A Criação da Detective Fiction e a Conspiração Clássica

September 13, 2017 | Autor: Anabela Duarte | Categoria: Conspiracy Theories, Detective Fiction, Conspiracy Culture, Detective fiction and crime writing, Vidocq
Share Embed


Descrição do Produto

3. A criação da detective fiction e a sua relação com a conspiração
clássica
Neste capítulo veremos como as principais histórias de detectives de Poe
(ou Tales of Ratiocination, de acordo com o autor) contribuíram para a
génese de um novo género de literatura – a literatura de detecção – cujos
principais seguidores fizeram história, como é o caso de Sherlock Holmes,
de Conan Doyle, porventura a figura mais mediática do género detectivesco.
Da trilogia poeiana fazem parte, como é do conhecimento geral, os contos
"Murder in The Rue Morgue", "The Mystery of Marie Roget" e "The Purloined
Letter", a que ainda se poderia acrescentar como exemplos de Tales of
Ratiocination, "The Gold-Bug" ou "Thou Art the Man". Veremos ainda como a
criação da detective fiction de Poe, ainda em embrião (na evolução do
género) mas já de si plenamente acabada pela finura e recorte estilístico
de cada história, vai contribuir para a definição de um tipo de conspiração
de carácter urbano cujas raízes assentam em arquétipos culturais, desde a
figura do xamã com a sua panóplia de técnicas de expurgação do mal social,
aos famosos eventos bíblicos onde guerra e poder se encontram intimamente
ligados a uma visão religiosa e conspirativa do mundo.
No decorrer da análise, veremos como a trilogia de Auguste Dupin,
célebre herói das histórias de detectives de Poe e que iniciou uma saga de
escritos e escritores dedicados a seguir e a desenvolver a fórmula
narrativa poeiana de cariz detectivesco, explicita as ligações de Poe e da
detective fiction a Paul Auster e a The New York Trilogy. De seguida,
relacionaremos a detective fiction com a conspiração clássica e as suas
ligações à hard-boiled novel bem como ao negative thriller, e analisaremos
os pontos de contacto com a trilogia de Auster.
Do consenso geral já faz parte o reconhecimento de Edgar Allan Poe
como autor indiscutível da primeira história de detectives ("Murder in the
Rue Morgue") e do género policial, por excelência. O escritor, entretanto,
inspirou-se na literatura e na sociedade francesas da época, especialmente
na figura de Eugene Vidocq, cujas Mémoires (1828-9) constituem uma fonte de
conhecimento imprescindível sobre o sub-mundo do crime dos inícios do séc.
XIX. Vidocq, mestre da arte do disfarce, era um criminoso que chegou a
detective e a chefe principal da Paris Sûreté,[1] associação policial
dedicada à investigação criminosa, em 1812. As suas memórias pertencem a
uma tradição do romance policial, por elas iniciada, constituída pela
literatura popular ("low-life literature") e, sobretudo, pelas
autobiografias de detectives.[2] A tradição com base na literatura popular
descreve-a como uma literatura do crime ligada ao exótico, à irrupção do
patológico na ordem geral da sociedade e reflecte uma grande simpatia pela
figura do herói fora-da-lei, dado que as desigualdades socio-económicas
atravessavam toda a estrutura social, sendo o criminoso (especialmente o
ladrão, pois o assassínio brutal não captava a simpatia do povo) tratado
com compaixão e, não raras vezes, admiração. A tradição com base nas
autobiografias de detectives, como a própria denominação sugere, descreve
as peripécias do herói detective, inscrevendo-as num clima de suspense e de
"realismo", como salienta F.W.Chandler no prefácio à edição inglesa de
Vidocq:
That his skill lay rather in plain, common-sense observation and
utter fearlessness
than in the fantastic piecing together of apparently contradictory
clues is merely
because he was dealing with actual fact and not sensational
fiction.[3]


Poe, na continuidade destas referências, criou aquele a que poderíamos
chamar o herói hermeneuta, cuja missão seria a de bem interpretar e
deduzir,[4] iniciando o que se passou a chamar literatura de detecção, e
dando assim início ao romance policial moderno. Na mesma linha, foi
precursor do desenvolvimento de um método eficaz para a descoberta do
crime/solução da conspiração, o que contribuiu também para uma nova
formulação científica da trama conspirativa. Até aí a conspiração
desenvolvera-se de acordo com as intrigas de corte, nos bastidores, e agia
como um escape aos conflitos amorosos e sociais, ou de poder, que eram
solucionados sem método concreto, mas ao sabor das tendências político-
sociais do momento. Poe, através das primeiras histórias de detectives,
cria uma epistemologia da conspiração, uma teoria científica cujo método
hipotético-dedutivo fornece uma maior qualidade interpretativa para a
solução do crime.
Raymond Chandler, no trecho anteriormente citado, critica precisamente
esta postura e este método hermenêutico e procede à apologia do herói da
acção, ao invés do herói hermeneuta. Todavia, a hard-boiled novel, como
veremos mais adiante, não descura uma componente intelectual forte a par da
sua dilecta componente física que confere um estilo peculiar a este tipo de
literatura. Assim, o método de Poe sobrevive nestas histórias, embora nem
sempre encontre a desejada solução, como invariavelmente acontece nas
histórias de Dupin.
Auguste Dupin, o herói detective das histórias de Poe, é um excêntrico
solitário, cujo poder de dedução o leva sempre a descortinar o momento
azado da conspiração e do crime para, finalmente, encontrar a solução do
mistério e o culpado do crime que responde à questão essencial do
whodunit.[5] Assim, o essencial é encontrar o criminoso, o autor do crime
que gerou, em primeiro lugar, o início da demanda de detecção. Para isso, é
utilizado, sobretudo, um conjunto de ferramentas intelectuais, verdadeiros
puzzles mentais, bem como uma série de deduções engenhosas e uma linguagem,
no caso de Poe, de cariz literário.
Fundamental é, também, o interesse na reconstrução do crime através do
pormenor e não do quadro geral dos eventos, pois o detalhe mais
insignificante pode conter significações profundas (uma pista, uma
armadilha, etc.). Em "The Murders of the Rue Morgue", por exemplo, Poe
explicita a importância dos detalhes e da análise minuciosa dos
acontecimentos, dando como exemplo uma partida de xadrez:
He notes [the player] every variation of face as the play progresses,
gathering a fund of thought from the differences in the
expression of certainty, of surprise, of triumph, or chagrin. (...) A
casual or inadvertent word; (...) embarassment, hesitation, eagerness,
or trepidation – all afford (...) indications of the true state of
affairs."[6]


Ainda em The New York Trilogy, Quinn, por exemplo, utiliza abundantemente
estes procedimentos próprios do detective clássico: "in the good mystery
there is nothing wasted, no sentence, no word that is not significant."[7]
Mas a Auster voltaremos mais adiante.
Esta importância atribuída ao detalhe e ao infinitely little[8] aponta
para uma distinção fundamental no tipo de racionalidade típica do romance
policial clássico. Trata-se da dualidade entre razão sintética e razão
analítica, ou logica utens e logica docens,[9] se quisermos. A primeira
exemplifica um tipo de lógica usado no dia a dia, de carácter geral e
rudimentar, de efeitos práticos e imediatos na busca de uma verdade útil,
ao invés do segundo tipo de lógica, de carácter mais sofisticado, que
constitui no essencial um método de reflexão e descoberta científica da
verdade (ou de uma verdade). Contudo, a lógica do quotidiano, a lógica
comum, não é posta completamente de parte, já que vai servir de alimento à
depuração da lógica analítica. O próprio e celebérrimo Holmes assegura que
os seus métodos não são nada mais do que systematized common sense[10] mas,
a meu ver, talvez esteja a ser demasiado modesto, tendo em conta a sua pose
aristocrática e os inúmeros conhecimentos sobre variadíssimas matérias com
que deleita o leitor mais ou menos prevenido.
A tónica no raciocínio e no processo de descoberta da verdade através
do método hipotético-dedutivo é, no entanto, um factor essencial no romance
policial clássico e, em Poe, isso é evidente nas três histórias de Dupin,
bem como noutras, em que a capacidade de raciocínio toma um cunho
particular, uma espécie de estado de espírito do narrador, que não detecta
nem deduz mas que, de certa maneira dominado por um transe racional,
realiza a mediação entre a própria experiência do real e o seu estado de
espírito muito particular.
Em "The Black Cat", por exemplo, é curioso constatar como o narrador
realiza o diagnóstico e procede à análise da experiência à medida que o seu
comportamento se transforma radicalmente, culminando no assassínio da
esposa e do gato preferido e, por fim, na astuta preparação da sua
inocência, que acaba por ser impressionantemente gorada. Ele próprio
afirma:
This spirit of perverseness, I say, came to my final overthrow. It was
this unfathomable
longing of the soul to vex itself – to offer violence to its own nature
– to do wrong for the wrong's sake only – that urged me to continue
and finally to consumate the injury I had inflicted upon the
unoffending brute.[11]


Assim, o narrador está consciente da sua ligação com o real e do mal que
perpetua mas, ao mesmo tempo, não consegue mudar de rumo e vê-se impelido
para a sua própria desgraça, analisando a posteriori cada pormenor do seu
comportamento, do seu pathos, como se essa análise estivesse desde já
implícita no próprio momento da acção.
Em Poe, é sempre interessante salientar esta oscilação entre uma
capacidade de raciocínio extremamente aguda e objectiva e o carácter pró-
fantasmático dos acontecimentos que tornam a aliança entre lógica e
imaginação numa peça fundamental da arte de narrar poeiana, quer nas peças
de análise introspectiva e dramática, como a que acabámos de mencionar em
"The Black Cat", quer nas de carácter detectivesco, em que é o próprio
narrador que sugere essa dicotomia/oscilação do carácter de Dupin que, no
fundo, se projecta no tipo de racionalidade e imaginação da pesquisa
detectivesca:
(...) I often dwelt meditatively upon the old philosophy of the Bi-Part
Soul, and amused myself with the fancy of a double Dupin – the
creative and the resolvent.[12]

A filosofia da alma bipartida projecta, assim, uma dualidade peculiar em
Poe e no seu personagem Dupin. No livro, Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe,
Daniel Hoffman afirma igualmente: "His mind (Dupin's), working by
metaphoric analogies, combines poetic intuition with mathematical
exactitude".[13] Esta conjugação entre o tom racional e o tom poético na
abordagem à solução do mistério e do crime confere ao tipo de
racionalização de Poe uma espécie de sentido onírico que transcende a mera
razão positivista, levando essa razão mais longe e a vários níveis da
realidade, através da associação de ideias que aponta para aquilo que hoje
em dia se designa por nível inconsciente da mente, do eu.
A dupla face do método detectivesco em Poe pode ainda remeter-nos para
a noção de Play of Musement do filósofo americano Peirce, o qual chega a
citar em obra própria "The Murders of the Rue Morgue" de Poe, como um caso
exemplar do pensamento analítico.[14] A Play of Musement constitui,
precisamente, um conceito que sugere a alegria da meditação e da
duplicidade que a rege, isto é, o próprio conceito encerra dois vocábulos
aparentemente opostos (jogo e meditação/imaginação e lógica), transformando-
os numa noção que funciona como uma apologia do pensamento lúdico.
O conceito de play of musement partilha, de facto, muitas analogias com a
fonte poeiana, pois como afirma Dupin em "The Murders of the Rue Morgue":
As for the murders, let us enter into some examinations for ourselves,
before we make up an opinion respecting them. An inquiry will afford us
amusement," (I thought this an odd term, so applied, but said
nothing)...[15]

Desta passagem sobressai exactamente a duplicidade do conceito de Peirce,
que oscila entre a lógica e a imaginação, sendo de destacar a importância
da investigação (musement) a par do divertimento e do prazer causado pelo
próprio exercício intelectual (play). O narrador acha o termo "amusement"
empregue por Dupin um pouco estranho, dadas as circunstâncias de carácter
tão dramático, mas Dupin sabe de antemão que é essa capacidade de jogo e de
divertimento intelectual que levará à solução do mistério. Podemos
verificar, igualmente, em Poe, como os acontecimentos mais imprevisíveis e
fantásticos são reduzidos, como o próprio afirma: " (to) nothing more than
an ordinary sucession of very natural causes and effects".[16] E por outro
lado, como muitas vezes os factos tão aparentemente banais escondem a
solução dos maiores enigmas e mistérios.
Do primeiro caso poder-se-á tomar como exemplo "The Black Cat", cujos
acontecimentos extraordinários são reduzidos logo no início do texto a um
desvario da personalidade do narrador, não constituindo, por isso, nada de
transcendente mas apenas e só uma sucessão natural de causas e
efeitos.[17]Na mesma linha de pensamento, poderíamos citar Dupin em "The
Murders of The Rue Morgue":
It appears to me that this mystery is considered insoluble, for the
very reason which should cause it to be regarded as easy of solution –
I mean for the outré character of its features. [18]

Um crime tão insólito quanto o da Rue Morgue, de acordo com Dupin, será
mais fácil de solucionar devido, precisamente, ao carácter excessivamente
insólito dos acontecimentos. O insólito, neste caso, constitui o próprio
indicador daquela "sucessão natural de causas e efeitos" atrás mencionada,
na medida em que Dupin consegue deduzir, do quadro geral dos
acontecimentos, que tal crime não poderia ter sido cometido por um ser
humano, facto que não havia sequer sido ponderado pela polícia local.
Pelo contrário, aquando do assassinato de Marie Roget, por exemplo,
Dupin afirma, depois de analisar minuciosamente os factos e as testemunhas
através dos jornais diários da época, tratar-se de um caso de mais difícil
solução, devido exactamente à sua qualidade menos peculiar:
This is an ordinary, although an atrocious, instance of crime.
There is nothing peculiarly outré about it. You will observe that, for
this reason, the mystery has been considered easy, when, for this
reason, it should have been considered difficult, of solution. [19]

Esta passagem remete-nos, assim, para o segundo caso característico da
narrativa poeiana, como atrás mencionámos, em que não raras vezes os factos
aparentemente mais banais revelam, na realidade, os crimes mais hediondos e
encerram em si mesmos a chave da sua própria solução.
A questão do método detectivesco na análise dos factos e do crime é,
de facto, essencial em Poe e no romance policial clássico que o autor
inaugurou. Em The Murders of the Rue Morgue, a primeira história do
detective Dupin, são lançadas as bases daquilo que viria a ser a literatura
de detecção e o romance policial moderno, com base num método extremamente
convincente:
As the strong man exults in his physical ability, delighting in such
exercises as call his muscles into action, so glories the analyst in
that moral activity which disentangles. He derives pleasure from even
the most trivial occupations bringing his talent into play. He is fond
of enigmas, of connundrums, hieroglyphics; exhibiting in his solutions
of each a degree of acumen which appears to the ordinary apprehension
praeternatural. His results, brought about by the very soul and essense
of method, have, in truth, the whole air of intuition.[20]

Os resultados, isto é, a solução do mistério e do crime, só alcançam
sucesso graças à aplicação do método detectivesco elaborado por Dupin.
Frequentes vezes é a falta de método que Dupin critica na actuação da
polícia local: "There is no method in their proceedings, beyond the method
of the moment".[21] O método detectivesco consiste, então, numa actividade
mental superior (superior acumen) que utiliza a análise através dos
processos de indução e dedução de modo a desembaraçar os nós dos
acontecimentos (to disentangle) e a produzir uma explicação e uma solução
final dos factos que até aí constituíam um problema insolúvel. O
investigador/detective retira desta poderosa actividade analítica, grande
prazer, como sublinhámos anteriormente com a expressão de Peirce Play of
Musement, isto é, o analista deleita-se com o amusement do musement- o
prazer do raciocínio. É esta capacidade de retirar prazer da actividade
intelectual o resultado, como vimos, da associação entre poesia
(imaginação) e lógica, dado tratar-se duma razão intuitiva.
Na tentativa de enaltecer o seu método, o detective Dupin selecciona
como exemplo e, por contraponto, o famoso detective e criminoso Vidocq:
Vidocq, for example, was a good guesser and a persevering man. But,
without educated thought, he erred continually by the very intensity of
his investigations. He impaired his vision by holding the object too
close. He might see, perhaps, one or two points with unusual clearness,
but in so doing he, necessarily, lost sight of the matter as a whole.
(...) Truth is not always in a well. In fact, as regards the more
important knowledge, I do believe that she is invariably superficial.
[22]

Assim, um dos elementos importantes da análise e do método é a visão
topográfica, isto é, a visão minuciosa e abrangente do crime e não apenas a
visão e a análise dos factos per se. O distanciamento em relação ao objecto
de análise torna-se necessário para se poder usufruir dos variados planos e
nuances da acção, que não têm forçosamente de encontrar-se junto ao
objecto.
A procura da verdade é um factor fundamental porque se torna premente
achar um fechamento da acção e do crime. Mas a verdade pode encontrar-se a
um nível muito superficial e cabe ao investigador, através dos seus
superiores poderes de observação e inferência, discernir quais os factos a
observar e que, de acordo com Dupin, nem sempre são os mais profundos. A
qualidade da observação impõe-se para além daquilo que os manuais podem
prescrever sendo, por isso, necessário encontrar a própria medida e o
próprio ethos da investigação:
Thus to have a retentive memory and proceed by "the book" are points
commonly regarded as the sum total of good playing. But it is in
matters beyond the limits of mere rule that the skill of the analyst is
evinced. He makes, in silence, a host of observations and inferences.
(...) and the difference in the extent of the information obtained,
lies not so much in the validity of the inferences as in the quality of
the observation. [23]

Aparte o prestígio do método e dos pormenores, da qualidade da observação e
da duplicidade do raciocínio, do fechamento e da busca da totalidade na
narrativa policial e da importância das técnicas autodiegéticas (sobretudo
na ficção poeiana), é também importante a narração na terceira pessoa
(sobretudo nos contos de carácter detectivesco), quer em Poe, quer nos seus
mais directos seguidores como Conan Doyle ou mesmo o próprio Auster, cuja
trilogia utiliza abundantemente muitas das características do romance
policial clássico e de Poe, em geral.
A trilogia de Poe composta pelas short stories de Auguste Dupin é de
carácter homodiegético, em que a existência de um narrador privilegiado com
acesso directo à acção favorece bastante o sucesso da fórmula de detecção
elaborada por Poe e desenvolvida pelos seus seguidores: Sherlock Holmes e o
seu Watson, Poirot e o seu Capitão Hastings, Philo Vance e o seu Van Dine,
etc.[24] De acordo com Dorothy L. Sayers, esta fórmula de narração na
terceira pessoa e de criação de uma entidade narrativa que se situa
simultaneamente dentro e fora da acção, facilita também uma certa
expressividade panegírica do autor em relação ao personagem central. Ao
mesmo tempo, distanciando-se do personagem principal através da mediação do
narrador/actor secundário, o autor/narrador ganha maior verosimilhança aos
olhos do leitor (como entidade imparcial) e o herói maior consistência
diegética e dramática.[25]
De igual modo, segundo Hoffman, ao caracterizar-se o narrador como um
indivíduo um pouco ingénuo e que permanece frequentemente estupefacto pela
superior inteligência do detective, o autor/narrador confere ao leitor o
poder de antecipar e de criticar a própria inaptidão do narrador no
processo de solução do enigma e ainda de garantir uma atmosfera de
autenticidade através do questionamento aparentemente sincero do narrador
ao detective, garantindo este um discurso eloquente e resposta sempre
pronta.[26] Assim, a narração de terceira pessoa trata também de criar um
efeito de maior verosimilhança na narrativa, sugerindo uma ética de tipo
moralizante na descoberta da verdade. Tudo tem de acabar bem e de acordo
com os códigos sociais vigentes, onde supostamente reside a normalidade.
Tal como nos diz Todorov na sua "Introdução ao Verosímil": "fala-se de
verosimilhança de uma obra, na medida em que ela tenta fazer-nos crer que
se submete ao real e não às suas próprias leis",[27] quando na verdade são
as próprias leis da arquitectura da obra que criam o real, tal como
acontece em Poe.
Em "The Purloined Letter", por exemplo, pretende-se descobrir um
documento que fora roubado e devolvê-lo a determinada pessoa cuja honra se
encontra em causa.Toda a história é composta de modo a ser possível e
inverosímil, isto é, "a revelação, quer dizer, a verdade, é incompatível
com a verosimilhança".[28] Deste modo, Dupin solucionará o caso graças a um
golpe de génio ou daquilo a que se costuma chamar, na literatura de
detecção, o método de the most unlikely person ou, neste caso, the most
unlikely place – sendo o documento encontrado, muito naturalmente e depois
de pesquisas policiais intensas, num porta-cartas "escondido" à vista de
todos.[29] É reposta, então, a verdade e a sua compatibilidade com a
verosimilhança. Poderíamos citar ainda "The Gold-Bug" ou "Thou Art the
Man", histórias de detecção muito interessantes que, embora não façam parte
da trilogia do detective aristocrata, partilham, todavia, as mesmas
características narrativas (análise e método) e a mesma qualidade do
verosímil.
Uma outra característica a salientar diz respeito à representação da
ficção policial (e respectiva trama conspirativa, que analisaremos mais
adiante) como um espelho da sociedade, reflectindo os seus medos e
ansiedades mais profundos, como se poderá verificar pelos resultados do
diagnóstico elaborado aos leitores da época de Sherlock Holmes: um receio
profundo da complexidade das organizações criminosas; o comércio crescente
que apelava à cobiça alheia; a suspeição em relação às antigas ordens do
poder, rurais e aristocráticas, em contraste com a classe média urbana; e o
medo dos direitos da mulher, que começavam a abalar a estrutura familiar
tradicional.[30] A criação e a representação do romance policial clássico
reveste, assim, uma função catártica de libertação das emoções ao nível
individual e social, constituindo uma espécie de literatura de escape com
que os leitores se identificam e confirmam, ou não, as suas suspeitas em
relação ao mundo que os rodeia.[31]
O caso de Poe é também por si só sintomático chegando, por vezes, a
considerar-se Dupin uma espécie de alter-ego de Poe, devido à natureza
aristocrática de Dupin que, tal como Poe, viveu à margem da sociedade. Como
quase todos os seus heróis, aliás, destituído de amigos e vida social, Poe,
génio criador de superioridade intelectual, é assim descrito por Ross
MacDonald:
In his creation of Dupin, Poe was surely compensating for his failure
to become what his extraordinary mental powers seemed to fit him for.
He had dreamed of an intellectual hierarchy governing the cultural life
of the nation, himself at his head. Dupin's outwitting of an
unscrupulous politician in "The Purloined Letter", his "solution" of an
actual New York case in "Marie Roget", his repeated trumping of the
cards held by the Prefect of Police, are Poe's vicarious demonstrations
of superiority to an indifferent society and its officials. [32]

A uma sociedade indiferente ao génio criador responde Poe com a criação
sistemática de histórias magníficas, ricas em imaginação e engenho. Mas, de
algum modo, a sua sede de racionalidade parece constituir um pretexto, um
refúgio, para se esconder dos demónios interiores que o atormentam devido a
uma consciência demasiado lúcida e superiormente crítica em relação a uma
sociedade superficial e anódina.
Num ensaio do poeta americano William Carlos Williams sobre Poe, afigura-se-
nos aquilo que poderia ser a imagem perfeita do escritor:
About Poe there is – No supernatural mystery –
No eccentricity of fate –
He is American, understandable by a simple exercise of reason; a
light in the morass –
which must appear eerie, even to himself, by force of terrific
contrast, an isolation that
would naturally lead to drunkenness and death, logically and simply
– by despair, as the
very final evidence of a too fine seriousness and devotion. [33]

Delineado, deste modo, o romance policial clássico de tradição poeiana,
seguimos a sua evolução até ao romance policial americano, denominado hard-
boiled novel, e que coloca a tónica dos eventos na acção ao invés de no
raciocínio. A questão coloca-se aqui ao nível do whydunit e já não do
whodunit, e traz ainda diferenças fundamentais, sobretudo ao nível da
linguagem de carácter mais coloquial, com o objectivo de reproduzir com
grande acuidade as instâncias e problemas da sociedade envolvente, em que a
paranóia substitui, como veremos, a catarse típica do policial
clássico.[34]
Existem dois elementos indispensáveis à hard-boiled novel e ao
thriller[35] em geral. São eles o herói e a conspiração. Estes representam
igualmente dois elementos cruciais na estrutura do policial clássico, como
vimos, contribuindo um para a criação da instabilidade (mala in se
-conspiração)[36] e o outro para a restauração da ordem (herói). Estas
distinções (mala in se e mala prohibita) são constituídas pelo pensamento e
discurso legal do séc. XVIII. Ao contrário dos mala prohibita (ofensas à
ordem civil), os mala in se representavam as ofensas às leis naturais ou de
ordem divina. Trata-se, no fundo, da distinção entre ofensas à propriedade
privada e propriedade pública (valores, crenças, bem geral). No caso do
policial clássico, esta distinção ainda é significativa, dando-se uma
importância vital ao crime brutal sem explicação aparente, irracional, ou
seja, a quebra de uma ordem imanente do mundo/espaço público (e.g., The Dog
of the Baskervilles de Poe), ao passo que na hard-boiled novel atribui-se à
conflação dos dois termos uma forma mais acentuada, tal como haviam sido
elaborados no séc. XIX:
(...) the old distinctions between mala in se and mala
prohibita, and between public and private wrongs, declined in
importance. Of course crimes we still distinguished according to
degree of malignancy, but it was agreed that the prevention of crime
in general was a matter of public concern and public money.[37]

Assim, no romance policial moderno, tanto as ofensas à ordem natural ou
divina como as ofensas à sociedade civil passam a ser encaradas sob o
denominador comum do crime e da conspiração. A hard-boiled novel, no
entanto, introduz diferenças significativas. O herói detective, de tipo
hermenêutico, típico personagem da classe média alta, como Holmes ou Dupin,
dá lugar ao herói maldito, de carácter violento, a uma linguagem coloquial
e a um forte impacto emocional, representando um dos pólos da luta de titãs
entre o Bem e o Mal do período do pós-guerra, onde imperam a alienação e a
desordem.
O herói hermeneuta é, desta maneira, substituído pelo private eye
americano que, para além de ter de combater a incompetência da polícia, tem
ainda de enfrentar a corrupção e a brutalidade desta, substituindo o método
dedutivo por um conhecimento em primeira mão do mundo e sub-mundo urbano e
por um forte sentido moral. A sua sensibilidade é mais física do que
intelectual e obedece a um código moral muito próprio. Já não se trata de
repor a ordem momentaneamente abalada, como no whodunit, onde a conspiração
e o crime surgem como uma irrupção na ordem natural das coisas. A desordem
e a corrupção são agora a ordem do novo dia, em que o Sonho Americano se
transforma em Pesadelo Americano. O próprio detective destaca-se dos
modelos de detecção clássicos e dedica-se mais ao progresso da demanda do
que à sua solução.[38] Não segue as regras da sociedade e, muitas vezes,
não partilha da admiração e satisfação que acompanhavam o detective
tradicional. Raymond Chandler descreve-o assim: "I see him always in a
lonely street, in lonely rooms, puzzled but never quite defeated."[39] A
solidão é a sua marca, faz parte do próprio estatuto do herói: desconfiado,
auto-confiante e carismático. Não existe ninguém em quem possa confiar
senão nele próprio. Todos os outros são incompetentes ou traiçoeiros.
Se bem que o objecto primeiro da demanda consista em salvar a
sociedade da conspiração, o carácter ambíguo do herói, dividido entre o
grupo e o isolamento (inside-outside), confere-lhe um estatuto muito
particular, de outsider, levando-o, por vezes, a tomar a conspiração como
uma demanda particular, incompatível com a regra da lei. A sua
representação do mundo é uma representação paranóica, combinando uma "auto-
asserção inequívoca" com um forte grau de desconfiança e estabelecendo,
assim, a paranóia como ideologia. O mundo é visto através do olhar
paranóico, sendo esta representação da sociedade perfeitamente racional,
consistindo numa interpretação e sobre-interpretação constantes de factos e
acontecimentos. O paranóico é então aquele que nunca se encontra satisfeito
e que, como refere o psiquiatra Mounier:


(...) [he] is constantly self-satisfied; any pretext will do to confirm
his pride; he admits neither his wrongs nor his faults, failure has no
effect on him. His distrust of everyone around him is a direct function
of his touchy pride. The attention of the entire world appears to him
to converge on his actions and gestures. He is on the look-out for
plots, mockery, duplicity, interprets everything, sees connections that
no one else would dream of, and is all the more triumphant the more his
conclusion is paradoxical.[40]

Mounier, como acabamos de ver, estabelece uma análise psiquiátrica do
paranóico que nos é muito útil para podermos compreender a representação do
mundo através do olhar paranóico que, neste caso, caracteriza profundamente
o tipo de conspiração subjacente, tipicamente paranóica e patológica e
vista como fonte primordial dos males do mundo.
Aparte o carácter paranóico do tough detective e da representação da
conspiração a ele subjacente, podemos concluir que na hard-boiled novel,
embora o detective utilize a detecção como método, não é esse, no entanto,
o seu posicionamento principal, mas sim o carácter físico e violento da
acção, a sua competividade individual, a preocupação com uma forma de estar
enérgica e actual repleta de personagens de resposta pronta e atitude cool
e prática, como sublinha Raymond Chandler no ensaio The Simple Art of
Murder:
I suppose the principal dilemma of the traditional or classic or
straight deductive or logic and deuction novel of detection is that
for any approach to perfection it demands a combination of qualities
not found in the same mind. (...) The master of rare knowledge is
living psychologically in the age of the hoop skirt. If you know all
you should know about ceramics and Egyptian needlework, you don't know
anything at all about the police. If you know that platinum won't melt
under about 3000'F. by itself, but will melt at the glance of a pair
of deep blue eyes if you put it near a bar of lead, then you don't
know how men make love in the twentieth century.[41]

Chandler ataca com um certo humor os métodos do detective clássico e, por
isso, sublinha o carácter urgente da actualização da narrativa policial em
que a conspiração, fruto de uma sociedade corrupta, preenchida pelo
falseamento e disfarce, é de natureza paranóica, fazendo parte da própria
estrutura da sociedade a interpretação e suspeição sistemáticas dos
acontecimentos mais banais. Torna-se pois necessário e indispensável que o
investigador possua uma atitude mais activa e directa com o meio urbano e
os meandros policiais. Por vezes, é o próprio detective a iniciar o
processo conspirativo, na tentativa de mudar a ordem vigente, ao estilo
romântico, ou para manter a ordem estabelecida, como acontece nas short-
stories de Poe e no romance policial clássico. Mas o mais importante é que
a conspiração nem sempre resulta num crime/morte, como no policial
clássico, nem usufrui sempre de inequívoca solução, dada a ambiguidade do
mundo envolvente e o questionamento crescente da verdade e dos valores
associados. Caminha-se, assim, para um tipo de contingência própria dos
tempos modernos e pós-modernos, que começa a dar forma a um outro género
policial designado Negative Thriller.[42]
No Negative Thriller o tipo de sensibilidade, fruto da contingência e
do desconforto causado por uma determinada ambiguidade no desfecho e
sucesso das soluções, constitui uma característica muito própria. Isto
mesmo é afirmado por Palmer:
Here the distinguishing features are the reader's sense that the evil
the hero has dealt with will reappear without difficulty in another
form, and that the hero hasn´t derived any personal satisfaction from
fighting evil: he has done it because that is what he's there for.[43]

Assim, o detective age por obrigação em relação ao bem-estar social, quando
não por motivos pessoais, mas nunca para disso tirar prazer, pois sabe que
não vale a pena; assim, ele não acredita em soluções finais mas
provisórias, contingentes. Tudo o que resta é a possibilidade de começar de
novo outra vez, mas mesmo isso não garante nenhuma melhoria futura. Não
existe nenhum sentido de segurança e conforto que caracterizam os finais do
policial clássico e alguma da ficção da hard-boiled novel, nem aquela
sensibilidade do exorcista que, tal como o xamã, erradica o mal, porque não
há catarse. E sublinhámos, anteriormente, quanto era importante a função
catártica para a coesão social e individual no policial clássico, em Holmes
e, sobretudo, em Poe. O Negative Thriller constitui, assim, uma espécie de
embrião das futuras transformações da sociedade tecnológica ligadas a uma
nova formação da identidade que apela, sobretudo, à contingência e às
potencialidades do indivíduo "em aberto," isto é, livre de resoluções
definitivas mas atento a numerosas alternativas.
Depois de analisarmos a criação da detective fiction em Poe e
consequentes desenvolvimentos até épocas mais recentes, gostaríamos de
relacionar a detective fiction, isto é, o policial clássico, com a
conspiração clássica. No sentido clássico das teorias da conspiração estão
implícitas as ideias de partilha e de comunidade e a questão da linguagem
que visa, sobretudo, o plano pragmático e o mundo da acção,[44] embora
igualmente importantes sejam, como mais adiante veremos, a reflexão sobre a
própria linguagem (a auto-reflexividade característica da metaficção) e o
texto em geral. [45]
Conspirar é respirar em conjunto e, tradicionalmente, de modo secreto
e/ou codificado.[46] Desde tempos remotos que a conspiração, aliada aos
mitos e às práticas mágico-religiosas, tem por objectivo aplacar a
ansiedade e a tensão social, de modo a recuperar a totalidade perdida e a
inserir o indivíduo no fluxo da ordem social. O xamã,[47] por exemplo,
mediador entre dois mundos, a comunidade e o mundo sobrenatural, através do
êxtase e da possessão dos espíritos, empreende uma viagem ao mundo
sobrenatural e luta com os espíritos malignos de modo a restituir a cura ao
paciente. Trata-se duma performance, de uma manipulação conspiradora que,
através da criação de técnicas de persuasão sui generis e secretas (como a
extracção por sucção, do corpo do doente, de um seixo escondido na boca,
apresentado como a causa da doença, o intruso maligno), opera a ab-
reacção[48] do paciente e o consensus social. Da mesma maneira, os cânticos
e encantamentos, recorrendo ao inconsciente colectivo e, por isso, à
mitologia da comunidade, ao serem activados pelo xamã induzem
transformações orgânicas no paciente, constituindo uma mitologia psico-
fisiológica e psico-social criadora do fenómeno a que Lévi-Strauss chamou
eficácia simbólica. Tal eficácia garante um desfecho onde todos os
protagonistas do complexo xamanístico[49] reencontram o seu lugar e a
reposição da ordem momentaneamente ameaçada.
Trata-se, na realidade, de uma variação do efeito de linguagem atrás
citado, na medida em que o xamã fornece uma linguagem (simbólica) ao
paciente, com a qual este se identifica e exprime o seu estado não-
formulado, reorganizando o processo fisiológico na sequência sugerida pelo
xamã e os seus cantos. A conspiração engloba, deste modo, um carácter
positivo de terapia individual e, simultaneamente, de grupo, devido à ab-
reacção sofrida pela triangularidade xamã-paciente-comunidade/público.
Devemos, no entanto, salientar que Lévi-Strauss também distingue o
lado mais negro, por assim dizer, dessas práticas mágico-religiosas ligadas
à conjura e ao enfeitiçamento, com o propósito de aniquilar ou anular o
objecto do malefício (remetendo-o à troça social, no caso de a cura de um
xamã ser ineficaz e outro rival ser bem sucedido, ou à exclusão social que,
como sublinhámos anteriormente, conduz progressivamente à morte física do
indivíduo). Outras vezes, o próprio indivíduo, consciente de ser vítima de
um feitiço, somatiza o malefício e é intimamente persuadido, através do
consenso social (incluindo parentes e amigos), de que está
irremediavelmente perdido e condenado: "A integridade fisíca não resiste à
dissolução da personalidade social", como explica Lévi-Strauss.[50] A pouco
e pouco o indivíduo, vítima da intriga geral, vai perdendo todos os laços
que o uniam ao grupo e cede ao terror que experimenta, passando de sujeito
de direitos e obrigações (vivo) a sujeito de ritos e interditos
(morto).[51]
Vimos, assim, como todas estas manipulações da linguagem simbólica,
associadas, por sua vez, à eficácia simbólica e aos mitos fundadores da
comunidade, constituem verdadeiras narrativas da coesão social, ligando
causas e efeitos na criação de histórias míticas que contribuem fortemente
para o desfecho final da experiência vivida. Neste sentido, correspondem à
estrutura da conspiração clássica em que as ideias de partilha e de
comunidade são fundamentais, dado que conspirar implica, como o sublinha o
prefixo con, a ideia de um colectivo, de uma legitimidade garantida por
meio de elos éticos e passionais, um ethos e um eros que, neste caso,
subjazem à configuração mágico-religiosa do tecido social.[52]
A conspiração reúne, assim, características de positividade efectiva no
confronto solidário da praxis individual e social e,[53] por outro lado,
assume aspectos de negatividade dessa mesma solidariedade, transportando os
indivíduos para um patamar de suspeição e paranóia ao pôr em destaque os
seus receios mais íntimos, ainda que providencie a capacidade para fabular
e mentir, lugar de uma diferença fundamental, de acordo com Oscar Wilde.
[54]
Na detective fiction a conspiração despoleta a acção com um crime ou
uma irrupção extraordinária na ordem natural das coisas, como é, por
exemplo, o caso, em "The Murders of the Rue Morgue", "The Case of Marie
Roget" e "The Purloined Letter". E através do método hipotético-dedutivo
cabe ao detective descortinar a trama dos acontecimentos, suas causas e
consequências, de modo a estabelecer de novo a ordem social. O detective
encarna, deste modo, metaforicamente, a figura do xamã dos tempos modernos,
não usando, porém, uma linguagem simbólica mas uma linguagem altamente
racional e lógica que implica, todavia, uma certa dose de intuição e
imaginação, a razão intuitiva que anteriormente abordámos. Assim, o
detective é chamado a resolver a conspiração, do mesmo modo que o xamã é
chamado a resolver a desordem individual e social da comunidade,
consequência da intriga e do segredo ritual a ela subjacente. Ao romance
policial clássico corresponde, deste modo, a conspiração clássica. No
entanto, poderá existir conspiração clássica sem policial clássico, visto
que o fenómeno conspirativo antecede o género detectivesco e remonta a
tempos ancestrais, desde as sociedades ditas "primitivas", como vimos em
Lévi-Strauss, passando pela Bíblia ou pela mitologia greco-romana. De igual
modo, o facto de o detective descobrir e deslindar a trama de um crime não
impede que novos crimes aconteçam. Aliás, a figura e a presença do
detective pressupõem a existência de crimes cada vez mais complicados que,
tal como afirma Dupin, constituem um desafio permanente às capacidades
lógicas do investigador e da sociedade em geral.
Em suma, tanto nas sociedades primitivas (lugar do xamã) que
mencionámos, como nas mais modernas (lugar do detective), a vida e a morte,
a riqueza, a guerra e o poder e a conquista social ou amorosa, são alguns
dos ingredientes mais comuns da conspiração e do policial clássicos. As
nuances da intriga, o segredo, o mistério, o desconhecido, as alianças, os
jogos de bastidores, as paixões, a inveja e o ciúme, são outros tantos
elementos que indicam o desfecho final. Todavia, a teoria da conspiração é,
sobretudo, uma teoria do poder que, na sua acepção mais clássica, como a
que estamos a analisar, tende a instaurar ou a restabelecer uma ordem e a
eliminar o caos. E é ao nível da comunidade, precisamente, que ela vai
fazer surgir um sentimento de partilha e de identidade comunal, na busca de
uma verdade redentora e da coesão social. Esta estreita ligação entre
cultura/comunidade e conspiração é igualmente sublinhada por Djelal Kadir:
Come nel caso del "coltivare" comune e collettivo che produce la
cultura, la cospirazione è anche filologicamente predicata su una
solidarietà ansiosa, una comunanza invariabilmente segnalata dal
prefisso lessicale sia in latino sia in greco: syn- in greco, con- in
latino. Tale comunanza sopporta anche il relitto di un chiasmo, un
doppio gioco che, ancora una volta, comunque trasforma la solidarietà
in sospetto e la rende clandestina. Questo è lo scarto che si muove dal
respiro all'atto clandestino, dalla preghiera comune alla non comune
paranoia, dalla collusione alla delusione, dal consenso al dissenso e
alla sfiducia. [55]


Configura-se, no entanto, como uma espécie de ligação pendular, que ora
oscila para a completude, ora para o infinito, ou seja, trata-se de uma
ambivalência própria à teoria conspirativa que pressupõe duas
interpretações opostas e, muitas vezes, simultâneas da realidade, mas
sempre com o intuito ou um desejo quase religioso de conferir uma ordem ao
caos do mundo.[56]
Em "The Purloined Letter", por exemplo, trata-se de um crime de
contornos políticos em que uma carta comprometedora é supostamente roubada
à sua legítima proprietária, de modo a causar-lhe perda de reputação.
Dupin, seguindo o percurso e os actores da intriga, consegue desvendar o
mistério, acabando por encontrar o documento. A ordem é restabelecida e o
poder continua intocável. Na hard-boiled novel, ao contrário, vimos como a
conspiração se reveste de um carácter paranóico, onde nada é dado como
certo e, muitas vezes, não existe um desfecho final, nem uma solução
inequívoca. A conspiração ainda de traços clássicos na maioria dos
policiais começa, no entanto, a caminhar para um tipo de sensibilidade
própria dos tempos modernos e da contingência a eles subjacente.
Deste modo, entramos no universo de Auster e em The New York Trilogy,
onde os traços da conspiração clássica são nítidos mas onde, sobretudo, se
evidenciam as pistas de um desenvolvimento que irá dar lugar à conspiração
pós-moderna analisada em capítulos posteriores. Contudo, o que nos
interessa salientar neste contexto, em particular, é a influência da
detective fiction e da conspiração clássica nas três histórias da trilogia
austeriana.
Começando por City of Glass, vimos como o escritor de policiais,
Quinn, se transforma em detective e como a sua demanda em busca de sentido
e verdade constitui uma influência directa do policial clássico. O narrador
de tipo autodiegético muito peculiar, oblíquo, se quisermos usar uma
expressão austeriana, assim o confirma: [57]
In the good mystery there is nothing wasted, no sentence, no word that
is not significant. (...) the detective is one who looks, who listens,
who moves through this morass of objects and events in search of the
thought, the idea that will pull all these things together and make
sense of them.[58]

Constatamos por este breve trecho a importância atribuída ao mínimo
pormenor e à procura de padrões de sentido que preencham a sede de
totalidade e unidade próprias ao policial clássico e à detective fiction. A
própria conspiração em City of Glass começa com um sobressalto na ordem
natural dos acontecimentos: um telefonema misterioso que confunde Quinn e
que irá transformar radicalmente a sua vida. A partir daí, o processo
conspirativo e de restabelecimento da ordem segue os passos da detecção
clássica, embora vá servir propósitos diversos em Auster, como o mesmo
reconhece em The Art of Hunger:
[...] my work has very little to do with it [with detective
fiction]. I refer to it in the three novels of the trilogy, of course,
but only as a means to an end, as a way to get somewhere else entirely.
(310)

Quinn, ainda, através do personagem por si criado e que dá pelo nome de
William Wilson, escritor de policiais, aponta, simultaneamente, para a
tradição poeiana da narrativa com o mesmo nome, sugerindo intertextualmente
a influência de Poe na sua obra e na textura do seu policial pós-moderno.
William Wilson, que aparece como figura emblemática do tema do duplo
romântico na obra de Poe, acaba por surgir transformado em temática
detectivesca na obra de Auster, numa pirueta muito própria do conceito de
metaficção historiográfica elaborado por Hutcheon.[59]
Max Work, o detective das histórias de Quinn (ou William Wilson),
assimila as qualidades dos detectives da hard-boiled novel, um género de
narrativa, como tivemos ocasião de explicitar, ainda sob o domínio do
enquadramento clássico do policial mas que aponta, desde já, para o
policial pós-moderno. De acordo com o narrador: "Whereas Quinn tended to
feel out of place in his own skin, Work was aggressive, quick-tongued, at
home in whatever spot he happened to find himself".[60] Quinn é um sujeito
à procura da sua identidade, em cisão interior, como os protagonistas de
Poe, e projecta nos personagens que constrói a energia e o gosto pela vida
que ele perdeu. A multiplicação das identidades constitui, no entanto, um
sinal inconfundível da contingência dos tempos modernos. Logo no início da
história, como vimos, começa a desenhar-se a conspiração através de
sucessivos telefonemas anónimos que vão servir de mote a todo o
desenvolvimento da trama conspirativa. A suspeita, a intriga e o presumível
crime, ou seja, a libertação de Stillman que levaria ao assassinato de
Peter Stillman, levam Quinn a investigar o caso à maneira do detective
clássico. No entanto, ele não consegue solucionar a conspiração e devolver
intacta a ordem ameaçada, como o fariam Dupin, o xamã de que falámos
anteriormente, ou até o detective da hard-boiled novel. Esta falta de
fechamento sistemático da conspiração nas três histórias de Auster, conduz
à formulação de um novo tipo de conspiração que, por sua vez, implica
também a criação de um novo tipo de detective, como veremos.
Do mesmo modo, em Ghosts, Blue é contratado para seguir Black e
descobrir o motivo do seu isolamento. Ao seguir os tradicionais métodos
policiais constata que não são válidos para compreender claramente a
situação em que se encontra e a trama conspirativa apresentada. A suspeita,
a intriga e o segredo, fazem parte da dinâmica conspirativa da narrativa,
mas o fim da mesma já não é descobrir a solução de um crime, pois não
existe uma vítima. Mais uma vez, trata-se de outra coisa, de um outro tipo
de conspiração incompatível com os métodos de detecção clássicos. Na
realidade, Blue consciencializa o facto de que esses métodos detectivescos
não se adaptam à nova situação da sua condição enquanto investigador,
embora utilize os procedimentos da detecção clássica próprios da detective
fiction, com base na racionalização dos acontecimentos, e ainda o método da
hard-boiled novel com ênfase na acção:"In every report he [Blue] has
written so far, action holds forth over interpretation"[61]. Assim, acaba
por chegar à conclusão de que nada disso se adapta à sua actual situação:
"Clues, legwork, investigative routine-none of this is going to matter
anymore. But then, when he tries to imagine what will replace these things,
he gets nowhere".[62] Deste modo, a rotina profissional do investigador
carece de eficácia nesta demanda particular de Blue mas, simultaneamente,
ele não sabe como resolver o novo problema devido ao facto de ainda não
existir um novo método de pesquisa que lhe permita descobrir o sentido da
investigação. Ao tomar consciência da ineficácia do método policial
clássico, Blue faz ainda ressaltar a percepção da importância do método
tradicional nas suas pesquisas anteriores.
Por último, em The Locked Room, a conspiração surge com o aparecimento
de Fanshawe que tinha sido dado como desaparecido e a narrativa decorre
praticamente em flashback, à maneira dos narradores (voice-over) do film-
noir. Apesar de existir um detective de nome Quinn a soldo de Sophie,
esposa do narrador, quem de facto retoma o processo da demanda detectivesca
é o próprio narrador dramatizado que, através de pistas várias, vai
reconstruindo a vida e os passos de Fanshawe até, finalmente, conseguir
chegar à descoberta do seu paradeiro:
I was a detective, after all, and my job was to hunt for clues.
Faced with a million bits of random information, led down a million
paths of fake inquiry, I had to find the one path that would take me
where I wanted to go.[63]

Nesta procura da totalidade do sentido busca o detective a solução final do
mistério e da conspiração. Contudo, embora a conspiração assuma as
características e os métodos do policial clássico, são nítidos novos
desenvolvimentos que sugerem já o perfil da conspiração pós-moderna e da
anti-detective fiction, de que falaremos mais adiante.

EXCERTO DA TESE DE MESTRADO EM LITERATURA COMPARADA "A CRIAÇÃO DA DETECTIVE
FICTION E A SUA RELAÇÃO COM A CONSPIRAÇÃO CLÁSSICA." CEC – FLUL,
Universidade de Lisboa, 2006
I Parte, "PROLEGÓMENOS À CONSPIRAÇÃO PÓS-MODERNA: PAUL AUSTER E A HERANÇA
DE EDGAR ALLAN POE – TRADIÇÃO E MODERNIDADE."


( Anabela Duarte


.







-----------------------
[1] Uma importante medida política do séc. XIX diz respeito à emergência da
tomada de consciência do trabalho de detecção como uma actividade
respeitável e não raro era aproveitar-se o conhecimento dos criminosos e do
seu mundo (como aconteceu com Vidocq) para os detectar com mais facilidade.
Daí a criação da Sûreté, por Napoleão, em 1812. A investigação criminal
ganhou um novo impulso, seguindo-se-lhe a criação da Metropolitan Police,
em Londes.
[2] Ver Jerry Palmer, Thrillers 128-135.
[3] Ibidem 135.
[4] Ao contrário de Vidocq que o próprio autor critica por não ter uma
visão panorâmica dos acontecimentos, distanciação imprescindível a uma
análise objectiva dos mesmos. Ver nota 22 deste capítulo.
[5] Designação emblemática da literatura de detecção clássica: "The basic
formula is this: a murder occurs; many are suspected; all but one suspect,
who is the murderer, are eliminated; the murderer is arrested or dies."
Winks, Detective Fiction 15.
[6] Poetry and Tales 399.
[7] NYT 9.
[8] Expressão de Joseph Bell, médico eminente, mentor e fonte de inspiração
de Conan Doyle. Ver The Sign of the Three 35.
[9] Categorias da lógica de Peirce utilizadas por Thomas Sebeok e Jean
Sebeok a propósito do romance policial e de Sherlock Holmes, mais
especificamente, e citadas na obra The Sign of The Three: Dupin, Holmes,
Peirce 40.
[10] Umberto Eco and Thomas A. Sebeok, ed. The Sign of Three : Dupin,
Holmes, Pierce 41.
[11] Poetry and Tales 599.
[12] "The Murders in the Rue Morgue", Poetry and Tales 402.
[13] Daniel Hoffman, ed. "Disentanglements", Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe
107-108.
[14] É o que afirmam os Sebeok e passo a transcrever a citação peirceana:
"Citing Dupin's remarks in Poe's "The Murders in the Rue Morgue" (to wit:
"It appears to me that this mystery is considered insoluble for the very
reason which should cause it to be regarded as easy of solution. I mean the
outré character of its features"), Peirce remarks that "those problems that
at first blush appear utterly insoluble receive, in that very
circumstance...[t]heir smoothly-fitting keys. This particularly adapts them
to the Play of Musement". Cit. em "You Know my Method: a juxtaposition of
Charles S. Peirce and Sherlock Holmes", Thomas A. Sebeok and Jean U.
Sebeok, The Sign of The Three 28.
[15] Poetry and Tales 412. Itálico meu.
[16] "The Black Cat", Poetry and Tales 597.
[17] "My immediate purpose is to place before the world, plainly,
succintly, and without comment a series of mere household events. In their
consequences, these events have terrified-have tortured-have destroyed me.
(...) Hereafter, perhaps, some intellect may be found which will reduce my
fantasm to the commonplace – some intellect more calm, more logical, and
far less excitable than my own, which will perceive, in the circumstances I
detail with awe, nothing more than an ordinary sucession of very natural
causes and effects." Ibidem.
[18] Poetry and Tales 414.

[19] "The Mystery of Marie Roget", Poetry and Tales 519.
[20] Poetry and Tales 397.
[21] Ibidem 411.
[22] Ibidem 412.
[23] Ibidem 398-399.
[24] A existência destes "pares de eleição" caracteriza precisamente a
narração em 3ª pessoa, dado que em cada um deles existe um narrador através
do qual temos acesso directo à acção: Watson é o narrador privilegiado de
Conan Doyle, o Capitão Hastings é o de Agatha Christie e Van Dine é o de
S.S. Van Dine.
[25] É o que afirma Dorothy L. Sayers no artigo "The omnibus of crime": "In
the three Dupin stories, we have the formula of the eccentric and brilliant
private detective whose doings are chronicled by na admiring and thick-
headed friend. (...) It's not surprising that this formule should have been
used so largely, for it is obviously a very convenient one for the writer.
(...) the admiring satellite may utter expressions of eulogy which would be
unbecoming in the mouth of the author, gaping at his own colossal
intellect. (...) by describing the clues as presented to the dim eyes and
bemused mind of Watson, the author is enabled to preserve a spurious
appearence of frankness, while keeping to himself the special knowledge on
which the interpretation of those clues depends. This is a question of
paramount importance, involving the whole artistic ethic of the detective
story."Winks, Detective Fiction 57.
[26] Em Poe, Poe, Poe Poe, Poe, Poe, Poe, Hoffman sublinha: " (...) by
introducing an intermediary as narrator who seems as mystified as is the
reader by the inricacies of the plot, Poe freed his plot from the
appearance of imposition. (115)

[27] Tzvetan Todorov, Poética da Prosa 97.
[28] Ibidem 100.
[29] João Ferreira Duarte, "Introdução", O Espelho Diabólico: Construção do
Objecto da Teoria Literária 14.
[30] M. Priestman, Crime Fiction: From Poe to the Present 17.
[31] Robin W.Wink em Detective Fiction assim o afirma: "Detective fiction
thus becomes a mirror to society. Through it we may see society's fears
made most explicit; for some, those fears are exorcised by the fiction."
Em relação à hard-boiled novel afirma ainda o seguinte: "Paranoia has
replaced the catharsis of placing guilt clearly just there, where it
belongs." (7)
[32] Ross MacDonald, "The Writer as Detective Hero", Detective Fiction: A
Collection of Critical Essays, ed. Robin W. Winks 179.
[33] William Carlos Williams, In the American Grain: Essays by Wlilliam
Carlos Williams 222.
[34] Ver Robin W. Winks, ed. Detective Fiction 8.
[35] Jerry Palmer na sua obra Thrillers:Genesis and Structure of a Popular
Genre, denomina o romance policial como thriller, não fazendo distinções
entre os géneros e respectivos nomes. Para ele, o thriller na sua evolução
– da história policial clássica à actualidade – engloba naturalmente essa
diversidade.
[36] Palmer,Thrillers 201.
[37] Sobre estas noções ver Palmer, Thrillers 185.
[38] Ver Detective Fiction 106-113 e ainda Thrillers 3.
[39] In George Grella, "The Hard-Boiled Detective Novel", Detective
Fiction: A Collection of Critical Essays, ed., Robin W. Winks 115.
[40] Citado por Jerry Palmer em Thrillers 86.
[41] Raymond Chandler, The Simple Art of Murder 4.
[42] Jerry Palmer, Thrillers 40.
[43] Ibidem 43.
[44] Informação referida no seminário "Teorias da Conspiração", do Mestrado
em Literature Comparada: Profª Doutora Helena Carvalhão Buescu. Ver da
mesma autora "Forme di cospirazione: valore, etica, erotismo", in
Cospirazioni, Trame, Quaderni di Synapsis II 112.
[45] Trata-se de analisar a conspiração como "efeito de linguagem," no
sentido em que nos propomos examinar e descodificar a produção discursiva
sobra a conspiração que, na sua acepção mais geral, é concebida como
paranóia ou, quando muito, como superstição destinada aos espíritos mais
incrédulos e, por isso, destituída de qualquer valor sociocultural e
político. Foucault, em A Vontade de Saber, exprime precisamente esta
concepção de "efeito de linguagem" como descodificação das estratégias
discursivas e comunicativas sobre o sexo (séc. XVII e XVIII) ao longo de
uma iluminadora história da sexualidade: "Trata-se, em suma, de interrogar
o caso de uma sociedade que há mais de um século se fustiga ruidosamente
pela sua hipocrisia, fala prolixamente do seu próprio silêncio, se obstina
em pormenorizar o que não diz, denuncia os poderes que exerce e promete
libertar-se das leis que a fizeram funcionar." (14)
[46] Informação referida no seminário "Teorias da Conspiração", do Mestrado
em Literatura Comparada pela docente Profª Doutora Helena Carvalhão Buescu.
Ver ainda Djelal Kadir em Cospirazioni, Trame 21. No seu ensaio sobre as
formas da conspiração Helena Buescu sublinha a estreita relação entre o
drama pessoal e sentimental e aquele propriamente político no enquadramento
da conspiração, conferindo-lhe assim uma dimensão afectiva, estética e
ética. Quando a comunicação erótica e interpessoal se torna impossível a
conspiração aparece, de acordo com a ensaísta, como um modo alternativo de
conferir ordem ao universo e aos seus valores. Ver da autora "Forme di
cospirazione: valore, etica, erotismo", in Cospirazioni, Trame, Quaderni di
Synapsis II 112.


[47] "(De shaman, em tunguse, língua altaica, 'aquele que é abalado,
transportado')" cit. em "Chamanismo," Dicionário de Etnologia, 1979. O xamã
inventa estratagemas para manter a coesão social através das práticas
mágico-religiosas. Nesse sentido, ele é o herói hermeneuta da conspiração
chamado a solucionar o enigma da ordem ameaçada da comunidade.
[48] "Termo tomado da psicanálise que diz respeito ao momento decisivo da
cura, quando o doente revive intensamente a situação inicial que está na
origem da sua perturbação, antes de superá-la definitivamente." Claude Lévi-
Strauss, Antropologia Estrutural 209.
[49] Elementos que se articulam em torno de dois pólos: um formado pelo
xamã e respectivas técnicas e outro formado pelo consenso colectivo e pelo
público.
[50] Claude Lévi-Strauss, Antropologia Estrutural 194.
[51] A título de curiosidade, faz-me lembrar o estribilho de Beaumarchais
da famosa ópera de Rossini, Il Barbiere di Siviglia: "La calunnia è un
venticello/un'auretta assai gentile/che insensibile e sottile/leggermente,
dolcemente/incomincia a sussurrar (...) E il meschino caluniato/avvilito,
calpestato/sotto il pubblico flagelo/per gran sorte va a crepar." (121-28)
[52] Ver Sergio Givoni, Eros/Ethos, Einaudi.
[53] "Ogni congiura, vista da questa prospettiva, si propone allora come un
ritorno a un ordine eticamente legittimo che il regime politico [práticas
mágico-religiosas, neste caso] aveva sovvertito: cospirare, nel suo
significato limite, non è più solo un diritto, ma anche un dovere." Helena
Buescu, "Forme di cospirazione" 121.
[54] Diferença essa progressivamente anulada na sociedade moderna, ou seja,
a sociedade homogeneizada e global. Ver Oscar Wilde, "The Decay of Lying",
Complete Works of Oscar Wilde.
[55] "La cospirazione della cultura e la cultura della cospirazione", in
Cospirazioni, Trame, Quaderni di Synapsis II 23.
[56] Ver ainda Rasmus Kjaergaard Rasmussen, "Impigliato negli indizi.
Thomas Pynchon e il detective paranoico", Cospirazioni, Trame, Quaderni di
Synapsis II 325.
[57] A narrativa principia na terceira pessoa, mas no final o narrador
aparece na primeira pessoa, conferindo à narrativa, de certa maneira, um
carácter oblíquo, como salienta o autor. "(...) in City of Glass you have a
book written in the third person throughout, and then, right at the end,
the narrator appears and announces himself in the first-person-which
colours the book in retrospect somehow, turning the whole story into a kind
of oblique, first-person narrative." Art of Hunger 317.
[58] NYT 9.
[59] Isto é, ilustra perfeitamente as noções de "instalação" e "subversão"
em que Hutcheon fundamenta a sua tese relativamente ao carácter duplo da
estética pós-modernista. Assim, o duplo romântico é extraído do contexto
narrativo original e instalado noutro contexto que, por sua vez, vai
subverter o contexto inicial e o próprio motivo do duplo, dado que lhe é
atribuído um outro significado e uma outra intenção. Auster acaba por
prestar homenagem ao personagem de Poe (William Wilson), nomeando-o na sua
obra e, simultaneamente, subverte-o, ao transformá-lo num escritor de
policiais. Ver Linda Hutcheon, A Poetics of Postmodernism: History, Theory,
Fiction.
[60] NYT 10.
[61] NTT 374.
[62] NYT 175.
[63] NYT 332.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.