SÍNTESE DO ARTIGO CIENTÍFICO Freitas-Magalhães, A. (2002). A Criança Disléxica: Implicações Psicológicas no Desenvolvimento In Itinerários – A liberdade de ensino. ISCE
“A CRIANÇA DISLÉXICA: IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS NO DESENVOLVIMENTO” Síntese do artigo cientifico Miguel de Carvalho
[email protected] Professor do 1.º Ciclo do Ensino Básico Mestre em Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico Licenciado em Educação Básica
Resumo Uma das áreas que mais tem interessado a psicologia, desde o século XIX, é a dislexia. Segundo a literatura clássica, a dislexia é um problema da aprendizagem da leitura e da escrita com repercussões na vida pessoal e no desempenho escolar.
Introdução Desde os finais do século XIX que a dislexia tem sido alvo de estudos por parte da psicologia e várias razões têm sido apontadas para o surgir desta, por isso é que não se pode definir dislexia etiologicamente, cita Freitas-Magalhães (2001). Sabe-se que a dislexia surge na linguagem oral e no atraso da fala, refere Antier (2000).
Percurso histórico da dislexia A dislexia tem sido estudada desde os finais do século XIX e apresenta-se como dificuldade de aprendizagem na leitura, em crianças com o QI normal. A explicação no passado tinha por base a divisão do cérebro em áreas separadas para os diferentes tipos de memória: a visual geral, a visual das letras e a visual das palavras. Com esta explicação a dislexia estava em deterioramento do cérebro, sendo congénita, cita Duffy e Geschwind (1888). Entre 1914 e 1940, Samuel Orton apoiou esta teoria, insistindo que a dificuldade em ler se devia a uma disfunção cerebral cognitiva devido ao facto da criança não possuir uma adequada dominância hemisférica. O autor defendia que existem dois hemisférios: a) o dominante, onde a informação resultante do processo de leitura é armazenada para mais tarde ser processada e o b) não dominante, onde a informação a informação resultante do processo de leitura está armazenada desordenadamente, confusa e invertida. O hemisfério dominante deve anular a informação contida no 1
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hemisfério não dominante. Se este facto não acontecer é evidente que os erros de leitura serão produzidos e apresentam-se através de inversões, omissões, substituição de sons e leitura em espelho. Outro homem interessado pelo estudo da dislexia foi Ajuriaguerra que estudou as lesões de cada hemisfério cerebral e concluiu que a) as lesões direitas estavam relacionadas com os problemas gnósico-práxicos, visuo-espaciais, apraxias construtivas e perturbações somato-gnósicas e b) as lesões esquerdas estavam relacionadas com as funções simbólicas (dificuldades de linguagem, alexia, agnosia para as cores, etc.) Luria estudou a afasia traumática e concluiu que tal lesão da área occipital (domínio da leitura) é responsável pela dislexia, podendo esta ser: -
dislexia literal, onde se confunde as formas das letras isoladamente;
-
dislexia verbal, onde existe a incapacidade de integral as letras dentro das palavras.
Luria defende que se a lesão ocorrer no lobo temporal é normal que apareçam problemas de leitura, caracterizados pela dificuldade em estabelecer a ligação som-letra. Outro autor, Bender diz que a dislexia deve-se a uma maturação lenta dos mecanismos visuomotores. Já para Borel-Maissony é uma dificuldade na identificação, compreensão e produção de símbolos escritos, originando alterações ao nível da aprendizagem da leitura no que respeita à ortografia, na compreensão de textos e na aquisição das competências escolares básicas. Outros autores defendem que os problemas afetivos são a causa desta dificuldade da leitura. Estudos realizados demonstram que este facto é secundário, refere González e Sánchez (1996).
O que é a dislexia A dislexia é um problema na aprendizagem da leitura numa criança com QI normal. Etimologicamente, dis significa distúrbio e Lexia significa linguagem, em grego, e leitura, em latim. É uma disfunção neurológica que leva a dificuldades na leitura e na escrita, cita Mucchiell e Bourcierm (1980). Surge inicialmente na linguagem oral e atraso da fala. Segundo Vellutino (1981), a dislexia é mais um sintoma de disfunção durante o armazenamento e recuperação da informação do que a consequência de uma deficiência no sistema visual. A dislexia leva à disgrafia1 e à disortografia2.
1
É considerada como uma alteração da escrita ligada a problemas perceptivos-motores.
2
É definida como uma escrita não necessariamente disgráfica. É apresentada com inúmeros erros e manifesta-se quando
a criança adquire os pressupostos da escrita e da leitura.
2
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Etiologias da dislexia A dislexia é um fenómeno complexo uma vez que a leitura e a escrita põem em funcionamento diversos mecanismos neuro-psicológicos. Muitos autores referem que a dislexia é um fenómeno biológico ligado a um estado constitucional do sistema nervoso, influenciado por: -
fatores patológicos: precocidade, atraso no crescimento intrauterino, sofrimento neonatal;
-
anomalias genéticas3 e hormonais que modificam o equilíbrio das suas competências e a repartição das funções dominantes de cada hemisfério cerebral – as crianças são esquerdinas ou ambidestras, apresentam problemas de lateralidade.
Para um disléxico deve ser elaborado um programa individual específico. A dislexia tem efeitos secundários a nível psicológico. Galaburda refere que: -
algumas anomalias afetam o tratamento de informação do cérebro implicadas na linguagem;
-
anomalias na ativação do córtex cerebral nas áreas do cérebro implicadas na linguagem;
-
Por exemplo: uma criança não dislexia utiliza simplesmente o hemisfério esquerdo quando lê, já uma criança dislexia utiliza os dois hemisférios lê.
Tipologias da dislexia Vários autores defendem, que existe, múltiplos tipos de dislexias, cita González e Sánchez (1996). Estes são apresentados no seguinte quadro: Autor Kinsbourne e
-
Tipo especial com baixo QI total
Warrington
-
Tipo linguístico com baixo QI verbal
Janson e
-
Dislexia verbal
Myklebust
-
Dislexia auditiva
Mattis,
-
Verbal ou audiofonológico ou disfonético
Franch e Rapin
-
Visuespacial ou diseidético
-
Tipo com alteração primária da linguagem (39%)
-
Tipo articulatório e grafomotor (37%)
-
Tipo visuoespacial e visuoperceptivo (16%)
Doehring
3
Tipologia
Foram identificados os cromossomas 1, 15 e 16 como os portadores de genes que intervêm na dislexia.
3
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Pirozzolo,
-
Dislexia plus: dyslexia + problemas de atebção (ADD)
Bakker,
-
Dislexia-L: dislexia verbal, com défice de memória imediata
Zaidel,
-
Dislexia-P: dislexia perceptiva, com problemas visuo-motores e nível de
Masutto,
atenção deficitário
Bravar e Fabro
-
Dislexia-M: dislexia mista.
-
Dislexia posterior
-
Dislexia anterior
-
Dislexia central
-
Transtorno de linguagem, memória auditiva e combinação de sons
Watson e
-
Transtorno do processo auditivo
Goldar
-
Mista (transtorno no processo visual e auditivo)
-
Mista (transtorno memória auditiva e processamento visual)
Aaron e Baker
Figura 1 - Tipos de dislexias, segundo González e Sánchez (1996)
Critérios de exclusão A avaliação psicopedagógica de uma criança deve ter em conta: -
Se a criança tem um QI superior a 85, na WISC;
-
Se a criança tem um défice específico na leitura de pelo menos dois anos;
-
Se a criança está em escolarização adequada;
-
Se a criança vive num meu socioeducativo adequado;
-
Se a criança apresenta discriminação visual e auditiva correta;
-
Se a criança não apresenta qualquer problema a nível emocional.
Dificuldades da criança disléxica A criança não consegue integrar as estratégias de aprendizagem da leitura ou da escrita, engasga-se, hesita, omite, troca e inverte letras ou sílabas ou gagueja, repetindo sílabas e palavras, cita Jordan (1982).
Os sintomas Na dislexia podemos distinguir os seguintes sintomas: -
Inversões repetidas de letras ou sílabas;
-
Inversões da ordem das letras: •
diz “barço”, Em vez de “braço”; 4
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• -
Esquece algumas letras: •
-
lê “io”, em vez de fio”.
Acrescenta letras: •
-
diz “al”, em vez de “lá”;
lê “cascapadela”, em vez de “escapadela”
Confusão das letras de formas parecidas ou foneticamente próximas: •
o “m”, o “l” e o “u”;
•
o “p”, o “b”, o “d”, o “q” (ex.:diz “bitão”, em vez de “pitão” ou “hipopopamo”, em vez de hipopótamo”)
• -
o “a” e no “na”.
Deslocamento na compreensão do texto; a criança compreende o que lê em voz alta. Todavia, evidencia: •
má marcação das noções de tempo e de espaço;
•
dificuldades na memória de evocação;
•
persistência dos erros quando copia;
•
dificuldade em ler de forma compreensiva;
•
dá muitos erros ao longo da sua leitura; decifra muito lentamente;
•
leva mais tempo do que uma criança da sua idade a ler o texto e não compreende bem o sentido.
Repercussões da dislexia na vida da criança Vários são os autores que dizem que um disléxico sofre, pois lê lentamente, hesita, é irregular, não respeita a pontuação, tem entoação monótona, e não entende o que lê, cita Rocha (1991). Se este problema a nível cognitivo no for diagnostico e tratado a tempo, o mais certo é que a criança comece a sofrer, também de disortografia, i.e., não analisa, em situações de ditado não consegue distinguir as funções das palavras e não consegue aplicar as regras gramaticais. Outra causa do não diagnóstico e não tratamento deste problema é a dificuldade de integração na escola e é apelidada de preguiçosa, desinteressada e imatura. O sofrimento psicológico, relacionado com a dislexia, pode ser analisado em dois níveis: ao da personalidade e ao escolar. No que respeita ao nível da personalidade distingue-se a) a falta de atenção, onde a fadiga é observável devido ao esforço intelectual para resolver as dificuldades e a criança não sente prazer em ler nem a escrever, b) o desinteresse pelo estudo, onde a ausência de motivação e estimulação 5
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escolares e familiares podem levar ao desinteresse pelas tarefas de aprendizagem, pois a criança sentese marginalizada e é considerada atrasada intelectual e por fim c) a inadaptação pessoal, pois evidencia desajustamentos emocionais como o pseudo-domínio, a excessiva confiança em si, tensão emocional, agressividade, timidez insegurança e indisciplina. Em relação ao nível escolar a criança evidencia, também, dificuldades em outras áreas de aprendizagem, onde apresenta a escrita em espelho e inversões.
A dislexia e a idade Podemos distinguir este facto em três momentos: 1º momento: A criança entre os 4-6 anos -
Período pré-escolar, onde está a iniciar os processos de aprendizagem de leitura e escrita. A dislexia está muito mais presente a nível da linguagem.
-
Neste período a criança não consegue articular as palavras, por isso: a) omite os fonemas, b) confunde os fonemas; c) inverte os fonemas, d) tem uma compreensão verbal baixa e não tem muito vocabulário, e) tem dificuldade no conhecimento corporal, f) tem dificuldade em distinguir as cores, formas, tamanhos e posições, g) tem uma grande descoordenação motora e h) os seus movimentos gráficos são invertidos.
2º momento: A criança entre os 7-10 anos -
Período que está nos primeiros anos de aquisição de leitura, de escrita e de cálculo.
-
É nesta fase que a criança evidencia dificuldades de aprendizagem que podem revelar a dislexia.
-
Na linguagem, a) as dislálias4 e as omissões do momento anterior estão separadas, b) a expressão verbal é pobre e tem dificuldade em aceder a novas palavras e c) o aproveitamento é baixo.
-
Na leitura, a) confunde as letras parecidas morfológica e foneticamente, b) omite letras no fim das palavras e em sílabas compostas, c) inverte as letras de uma sílaba, d) inverte as sílabas de uma palavra e e) omite as sílabas
-
Nas palavras, omite, repete e substitui palavras por outras que se inicial com a mesma sílaba.
4
Não articulação das palavras.
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3º momento: A criança com mais de 10 anos -
Nesta fase a dislexia é atenuada, pois a capacidade intelectual está desenvolvida e há implementação de um ensino especializado.
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Ainda apresenta características do momento anterior.
-
Na linguagem, apresenta a) dificuldades em elaborar e estruturas frases corretas, b) expressar-se de forma adequada e empregar os tempos verbas corretamente e c) persiste a pobreza de expressão e compreensão verbal desajustada à sua capacidade mental.
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Na leitura, a) esta é hesitante e mecânica e b) há dificuldade na utilização do dicionário porque lhe é difícil a aprendizagem da ordem alfabética das letras e da organização das letras dentro de uma palavra.
Quem são os mais disléxicos? Rapazes ou raparigas? Cerca de 10% das crianças inscritas nas escolas apresentam dificuldades escolares relacionadas com a dislexia, afetando muito mais os rapazes do que as raparigas.
Conclusão Conclui-se com uma criança portadora deste problema necessita de acompanhamento neuropsicológico para que esta elimine ou atenue as dificuldades que manifesta, na leitura e na escrita, pois as crianças que têm dislexia apresentam um grau elevado de sofrimento psicológico, influenciando a vida pessoal bem como a realização de tarefas escolares.
Referências Bibliográficas Antier, E. (2000). O meu filho é disléxico? In Eu ajudo o meu filho a concentrar-se. Coimbra: Quarteto Editora. Duffy, F. & Geschwind, N. (1988). Dislexia – aspectos psicologicos e neurológicos. Barcelona: Editoral Labor Freitas-Magalhães, A. (2001, 4ªed.) Educação especial: os paradigmas das perturbações da aprendizagem e os paradigmas da intervenção. Porto: ISCE. Freitas-Magalhães, A. (2002). A Criança Disléxica: Implicações Psicológicas no Desenvolvimento In Itinerários – A liberdade de ensino. ISCE González, A. & Sánchez, C. (1996). La dislexia. Estado actual de nuestros conocimientos neurológicos y neurológicos, Neurologia, 24, 31-39 Jordan, D. (1982). La dislexia en la aula. Barcelona: Paidós 7
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Mucchiell, R. & Bourcier, M. (1980). La dislexia – causas, diagnóstico y reeducatión. Madrid: Editorial Cincel. Rocha, B. P et al (1991). A reeducação da criança disléxica. Lisboa : Fim de Século Edições. Vellutino, F. (1981), Dislexia –13:27:32 theory and research. New York: Mit Press.
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