A criação poética e algumas drogas

July 1, 2017 | Autor: Claudio Willer | Categoria: Literatura Comparada
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A criação poética e algumas drogas
Claudio Willer
Publicado em Ásperos perfumes, coletânea
organizada por Fábio Ferreira de Almeida,
Goiânia: Edições Ricochete, 2015, e que
recomendo com ênfase, por trazer outros bons
ensaios relacionados ao tema. Antes, foi
apresentado no IX Colóquio de Filosofia e
Literatura, Universidade Federal de Goiás,
Goiânia, GO, a 16 de maio de 2014. Normalmente,
deixo transcorrer mais tempo antes de transferir
ensaios publicados para este Academia.edu.
Ocorre, porém, que a descriminalização de
algumas drogas está em pauta. Mesmo não tratando
diretamente disso, talvez minhas observações
interessem ao debate.
Há vários modos, que são interligados, de examinar meu tema, as
relações entre o uso de substâncias psicoativas, as "drogas", e a criação
poética. Prosseguindo o que já examinei em outra ocasião[1], destaco cinco
dentre eles:
1. O inventário de quem tomou o que (por exemplo, a droga e os poetas
vitorianos);
2. Relatos de efeitos das drogas, como aqueles de Thomas de Quincey,
Theóphile Gautier e Charles Baudelaire;
3. A droga presente, diretamente ligada à criação poética, como em
"Kublah Khan" de Samuel Taylor Coleridge e inúmeros outros poemas,
inclusive de Allen Ginsberg e outros poetas beat, e de Henri Michaux;
4. O debate promovido por autores que tomaram drogas sobre a legalidade
ou não desse hábito; as críticas ao tratamento policial, notadamente
em Antonin Artaud, Allen Ginsberg e Octavio Paz;
5. A experiência das drogas constitutiva de uma poética ou uma estética,
como em Baudelaire, Ginsberg, Michaux, Paz.
Tratarei do último desses tópicos. Mesmo assim, o assunto sobra.
Possibilitaria um ciclo de palestras ou curso que ainda pretendo ministrar.
Mas não deixarei de passar pelos demais, além de abrir com um poema de
Baudelaire que, expressando uma poética e uma visão de mundo, também pode
ser lido como relato sobre a experiência da droga. É o "Hino à beleza":
Vens tu do céu profundo ou sais do precipício,
Beleza? Teu olhar, divino mas daninho,
Confusamente verte o bem e o malefício,
E pode-se por isso comparar-te ao vinho


Em teus olhos refletes toda a luz diuturna;
Lanças perfumes como a noite tempestuosa;
Teus beijos são um filtro e tua boca uma urna
Que torna o herói covarde e a criança corajosa.


Provéns do negro abismo ou da esfera infinita?
Como um cão te acompanha a fortuna encantada;
Semeias ao acaso a alegria e a desdita
E altiva segues sem responder nada.


Calcando mortos vais, Beleza, a escarnecê-los;
Em teu escrínio o Horror é jóia que cintila,
E o Crime, esse berloque que te aguça os zelos,
Sobre teu ventre em amorosa dança oscila.


A mariposa voa ao teu encontro, ó vela,
Freme, inflama-se e diz: "Ó clarão abençoado!"
O arfante namorado aos pés de sua bela
recorda um moribundo ao túmulo abraçado.


Que venhas lá do céu ou do inferno, que importa,
Beleza! Ó monstro ingênuo gigantesco e horrendo!
Se teu olhar, teu riso, teus pés me abrem a porta
De um infinito que amo e que jamais desvendo?


De Satã ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Que importa, se és tu quem fazes – fada de olhos suaves,
Ó rainha de luz, perfume e ritmo cheia! –
Mais humano o universo e as horas menos graves? (Baudelaire, p.
121)[2]
Poderia renomeá-lo como "Hino à droga", ou ao haxixe, ou ao ópio? Sim,
por mostrar uma característica da experiência do haxixe e ópio, observada
por Baudelaire e por De Quincey, Gautier, Michaux e tantos outros: o
caráter bipolar, a ascensão e queda, alternância do alto e do baixo, êxtase
e horror. No dizer de Baudelaire em Os paraísos artificiais, "tudo leva á
recompensa ou ao castigo, duas formas da eternidade" (p. 370). Parte da
obra de Michaux é relato, poético ou como depoimento, dessas elevações e
quedas, exaltações e depressões– em Miserable Mirâcle e outros de seus
livros; especialmente em Conaissance par les Gouffres (conhecimento pelos
abismos), seu inventário mais amplo do tema, tratando não só da mescalina,
porém de uma diversidade de substâncias, éter (que ele já havia usado
bastante) e maconha inclusive, terminando com capítulos sobre como é
enlouquecer.
Também interpretaria outros poemas de Baudelaire através do mesmo
procedimento. Todos aqueles nos quais é proclamada a gnose da poesia, a
identificação romântica de poesia e conhecimento, desde o início da série
"Spleen e Ideal" que abre As Flores do Mal:
Pois que ela apenas será feita de luz pura,
Arrancada à matriz dos raios primitivos,
De que os olhos mortais, radiantes de ventura,
Nada mais são que espelhos turvos e cativos! (p. 107)
Ou, no terceiro poema da série, ao descrever a viagem ao centro do
universo, "Para além do ígneo sol e do éter que há nos ares,/ Para além dos
confins dos tetos estrelados"; e, ao término da viagem, declarar que o
poeta "entende/ a linguagem das flores e das coisas mudas."
Antes que venha a disseminar-se a impressão de que estou extrapolando
e a alucinação é do conferencista e não do autor examinado, informo que
esses trechos também são citados em um ensaio já clássico, da década de
1920, ao qual voltarei: La mystique de Baudelaire de Jean Pommier; e o são
no exame da relação de Baudelaire não apenas com misticismo, mas com drogas
– ambos, misticismo e drogas, apresentando continuidade ou interligação no
autor de Paraísos artificiais.
Selecionar tópicos desse modo obriga-me a passar com demasiada rapidez
por De Quincey, figura admirável, autor prolífico de uma erudição
extraordinária, de quem outra obra ganha escabrosa atualidade, a pedir
reedição : Do assassinato como uma das belas artes, além da que nos
interessa diretamente, Confissões de um comedor de ópio. E, na confraria
dos Lake Poets, poetas do lago, da qual fez parte junto com William
Wordsworth e Robert Southey, outro adepto do ópio, Coleridge. Mas sem
deixar de observar que cheguei a esse lago que foi um ponto de reunião dos
peotas através de uma pista beat, traçada por Ginsberg em sua entrevista à
Paris Review (reproduzida, entre outros lugares, em Cohn, 2010), na qual
também também menciona, como ligado aos Lake Poets, Humphry Davy, notável
cientista (presidiu a Royal Society, inclusive) e seu "Instituto
Pneumático", freqüentado pelos poetas, onde conduzia experimentos com o gás
hilariante – que Ginsberg também inalou.[3]
Também é pista beat haver chegado, através do excelente The Beat Hotel
de Barry Miles, ao Impasse du Doyenné em Paris : um beco que não existe
mais, adjacente à atual Rue de Rivoli, na altura do Louvre; ponto de
encontro dos « Jeune France » ou « bouzingots » (bebuns, em português
corrente[4]), românticos radicais que, em um casarão arruinado, promoviam
reuniões temperadas com bebidas, ópio e haxixe. Relata Miles :
[...] e no Impasse du Doyenné orgias eram um entretenimento popular.
Uma orgia fornece o tema para Les Jeune France de Gautier, na qual um
grupo de moços se reune para organziar um festim colossal. Houve uma
ocasião famosa na qual Gautier e seus amigos se ajoelharam diante de
uma mulher e na completa escuridão beberam ponche de uma caveira
humana. (p. 20)
Esse grupo reuniu, além de Alexandre Dumas, alguns excêntricos da
literatura, examinados por André Breton em sua Anthologie de l'Humour Noir.
Gérard de Nerval lhe dedicou páginas de La Bohème Galante. Compuseram-no
também Arsène Houssaie, a quem Baudelaire dedicaria os poemas em prosa de O
Spleen de Paris, e o prolífico Xavier Forneret. Destacava-se Pétrus Borel,
autor de Madame Putiphar, que suscitou admiração adicional de Breton por
sua recusa a usar chapéu, símbolo burguês, e pelas consequências dessa
recusa – morreu de insolação na Argélia.
Mentor do grupo, personagem de prestígio, Gautier foi autor de
narrativas que contribuem para nosso tema, no tópico do relato de estados
alterados da consciência: O clube dos haxixins. Fechado o Impasse Doyenné,
ele transferiu o grupo e suas atividades para uma nova sede, o ateliê no
Hotel Pimondan, à Île de Saint-Louis. Juntou-se a eles um poeta mais jovem,
personagem central deste ensaio : Baudelaire – que, entre outras
demonstrações de estima, dedicaria As flores do mal a Gautier.
Com a presença de Baudelaire, tudo adquiriu outra dimensão. Em
Paraísos artificiais temos, não mais apenas uma crônica ou relato de
experiências, porém a gênese de uma estética e uma poética de consequências
decisivas; poética essa alimentada ou estimulada por nuvens de haxixe.
Antes de tratar da contribuição de Baudelaire, detenho-me em uma
questão relacionada a nosso tema. Esta: qual a razão de, historicamente,
drogas surgirem como tema literário no âmbito do romantismo, de grupos de
românticos radicais?
Com efeito, nada há, precedendo, que se assemelhe a Confissões de um
comedor de ópio, O clube dos haxixins ou Paraísos artificiais ; menos
ainda, na modernidade, a Miserable Mirâcle ou Conaissance par les Gouffres
de Michaux, Haxixe de Walter Benjamin, ou algumas das narrativas de William
Burroughs, a começar por Junky.
Arrisco duas hipóteses. Uma, da alucinação ser exceção na sociedade
burguesa; no entanto, uma exceção admissível, por algum tempo. Se, na
antiguidade, podia ser «um tipo de estado sagrado», na época clássica
passava a «êxtase demoníaco» (Ginsberg em Cohn 2010, p. 155). O alucinado
já teve o prestígio do santo ou do endemoniado; nesse caso, sofrendo o
mesmo tratamento severo. A outra hipótese relaciona-se ao vigor com que foi
apresentada pelo romantismo uma categoria filosófica, o sujeito, e a
consequente contradição entre subjetividade e objetividade; em decorrência,
entre o poeta e a sociedade: entenda-se, entre o poeta rebelde e a
sociedade burguesa. O estado alterado da consciência ganhou, portanto, o
valor da negação ou negatividade, no sentido dialético do termo, como
manifestação do confronto com a ordem estabelecida.
No século 20 as drogas ganham relevo adicional, à medida que esse
confronto de indivíduo e sociedade se torna assunto policial, com a
promulgação de leis proibindo-as, desde o Harrison NarcoticsTax Act de
1916 nos Estados Unidos, passando por medidas semelhantes em outros
países, até a «Guerra às drogas» proclamada pela ONU na década de 1960, a
cujo declínio assistimos hoje. Cito a interpretação de Paz, com a qual
concordo plenamente, para o crescimento da repressão:
Um composto farmaceutico- assinala o poeta [Paz trata de Baudelaire] –
nos abre as portas do paraíso. Essa idéia não deixa de ser escandalosa
e irrita a muitos espíritos. Aos homens práticos, lhes parece nociva e
antissocial: o uso das drogas desvia o homem de suas atvidades
produtivas, relaxa sua vontade e o transforma em parasita. Não pode
dizer-se o mesmo da mística e, em geral, de toda atividade
contemplativa? A condenação das drogas por causa da utilidade social
poderia estender-se (e de fato se estende) à mística, ao amor e à
arte. Todas essas atividades são antissociais e daí que, na
impossibilidade de extirpá-las de todo, trate-se sempre de limitá-las.
(Paz 1994, p. 242)
Evidentemente, Paz refere-se, no trecho aqui citado, a algumas das
famílias de drogas; aos alucinógenos, a tudo o que induz estados de
contemplação ou letargia. E não a estimulantes; às drogas da
hiperatividade, utilizadas por estudantes para atravessar a noite
preparando-se para as provas, como as anfetaminas, e à cocaína, apreciada
por excitados executivos.
Mas é difícil especificar quem tomava qual substância no século 19 e
épocas anteriores, salvo quando o assunto era apresentado através de
relatos como os de De Quincey, Gautier e Baudelaire. Em tempos mais
recentes a barreira legal estabelece um limite; por consequência, um
confinamento e uma cultura da droga, aquela dos junkies e hipsters nos
Estados Unidos: o ambiente de boêmios e jazzistas no qual se constituiria e
floresceria a Geração Beat, movimento responsável, mais que qualquer outro,
por fazer que o tema e consequente debate viessem a público.
Sobre Paraísos artificiais, texto especialmente precursor, cabe
lembrar que, para Baudelaire, «artificial» tinha conotação positiva, como
se vê no que escreveu sobre moda e maquiagem, em contraposição ao
«natural», visto como degradado, abominável. É solidário com De Quincey,
autor, diz, do «livro incomparável que nunca foi traduzido em França». Por
vezes, é como se, ao examiná-lo, o poeta se olhasse em um espelho, tratando
de si mesmo: "O pensamento de De Quincey não é apenas sinuoso; a palavra
não é suficientemente expressiva: esse pensamento é, por natureza,
espiral." (p. 455) E ao citá-lo: "O horror da vida ligava-se já, na minha
primeira juventude, à doçura celeste da vida" (idem), antecipando o que
anotaria nos escritos íntimos: "Desde criança que sinto em mim dois
impulsos contraditórios: um de horror e outro de exaltação pela vida" (p.
546).
Porém, interessa mais diretamente o relato da percepção de uma poética
e uma correlata visão de mundo, estimuladas pelo haxixe, no capítulo de
Paraísos artificiais intitulado "O teatro de Serafim" (título do qual
Artaud se apropriaria para uma das partes de O teatro e seu duplo):
É com efeito neste período da embriaguez que se manifesta uma finura
nova, uma acuidade superior em todos os sentidos. O olfato, a vista, o
ouvido, o tato participam igualmente desse processo. Os olhos visam o
infinito. O ouvido distingue sons quase inapreensíveis no meio do mais
vasto tumulto. É então que começam as alucinações. Os objetos
exteriores tomam lentamente, sucessivamente, aparências singulares;
deformam-se e transformam-se. Depois, chegam os equívocos, os enganos
e as transposições de idéias. Os sons revestem-se de cores, e as cores
contém uma música. Dir-se-ia que tudo isso é natural e que qualquer
cérebro poético, em estado são e natural, concebe facilmente essas
analogias. Mas eu avisei já o leitor de que não havia nada de
positivamente sobrenatural na embriaguez do haxixe; simplesmente, as
analogias ganham então uma vivacidade não acostumada; o penetram,
invadem, esmagam o espírito sob o seu caráter despótico. (p. 382)
"Os sons revestem-se de cores, e as cores contém uma música": mas
Baudelaire não disse isso em outras passagens de sua obra? Sim – inclusive
no matricial soneto "Correspondências":
A Natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam filtrar não raro insólitos enredos;
O homem o cruza em meio a um bosque de segredos
Que ali o espreitam com seus olhos familiares.


Como ecos longos que à distância se matizam
Numa vertiginosa e lúgubre unidade,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam.


Há aromas frescos como a carne dos infantes,
Doces como o oboé, verdes como a campina,
E outros, já dissolutos, ricos e triunfantes,


Com a fluidez daquilo que jamais termina,
Como o almíscar, o incenso e as resinas do Oriente,
Que a glória exaltam dos sentidos e da mente. (p. 109)
É o poema das sinestesias, dos cheiros que são cores que são sons que
são sensações táteis, lembranças e emoções Como observei em outras ocasiões
(especialmente em Willer, 2008 e 2010), correspondências nunca foram, para
Baudelaire, fenômenos restritos à esfera da percepção, associações que
habitam a sensibilidade exacerbada do poeta. Ele as via como propriedades
do "templo", o "bosque de segredos". Compunham a organização oculta da
realidade, com o valor de princípios que regem o Universo.
Há mais sobre correspondências em Os paraísos artificiais. No capítulo
seguinte, intitulado "O Homem-Deus", relata como o espetáculo "mais natural
e trivial", o primeiro objeto visto, se torna "símbolo falante: Fourier e
Swedenborg, um com as suas analogias, o outro com as suas
correspondências,[5] encarnaram-se no vegetal e no animal que surge diante
de vossos olhos e, em lugar de ensinarem pela voz, doutrinam-vos pela forma
e pela cor." (p. 391) Deveria grifar "pela forma e pela cor": o binômio é
uma chave da crítica de arte de Baudelaire.
Associado ao êxtase, o paralelo entre o poeta e o mago (justificando o
que foi observado sobre cosmovisão): "A gramática, a própria árida
gramática, torna-se qualquer coisa como uma feitiçaria evocatória, as
palavras ressuscitam revestidas de carne e de ossos."
Baudelaire passaria a vida repetindo a fórmula ou princípio das
correspondências. Está em outros poemas de As flores do mal – naqueles em
homenagem à mulher amada ou desejada, de exaltação do corpo, como "O
Perfume", onde o cheiro do incenso ou do almíscar é um "sutil e estranho
encanto que transfigura/ em nosso agora a imagem do passado" (p. 133),
remetendo ao corpo, a outros cheiros, a cabeleiras, alcovas, vestes. E nos
correlatos em prosa de O spleen de Paris, especialmente "O universo em uma
cabeleira" e "Convite á viagem". Foi projetada em outros campos, desde o
Salão de 1846: "Encontra-se na cor a harmonia, a melodia e o contraponto"
(p. 667). No texto antecipatório da arte não-figurativa, expôs a estética
das correspondências através de máximas:

A harmonia é a base da teoria da cor.
A melodia é a unidade na cor, ou a cor geral. [...]
A maneira correta de se saber se um quadro é melodioso é olhá-lo de
bem longe, de modo a não lhe compreender nem o tema nem as linhas. Se
é melodioso, já tem um sentido, e já tomou seu lugar no repertório das
lembranças. [...]
Ignoro se algum analogista estabeleceu solidamente uma gama completa
das cores e dos sentimentos, mas lembro-me de uma passagem de Hoffmann
que expressa perfeitamente minha idéia, e agradará a todos que amam
sinceramente a natureza: "Não é apenas em sonho, ou no tênue delírio
que precede o sono, mas mesmo acordado, quando ouço música, que
encontro uma analogia e uma reunião íntima entre as cores, os sons e
os perfumes. Parece-me que todas estas coisas foram geradas por um
mesmo raio de luz, e devem se reunir num maravilhoso concerto. O odor
dos girassóis marrons e vermelhos produz sobretudo um efeito mágico em
minha pessoa. Ele me faz entrar em profundo devaneio, e então ouço ao
longe os sons graves e profundos do oboé." (p. 679)
A citação da Kreisleriana de Hoffmann já é a terceira estrofe de
"Correspondências", com o aroma "doce como um oboé, verde como uma
campina". Isso permite datar o soneto: sua criação foi entre 1844 e 1846,
conforme admitem especialistas como Pichois e Ziegler, Pommier e Dal Farra;
aliás, assim desfazendo uma ficção formalista criada por Paul Valéry ao ver
as correspondências como resultado da leitura de Poe por Baudelaire – mas
essa só ocorreria em 1848. Antes, coincidem com o período de freqüentação
do Hotel Pimondan e das viagens em paraísos artificiais através do haxixe e
do ópio, combinados a sessões de leitura de poesia e debates filosóficos –
um ambiente que me faz evocar outros mais recentes, talvez até mesmo
freqüentados ou habitados por mim...
As repetições e adaptações do poema prosseguiriam, desde o que
escreveu sobre Delacroix até seu comovido texto de 1861 sobre Richard
Wagner, em cujas óperas e teses sobre "arte total", Gesamtkunstwerk, viu a
realização das correspondências, assim como também o veriam, a seguir, os
simbolistas.
Talvez nem seja preciso lembrar que a exacerbação das correspondências
em Baudelaire é o ponto de partida de transformações na criação poética e
artística que o sucedeu. Os então jovens Verlaine e Mallarmé, ao se
declararem seus discípulos em 1865, as adotaram; Lautréamont as refez nos
"belo como"; Rimbaud as reescreveu no soneto "Vogais" e em "Alquimia do
Verbo" de Uma temporada no Inferno, além de proclamar Baudelaire o vidente
máximo na "Carta do vidente"; foram invocadas pelo futurista Marinetti em
seu manifesto sobre "palavras em liberdade" de 1912; e por todos os
subseqüentes ultraísmos, simultaneísmos, sensacionismos e vertiginismos que
se manifestaram no século 20. E ainda seria (conforme observei em outras
ocasiões, especialmente em Willer, 2008) o fundamento da noção de imagem
poética como aproximação de realidades distantes, em Pierre Reverdy e na
lírica surrealista:
A imagem é uma criação pura do espírito. Ela não pode nascer de uma
comparação, mas da aproximação de duas realidades mais ou menos
afastadas. Quanto mais as relações das duas realidades aproximadas
forem distantes e justas, tanto mais a imagem será forte, mais força
emotiva e realidade poética ela terá. (Breton, 2001, p. 35)
Breton, no prefácio de Signe ascendant, entre outros lugares,
relacionou tais imagens ao pensamento analógico:
O método analógico, homenageado na antiguidade e idade média, desde
então grosseiramente suplantado pelo método "lógico" que nos conduziu
ao impasse que se sabe, o primeiro dever dos poetas, dos artistas, é
restabelecê-lo em todas as suas prerrogativas, às custas de arrancá-lo
a seus subentendidos espiritualistas que, tendo sempre se comportado
com relação a ele como parasitas, viciam ou paralisam seu
funcionamento. [...] A analogia poética tem em comum com a analogia
mística o fato de transgredir as leis da dedução para fazer que o
espírito apreenda a interdependência de dois objetos do pensamento
situados sobre planos diferentes, entre os quais o funcionamento
lógico do espírito não é apto a lançar nenhuma ponte e se opõe a
priori a que qualquer espécie de ponte seja lançada. (Breton, 1975, p.
143)
Seria lícito associar as correspondências e analogias desse modo, às
experiências com alucinógenos capazes de abrir "os olhos interiores"?
Pommier já havia respondido:
[...] não se pode silenciar quanto ao fato de que Baudelaire havia
fumado o haxixe, e que havia lido E. T. A Hoffmann e Charles Fourier.
É, ao que parece, por volta de 1843 que Baudelaire se dedicou ao
haxixe. Ele terá visto, na Presse do 10 de julho de 1843, o artigo de
Gautier sobre a embriaguez produzida por essa droga. Na segunda vez,
nota o célebre folhetinista, "meu ouvido se havia prodigiosamente
desenvolvido; eu escutava o barulho das cores. Sons verdes, azuis,
amarelos chegavam-me por ondas perfeitamente distintas." por sua vez,
e nas mesmas condições, Baudelaire experimenta, diz ele em 1851, "os
equívocos os mais singulares, as transposições ... as mais
inexplicáveis... Os sons têm uma cor, as cores têm uma música.
Ele reencontra assim, favorecido pelo excitante artificial, as
sinestesias às quais a leitura de Hoffmann o havia familiarizado.
(Pommier 1932, p. 6)
Foi o que Baudelaire declarou, ao comparar o efeito das combinações de
cor em Delacroix àqueles provocados pelo ópio:

Sem recorrer ao ópio, quem não viveu essas horas admiráveis,
verdadeiras festas para o cérebro, em que os sentidos mais atentos
percebem sensações mais vibrantes, em que o céu de um azul mais
transparente se afunda como um abismo mais infinito, em que os sons
tilintam musicalmente, em que as cores falam e os perfumes evocam
mundos de idéias? Pois bem, a pintura de Delacroix me parece ser a
tradução desses belos dias do espírito. Ela está revestida de
intensidade e seu esplendor é privilegiado. Como a natureza percebida
por nervos ultra-sensíveis, ela revela o sobrenaturalismo. (p. 787)
Passagens como essas induzem a ver Baudelaire saindo diretamente de
uma das sessões do Clube dos Haxixins de Gautier, qual hippie precursor,
antecipando o "desregramento dos sentidos" de Rimbaud, excitado, talvez com
o branco dos olhos estranhamente avermelhado, no estado que ele descreveu –
"Aquela palidez, os lábios recolhidos, os olhos dilatados!" (p. 379) – para
apreciar quadros expostos em salões, museus e galerias.
Com relação a outras ocasiões em que tratei do assunto, desta vez
trago a experiência alucinógena para o centro da questão. Talvez não
exagere, ao fazê-lo. Sabemos, através da observação da vida e do que se
passa ao redor, que algumas tragadas, mesmo da prosaica e popularizada
maconha de hoje, podem desencadear mudanças; essas incluem desde a euforia,
êxtase e iluminação até – e aqui cabe emitir sinais de alerta – distúrbios
sérios. Mas, não obstante a suposição haver sido endossada por estudiosos,
cabe alguma discussão. Terá mesmo o uso de haxixe e ópio contribuído tão
decisivamente para desencadear uma revolução estética? Nessa hipótese,
atribuindo-se tamanha importância às drogas psicoativas, essas provocaram
um terremoto, uma sucessão de revoluções – mais ainda em épocas recentes,
quando, a despeito da proibição, se ampliou o repertório e oferta não só de
maconha, mas de LSD, cogumelos, daime etc.
Repare-se, contudo, que Baudelaire cita E. T. A. Hoffmann, Emmanoel
Swedenborg e Charles Fourier, entre outros, ao expor sua estética. Já
conhecia analogias e correspondências; sabia do que se tratava através de
leituras de místicos, esoteristas e autores da geração romântica,
especialmente os alemães. Provavelmente, as sessões no Hotel Pimondan e o
que se seguiu e designou como "uma finura nova, uma acuidade superior em
todos os sentidos" (p. 382), tornaram mais presente o que leu, sentiu ou
intuiu. Citando De Quincey, a propósito de ópio e não do haxixe, responde à
pergunta sobre a relação da experiência alucinógena com o repertório de
cada indivíduo:
Nas suas Confissões, De Quincey afirma com razão que o ópio, em lugar
de adormecer o homem, o excita, mas que só o excita na sua via natural
e que, assim, para julgar das maravilhas do ópio, seria absurdo
referir-se alguém a um vendedor de bois, pois este só sonhará com bois
e pastagens. (p. 389)
Nenhuma novidade nessa observação. Assim como ocorre na presença dos
bêbados chatos, quem já não aturou alucinados chatos?


* * *


Entreguemo-nos aos prazeres do comparatismo literário. Façamos uma
viagem temporal e espacial, de um século e de um ateliê em Paris até um
apartamento no Harlem em Nova York – aquele onde morou, no final dos anos
de 1940, Allen Ginsberg.
É claro que, em uma viagem dessa magnitude, estou passando por cima de
obras e autores de grande interesse, relacionados ao tema. Haveria que
examinar a intensificação do uso de drogas na geração simbolista-
decadentista – e em parnasianos também, diga-se de passagem, pois naquele
tempo ninguém era inocente. Inclusive valendo-se do consumo adicional do
absinto, bebida alcoólica, mas que tinha em sua composição a artemísia,
alucinógeno na dosagem certa e veneno perigoso acima dessa medida: sua
patrona, Diana ou Artemis, é deusa da morte e não só da natureza.
Até em nosso Cruz e Souza encontramos menções. E o mais original dos
simbolistas brasileiros, Pedro Kilkerry, criou poemas intensamente
cromáticos e com tanta sinestesia, ao dizer, do mar, que "Seu líquido
cachimbo é mágoa acesa, e fuma!", e "em fósforo incendeia / Na praia a onda
do mar, ri com dentes de espuma". De modo inconfundível, traduzem a
experiência de alguém que se proporcionou robustas tragadas de maconha. "Eu
sorvo o haxixe do estio...", confessa. A conseqüência, esta bela imagem:
O mar faz medo ... que espanca
A redondez sensual
Da praia, como uma anca
De animal.. (em Riccieri, 2007, p. 179)
Teria sido necessário dar maior atenção, especialmente, a outro poeta-
profeta: Rimbaud. Nem que fosse para comentar uma frase como "Tomei uma boa
dose de veneno. Três vezes bendita seja a minha resolução!" de Uma
temporada no Inferno. E para deter-me no duplo sentido do famoso "Eis o
tempo dos Assassinos" (Rimbaud, 1998, p. 231) em Iluminações. Como bem
observado por Ivo Barroso, lembrando a etimologia do termo: "assassino",
esse provém de "haxixim", nome dos integrantes da estranha seita liderada
por Hassam i-Sabbah, o "velho da montanha", que, conforme consta,
praticavam atentados sob efeito da substância. Corrobora a interpretação o
trecho ser intitulado "Manhã de embriaguez" com a frase precedida pela
"Curta vigília de embriaguez, sagrada!" e a declaração de que "Temos fé no
veneno." – metáforas típicas. Outra passagem de Rimbaud, em "Bárbaro", pode
corroborar: nela, o poeta está "longe dos antigos assassinos" (p. 273); do
grupo de boêmios parisienses que havia frequentado. Contudo, ambivalência e
múltiplos sentidos caracterizam sua obra; vocábulos como esse podiam ter
valor justamente por significarem uma coisa e outra: criminosos e drogados,
assassinos e "haxixim".
Em uma apresentação ou curso mais extenso sobre este tema, trataria
bastante, dentre os autores do século 20, de Artaud. E não só por seu
precursor manifesto de 1925, "Segurança pública – a liquidação do ópio", no
qual declarou, de modo veemente:
Deixemos que os perdidos se percam: temos mais o que fazer que tentar
recuperação impossível e ademais inútil, odiosa e prejudicial.
Enquanto não conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do
desespero humano, não teremos o direito de tentar a supressão dos
meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero. (Artaud 1983,
p. 24)
Manifesto em causa própria: teve meningite na adolescência, e
opiáceos, heroína inclusive, serviam para minorar seqüelas, as dores
crônicas de que sofria. Daí sua dependência, levando-o, quando internado em
hospícios, a escrever cartas suplicando por comida e drogas.
Apresenta, contudo, maior interesse para o tema em exame – relação da
droga com poéticas – o que relatou sobre sua viagem ao México, ao povo
Taraumara, onde participou dos rituais do peiote. Tomar drogas saiu do
âmbito da boemia para transformar-se em viagem espacial e temporal: ao
México e a uma cultura arcaica. É certo que o retorno do arcaico sempre
esteve associado a essas experiências, a exemplo dos sonhos orientais
relatados por De Quincey. Mas Artaud foi lá, assim como Burroughs e
Ginsberg duas décadas mais tarde, viajando ao Peru em busca do Aiauasca,
Yage ou Daime. Vencendo dificuldades financeiras, conseguiu a subvenção que
lhe possibilitou chegar até "um rito de índios perdidos que nem sabem mais
o que são e de onde vêm e que, quando interrogados, nos respondem com
histórias cuja ligação e cujo segredo já perderam." (idem, p. 101) E que
lhe deu a antevisão de seu próprio sacrifício: "Estava preparado para todas
as queimaduras, esperava os primeiros frutos da queimadura com vistas a uma
combustão logo generalizada." (p. 109) Êxtase e sofrimento. E assim as
relações entre drogas e uma poética ganharam complexidade: no caso de
Artaud, foram bilaterais. Já havia escrito os textos que compõem O teatro e
seu duplo; apresentara os fundamentos do Teatro da Crueldade, com sua
operação de substituição ou troca de lugar do signo e seus significados.
Mas o que viu e experimentou no México, ao cabo dos vinte e oito dias da
possessão física que relatou em Viagem ao país dos Taraumaras, teve o
sentido de uma realização do Teatro da Crueldade, conforme observei em
Escritos de Antonin Artaud (idem, p. 100). O tema do "Tutuguri" ou "Rito do
sol negro" dos Taraumaras tornou-se recorrente: está nas cartas escritas em
Rodez e em obras subseqüentes; inclusive em sua despedida através de Para
acabar com o julgamento de Deus: "O Rito é o novo sol passar através de
sete pontos antes de explodir no orifício da terra." (p. 149)
Artaud e Michaux: dois autores matriciais para os beats. De Artaud,
Van Gogh, o suicidado pela sociedade transcrito como um dos textos que
inspiraram "Uivo" de Ginsberg, na edição com as versões do poema preparada
por Miles (Ginsberg, 1986). Carl Solomon havia assistido à sua derradeira
apresentação no teatro Vieux Colombier, antes de conhecer Ginsberg em 1949
em uma instituição psiquiátrica. A fita gravada de Artaud, como relata
Miles, foi ouvida e cultuada durante as experimentações com a linguagem
promovidas por Burroughs em companhia de Brion Gyzin, Yan Somerville,
Ginsberg e Corso no Beat Hotel em Paris, em 1958. Michaux foi procurado por
Ginsberg na mesma época; dialogaram; relata Miles, e Ginsberg encaminhou
Miserable Mirâcle para publicação na editora City Lights de Lawrence
Ferlinghetti. Tornou-se interlocutor de Burroughs; conversaram bastante,
pois tinham experiências para trocar.
A relação de continuidade do uso de drogas pelos beats e por autores e
grupos precedentes foi exposta por Ginsberg, insistindo em que não havia
novidade no que faziam. Não obstante, através da beat o tema ganhou outra
dimensão. Foi politizado. Se, antes, podia ser interpretado como expressão
de um confronto entre indivíduo e sociedade, claramente enunciado por
Artaud no manifesto contra a proibição– "A própria natureza é anti-social
na essência – só por usurpação de poderes que o corpo da sociedade consegue
reagir contra a tendência natural da humanidade" (idem, p. 26) –, foi então
que esse confronto se tornou coletivo. E mais: foi pensado politicamente,
desde as declarações associando, a meu ver equivocadamente, maconha e
alucinógenos ao pacifismo, até as pertinentes críticas à "guerra às
drogas". Burroughs, no texto que prefacia Almoço nu, expôs o paradoxo: a
repressão às drogas é uma burocracia que se alimenta a si mesma e por isso
necessita dos viciados para existir. Ginsberg, cuja exaltação mística,
ímpeto messiânico e desregramento coexistiram com um pensamento político
articulado e atento aos detalhes, procedeu a um exame precursor, na série
de palestras deAllen Verbatim intitulada "Political Opium" (ópio político)
de 1971: ao caracterizar o tráfico de drogas como "flagelo urbano",
argumentou tratar-se de resultado da proibição. Focalizou o Harrison
Narcotics Tax Act de 1916, que baniu ópio e derivados e criminalizou
usuários – invariavelmente, conduzindo à colaboração entre policiais e
crime organizado, além de desviar recursos do que realmente interessava,
pesquisas e políticas de saúde pública em favor de viciados, assim
obrigando-os a ter nos traficantes seus únicos interlocutores. Relatou,
inclusive, casos de clínicas comunitárias de assistência a dependentes
fechadas pela polícia, por colaborarem com algo ilícito. Dizia então o que
hoje é tema de um salutar debate e de novas políticas públicas,
reconhecendo o fracasso das décadas de guerra às drogas, e da conseqüente
tendência à mudança em seu estatuto jurídico. Foi, nesse e em outros temas
relevantes, um pioneiro.
É interessante o paralelismo de opiniões de Jack Kerouac sobre o tema,
tal como manifestas em Tristessa, narrativa breve que contém amostras do
melhor da sua prosa. Nela, conta como, apaixonado pela esquálida viciada em
morfina Esperanza Villanueva, a Tristessa do título, penetra no âmago da
miséria, em uma comunidade de viciados. Em companhia daquela gente, injeta-
se com morfina para tentar neutralizar seu alcoolismo. O vizinho de
Kerouac, morador no mesmo prédio de paredes de adobe, era Bill Garver,
parceiro de Burroughs em roubar bêbados, furtar em restaurantes e traficar.
Marginal culto: "na cadeia, ele era sempre o bibliotecário, é um grande
erudito, de muitas maneiras. Com um interesse maravilhoso por história e
antropologia e tudo relacionado com a poesia simbolista francesa, acima de
tudo Mallarmé". Citando Garver, Kerouac trata de assistência a dependentes:
O problema dos viciados, abençoados os viciados em narcóticos, é
conseguir a parada – Vêem recusas por todos os lados, estão
permanentemente infelizes – [citando Garver] "Se o governo me desse
morfina o suficiente todos os dias, eu seria totalmente feliz e teria
a maior disposição de trabalhar como enfermeiro em um hospital –
Cheguei a mandar minhas idéias sobre o assunto para o governo, em uma
carta em 1938 enviada de Lexington, na qual dizia que era possível
resolver o problema dos narcóticos botando os viciados para trabalhar,
com suas doses diárias, na limpeza do metrô, qualquer coisa, como
qualquer outra pessoa doente – Como os alcoólatras, eles precisam de
remédio – (Kerouac 2007, p. 69)
Quem diria, a proposta de Kerouac / Garver executada hoje pela
Prefeitura de São Paulo no programa "De braços abertos". Hotel para
moradores de rua, quatro horas de jornada de trabalho, duas de
requalificação profissional, tratamento para quem quiser. Avaliação é
prematura. Mas parece ser preferível às tentativas anteriores, de remoção à
força da "cracolândia" (local, esse e os análogos em outras cidades,
merecedores de visitação para ilustrar resultados do proibicionismo).
A propósito do retorno ao arcaico, em Ginsberg, assim como em Kerouac
e outros beats – muito nitidamente em Michael McClure, autor dos Peyote
Poems – tomar alucinógenos é associado à experiência religiosa, ao contato
com o sagrado. Para Kerouac em Tristessa, aquelas pessoas cuja vida se
resume a esperar pela próxima dose alcançaram o nirvana, um absoluto.
Budismo e sacralização da miséria na versão mais niilista. E nos poemas de
Ginsberg sob efeito de mescalina e daime, há teofanias, registros de estar
cara a cara com Deus:
MANDALA
Deuses dançam em seus próprios corpos
Novas flores se abrem esquecendo a Morte
Olhos celestiais acima do desconsolo da ilusão
Eu vejo o alegre Criador
Faixas se elevam em um hino aos mundos
Bandeiras e estandartes tremulando na transcendência
Uma imagem permanece no final com miríades de olhos na
Eternidade
Esta é a Obra! Este é o Saber! Este é o Fim do homem! (Ginsberg
2010, p. 142)
Impressiona sobremodo Indian Journals, relato da sua viagem á Índia
de 1961 a 63, em companhia de Peter Orlowsky. Levaram vida de saddhus,
monges mendicantes; compareciam diariamente aos rituais de queima dos
mortos à margem do Ganges, em Benares; conversaram com toda a gama de
homens santos, desde os mais miseráveis até o Dalai Lama; e tomaram de
tudo, desde bhang até morfina.
Relações de drogas com experiências religiosas são complexas e variam
muito. Para alguns, como Eliade, o uso de alucinógenos por xamãs, para
chegar ao êxtase, corresponde à decadência dessa prática. Para outros, é
inerente – e não só para Carlos Castañeda ou Terence MacKenna. Conforme
Paz, a relação é pendular:
Não deixa de ser perturbador que a desaparição das potências divinas
coincida com a aparição das drogas como doadoras da visão poética. O
demônio familiar, a musa ou o espírito divino cedem o lugar ao
láudano, ao ópio, ao haxixe e, mais recentemente, às drogas mexicanas:
o peiote (mescalina) e os cogumelos alucinógenos. A Antiguidade
conheceu muitas drogas e as utilizou com fins de contemplação,
revelação e êxtase. O nome original dos cogumelos sagrados do México é
teononáncatl, que quer dizer "carne de deus, cogumelo divino". Os
índios americanos e muitos povos do Oriente e África ainda empregam as
drogas com fins religiosos. Eu mesmo, na Índia, em uma festa
religiosa, tive oportunidade de provar uma variedade do haxixe chamada
bhang; todos os participantes, sem excluir as crianças, comeram ou
beberam essa substância. A diferença é a seguinte: para os crentes
essas práticas constituem um rito; para alguns poetas modernos e para
muitos pesquisadores, uma experiência. (p. 141)
Será ... ? Ou, no caso de alguns poetas modernos, a resposta a essa
disjuntiva, culto ou experiência, não seria "ambos"?
Mas havia dito que passaria por cima de tudo isso que acabo de
comentar – e que ainda pretendo examinar em maior detalhe. Mais importante
é o que nos oferece o comparatismo literário. Em especial, confrontar o que
Baudelaire escreveu a respeito em Paraísos Artificiais e um relato capital
de Ginsberg, na entrevista à Paris Review. Aliás, o que Ginsberg conta
sobre contemplar quadros de Cézanne pode até mesmo ajudar a compreender
mais do que ocorreu com Baudelaire diante de obras de Delacroix e outros
que o impressionaram; ou, reciprocamente, Baudelaire entenderia
perfeitamente do que Ginsberg falava:
Então nessa época [em 1949] eu estava observando Cézanne e
repentinamente tive uma estranha impressão de estremecimento olhando
para suas telas. Em parte o efeito que se tem quando alguém mexe numa
veneziana, reverte as venezianas – há uma mudança repentina de luz, um
vislumbre nas telas de Cézanne. Isso ocorre algumas vezes quando as
telas se abrem para a terceira dimensão e se parecem com objetos
sólidos no espaço, não planos, mas tridimensionais. E também são os
enormes espaços que se abrem nas paisagens de Cézanne. E é em parte
essa qualidade misteriosa ao redor de suas figuras, como a sua mulher
ou os jogadores de cartas, ou o carteiro, ou quem quer que seja, um
dos personagens locais de Aix. Eles algumas vezes parecem enormes
bonecos de madeira tridimensionais. Muito bizarro, muito misterioso.
(Cohn, p. 132)
Ginsberg associa a experiência à sua "alucinação auditiva de William
Blake", quando ouviu a voz do bardo ao ler algumas das suas Canções da
Inocência e da Experiência e teve uma sensação do inefável, em 1948. Por
isso, relata,
[...] eu comecei a investigar as intenções e o método de Cézanne,
olhando para as telas dele que pude encontrar em Nova York e em todas
as reproduções que pude ver, e eu estava fazendo um trabalho sobre ele
para Schapiro, no curso de belas artes na Universidade de Columbia.
Desde já, observo uma relação indireta, triangular, entre as
descobertas de Ginsberg e aquelas de Baudelaire. Cézanne é um dentre os
pintores que sobrepuseram as relações de formas e cores à representação –
assim como, com ênfase na cor e de modo mais veemente, Van Gogh. Artistas
para os quais as portas haviam sido abertas pelos enunciados sobre
harmonias e correspondências, tal como adotadas pelo simbolismo.
Prosseguindo em sua pesquisa, Ginsberg foi a Aix-em-Provence e visitou
o ateliê e demais lugares por onde passara o pintor. Comparou quadros com
os cenários reais. Examinou seus objetos pessoais. E observou:
[...] eu comecei a ver que Cézanne possuía vários tipos de simbolismos
literários. Eu estava preocupado com a terminologia plotiniana de
tempo e eternidade, e encontrei isso nas pinturas de Cézanne. [...]
comecei a pensar que ele era, secretamente, um grande místico. E vi
uma foto de seu ateliê no livro de Loran e era como o ateliê de um
alquimista, porque ele tinha uma caveira e um longo sobretudo preto e
esse grande chapéu preto. (p. 133)
Baudelaire lia Swedenborg, Fourier e outros esoteristas. Ginsberg
estudava Plotino, o místico e filósofo neo-platônico. Ambos projetaram o
que leram no que viam: "E comecei a pensar nele como um personagem mágico",
decifrando "uma espécie de linguagem pictórica" feita de "quadrados, cubos
e triângulos". Preciso observar que Baudelaire teria aprovado e subscrito
tal prospecção?
Depois de pesquisar e traduzir a pintura de Cézanne desse modo,
Ginsberg alcançou o ápice da sua descoberta: "Então eu fumei muita maconha
e fui ao porão do Museu de Arte Moderna de Nova York e olhei suas
aquarelas, e foi aí que comecei a realmente me voltar para o espaço em
Cézanne e a forma como ele o constrói." Viu rochedos flutuando no ar e
gigantes com as cabeças desproporcionalmente pequenas. E, na leitura das
suas cartas, chega às "petites sensations [escreveu Cézanne] que eu tenho
com a natureza". O insight: "Em uma declaração muito estranha, que ninguém
esperaria do austero velho operário, ele declara: "E essa petite sensation
é nada mais que Pater Omnipotens Aeterna Deus."" (p. 135)
Esse achado nas anotações de Cézanne acabou por migrar para o final do
poema Uivo, no qual marginais são profetas e porta-vozes do novo, superando
a contradição entre tempo e espaço, sujeito e objeto, para alcançar a
gnose, o conhecimento revelado:
que sonharam e abriram brechas encarnadas no Tempo & Espaço através de
imagens justapostas e capturaram o arcanjo da alma entre 2
imagens visuais e reuniram os verbos elementares e juntaram o
substantivo e o choque de consciência saltando numa sensação de
Pater Omnipotens Aeterne Deus,
para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa humana e ficaram
parados à sua frente, mudos e inteligentes e trêmulos de
vergonha, rejeitados todavia expondo a alma para conformar-se ao
ritmo do pensamento em sua cabeça nua e infinita, (Ginsberg
2010, p. 34)
É a gênese de uma poética e um poema: "Eu usei muito desse material
nas referências do final da primeira parte de Uivo: a "sensação de Pater
Omnipotens Aeterna Deus." A última parte de Uivo foi uma homenagem à arte;
e, especificamente, uma homenagem ao método que descobri em Cézanne."
Havia citado as observações de Breton sobre arrancar os "subentendidos
espiritualistas" da analogia. Ginsberg os restaura – mas na forma de
religiosidade herética, não-institucional, pessoal, como seguidor que foi
de Blake.
O relato da descoberta de Cézanne e das petites sensations ocupa umas
sete páginas da edição consultada de sua entrevista. O pintor, para
Ginsberg, ao reproduzir algo, "está olhando para seus próprios olhos";
supera a dualidade de sujeito e objeto; é um santo, no sentido panteísta do
termo no poema "Nota de rodapé para Uivo"; um yoguin; o criador de telas
que equivalem a haicais. Assim, através da contemplação e estudo de
Cézanne, Ginsberg chegou a uma formulação análoga à imagem poética de
Reverdy aqui citada:
De alguma maneira, adaptei o que pude dele ao ato de escrever. Mas
isso é muito complicado para explicar. Exceto que, pondo de maneira
simples, como Cézanne não usa linhas de perspectiva para criar espaço,
mas justapõe cor em cima de outra cor (é um elemento do seu espaço),
eu tive a idéia, talvez um pouco hiper-refinada, de que pela
inexplicada falta de linhas de perspectiva, pela justaposição de
palavra sobre palavra, pode-se criar um espaço entre palavras – como
um espaço em branco na tela – onde a mente preencheria com a sensação
de existência. Trocando em miúdos, quando Shakespeare diz "No terrível
vazio e meio da noite", algo acontece entre "terrível vazio" e "meio".
Isso cria um inteiro espaço de breu noturno. É muito estranho como ele
consegue isso, através dessas palavras postas juntas. (p. 136)
Tudo isso serve para banir a superstição de que Ginsberg e outros
beats eram incultos, supondo incompatibilidade de boemia desenfreada e
pesquisa – aliás, a pecha também havia sido aplicada a Baudelaire, por
Maxime du Camp (conforme cita Benjamin em seu ensaio famoso). Mas o
importante é mostrar como Ginsberg projetou as justaposições de Cézanne
para expressar-se através de imagens poéticas:
Então eu estava tentando fazer coisas similares, com justaposições
como "jukebox de hidrogênio". Ou "meia noite de inverno cidade pequena
poste chuva." [...] O desafio é atingir as diferentes partes da mente,
que existem simultaneamente, escolhendo elementos delas, como: jazz,
música, jukebox [...]
Eu preferi, ao traduzir, "vitrola automática de hidrogênio", o que não
enfraquece a imagem. Pergunto-me se não deveria restituir a jukebox, fora
do nosso repertório, mas que se expandiu por obra de Ginsberg: tornou-se
título de um volume de traduções italianas de sua poesia por Fernanda
Pivano e da ópera de Philip Glass.
Recapitulemos a relação dessas percepções e intuições com drogas.
Baudelaire fumou haxixe antes de ir a salões de arte e vislumbrar
correspondências e analogias universais regendo a criação artística.
Ginsberg fumou maconha antes de ir ao museu examinar pinturas de Cézanne –
mas, no caso dele, a menção à maconha fumada chega a ser redundante, pela
quantidade e variedade do que havia tomado desde o momento, por volta de
1944, em que ele, Kerouac, Burroughs e Lucien Carr se dispuseram a
encontrar a "nova visão".
O estimulante químico obviamente não criou analogias universais para
Baudelaire, nem justaposições para Ginsberg. Os dois relatos– é
interessante compará-los inclusive para, através de Ginsberg, constatar que
se ganhou repertório em um século e o quanto Baudelaire foi pioneiro –
guardam boa distância dos mergulhos profundos na experiência alucinógena.
Esses estão em obras de Michaux, ou em outros poemas do próprio Ginsberg,
impulsionados por químicas mais fortes.
Uma indispensável recíproca precisa ser exposta para evitar equívocos.
São as experiências alucinatórias, alucinógenas, visionárias, para as quais
não foi preciso tomar nada. Burroughs, por exemplo, ao fazer as
eletrizantes pesquisas em companhia de Brion Gysin que resultaram não só
nos cut-up mas em criar a máquina dos sonhos, ouvir vozes em fitas gravadas
e enxergar formas em superfícies opacas, embora ainda apreciasse maconha e
tomasse bebidas alcoólicas regulamente, havia-se tratado da dependência de
opiáceos. Ademais, nunca apreciou LSD e alucinógenos afins, nisso diferindo
da euforia de Ginsberg ao tomar psilocibina e tantas outras substâncias.
Há um mal entendido, recíproca, a meu ver, do preconceito contra
drogas, que consiste em supor que o alucinado delirante se drogou. Observei
isso – e comentei – ao ver a recepção da terceira edição de Paranóia
(Instituto Moreira Salles, 2010) do meu amigo e interlocutor, o
extraordinário poeta Roberto Piva. A página inteira de capa da Folha
Ilustrada, comentando o lançamento, referia-se a alucinógenos e
psicodelismo. Mas não. Piva escreveu aqueles poemas entre 1961 e o começo
de 1962. Sequer circulava LSD; maconha e anfetaminas não o interessavam e
sequer bebia: permaneceu sóbrio até meados daquela década, talvez
recuperando-se de alguns excessos anteriores. Seu parceiro no livro, o
artista Wesley Duke Lee, autor das fotografias que o ilustram, mudou o modo
de criar após tomar LSD – porém mais tarde. O primeiro LSD de Piva foi no
final daquela década: depois de passar o dia na Serra da Cantareira, entrou
em um cinema e assistiu a consecutivas sessões do Satiricon de Fellini.
Mais tarde, sim: além de proporcionar-se escandalosas bebedeiras, tomaria
muita coisa. Homenageou uma gama completa de alucinógenos em seus
derradeiros livros, Ciclones, no qual dialoga ao mesmo tempo com Michaux e
Castañeda, entre outros, e Estranhos sinais de Saturno.
Talvez essa ordem de considerações sirva para relativizar o efeito de
tais drogas; ou então para normalizá-las. E, mantida a advertência que fiz
sobre consequências nem sempre róseas ou azul-celestiais, para distanciar o
tema dos espantosos quadros de desorganização social e degradação que podem
ser presenciados hoje, decorrentes, a meu ver, nem tanto das drogas, porém
da sua criminalização.


BIBLIOGRAFIA:
ARTAUD, Antonin: Escritos de Antonin Artaud, tradução, notas e prefácio de
Claudio Willer, Porto Alegre: L&PM, 1983 (e reedições);
BERNARDINI, Aurora Fornoni, organizadora, O Futurismo Italiano, diversos
tradutores, São Paulo: Perspectiva, 1980;
BRETON, André, Manifestos do Surrealismo, tradução de Sérgio Pachá, Rio de
Janeiro: Nau, 2001;
BRETON, André Signe ascendant, Paris : Poésie/ Gallimard, 1975 ;
BURROUGHS, William, Almoço nu, tradução de Maura Sá Rego Costa e Flávio
Moreira da Costa, São Paulo: Brasiliense, 1984;
COHN, Sergio (org.), Geração Beat, Rio de Janeiro: Azougue, 2010;
DAL FARRA, Maria Lúcia. "Anotações de uma Bibliógrafa: Baudelaire e o
Esoterismo", em Remate de Males, Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Estudos da Linguagem, 1984.
DE QUINCEY, Thomas. Confissões de um comedor de ópio. Trad. Ibañez Filho.
Porto Alegre: L&PM, 2007.
GAUTIER, Théophile, O clube dos haxixins, tradução de José Thomaz Brum,
Porto Alegre : L&PM, 1986 ;
GINSBERG, Allen, Allen Verbatim – Lectures on Poetry, Politics and
Consciousness by Allen Ginsberg, editado por Gordon Ball, New York:
McGraw-Hill Paperbacks, 1974;
GINSBERG, Allen, Howl, edited by Barry Miles, New York: Harper & Row, 1986;
GINSBERG, Allen, Uivo e outros poemas, seleção, tradução, prefácio e notas
de Claudio Willer, Porto Alegre: L&PM, 2010;
GINSBERG, Allen, Indian Journals, San Francisco: Dave Haselwood Books /
City Light Books, 1974;
KEROUAC, Jack, Tristessa, tradução de Edmundo Barreiros, L&PM Pocket, 2007;
MILES, Barry, The Beat Hotel: Ginsberg, Burroughs, and Corso in Paris, 1958-
1963, New York, Grove Press, 2000;
PICHOIS, Claude, e Jean Ziegler, Charles Baudelaire, Paris : Fayard, 1996;
POMMIER, Jean, La mystique de Baudelaire, Paris : Les Belles Lettres, 1932;
RICIERI, Francine (organizadora), Antologia da poesia simbolista e
decadente brasileira, São Paulo: Lazuli e Editora Nacional, 2007 ;
RIMBAUD, Arthur, Poesia Completa, organização e tradução de Ivo Barroso,
Editora Topbooks, Rio de Janeiro, 1994;
RIMBAUD, Arthur, Prosa Poética, organização e tradução de Ivo Barroso,
Editora Topbooks, Rio de Janeiro, 1998;
WILLER, Claudio, "O surrealismo: poesia e poética", em Guinsburg, Jacó e
Sheila Leirner, organizadores, O surrealismo, São Paulo: Perspectiva,
2008;
WILLER, Claudio, Geração Beat, Porto Alegre: L&PM Pocket, 2009;
WILLER, Claudio, Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e a poesia moderna,
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010;


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[1] Palestra "Drogas e literatura" promovida pelo Coletivo DAR no auditório
da Escola de Enfermagem da USP a 20 de agosto de 2013, registrada em
http://www.youtube.com/watch?v=3MirDCbFxOQ e
http://www.youtube.com/watch?v=9omYAf8XBVI A gênese dessa palestra foi
minha declaração, quando da proibição da "Marcha da maconha" em 2011, de
que aceitaria convites para tratar do tema.

[2] Todos os peomas de As flores do mal na tradução de Ivan Junqueira.

[3] Sobre Davy, http://en.wikipedia.org/wiki/Humphry_Davy

[4] Anglicismo, derivado de booze, conforme o Hachette.

[5] Os itálicos são de Baudelaire.
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