESUCA, Cachoeirinha-RS. 4 Bolsista pela CAPES do programa de pós doutorado da Universidade Estácio de Sá. Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Advogado no Rio de Janeiro. Presidente do Comitê Jurídico e de Desenvolvimento da federação de associações do audiovisual Latin Artis (Madrid).     F A C U L D A D E

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INTRODUÇÃO O ser humano é dotado de linguagem e, em função dela, é, também, um ser político. É pela palavra que expressamos o que é bom ou mau, o que é justo e injusto – exprimir algo seria, assim, possuir valores em comum que tornam possível a vida em sociedade. Pela linguagem se “chega” ao mundo e se alcançam múltiplas subjetividades. A palavra, além disso, tem força criadora e encantatória, pois pode reunir o sagrado e o profano e reúne o imaginário e a realidade. Marilena Chauí lembra que, independentemente de acreditarmos ou não em palavras místicas, mágicas ou tabus, é importante que elas existam, pois “sua existência revela o poder que atribuímos à linguagem”, poder que decorre do fato “de que as palavras são núcleos, sínteses ou feixes de significações, símbolos e valores que determinam o modo como interpretamos as forças divinas, naturais, sociais e políticas e suas relações conosco”. 5 Por outro lado, e historicamente, o Direito era um privilégio exclusivo dos sacerdotes. E, ao pronunciarem as fórmulas, “diziam” o Direito e diziam se existia para determinado caso um direito a ser aplicado através da fórmula. Na época do reinado e da República Romana, havia o Colégio dos pontífices, que eram sacerdotes-funcionários autorizados a usar as fórmulas legais para interpretá-las e tinham o monopólio sobre estas interpretações. Depois, apesar de a Lei das XII Tábuas ser reduzida a escrito, a interpretação e aplicação de fórmulas ficaram reservadas aos pontífices – que até o século III a.C. eram reservadas aos patrícios (descendentes dos patres) – apesar de serem sacerdotes, sua função era de perito da lei6. Com isso, não devemos estranhar que a linguagem jurídica tenda para uma dubiedade, porém, é necessário alertar para a necessidade de coerência ou de esclarecimento dos pontos que na realidade apenas tornam obscura e aparente essa dubiedade – ou multiplicidade de sentidos da palavra. Para uma compreensão efetiva da linguagem no Direito, é importante socorrer-nos da hermenêutica como elemento que faz parte do Direito em si e não se coloca como mera ferramenta de intermediação.

1. Língua e linguagem, dialética e verdade A diferença entre língua e linguagem pôde ser observada do diálogo tecido por Sócrates, com Crátilo. Nesse diálogo fica exposta a tese naturalista apresentada por Crátilo, pela qual as coisas são o que são independentemente do nome que têm, em contraposição à tese de Hermógenes, segundo a qual o que impera é o convencionalismo – e assim o 5

CHAUÍ, Marilena. Filosofia. 9a. ed. São Paulo: Ática. 2004. p. 139. A autora exemplifica: O melhor exemplo dessa força criadora da palavra mítica encontra-se na abertura da Gênese, na Bíblia judaico-cristã, em que Deus cria o mundo do nada, apenas usando a linguagem: “E Deus disse: faça-se”, e foi feito. Porque Ele disse, foi feito. A palavra divina é criadora (p. 138). 6 LOPES, José Reinaldo Lima. O Direito na História: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2004. p. 44-45. F A C U L D A D E

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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915 legislador é que dá nome às coisas. Para Crátilo, a pessoa não pode dizer o que diz e dizer “algo que não é”.7 Porém, depois de um tempo, concorda com Sócrates no sentido de que as “coisas que são” podem ser apreendidas sem recurso aos nomes, em que a maneira mais legítima e natural de apreender as coisas é na conexão que possuem entre si, tornando expostas as coisas que diferem dela.8 Na realidade, chegou-se à conclusão que os dois estavam certos em suas afirmações, pois falavam de coisas diferentes: Crátilo referia-se à linguagem, que é abstrata e natural, e Hermógenes à língua, que é convencional, sendo um código estabelecido pelos indivíduos com o propósito de se comunicar. 9 A disputa, na antiga Grécia, em torno do tema se a linguagem era natural ou convencional, parece atualizar-se a cada dia em nossos tribunais. Se a linguagem é natural, então o sentido que emana delas é tão natural quanto necessário, não é inventado por ninguém. Mas se a linguagem for convencional, então o sentido é arbitrário, pois convencionado socialmente. Como o Direito trabalha, em muitas ocasiões, com conceitos abertos, que serão concretizados de significação de acordo com as circunstâncias e elementos factuais de uma hipótese em análise, é possível perceber o quanto a linguagem é convencional. Mas deveria ser assim? Isso é certo? Não é sem motivos, pois, que Platão, em seu diálogo “Fedro”10, chegou a referir a três sentidos principais: a palavra é um pharmakon, envolvendo tanto a ideia de remédio, quanto de veneno e de cosmético. Daí a importância do diálogo para uma boa comunicabilidade. Gadamer procurou lembrar que, por esse diálogo, Sócrates tenta fazer entender que duas posições extremas nem sempre se excluem. Afinal, às vezes são aparentemente contraditórias quando o objeto é distinto. Gadamer lembra que não se pode reduzir a linguagem a um instrumento, e talvez Platão só quisesse mesmo mostrar, com esse diálogo, que a partir da linguagem não se pode alcançar nenhuma verdade objetiva, e a superação do “cerco” das palavras através da dialética quer dizer que o acesso à verdade não é a palavra e que só se pode conhecer a verdade de cada coisa a partir do conhecimento delas.11 Marilena Chauí lembra que séculos depois tal discussão levou à conclusão de que a linguagem, como “capacidade de expressão dos seres humanos é natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite expressarem-se pela palavra”. Por outro lado, as línguas são convencionais e históricas, um resultado de determinada cultura, linguagem esta que nasceu devido à imitação, à encenação, à necessidade, e finalmente, das emoções, formas não excludentes. Fato é que a linguagem nasce quando a expressão passa a ter um significado12, quando o grito passa a ter um sentido e quando frases e palavras passam a significar as emoções que se deseja expressar.

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PLATÃO. Platão: Diálogos: VI. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2010. p. 118. (Crátilo: 429 d) PLATÃO. Platão: Diálogos: VI., cit. p. 134. (Crátilo: 438 e) 9 CONCEIÇÃO, Celso Augusto Nunes da; KRETSCHMANN, Angela. Fazer a coisa certa ou fazer certo a coisa: Sandel e a linguagem no diálogo entre o Direito e a Psicologia IN Diálogo entre juristas e psicólogos a partir de Michael Sandel. Florianópolis: Conceito, 2014. p. 17 10 DERRIDA, Jaques. A farmácia de Platão. 3a. ed., trad. de Rogério Costa. São Paulo: Iluminuras, 2005. p. 1416 e 43-48. 11 GADAMER, Hans-Georg. Verdad y método: fundamentos de una hermenéutica filosófica. Tradução de Ana Agud Aparicio y Rafael de Agapito. V. I. 6. ed. Salamanca: Sígueme, 1996. p. 488-489. 12 CHAUÍ, Marilena. Filosofia. 9a. ed. São Paulo: Ática. 2004. p. 141. 8

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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915 Mas como isso pode acontecer no cérebro? John Searle13 dedica o capítulo “Explicação e Cognição” para discorrer sobre a explicação causal de certas funções biológicas do cérebro humano e animal, mas é cauteloso em relação a suas afirmações, conforme destaca neste excerto de sua obra: “Nem todas as funções do cérebro importam à cognição, e por isso devemos tomar cuidado ao delimitar o âmbito das funções cerebrais em questão. A ciência cognitiva trata do funcionamento ‘cognitivo’ do cérebro, sua relação com o resto do organismo e com o resto do mundo, assim como a ciência da nutrição trata do funcionamento digestivo do sistema digestivo e de sua relação com o resto do organismo e com o resto do mundo”. A passagem “com o resto do mundo” implica necessariamente a relação convencional da linguagem porque o significado está no mundo, mas a sua codificação está no ser humano, sendo arbitrária. Assim que se chegou no estudo estruturalista da linguagem: semiótica, semiologia e linguística. Importante, porém, indicar que o termo cognição, que possui origem latina (cognitiō-ŏnis) significa, mais especificamente em filosofia, a aquisição de um conhecimento ou a faculdade de conhecer14, a (capacidade de) percepção, o acto pelo qual se adquire um conhecimento15, o ato ou processo de tomar conhecimento; percepção16. Lalande, francófono, vai afirmar que cognição é palavra empregada às vezes em francês para designar o ato de conhecer ou o conhecimento em geral17. Por outro lado, o primeiro filósofo a utilizar o termo “semiótica” foi John Locke18 com a expressão “semeiotické”, que está explicitada no capítulo que trata da divisão das ciências. Seu objetivo foi estudar os sistemas simbólicos incluindo não apenas a linguagem como era tratada, mas também estudos sobre o que a extrapolava, fatores extralinguísticos: cultura em geral. Não se pode esquecer que ele participou do famoso debate da Tábula Rasa juntamente com Leibniz (Séc. XVII), a fim de discutirem se a linguagem era inata ou adquirida. Retomavam assim o diálogo Crátilo e, por conseguinte, as ideias de Platão e de Aristóteles. E não se pode prescindir da retomada do estruturalismo de Saussure19, cunhando o termo “semiologia” para postular a teoria geral dos signos. Foi o idealizador de um sistema que os restringiu ao signo linguístico: “uma entidade psíquica de dupla face, significante/significado, adquirida pela prática histórica da fala”, ligada a mais três de suas dicotomias, língua/fala, sincronia/diacronia e sintagma/paradigma. A semiologia de Saussure 13

  SEARLE, John R. Consciência e linguagem. Trad. De Plínio Junqueira Smith. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 171-173.   14 ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA, Dicionário da língua portuguesa contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa, Editorial Verbo, Lisboa, 2001. 15 SILVA, A. de Morais, Grande dicionário da língua portuguesa, Editorial Confluência, Lisboa, 1951. 16 “The act or processo of knowing; percption.” WEBSTER’S ENCYCLOPEDIC UNABRIDGED DICTIONARY OF THE ENGLISH LANGUAGE, Portland House, New York, 1989, p. 287. 17 “Ce mot est quelquefois employé en français, soit pour désigner l’acte de connaitre, soit pour désigner la conaissance en general”. ANDRÉ LALANDE, Vocabulaire Technique et critique de la Philosophie, 4a edição, Paris, 1938, Librairie Félix Alcan, p. 110. 18  LOCKE, John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. Trad. Anoar Aiex. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1999. 19  SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. 7.ed. São Paulo: Cultrix, 1975   F A C U L D A D E

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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915 foi muito difundida na Europa por muito tempo, chegando a Charles Sanders Peirce20 que preferiu a designação de Locke para desenvolver sua teoria. Acrescente-se ao exposto, algumas afirmações que acompanham as reflexões acerca da busca da verdade, palavra plurissignificativa e que tanta celeuma filosófica provoca: “Há dois tipos de verdade: as do raciocínio e as de fato. As verdades do raciocínio são necessárias e seu oposto é impossível; e as de fato são contingentes e seu oposto é possível” (Leibniz); A crença forte só prova a sua força, não a verdade daquilo em que se crê” (Nietzsche); “Jamais aceitar coisa alguma como verdadeira que não a conhecesse evidentemente como tal” (Descartes, Discurso do Método)21.

Por fim, a dialética é um termo cada vez mais utilizado e cada vez mais complicado em sua definição, necessitando, para defini-la, estar dentro de cada perspectiva filosófica, a começar com Platão, seguido de seu discípulo Aristóteles, e bem depois Hegel, Marx e Nietzsche, entre outros.

2. Casos que desafiam o aplicador-intérprete São muitos os casos que desafiam o intérprete-aplicador e que o obrigam a enfrentar o significado da língua e da linguagem. De fato, se a língua é algo cultural, o diálogo estabelecido entre pessoas que falam línguas distintas é possível e necessário, pois a língua é um sistema produzido pelo meio social, sendo assim também um produto cultural. Dizendo de outra forma, o diálogo pode ser estabelecido entre pessoas de uma mesma comunidade linguística ou entre as que falam línguas distintas, necessitando para isso que ambas conheçam o código escrito uma da outra para que consigam se entender entre si. Importante destacar que existe o “significado do falante”, em que ele o utiliza com fins dos mais variados possíveis, inclusive o modo diferente da prescrição gramatical, ou seja, o significado de sua expressão e o efetivamente pretendido por ele não coincidem22. O problema desse descompasso, entre o significado gramatical e o do falante, diz respeito às “descrições definidas”, descoberto por Keith Donnellan (1966)23, o qual apresenta um exemplo Imagine uma festa na qual um homem [Léo, por exemplo) está num canto, tomando aos poucos uma bebida que se parece com um martíni. Hugo, acenando com a cabeça na direção de Léo, diz a Lea: (6) “O homem que está tomando martíni é louco. Na realidade, esse homem no canto está bebendo água e Lea sabe disso. Mas, pelo comportamento de Hugo, Lea entende assim mesmo que ele pretendia dizer que Léo é que é louco. Portanto. A comunicação foi bem sucedida. 20

 PEIRCE, Charles Sanders. (1999). Semiótica, trad. José Teixeira Coelho Neto. 3a. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999. 21   JAPIASSÚ, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. 22   CHIERCHIA, Genero. Semântica. Trad. Luis Arthur Pagni, Lígia Negri e Rodolfo Ilari. – Campinas, SP: Editora da Unicamp; Londrina, Pr: Eduel, 2003. 23  DONNELLAN, k. Reference and definite descriptions. The Philosophical Review, n. 75, 1966. F A C U L D A D E

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O próprio Donnellan (1966, p. 243-244) chama isso de uso referencial das descrições em contraposição aos usos atributivos, que também são exemplificados abaixo: Imaginemos ter descoberto que alguém numa festa (não se sabe qual dos presentes) trocou todos os martínis por veneno, com exceção do dele mesmo, para executar uma vingança. Se pronunciarmos a mesma sentença (6) numa situação como essa, a estaremos empregando atributivamente. Nossa intenção será então dizer que o único homem que estiver bebendo martíni (quem quer que seja) é louco (pois está querendo envenenar todo mundo).

Nos usos atributivos, a pretensão do falante é referir-se à expressão que tem o seu significado denotativo, enquanto nos usos referenciais, o falante pretende se referir a alguma coisa para o qual tanto a descrição, como a caracterização, está sendo alvo de sua percepção. CHIERCHIA (2003). Ainda com relação a esses dois tipos de significado, Robert Stalnaker (1982), em sua obra Pragmática24, a define como “Ambiguidade pragmática”, citando inclusive os exemplos do próprio Donnellan (1966). Fica claro nestes exemplos que o significado do falante é construído no momento do diálogo, eliminando a questão de que o significado já está pré-definido no léxico de uma língua. Apesar de esses exemplos não se caracterizarem como forma explícita de corruptela de significado, apresenta a sua nuance como produto do meio no instante da enunciação, o que não descarta a possibilidade de o falante adequar-se a uma situação que pode lhe ser desfavorável e assim fazer a “alteração” do significado a partir de sua intenção. Quanto à intencionalidade, o teórico Paul Grice apresenta em seu artigo “Lógica e Conversação”25 os Princípios de Cooperação em que máximas da conversação devem ser respeitadas, mas que podem ser violadas ou quebradas para implicar significados. Especificamente a esse caso, a máxima é a de modo: “Seja claro”, evitando, dentre outros princípios, a ambiguidade. O falante viola/quebra essa máxima para gerar ambiguidade com a intenção de implicar tanto o significado descritivo como o referencial e daí fazer uso do qual é o mais adequado à situação. De todo modo, sabemos do perigo que corremos quando utilizamos uma palavra em um contexto solene, como o é o de um Tribunal. Não há tanto espaço ali para um retorno, por exemplo, a uma versão da palavra como “mythos”. Cabe aqui lembrar Garapon quando este afirma que : A omnipotência do pensamento reflecte-se no direito, que é uma organização autoritária do real feita por intermédio de uma linguagem operatória. Essa omnipotência é perceptível, desde logo, no valor quase mágico que a linguagem jurídica atribui às palavras. Por exemplo, a questão que envolve a dignidade da pessoa humana, e em que situações essa dignidade pode estar sendo ameaçada ou ofendida. A submissão de uma pessoa ao trabalho análogo ao de escravo seria uma hipótese. O não fornecimento pelo Estado de um medicamento ou de um tratamento para a saúde, em razão do que a pessoa poderia morrer, talvez fosse outro exemplo, mas em que limites? Através da subsunção há que se buscar a 24

 STALNAKER. Robert C. (1982). Pragmática. In: Dascal, M. (org.) (1982, p. 72).   GRICE. Paul. (1982). Lógica e Conversação. In: Dascal, M. (org.) (1982, p. 81).    

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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915 adequação do fato à hipótese, e muitas vezes o conceito é abstrato, havendo por parte do aplicador da norma certa subjetividade da sua adequação e pertinência. Por isso as metáforas são, muitas vezes, de uso difícil em discussões jurídicas, mais especificamente a utilização de expressões de cunho mais popular. De todo modo o hermetismo do Direito se baseia num isolamento que, muitas vezes, não demonstra claramente ao não jurista o sentido que se atribui a determinadas expressões. Em suma, o uso de determinadas expressões no Direito e pelos juristas é altamente excludente e, como escusa, se atribui uma solenidade. Uma espécie de solenidade e supervalorização na própria incapacidade (não admitida) do jurista em definir, muitas vezes, o indefinível. Como a fraqueza (inadmitida) de muitos juristas está na incapacidade de se dominar a linguagem, ele ainda mais a torna falsamente complexa, distanciando os não juristas da compreensão. Este abismo faz com que o ambiente jurídico seja considerado diferente do universo “real não jurídico”, o que, de fato dificulta a comunicação e intermediação até mesmo de valores. Há outros casos como o da função social da propriedade. Como aferir se um latifúndio nas mãos de um único proprietário que o usa para a pecuária está ou não cumprindo a sua função social? Há caso de invasão de terras em Passo Fundo, pelo MST, em que o Tribunal de Justiça indeferiu que o fazendeiro proprietário fosse reintegrado na posse, por interpretação que ele não estava dando à terra a sua plena função social, que seria mais bem realizada pelos invasores. Os conceitos indeterminados também permitem essa discussão do significado das expressões e a sua adequação às hipóteses práticas a que diariamente são os juízes chamados ao exercício de subsunção: má-fé, boa-fé, função social da empresa, função social do contrato, pobreza (para ganhar o benefício da gratuidade judiciária), e assim por diante. Porém, há outros casos em que não haveria “massa de manobra”, isto é, o sistema não conferiria essa “subjetividade” ao aplicador, a ponto de poder extrair da mesma norma mais de um significado. Isso, aliás, é um dos fatores da chamada “insegurança jurídica”, quando os juízes interpretam e aplicam de modo contraditório as normas, delas extraindo significados que não foram previstos e que não podem ser aceitos como razoáveis ou admissíveis. Nesse sentido: “O processo social, que racionaliza nossa vida e nosso pensamento, afastounos do tratamento metafísico do desenvolvimento social e nos ensinou a ver a possibilidade de um tratamento empírico; mas fez o seu trabalho de maneira tão imperfeita que devemos ser cuidadosos ao tratar do próprio fenômeno, mais ainda do conceito com o qual o compreendemos e, mais do que todos, da palavra com a qual designamos o conceito e cujas associações podem desencaminhar-nos para todo tipo de direções não desejadas”(...) Com tantas generalizações apressadas em que a palavra “evolução” cumpre um papel, muitos de nós perderam a paciência”.26

Um caso emblemático é o que diz respeito ao significado de “invalidez funcional por doença”. Trata-se de situação específica, criada e definida por norma jurídica, que não deveria permitir interpretações divergentes a respeito. É uma espécie de invalidez para a qual a SUSEPE (Superintendência dos Seguros Privados), que é a agência reguladora dos contratos

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SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria Sílvia Possas. São Paulo: Abril Cultural, 1982. p. 43. F A C U L D A D E

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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915 de seguro no Brasil, criou um seguro específico que pode ser oferecido pelas seguradoras, junto com o seguro de vida em grupo. A Circular n. 302, de 2005, da SUSPE criou a cobertura de invalidez funcional por doença e no seu artigo 17 definiu-a como sendo “aquela que se caracteriza pela perda da existência independente do segurado que inviabilize, de forma irreversível, o pleno exercício de suas relações autonômicas”. Como se vê, invalidez funcional não tem vinculação com invalidez profissional. Decorre do comprometimento da função de membros ou órgãos que inviabilize, de forma irreversível, as funções autonômicas do segurado, em nada se confundindo com o risco do seguro social que garante o risco de invalidez profissional. Podese dizer que é uma invalidez mais “forte”, mais “grave” do que a invalidez para o trabalho. De outro modo, pode-se concluir que todo aquele que está inválido funcionalmente, por consequência lógica também está inválido para trabalhar, mas que a recíproca não é verdadeira. Tanto é assim que o próprio artigo 5º da Circular n. 302/2005 da SUSPE completa que “a aposentadoria por invalidez concedida por instituições oficiais de previdência não caracteriza a invalidez funcional por doença”. O laudo pericial do INSS comprova invalidez profissional, mas não prova ocorrência de risco diverso (invalidez funcional). Na prática, muitas pessoas obtiveram o benefício da aposentadoria por invalidez no trabalho, passando a receber o benefício do INSS, e entenderam que seriam, só por isso, merecedoras também da indenização prevista no seguro de vida em grupo estipulado pelo empregador para a cobertura de invalidez funcional (muitas apólices não têm previsão de cobertura para invalidez laboral, pelo elevado custo do prêmio mensal dessa rubrica). De modo curioso e surpreendente, em alguns julgamentos do Poder Judiciário, inclusive do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, decidiu-se na interpretação e aplicação da norma de modo mais favorável ao segurado, através de uma corruptela do significado das palavras. Ou seja, a fundamentação/justificação dos desembargadores do Tribunal de Justiça para condenar a seguradora a pagar a indenização por cobertura para risco não contratado (invalidez laboral) foi no sentido de afirmar que a expressão “invalidez funcional” seria um sinônimo. Veja-se o argumento: É necessário a análise da etimologia de "funcional" e "função", a fim de aferir o implemento da condição que dá direito a percepção da indenização securitária. Assim, considerar a cobertura de invalidez funcional por doença como aquela que cause a impossibilidade de o segurado praticar a função, o labor que exercia é à medida que se impõe. Apelação Cível Nº 70060905940, Quinta Câmara Cível do TJRS.

Esse tipo de argumento, que busca mudar o significado das palavras para delas extrair um sentido que não foi aquele a elas atribuído quando da criação da norma, foi repelido pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça, que modificou os julgamentos dos tribunais de justiça, especialmente nesse caso da corruptela do significado da expressão “invalidez funcional’, como se pode ver no seguinte julgado: Na Invalidez Funcional Permanente Total por Doença (IPD) a incapacidade para “função” interpreta-se no sentido físico ou mental geral, de modo a implicar a perda de atividade independente, não exigido, contudo, estado F A C U L D A D E

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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915 vegetativo, e não para a “função” laborativa que vinha exercendo o segurado, podendo ele exercer outras atividades, que não a para a qual incapacitado, ainda que em outro emprego. REsp n. 1.259.628 – SE

Ou seja, o STJ recuperou o sentido original da norma, nos termos em que o art. 17 da Circular n. 302/2005-SUSEPE lhe conferiu, não permitindo a sua desvirtuação. Isso nos confere, de certo modo, um alerta para os limites da argumentação jurídica a partir dos fundamentos da semiótica e da filosofia da linguagem, quanto às nossas possibilidades de interpretação do significado das palavras e da sua concretização às situações da vida nas quais somos chamados a fazer o juízo de adequação. De fato, segundo Wittgenstein II e sua teoria da linguagem, “a função da linguagem é a representação do mundo”, existe uma grande diversidade de “jogos de linguagem”, conforme explica no parágrafo 23.27 A questão é, então, delimitar esses jogos para que a própria dialética seja possível. Os linguistas já tiveram oportunidade de chamar atenção para o fato de que a criação de um signo pode ser arbitrária ou convencional. Só que depois de criado esse signo passa a ter um sentido necessário naquela língua,28 e assim deve ser visto e respeitado, o que pode ser feito levando em conta as diferenças entre a linguagem simbólica e a linguagem conceitual (que evita a imaginação e sentido figurado e procura dar um sentido direto às palavras). O problema nesse caso é a necessidade de maior aprofundamento nos estudos de Saussure29 (1971) em função de sua proposta estruturalista/semiológica abordar quatro dicotomias que interagem entre si: Significante/significado, língua/fala, sincronia/diacronia e relações sintagmáticas e paradigmáticas juntamente com algumas e mais importantes propriedades do signo verbal (ou linguístico): a sua arbitrariedade e mutabilidade/imutabilidade. Por exemplo, a arbitrariedade do signo existe porque não há motivação para que se conceba o significante e seu significado. E ele, o signo, é mutável ou imutável? Se for mutável, então haverá alteração na relação do significante com o significado, existindo a necessidade de se fazer um estudo diacrônico para analisar todos os períodos em que foi alterando a sua relação. Se for imutável, o estudo é sincrônico em função de o sistema ser analisado em somente um período. E a linearidade é em relação ao seu significante O século XX debruçou-se longamente sobre a questão da linguagem, passando de um giro linguístico para o giro ontológico-linguístico, da segunda fase de Wittgenstein, para além do Tratado Lógico-Filosófico. Assim a linguagem jurídica também encontrou as falas de Heidegger e Gadamer, onde a linguagem passa a ser condição de possibilidade do próprio discurso.

27

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1996. 28 CHAUÍ, cit., p. 147. E afinal, “o processo de análise e generalização, que constitui a base do ato intelectual, depende da estrutura lógica da falta”, sendo que o significado das palavras, a base das ideias, se desenvolve na infância… (LURIA, Aleksandr Romanovich. Fundamentos de Neuropsicologia. Rio de Janeiro: USP, Livros Técnicos e científicos, São Paulo, 1981. p. 286). 29  SAUSSURE, F de. (1971). Curso de Lingüística Geral. 7 ed. São Paulo: Cultrix, 1975.   F A C U L D A D E

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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915 Importa é que com a hermenêutica, e ainda mais com a hermenêutica contemporânea, já não é mais possível “inventar” sentidos e alegar que o positivismo não estaria sendo suficiente para apresentar soluções e respostas para o Direito. Nas palavras de Streck30: Compreendida stricto sensu, a hermenêutica como a discutimos hoje é um produto da modernidade, ou seja, nasce com a revolução provocada pelo nascimento do sujeito. A crise que atravessa a hermenêutica jurídica possui uma relação direta com a discussão acerca da crise do conhecimento e do problema da fundamentação, própria do início do século XX. Veja-se que as várias tentativas de estabelecer regras ou cânones para o processo interpretativo a partir do predomínio da objetividade ou da subjetividade ou, até mesmo, de conjugar a subjetividade do intérprete com a objetividade do texto, não resistiram às teses da viragem ontológico-linguística, superadoras do esquema sujeito-objeto, sobre a qual escrevo amiúde em Hermenêutica Jurídica e(m) crise. O positivismo — compreendido lato sensu (ou seja, as diversas facetas do positivismo) – não conseguiu aceitar a viragem interpretativa ocorrida na filosofia do direito e suas consequências no plano da doutrina e da jurisprudência. Daí que, quando falamos em positivismos e pós-positivismos, torna-se necessário, já de início, deixar claro o “lugar da fala”, isto é, de onde estamos falando. Com efeito, de há muito minhas críticas são dirigidas primordialmente ao positivismo normativista póskelseniano, isto é, ao positivismo que admite discricionariedades (ou decisionismos e protagonismos judiciais).

Em geral, dado que o Juiz precisa decidir de qualquer forma, apelando para analogia e princípios gerais do direito, acaba assumindo uma posição discricionária e passando a dar “novos nomes” às coisas. Essa discricionariedade é perigosa, pois vem eivada, muitas vezes, de arbitrariedade. Esse “descontrole” é perigoso, e ofende inclusive princípios da democracia. Se existe uma Constituição, e se ela não é apenas de “papel”, então ela oferece respostas corretas para os casos concretos. Ou seja: os casos concretos não poderão oferecer novas respostas, pois as respostas já estão dadas. Se não for assim, então a Constituição Federal pode ser rasgada, pois não serviria para nada. Se há democracia e Constituição Federal, então existem respostas corretas, elas não precisam e nem devem ser “inventadas”. A invenção ou criação de respostas conduz aos decisionismos apontados por Streck que se manifestam de forma arbitrária muitas vezes e possibilitam os incontáveis princípios inventados, criados pelos juristas, e, mais gravemente, pelos julgadores, sob forma do que ele vem denominando pamprincipiologismo. A escola fundada por Streck, denominada Crítica Hermenêutica do Direito (CHD) que anteriormente respondia pelo nome Nova Crítica do Direito31, aponta que há necessidade, por parte da comunidade jurídica, de observar que houve um giro ontológico (ontologic turn), uma viragem lingüística em várias áreas do conhecimento, em especial da Filosofia, e que deve ser absorvida pelo Direito. Assim, dentre vários argumentos, expõe exaustivamente que o jurista brasileiro necessita observar o Direito e este não pode ser visto sob a ótica de uma

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Streck, Lenio Luiz, Supremo pode deixar de aplicar lei sem fazer jurisdição constitucional? Acessado em17 de fevereiro de 2015 em: http://www.conjur.com.br/2014out-25/observatorio-constitucional-stf-deixar-aplicar-lei-jurisdicao-constitucional. 31   Lenio Luiz Streck começa a desenvolver o que acaba denominando por Nova Crítica do Direito a partir de sua obra Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, obra publicada pela Editora Livraria do Advogado no ano de 1999, que tem como fundamento básico a análise de como se decide no campo do Direito hodiernamente no Brasil.   F A C U L D A D E

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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915 manifestação pessoal por parte dos juristas e, por fim, que o juiz não pode ser um sujeito solipsista. CONCLUSÃO Retomando a origem da palavra e da linguagem para os gregos, lembramos que para referir-se à palavra e à linguagem “os gregos possuíam duas palavras: mythos e logos. O logos pode aparecer de três modos distintos: como fala/palavra (discurso, argumento e prova), como pensamento/ideia (raciocínio e demonstração) e como realidade/ser (nexos e ligações universais e necessários entre os seres). 32 O interessante é justamente essa duplicidade da linguagem com o mythos e logos que explica as distinções entre as palavras solenes e as mágicas, as leigas e as científicas, o que nos leva a pensar o quanto o discurso jurídico está mais próximo de uma ou de outra, às vezes, em casos muito semelhantes como acabamos de ver. É como se, de alguma forma, forçosamente fosse retomada uma linguagem mítica para alcançar determinado sentido inexistente para a linguagem vista como “logos”. Por outro lado, não sem demora a exigência de maior “purificação” e seriedade no uso da linguagem pode levar à acusação de positivismo exacerbado. Afinal, esse era o objetivo do Positivismo Lógico, entendendo que a linguagem das ciências, mais especialmente da matemática e da física poderiam efetivamente “limpar” e aproximar a linguagem da perfeição. Precisamos cuidar para não incorrer nesse risco. Porém, também não podemos incorrer no “mythos”, ou na falta de cuidado de uma “linguagem natural” no Direito. Com certeza, é importante a definição de linguagem como uma abstração ou capacidade para adquirir as línguas, as quais são códigos diferentes em função de cada comunidade linguística, e, finalmente, a fala como a realização física das sentenças, ou seja, o ato de enunciar o que mentalmente se constrói a partir dos vocábulos e de sua posição na frase ou sentença. Dentro desse espectro linguístico existem os aspectos semânticos e pragmáticos, em que o primeiro trata do significado das sentenças e o outro da intencionalidade do ato de fala. E finalmente, os aspectos semiológicos de cada área darão maior consistência às relações de significado do que é dito e do que é entendido e também por fazer relação com as questões culturais de um povo. Mas para além dessa sistematização, em níveis lógicos e semiológicos, a argumentação jurídica não pode escapar de compreender-se no plano da hermenêutica filosófica, ou seja, não pode pressupor que o sentido das coisas está nas coisas, como na metafísica clássica, e nem que o sentido das coisas é dado pela subjetividade (com a virada antropológica da modernidade), mas sim que o sentido está na linguagem, e não interpretamos as coisas para compreendê-las, ao contrário, compreendemos para então interpretar. Com isso, sim, a interpretação, que é aplicação, restaria mais compreensiva. Em suma, lembrando Streck, devemos deixar que o texto fale e não tentar falar por ele. Uma outra questão que é temerária é a incapacidade do ser para a linguagem. Se a capacidade do ser para compreender o texto for frágil, e se o ser que pode ser compreendido é linguagem, o que será do texto e da norma se a própria linguagem não é mais compreendida, ou se o ser encontra seu limite na sua incapacidade para a linguagem? Acabaremos de novo 32

CHAUÍ, cit., p. 139.

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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915 na discricionariedade, ou então no ativismo judicial. Acabaremos inventando respostas novas, acabaremos dando novos nomes para coisas que já tem nome. Definitivamente pois, a comunidade brasileira precisa compreender urgentemente o giro linguístico e perceber, principalmente, que não se trata de teses mirabolantes ou de um espectro unicamente teórico, pois de sua compreensão se poderá extrair decisões justas, mais adequadas e corretas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHAUÍ, Marilena. Filosofia. 9a. ed. São Paulo: Ática. 2004. CHIERCHIA, Genero. Semântica. Trad. Luis Arthur Pagni, Lígia Negri e Rodolfo Ilari. – Campinas, SP: Editora da Unicamp; Londrina, Pr: Eduel, 2003. CONCEIÇÃO, Celso Augusto Nunes da; KRETSCHMANN, Angela. Fazer a coisa certa ou fazer certo a coisa: Sandel e a linguagem no diálogo entre o Direito e a Psicologia IN Diálogo entre juristas e psicólogos a partir de Michael Sandel. Florianópolis: Conceito, 2014. DERRIDA, Jaques. A farmácia de Platão. 3a. ed., trad. de Rogério Costa. São Paulo: Iluminuras, 2005. DASCAL, Marcelo (Org). Fundamentos Metodológicos da Linguística : Vol. IV Pragmática – Problemas, Críticas, Perspectivas da Linguística. Campinas: Financiado pelo próprio organizador, 1982. DONNELLAN, k. Reference and definite descriptions. The Philosophical Review, n. 75, 1966. GADAMER, Hans-Georg. Verdad y método: fundamentos de una hermenéutica filosófica. Tradução de Ana Agud Aparicio y Rafael de Agapito. V. I. 6. ed. Salamanca: Sígueme, 1996. GRICE. Paul. (1982). Lógica e Conversação. In: Dascal, M. (org.) (1982, p. 81). JAPIASSÚ, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. LOCKE, John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. Trad. Anoar Aiex. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1999. LOPES, José Reinaldo Lima. O Direito na História: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2004. LURIA, Aleksandr Romanovich. Trad. de Juarez Aranha Ricardo. Fundamentos de Neuropsicologia. Rio de Janeiro: USP, Livros Técnicos e científicos, São Paulo, 1981. p. 286. PEIRCE, Charles Sanders. (1999). Semiótica, trad. José Teixeira Coelho Neto. 3aed. São Paulo: Perspectiva, 1999. PLATÃO. Platão: Diálogos: VI. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2010. PLATÃO. Platão: Diálogos: Fedro. SAUSSURE, F de. (1971). Curso de Linguística Geral. 7ed. São Paulo: Cultrix, 1975. F A C U L D A D E

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ANAIS DA IX MOSTRA CIENTÍFICA DO CESUCA – NOV./2015 ISSN – 2317-5915 SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria Sílvia Possas. São Paulo: Abril Cultural, 1982. SEARLE, John R. Consciência e linguagem. Trad. De Plínio Junqueira Smith. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 171-173. STALNAKER. Robert C. (1982). Pragmática. In: Dascal, M. (org.) (1982, p. 72). STRECK, Lenio Luiz, Supremo pode deixar de aplicar lei sem fazer jurisdição constitucional? Acessado em17 de fevereiro de 2015 em: http://www.conjur.com.br/2014-out-25/observatorio-constitucional-stf-deixar-aplicar-leijurisdicao-constitucional. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

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