A crise migratória de 2015 e os direitos humanos das pessoas carecidas de proteção internacional: o direito europeu posto à prova

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* Assessora do Gabinete de Juízes do Tribunal Constitucional e Investigadora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (investigadora colaboradora do CEDIS – Centro de I & D em Direito e Sociedade e investigadora da Antígona – Igualdade e Não Discriminação), e investigadora colaboradora do Centro de Estudos em Direito da União Europeia e do Centro Investigação Interdisciplinar em Direitos Humanos, ambos da Escola de Direito da Universidade do Minho.
Para uma breve análise da evolução histórica do número de pedidos de asilo na Europa antes da atual crise, v. Jean Gaeremynck, "L'Arrivée et la Demande d'Asile", Pouvoirs, n.º 144, 2013, p. 62 e ss.
Virginie Guiraudon, L'Europe et les Refugiés; une Politique peu Solidaire", Pouvoirs, n.º 144, 2013, p. 82.
Comissão Europeia, Agenda Europeia da Migração, COM (2015) 240 final, de 13/05/2015.
De acordo com um estudo do Parlamento Europeu, o Mar Mediterrâneo é atualmente a rota de imigração mais perigosa do mundo. Até 16/10/2015, só no ano de 2015, 613.179 pessoas tinham chegado à Europa pelo Mediterrâneo, das quais 3.117 tinham morrido na travessia. Cf. Directorate General for External Policies of the European Parliament, Migrants in the Mediterranean: Protecting Human Rights, 2015.
Importa referir, ainda assim, que o número de pessoas que procura refúgio na UE apenas representa uma pequena percentagem da dimensão real do problema. Estima-se, de facto, que apenas cerca de 5% dos nacionais ou residentes da Síria que necessitam de proteção chegam à UE. A maior parte das pessoas permanece no país, embora deslocada internamente. A esmagadora maioria das pessoas que saem do país estabelecem-se em países vizinhos, como o Líbano, a Jordânia ou a Turquia.
Directorate General for External Policies of the European Parliament, op.cit.
Idem.
Veja-se, neste contexto, a posição da Hungria, que respondeu à pressão migratória, caracterizada por cerca de 6.000 entradas diárias durantes os meses de Setembro e Outubro de 2015, com medidas repressivas, como a construção de muros nas fronteiras com a Sérvia e com a Croácia, e a criminalização da passagem ilegal do mesmo. Paralelamente, o número de deferimento de pedidos de proteção internacional desceu consideravelmente face aos anos precedentes. V., sobre este ponto, Boldizsár Nagy, "Parallel realities: refugees seeking asylum in Europe and Hungary's reaction", in http://eumigrationlawblog.eu/, 04/11/2015.
Assim, a dec. do TJUE no caso N.S. e M.E., Ac. de 21/12/2011, proc. n.º C-411/10 e C-493/10. Sobre os trabalhos preparatórios desta norma v. Nuno Piçarra, "Em Direção a um Procedimento Comum de Asilo", Themis, ano II, n. º3, 2001, p. 290.
Assim, o Tribunal Internacional de Justiça, no caso Columbian-Peruvian Asylum Case, de 20/11/1950.
De acordo com o art. 33.º, n.º1 da Convenção, um refugiado não pode ser expulso "para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas".
Cristina Gortázar, "Artigo 18.º - Direito de Asilo", in AA.VV., Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada, Alessandra Silveira, Mariana Canotilho (coord.), Almedina, 2013, p. 234.
Sobre o Direito de Asilo em direito internacional Público v., ainda, Guy-Goodwin-Gill, The Refugee in International Law, Oxford University Press, 1998.
Cristina Gortázar, op. cit., p. 234. Nesse sentido, as anotações à Carta realizadas pelo Praesidium referem que o art. 18.º foi inspirado no então em vigor art. 63.º do Tratado da Comunidade Europeia. Cfr. Text of the explanations relating to the complete text of the Charter, 11/10/2000, p. 20.
Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida.
Sobre a qualificação como refugiado, v. os seguintes arestos do TJUE: Ac. de 02/03/2010, Abdulla e outros, proc. n.º C-175/08, C-176/08 e C-177/08 (sobre perseguição por atores não estaduais), Ac. de 05/09/2012, Y e Z, processos apensos n.º C-71/11 e C-99/11 (sobre perseguição em razão de crença religiosa), Ac. de 02/12/2014, A., B., & C., processos apensos C-148/13, C-149/13 e C-150/13 (sobre perseguição em função da orientação sexual), Ac. de 28/02/2015, Sheperd, proc. n.º C-472/13 Sobre perseguição motivada por recusa de participação em atividades militares no país de origem).
Art. 15.º da Diretiva Qualificação.
Cristina Gortázar, op. cit., p. 234. Alguns autores criticam o silêncio do TJUE sobre o conteúdo do art. 18.º. V., por exemplo, Henri Labayle, "Le Droit Européen d'Asile devant ses Juges: Précisions ou Remise en Question?", Revue Française de Droit Administratif, mars-avril 2011, p. 283.
Assim, EU Network of Independent Experts on Fundamental Rights, Commentary of the Charter of Fundamental Rights of the European Union, 2006, p. 172.
O art. 78.º do TFUE refere-se, porém a "direito de asilo" em sentido estrito, como correspondendo apenas à proteção conferida a refugiados, por contraposição à "proteção subsidiária". Os instrumentos de direito derivado referem-se, ao invés de asilo em sentido amplo, a "proteção internacional".
Andreia Sofia Pinto Oliveira, O Direito de Asilo na Constituição Portuguesa, Coimbra Editora, 2009, p. 200.
Sobre a proteção "derivada" de um direito ao asilo através do art. 3.º da CEDH, v. Marc Bossuyt, "The Court of Strasbourg Acting as an Asylum Court", European Constitutional Law Review, 2012, vol. 8, issue 2, p. 203 e ss.
Assim, no caso Saadi c. Itália, em que havia risco de o recorrente sofrer maus-tratos na Tunísia, caso fosse expulso para esse país, o TEDH afirmou que a possibilidade de o mesmo constituir uma ameaça grave para a comunidade não podia ser ponderada como fator para diminuir a proteção conferida. Cfr. decisão de 28/02/2008, queixa n.º 37201/06. Os arestos que estiveram na origem deste entendimento foram o proferido no caso Chahal c. Reino Unido, Ac. de 15/11/96, queixa n.º 22414/93, e Ahmed c. Áustria, Ac. de 17/12/1996, queixa n.º 25964/94
Sobre a comparação, neste ponto, entre a proteção conferida pelo art. 3.º da CEDH, e o art. 33.º da Convenção de Genebra, v. Sílvia Morgades Gil, "La Protección de los Demandantes de Asilo por Razón de su Vulnerabilidad Especial en la Jurisprudencia del Tribunal Europeo de los Derechos Humanos", Revista de Derecho Comunitario Europeo, vol. 37, ano 14, 2010, p. 807, Jean-François Flauss, "Les Droits de l'Homme et la Convention de Genève du 28 de juillet au Statut des refugiés", in AA.VV., La Convention de Genève du 28 de juillet 1951 relative ao Statut des Réfugiés 50 ans aprés: Bilan et Perspectives, Bruylant, 2001, p. 117.
Assim, Jean-François Flauss, op. cit., p. 117.
No já referido caso Chahal, foram vários os juízes do TEDH que se manifestaram a favor de uma relativização da proteção oferecida pelo art. 3.º, nos casos de "aplicação extraterritorial da CEDH", como seriam os presentes, defendendo que aí o Estado deveria ser admitido a ponderar, por um lado, a natureza da ameaça que a pessoa em causa representaria para a segurança nacional do país de acolhimento, e, por outro, a gravidade do risco potencial de maus tratos a que o recorrente poderia ser sujeito no país de destino. Cfr. Chahal c. Reino Unido, Ac. de 15/11/96, queixa n.º 22414/93.
Marc Bossuyt, "The Court of Strasbourg Acting as an Asylum Court", European Constitutional Law Review, 2012, vol. 8, issue 2, p. 221.
Marc Bossuyt, op. cit., p. 242.
Marc Bossuyt, idem.
Cfr., entre muitos outros, Chahal c. Reino Unido, Ac. de 15/11/96, queixa n.º 22414/93.
Ana Rita Gil, "Artigo 19.º - Proteção em caso de Afastamento, Expulsão ou Extradição", AA.VV., Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada, Alessandra Silveira, Mariana Canotilho (coord.), Almedina, 2013, p. 244 e ss.
V., especificamente para os casos de terrorismo, dec. de 20/07/2010, A c. Holanda, queixa n.º 4900/06, dec. de 05/04/2011, Toumi c. Itália, queixa n.º 25716/09, dec. de 22/09/2011, H.R. c. França, queixa n.º 64780/09, dec. de 30/05/2013, Rafaa c. França, queixa n.º 25393/10.
Ac. de 09/11/2010 do TJUE, B e D, processos apensos C 57/09 e C 101/09.
Henri Labayle, op. cit., p. 276 e ss.
UNCHR, Handbook and Guidelines on Procedures and Criteria for Determining Refugee Status under the 1951 Convention and the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees, December 2011, e também UNCHR, Summary Conclusions in International Protection of Persons Fleeing Armed Conflit and Other Situations of Violence, Cape Town, South Africa, 20 December 2012, para. 6.
Pieter Boeles, Maarten de Heijer, Gerrie Lodder & Kees Wouters, European Migration Law, 2nd edition, Intersentia, p. 245.
Pieter Boeles, Maarten de Heijer, Gerrie Lodder & Kees Wouters, op. cit., p. 309.
V., entre muitos outros, H.L.R. c. França, dec. de 59/04/1997, queixa n.º 24573/94. Note-se que, contrariamente à Convenção de Genebra, o art. 3.º aplica-se a todas as pessoas que corram o risco de ser sujeitas a tratamentos contrários ao art. 3.º, independentemente de cumprirem os requisitos para serem qualificadas com refugiados ou de o risco provir de uma das razões de perseguição expressamente enumeradas no art. 33.º da Convenção de Genebra. Sobre este ponto, v. Nuala Mole and Catherine Meredith, Asylum and the European Convention on Human Rights, Council of Europe Publishing, 2010, p. 25.
Sobre este ponto, v. Sílvia Morgades Gil, op. cit., p. 816.
Assim, a decisão do TEDH no caso Vilvarajah e outros c. Reino Unido, de 30/10/1991, queixas n.º 13163/87, 13164/87 e 13165/87 e no caso H.L.R. c. França, de 29/04/1997, queixa n.º 24573/94.
Dec. de 12/04/2005, Chamaïev e outros c. Georgia e Rússia, queixa n.º 36378/02
Dec. de 26/06/2005, N. c. Finlândia, queixa n.º 38885/02.
Dec. de 11/01/2007, Salah Sheekh c. Holanda, queixa n.º 1948/04.
Dec. de 17/07/2008, NA c. Reino Unido, queixa n.º 25904/07.
Ac. de 17/02/2009, Meki Elgafaji and Noor Elgafaji, proc. n.º C-465/07.
Ac. de 30/01/2014, Diakité, proc. n.º C 285/12.
"Il «diritto clandestino». La negazione della libertà d'immigrazzione tra ragioni antiche e nuove possibili aperture", Teoria del Diritto e dello Stato, 2008, n.º 1-2-3, p. 85.
Este entendimento foi depois reforçado no Ac. de 24/06/2015, H.T., proc. n.º C-373/13.
Neste ponto merecem especial referência as várias condenações sofridas pela Rússia no ano de 2014 pela expulsão coletiva de nacionais da Geórgia, ocorridas entre 2006 a 2007, e que foram levadas a cabo sem qualquer tomada em consideração da situação individual dos nacionais em causa, tendo-se tido em conta apenas a sua nacionalidade. V., inter alia, a dec. de 03/07/2014, Georgia c. Rússia, queixa n.º 13255/07.
Dec. de 05/02/2002, Conka c. Bélgica, queixa n.º 51564/99.
Ultimamente o TEDH tem introduzido um critério substancial na análise de possível coletividade da medida, referindo que, ainda que tenha sido precedida de uma análise individualizada da situação de cada um, a expulsão pode ser considerada coletiva se tiver como objetivo estigmatizar uma categoria particular de estrangeiros. Assim, para além da determinação de ponderação individualizada dos casos, passou-se também a ter em conta os motivos que justificam a aplicação da medida.
Richard Perruchoud, "L' Expulsion en Masse d' Étrangers", Annuaire Français de Droit International, Éditions du CNRS, 1988, p. 677 e ss.
Dec. de 23/02/2012, Hirsi Jamaa e outros c. Itália, queixa n.º 27765/09.
Na dec. de 21/10/2014, Sharifi e outros c. Itália e Grécia, queixa n.º 16643/09, o TEDH voltou a condenar a Itália por violação da proibição de expulsões coletivas, na sequência de uma expulsão de imigrantes que tinham entrado ilegalmente por barco na Grécia, de volta a este último país. No caso Khlaifia e outros c. Itália, queixa n.º 16483/12, de 01/09/2015, o Tribunal de Estrasburgo considerou que as autoridades italianas tinham voltado a realizar uma expulsão coletiva em relação a três imigrantes, que haviam sido intercetados numa embarcação depois conduzida à costa de Lampedusa. O teor das decisões de afastamento, que era idêntico nos três casos, demonstrava, no entender do TEDH, que não se havia ponderado de forma individualizada a situação particular de cada um dos visados.
O TEDH já teve oportunidade de afirmar que a zona internacional do aeroporto era considerada como uma zona da jurisdição do Estado onde a mesma se encontrasse localizada, para efeitos do art. 1.º da CEDH, na dec. de 25/06/1996, Amuur c. França, queixa n.º 19776/92. Sobre a tramitação de pedidos de proteção internacional em zonas de trânsito nas fronteiras externas da Hungria, v. Boldizsár Nagy, op. cit.
Assim já o afirmou o TEDH em diversas ocasiões. V., a título de exemplo, a paradigmática decisão de 15/11/1996, Chahal c. Reino Unido, queixa n.º 22414/93 e as mais recente decisões de 28/02/2008, Saadi c. Itália, queixa n.º 37201/06, de 17/11/2009, A. c. Holanda, queixa n.º 4900/06
Assim, a dec. de 15/01/2015, Eshonkulov c. Rússia, queixa n. 68900/13, dec. de 21/05/2015, Mukhitdinov c. Rússia, queixa n. 20999/14, dec. de 21/07/2015, H.S. e outros c. Chipre, queixa n. 41753/10.
Dec. de 26/02/2015, Khalikov c. Rússia, queixa n. 66373/13.
V., inter alia, Ac. de 21/12/2011, Cicala, proc. n.º C-482/10. Em sentido contrário, referindo que as garantias em causa têm como destinatários também os próprios Estados-Membros, v. as conclusões do Advogado-Geral Melchior Wathelet no caso Mukarubega, proc. n.º C-166/13.
Assim, Cláudia Viana, "Artigo 41.º - Direito a uma boa administração", AA.VV., Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada, Alessandra Silveira & Mariana Canotilho (coord.), Almedina, 2013, p. 484. A autora refere que «ao prescrever que os Estados-Membros devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respetivas competências e observando os limites das competências conferidas à União pelos Tratados, o artigo 51.º, conjugado com o artigo 52.º, n.º2, limita e relativiza o princípio da autonomia organizativa e procedimental (e também processual) dos Estados-Membros, na medida em que aquela autonomia tem de ser conciliada com a aplicação uniforme e com a eficácia do Direito da União (…), incluindo o direito fundamental a uma boa administração sempre que aquele esteja em causa».
Sobre este ponto, v. Cláudia Viana, op. cit., p. 484.
Ac. de 08/01/2002, France c. Monsanto, proc. C-248/99.
Ac. de 19/10/1983, Lucchini c. Comissão, proc. n.º 179/82.
Ac. de 08/01/2002, France c. Monsanto, cit.
Ac. de 05/11/2014, Mukarubega, cit. Assim, também, Cláudia Viana, op. cit., p. 488.
Ac. de 22/11/2012, M.M., proc. n.º C-277/11.
UNCHR's guidelines on the applicable criteria and standards relating to the detention of asylum seekers and alternatives to detention, 2012.
Para uma análise mais detalhada da jurisprudência do TEDH no que toca aos vários requisitos relativos à detenção de imigrantes, v. Ana Rita Gil, "A Detenção de Imigrantes na Jurisprudência Nacional e Internacional", Revista do Ministério Público, n.º 125, Jan.-Mar. 2011.
V. dec. de 29/01/2008, Saadi v. the United Kingdom, queixa n.º 13229/03.
V., a título de exemplo, a dec. de 15/08/1990, Van Alphen c. Países Baixos, comunicação n.º 305/1998.
Dec. de 20/12/2011, Yoh-Ekale Mwanje c. Bélgica, queixa n.º 10486/10.
Dec. de 19/01/2012, Popov c. França, queixa n.º 39472/07 e 39474/07.
Ac. de 25/06/1996, Amuur c. França, queixa n.º 19776/92.
Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional.
Ac. de 30/05/2013, Arslan, proc. n.º C-534/11.
Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional.
Nuala Mole and Catherine Meredith, op. cit., p. 168.
MSS c. Bélgica e Grécia, Ac. de 21/01/2011, queixa n.º 30696/09.
Atualmente, o Regulamento (UE) n. ° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida.
ECHR, Mohammed Hussein e outros c. Holanda e Itália, de 02/04/2013, queixa n.º 27725/10 e Mohammed c. Áustria, de 06/06/2013, queixa n.º 2283/12.
Ac. de 01/09/2015, Khlaifia e outros c. Itália, queixa n.º 16483/12.
Assim, as decisões do TEDH no caso Georgia c. Rússia (Dec. de 03/07/2014, queixa n.º 13255/07).
N.S. e M.E., de 21/12/2011, processos n.º C-411/10 e 493/10.
Ac. de 27/09/2012, Cimade e Gisti, proc. n.º C- 179/11.
European Council on Refugees and Asiles, "Hotspot opens in Lesvos but reports of conditions on the Island remain worrying", http://www.ecre.org/, 29/10/2015.
V., em geral, o art. 3.º do TUE e, no que toca ao espaço de liberdade, segurança e justiça, o art. 67.º, n.º2 do TFUE, que dispõe: "A União assegura a ausência de controlos de pessoas nas fronteiras internas e desenvolve uma política comum em matéria de asilo, de imigração e de controlo das fronteiras externas que se baseia na solidariedade entre Estados-Membros e que é equitativa em relação aos nacionais de países terceiros. Para efeitos do presente título, os apátridas são equiparados aos nacionais de países terceiros", e o art. 80.º do TFUE.
Diretiva 2001/55/CE do Conselho, relativa a normas mínimas em matéria de concessão e de proteção temporária em caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas.
Note-se, porém, que, de acordo com o art. 3.º, a aplicação desta Diretiva não preclude a possibilidade de reconhecimento do estatuto de refugiado para as pessoas abrangidas que cumpram os requisitos para tal. O mesmo se diga, de resto, do estatuto de proteção subsidiária.
Constança Urbano de Sousa, "A Proteção Temporária enquanto elemento de um sistema europeu de asilo", Themis, 2001, p. 269.
A aplicação desta Diretiva a uma situação concreta está dependente de decisão do Conselho que declare o afluxo maciço de pessoas, sob proposta da Comissão (art. 5.º).
Cristina Gortázar, op. cit., p. 242.
Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, Agenda Europeia da Migração, COM (2015) 240 final, de 13/05/2015.
Nos termos dessa norma, no caso de um ou mais Estados-Membros serem confrontados com uma situação de emergência, caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros, o Conselho, sob proposta da Comissão, pode adotar medidas provisórias a favor desse ou desses Estados-Membros. O Conselho delibera após consulta ao Parlamento Europeu.
Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho - Gerir a crise dos refugiados: medidas operacionais, orçamentais e legislativas imediatas no contexto da Agenda Europeia da Migração (COM/2015/0490 final).
Sobre o funcionamento da reinstalação, v. European Union Agency for Fundamental Rights, Legal entry channels to the EU for persons in need of international protection: a toolbox, 2015, p. 7 e Delphine Perrin (ed.), Refugee Resettlement in the EU - 2011-2013 Report, European University Institute, 2013.
European Union Agency for Fundamental Rights, op. cit., p. 9.
European Union Agency for Fundamental Rights, op. cit, p. 4.
A crise migratória de 2015 e os direitos humanos das pessoas carecidas de proteção internacional: o direito europeu posto à prova

Ana Rita Gil*

O presente estudo toca várias áreas do saber jurídico a que o homenageado se tem dedicado ao longo da sua vida: o Direito da União Europeia, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, os direitos dos estrangeiros e os direitos fundamentais. O tema deste estudo justifica-se ainda pelo facto de o mesmo ser escrito num momento em que a União Europeia se depara com um dos maiores desafios no que toca à sua afirmação como união política assente no respeito pelos direitos humanos e no princípio da solidariedade entre os Estados-Membros, devido à crise migratória que se tem agravado desde inícios de 2015. São estes, pois, os motivos que nos levaram a escolher o presente tema para homenagear Rui Moura Ramos, antigo Presidente do Tribunal Constitucional, com quem tivemos a honra de privar durante parte do exercício das nossas funções na assessoria do Gabinete de Juízes do mesmo Tribunal.

Introdução – breve caracterização da atual crise migratória da UE

O ano de 2015 foi marcado por uma crise migratória na União Europeia (UE) com precedentes equivalentes à crise de refugiados do pós IIª Grande Guerra e à crise de refugiados da Guerra da Jugoslávia.
Até 2011/2012, vários estudos demonstravam que, comparativamente a outros países, como os EUA e a África do Sul, os Estados-Membros da UE recebiam menos refugiados. De acordo com dados da Comissão Europeia, o número de requerentes de proteção internacional que procuraram os Estados-Membros da UE ascendeu, em 2014, a 626.000, o que representou um crescimento de 44% face ao ano anterior. Em Maio de 2015, esse número já ascendia a 402.000. Estima-se que chegaram à União Europeia (UE), em busca de proteção internacional, mais de 700 mil pessoas só em 2015. O maior número dos requerentes de asilo provinha da Síria (43%), logo seguido do Afeganistão (26%). O aumento exponencial de requerentes de asilo justifica-se por vários fatores: pela instabilidade política que se vive em alguns países do Norte de África e Médio Oriente, como a Síria, o Afeganistão o Iraque, a Líbia, Sudão, Gâmbia, Somália e a Eritreia, pelos conflitos e situações de violência generalizada que se vivem nesses países, onde atuam também redes terroristas, como o Daesh ou Boko Haram. A estas pessoas juntam-se ainda muitas outras que pretendem fugir da pobreza e procurar melhores condições de vida. A conjugação de vários fatores como a queda de regimes políticos que foram instaurados após a chamada "Primavera Árabe", o surgimento de redes terroristas e o incremento das desigualdades, aliada à consciencialização de melhores condições de vida na Europa estão na origem da crise migratória com que a UE se tem confrontado. Preferimos referir-nos a "crise migratória" e não a "crise de refugiados" pois, como acabámos de expor, os fluxos migratórios são mistos: eles abarcam não só imigrantes forçados em sentido estrito, como ainda imigrantes voluntários, que procuram a Europa em busca de melhores condições de vida.
A crise migratória teve ainda um fator de agravação adicional, relacionado com desenvolvimento da atividade das redes de tráfico de imigrantes, através do uso de várias rotas destinadas a transportar ilegalmente migrantes para a UE. Na Primavera de 2015 a Europa assistiu a vários acontecimentos trágicos, resultantes de naufrágios no Mar Mediterrâneo de embarcações clandestinas que tentavam chegar à costa da Itália ou da Grécia. No entanto, também as rotas de auxílio à imigração ilegal por terra estão na origem de acontecimentos trágicos, como é exemplo a morte de cerca de sessenta pessoas dentro de um camião abandonado numa autoestrada na Áustria, o que nos faz lembrar a tragédia de Dover, em Junho do ano 2000, em que sessenta de pessoas de nacionalidade chinesa morreram asfixiadas num camião ao tentarem entrar ilegalmente na costa inglesa, e que esteve na origem de várias medidas da UE destinadas a combater a imigração ilegal.
A UE deparou-se, assim, com uma pressão migratória ímpar, a qual tem representado o maior desafio para a política europeia comum de asilo desde o seu surgimento. Devido ao elevado afluxo de pessoas em busca de proteção internacional e à pressão migratória com que muitos Estados da UE se têm confrontado, podem existir maiores riscos de inobservância dos direitos fundamentais da titularidade das pessoas que procuram a UE em busca de proteção internacional. Foram várias as notícias e imagens que circularam na comunicação social e que demonstraram o risco de violação de vários direitos dessas pessoas, como o direito a não ser sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes, o direito à proteção de pessoas especialmente vulneráveis, ou mesmo o direito de asilo ou de non refoulement. O Parlamento Europeu realizou, neste contexto, um estudo em que analisa os vários direitos humanos que são violados no contexto da presente crise migratória, desde a saída dos migrantes no país de origem, até ao acolhimento no país de destino. No decurso da partida, os migrantes podem estar sujeitos a exploração e abusos pelas redes de auxílio à imigração ilegal. Nos países de trânsito, podem estar sujeitos a detenção, com risco de sujeição a tratamentos desumanos ou degradantes ou a várias formas de violência. Depois, durante o percurso, houve notícia de várias operações, levadas a cabo por oficiais dos Estados-Membros (nomeadamente da Itália e Grécia) ou mesmo da FRONTEX, e destinadas a afastar os migrantes. Finalmente, uma vez chegados aos territórios da UE, nem sempre são recebido em condições adequadas.
Confrontados com a pressão migratória a que se assistiu e sobrecarregados com pedidos de proteção internacional, os Estados fronteiriços deparam-se com duras provas para gerir eficazmente as exigências com que se deparam. De acordo com o mencionado estudo do Parlamento Europeu, a resposta desses Estados-Membros tem sido principalmente a proteção e securitização das respetivas fronteiras, assistindo-se a um decréscimo da proteção dos direitos humanos.
A Carta dos Direitos Fundamentais da UE (CDFUE) consagra vários direitos fundamentais que devem ser respeitados pelos Estados no tratamento dos pedidos de proteção internacional. E é sobre essa proteção que trata o presente estudo. Pretende-se realizar um levantamento dos vários direitos fundamentais que têm de ser salvaguardados no contexto da crise migratória com que a UE se confronta. Em primeiro lugar, importa ter em conta a própria garantia do direito de asilo. Depois, a garantia de direitos que visam efetivar esse direito de asilo, como o direito a uma análise individualizada da situação pessoal. E, por último, dos direitos humanos conexos que têm de ser respeitados pelas autoridades nacionais dos Estados-Membros durante a análise dos pedidos, nomeadamente no que toca à detenção e acolhimento dos requerentes de asilo. Alguns desses direitos têm sido desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE (TJUE) e pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que constitui grande fonte de inspiração do desenvolvimento do Direito da UE na matéria, e que importa ter em conta, por força do art. 53.º da CDFUE.

O direito de Asilo como um direito fundamental reconhecido pelo direito da UE
A maior parte das pessoas que tem procurado os territórios da UE nos movimentos migratórios atrás caracterizados procura proteção internacional. Importa, pois, caraterizar, desde logo, de que forma o direito da UE protege um direito de asilo.
O art. 18.º da CDFUE garante o direito de asilo, à semelhança de constituições nacionais de vários Estados-Membros, nos seguintes termos: "é garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra de 28 de julho de 1952 e do Protocolo de 31 de janeiro de 1967, relativos ao Estatuto dos Refugiados, e nos termos do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia". A Carta não delimita a garantia em termos precisos e determinados, remetendo para os Tratados e para os demais textos de direito internacional. Assim, há que recorrer a estes elementos para se compreender que realidade visa a CDFUE proteger quando se refere a "direito de asilo".
Em geral, o conceito de direito de asilo – ou de proteção internacional - corresponde à proteção dada por um Estado a um indivíduo contra a perseguição ou mau trato sofrido pelo mesmo noutro Estado, que será o seu Estado de origem (de nacionalidade ou de residência habitual). Tradicionalmente, em direito internacional tem-se entendido que o direito de asilo corresponde a um direito do Estado que dá a proteção, o qual derivaria da sua soberania territorial. No entanto, em direito internacional dos direitos humanos, tem-se já desenvolvido a ideia de direito de asilo enquanto direito humano de quem pede proteção. Neste ponto, é paradigmática a redação do art. 14.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, nos termos da qual "toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países". A Convenção de Genebra sobre o Estatuto de Refugiado, por seu turno, proíbe o afastamento dos refugiados para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçados (princípio do non refoulement). Da conjugação destes dois textos chegou-se à conformação do direito de asilo como um direito que implica duas dimensões: o direito de procurar asilo e o direito a não ser afastado depois de o asilo ser concedido, nos casos em que esse afastamento corresponder a refoulement. O direito de asilo e a proibição de refoulement são ambos consagrados na CDFUE, e constituem os pilares em que assenta o desenvolvimento do direito europeu de asilo.
No entanto, o art. 18.º da CDFUE remete também para os Tratados, o que demonstra que a UE não está necessariamente vinculada aos desenvolvimentos dos instrumentos de direito internacional pertinentes, podendo construir um direito de asilo com um significado próprio – desde que respeitados os mínimos exigidos pelo direito internacional, em especial pela Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados. E julgamos que, de facto, com o desenvolvimento das competências da UE em matéria de asilo, aliada à jurisprudência do TJUE, se pode hoje afirmar a construção de um direito de asilo com um sentido europeu. À semelhança do direito internacional, também este possui duas vertentes: uma relacionada com o direito a receber asilo, e outra relacionada com a proibição de refoulement. Comecemos pelo primeiro aspeto.

O asilo enquanto direito ao acolhimento
A proteção do direito de asilo, entendido como um direito de obter asilo, encontra-se ainda pouco desenvolvida no direito internacional. É certo que o direito de asilo se encontra previsto no art. 14.º da DUDH, mas, para além de a Declaração não possuir valor vinculativo, o direito em causa encontra-se formulado de forma mitigada, como compreendendo o direito de procurar de asilo. A Convenção de Genebra de 1951 sobre o estatuto dos refugiados, por seu turno, apenas se refere a "asilo" no preâmbulo e nas cláusulas finais, o que leva alguns autores a referir que a mesma consagra uma proteção "imperfeita" dos refugiados. Por seu turno, também a CEDH é omissa no que toca a um direito de asilo. Assim, não se consagrou expressamente, em direito internacional, o direito de asilo enquanto direito a obter proteção por parte de um país determinado.
No entanto, na consagração do direito de asilo, o art. 18.º da CDFUE remete para os Tratados da União, e é neste ponto que a garantia ínsita na Carta pode representar uma mais-valia em relação ao direito internacional. Alguns autores referem que a remissão para os Tratados demonstra que o direito de asilo garantido dependerá da evolução do próprio direito da UE. Atualmente, os instrumentos de direito derivado destinados a desenvolver as competências da UE em matéria de asilo consagram já um direito a obter o estatuto de refugiado ou de titular de proteção subsidiária, se os requerentes cumprirem os requisitos neles previstos. A Diretiva relativa à determinação de pessoas elegíveis para a concessão do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária (doravante, Diretiva Qualificação) é, neste ponto, clara: a mesma não só define quem pode receber o estatuto de refugiado e de proteção subsidiária, como ainda cria o dever de os Estados conferirem esse estatuto a quem cumprir as condições fixadas para o efeito: o artigo 13.º menciona expressamente que os Estados "concedem o estatuto de Refugiado" a quem cumprir as condições previstas nesse instrumento e o art. 18.º usa a mesma expressão no que se refere às pessoas que cumpram as condições para poderem beneficiar do estatuto de proteção subsidiária. Os primeiros correspondem às pessoas que abandonam o seu país de origem por força de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertença a grupo social ou determinada opinião política. Já os segundos serão aqueles que invoquem a risco de serem sujeitos, no país de origem a tratamentos proibidos pelo direito internacional. Estarão nessas condições aqueles demonstrem que, no país de origem podem ser sujeitos a pena de morte ou a execução, a tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante ou a ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno. Através destes dois estatutos, o Estado-Membro fica vinculado a conceder proteção internacional aos nacionais de países terceiros que cumpram as condições para beneficiar dos mesmos. Assim, o direito europeu derivado consagra já o direito de asilo como direito de obter asilo.
Defendendo que a CDFUE tem de ser lida à luz destes desenvolvimentos, Cristina Gortázar considera que a mesma protege um direito individual à obtenção de asilo, indo este instrumento, assim, mais além que a "proteção imperfeita" da Convenção de Genebra. O entendimento de que a CDFUE consagra uma proteção mais desenvolvida não decorre apenas da garantia de um direito de asilo. A própria configuração desse direito é mais ampla, já que dele beneficiam não apenas as pessoas que podem ser consideradas refugiados, como ainda os que reclamam proteção internacional por poderem ser sujeitos, no país de origem, a tratamentos contrários ao direito internacional, como as pessoas que podem ser sujeitas a tortura ou tratamentos desumanos e degradantes, os quais são proibidos pelo art. 3.º da CEDH e pelo art. 4.º da CDFUE. A proteção internacional pode, assim, ser concretizada através da atribuição de um de dois estatutos diferenciados: o estatuto de refugiado, por um lado, e o estatuto de proteção subsidiária, por outro. Em ambos os casos, a proteção conferida pode reconduzir-se à noção de asilo em sentido amplo, tal como usado pelo art. 18.º da CDFUE, como compreendendo todas as formas de proteção internacional conferidas aos migrantes forçados.

A proibição de refoulement
A proibição de refoulement corresponde, para alguns autores, ao núcleo essencial do direito de asilo em sentido amplo. O art. 78.º do TFUE, subordinado ao desenvolvimento das competências da UE em matéria de política comum de asilo, elege a proibição de refoulement como um dos princípios-chave da política europeia comum na matéria.
O referido princípio recebe uma dupla consagração na CDFUE. Para além de derivar do art. 18.º da CDFUE, enquanto uma das dimensões do direito de asilo, ele encontra ainda consagração expressa no art. 19.º, n.º2 da CDFUE, que determina que ninguém pode ser expulso para um país onde corra o risco de ser perseguido ou sujeito a danos sérios para a sua vida ou integridade pessoal. Por outro lado, ele é garantido por vários instrumentos internacionais. Encontra-se não só consagrado na Convenção de Genebra sobre o Estatuto de Refugiado, mas também noutras normas de direito internacional, nomeadamente as que proíbem a tortura ou a sujeição a tratamentos considerados cruéis, desumanos ou degradantes, como o art. 7.º do PIDCP e o art. 3.º da CEDH. Não obstante, aparentemente os instrumentos mencionados não consagram todos o mesmo gau de proteção contra o refoulement. Enquanto a proibição ínsita no art. 3.º da CEDH é absoluta – i.e., em caso algum poderá haver devolução de um estrangeiro para um país onde o mesmo corra o risco de ser submetido a tortura ou tratamentos desumanos e degradantes -, a proteção ínsita na Convenção de Genebra admite exceções, nos termos das quais um refugiado pode ser expulso quando constitua um perigo para a sociedade do Estado de acolhimento ou quando, depois de ter sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade. Alguns autores defendem, porém, que as exceções previstas na Convenção de Genebra não são aplicáveis se implicarem a violação de princípios ou normas consuetudinárias imperativas ou inderrogáveis, como é o caso da norma que proíbe o risco de sujeição a tortura ou a tratamentos desumanos ou degradantes.
Não obstante, o caráter absoluto da proibição de refoulement em caso de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes não tem merecido um acordo unânime na doutrina. Várias vozes clamam por uma necessidade de relativização da proteção oferecida pelo art. 3.º da CEDH no contexto das medidas de expulsão. As primeiras surgiram no interior do próprio TEDH, através da opinião de alguns juízes que defendiam que, nos casos de afastamento do território, em que os tratamentos proibidos não são infligidos pelo Estado que afasta, mas pelo Estado do país de destino, a proibição deveria ser relativizada, devendo atuar o princípio da proporcionalidade. Outros autores referem que o TEDH tem procedido a um alargamento cada vez maior da proteção oferecida pelo art. 3.º da CEDH invocando que, em último termo, acabam por ser os juízes do TEDH a decidir do reconhecimento que determinada pessoa beneficia de proteção internacional. Marc Bossuyt defende, neste sentido, que o TEDH acaba por entrar em domínios de competência que deveriam ser apenas dos Estados, por estarem relacionadas com as capacidades de acolhimento destes últimos, e com os seus imperativos de salvaguarda da segurança nacional e ordem pública. O autor refere ainda que, na base do juízo do TEDH relativo à violação do art. 3.º da CEDH, estará sempre um juízo especulativo, pelo que não devia dar origem a uma proteção absoluta.
Não obstante, o TEDH tem negado que a garantia subjacente ao art. 3.º da CEDH se possa relativizar em função de valores comunitários. Este aspeto reveste a maior importância no presente contexto, em que a crise migratória na UE acontece numa conjuntura em que a luta contra o terrorismo é uma das prioridades dos Estados-Membros, e em que se vive um clima de receio provocado por essa ameaça. Proteção internacional e luta contra o terrorismo aparecem assim, muitas vezes infundadamente, como dois aspetos do mesmo problema. Ora, o TEDH tem afirmado o caráter absoluto da proibição de refoulement mesmo nos casos de expulsão motivados por envolvimento em atividades terroristas.
Postas estas considerações, importa agora procurar saber se a proteção conferida contra o non refoulement garantida no art. 19.º, n.º2 da CDFUE é também absoluta, já que a fonte de inspiração dessa norma foi, precisamente, a jurisprudência do TEDH sobre desenvolvimento do art. 3.º da CEDH. Neste ponto, importa ter presente o n.º 2 do art. 52.º da Carta, que dispõe que "na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção europeia para a proteção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa convenção, a não ser que a presente Carta garanta uma proteção mais extensa ou mais ampla. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla". Isso implica reconhecer-se que essa norma consagra uma proteção absoluta: i.e., em caso algum poderá haver afastamento de um estrangeiro para um país onde o mesmo corra o risco de ser perseguido ou sujeito a danos sérios para a sua vida ou integridade pessoal.
Neste ponto importa referir o Ac. do TJUE de 09/11/2010, no caso B e D, em que o juiz alemão colocava precisamente a questão da exclusão do estatuto do refugiado em caso de terrorismo. No caso, havia provas de que um requerente de asilo havia pertencido a uma organização terrorista inscrita nas listas antiterroristas da UE. Contudo, o TJUE sublinhou que, para se concluir pela exclusão do estatuto de refugiado por esse motivo, a autoridade competente devia imputar à pessoa em causa uma parte da responsabilidade por atos efetivamente cometidos pela organização em causa durante o tempo que o requerente era membro da mesma. De facto, só a prática efetiva desses atos constituiria causa de exclusão do estatuto de refugiado nos termos da Convenção de Genebra. O TJ afirmou, assim, a proeminência da Convenção de Genebra sobre todo o direito derivado, no quadro da CDFUE.
Ainda assim, o TJ afirmou que, uma vez confirmado o envolvimento da pessoa em causa nos atos terroristas, deveria ser proferido um juízo de exclusão do estatuto. Significa isto que o TJUE adotou a conceção relativa da proteção do refoulement, no sentido de que, quando esteja em causa a verificação de uma das situações previstas no n.º 2 do art. 33.º da Convenção de Genebra, a proteção deve ser negada, independentemente do risco de sujeição do requerente a tratamentos contrários ao art. 3.º da CEDH? Julgamos que não. A verificação de uma dessas exceções apenas implica que ao requerente seja negado o estatuto de refugiado. Contudo, o mesmo não poderá, no nosso entender, ser afastado para o país de proveniência, se aí incorrer no risco de sujeição a tratamentos contrários ao art. 19.º, n.º2 da CDFUE, uma vez que essa norma prevê um nível de proteção mais elevado que o da Convenção de Genebra, quer subjetiva, quer objetivamente considerado: por um lado, o mesmo deve beneficiar todas as pessoas, independentemente de gozarem do estatuto de refugiado e, em segundo lugar, ele consagra uma proteção absoluta, ou, de outra perspetiva, uma proibição absoluta, no sentido de que nunca poderá existir expulsão para um país onde se possa sofrer tratamentos contrários ao art. 19.º, n.º2 da CDFU. Nesse sentido, o TJ afirmou que as normas de direito derivado sobre o estatuto de refugiado então em vigor se deviam interpretar no sentido de que os EstadosMembros podem reconhecer um direito de asilo ao abrigo do seu direito nacional a uma pessoa excluída do estatuto de refugiado, desde que este outro tipo de proteção não comporte um risco de confusão com o estatuto de refugiado. Assim, decorre desta jurisprudência que, ainda que não se conceda o estatuto de refugiado a quem esteja envolvido em atividades terroristas, se essa pessoa correr o risco de ser sujeita a tortura ou a tratamentos desumanos ou degradantes, pode-lhe ser atribuído o direito de permanecer no território ao abrigo de outro título. Do art. 19.º, n.º2 da CDFUE, lido em conjunto com a jurisprudência atual do TEDH, decorre, aliás, um dever de não expulsar a pessoa em causa para o país onde se corra esse risco. Restará a possibilidade de afastamento para um país terceiro seguro, caso, claro está, este esteja disponível a receber a pessoa em causa.

2.3. A questão da proteção das pessoas vítimas de situação de violência generalizada
Como se referiu na introdução do presente estudo, um elevado número de pessoas envolvidas nos fluxos migratórios que tiveram um aumento exponencial em 2015 consiste em pessoas que fogem de conflitos armados, étnicos, ou religiosos, ou ainda de situações de instabilidade nos seus países de origem que se podem traduzir em risco para a sua vida e segurança. Neste contexto importa atentar na questão de saber se o direito de asilo, nas suas duas vertentes, engloba as pessoas que fogem de conflitos ou de situações de violência generalizada.
A questão não é límpida já que, de acordo com as linhas orientadoras do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, em geral, as pessoas que se encontrem a fugir de conflitos armados não são consideradas, só por esse facto, refugiados. De facto, tem-se considerado que o requisito referente à necessidade de ligação entre um receio de perseguição e um dos motivos enumerados na Convenção de Genebra (raça, religião, nacionalidade e pertença a um grupo social particular e opinião política) obstava a que considerassem como refugiados todos os que fugissem de situações de violência generalizada. Contudo, uma situação de violência generalizada não pode precludir a se a possibilidade de os afetados poderem ser considerados refugiados. Desde logo, o conflito pode ser motivado precisamente por razões étnicas, religiosas, políticas, sociais ou de pertença a um determinado grupo. Nesses casos, os atos de violência podem ser interligados a um fator de perseguição previsto na Convenção de Genebra. Ainda que não seja esse o caso, a situação de conflito pode alcançar uma gravidade tal que a presença no território constitui, por si só, um risco de sujeição a tratamentos desumanos ou degradantes.
No que toca à aplicação do princípio do non refoulement aos casos em que o risco invocado pelo migrante decorre de uma situação de violência generalizada que se esteja a viver no país de destino, importa ter presente, uma vez mais, a jurisprudência do TEDH sobre aplicação do art. 3.º da CEDH. Esta jurisprudência sofreu uma evolução que importa recordar.
Nos primeiros casos, o TEDH afirmava que a sujeição do recorrente a situações de violência generalizada não era, em princípio, protegida pelo art. 3.º da CEDH. Era necessário, à partida, a demonstração de um receio fundado de perseguição individualizada. Esta interpretação começou depois a ser flexibilizada nos Ac. Chamaïev e outros c. Rússia e Geórgia e N. c. Finlândia. Mas foi no caso Salah Sheek que o TEDH ultrapassou a exigência de individualização do risco, marcando de forma decisiva o futuro da sua jurisprudência na matéria. Eu causa estava uma situação de expulsão de um membro de uma minoria com historial de maus-tratos no país de origem. De acordo com o entendimento do TEDH, o qual foi depois reforçado no caso NA c. Reino Unido, quanto mais provas uma pessoa puder invocar que a distingam ou individualizem de um risco de sofrer tortura, tratamentos desumanos ou degradantes, menor será o nível de violência generalizada exigido no país de destino. Caso a pessoa não sofra um risco individualizado de sujeição aos tratamentos contrários ao art. 3.º da CEDH, ainda assim, pode ser protegida pelo âmbito de aplicação da referida norma. Nesse caso, porém, o nível de violência generalizada terá de alcançar um determinado grau de gravidade.
Resta agora saber se o asilo, enquanto direito fundamental protegido pela CDFUE, abrange também os casos das pessoas que pretendem fugir de situações de violência generalizada. O TJUE já teve oportunidade de se pronunciar sobre esta questão. No caso Elgafaji, considerou que a existência de uma ameaça grave contra a vida ou a integridade física de um requerente de proteção subsidiária não está subordinada à condição de este fazer prova de que é especificamente visado por esses maus tratos em razão de elementos próprios da sua situação pessoal, e que tal ameaça pode excecionalmente ser dada como provada quando o grau de violência indiscriminada que caracteriza o conflito alegado seja de um nível tão elevado que existem motivos significativos para acreditar que um civil expulso para o país em causa ou, eventualmente, para a região em causa, poderia correr, pelo simples facto de aí se encontrar, um risco real de sofrer tal ameaça. Noutro caso, o TJUE firmou o entendimento de acordo com o qual se deve reconhecer que existe um conflito armado interno quando as forças regulares de um Estado se confrontam com um ou mais grupos armados, ou quando dois ou mais grupos armados se confrontam, independentemente das qualificações que decorram do direito internacional no que toca a esse conflito.
Atualmente, as dúvidas respeitantes a esta problemática já se encontram ultrapassadas no Direito da UE, já que a Diretiva Qualificação confere expressamente proteção aos casos em que o receio de perseguição deriva de uma situação de violência generalizada, através do estatuto de proteção subsidiária.
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Em suma, deriva dos pontos acabados de analisar que o primeiro e mais básico direito que interessa salvaguardar numa crise migratória é a essência do direito de asilo, tal como o mesmo é reconhecido pelo art. 18.º da CDFUE, i.e., como abrangendo um direito a pedir e obter asilo nos casos em que se cumpram os pressupostos para se poder ser considerado refugiado ou titular do estatuto de proteção subsidiária. Implica ainda o direito de não ser afastado de volta ao território de origem ou para algum território que não possa ser considerado seguro, por se incorrer o risco de aí ser sujeito a tratamentos contrários ao art. 19.º, n.º2 da CDFUE.
As exigências resultantes da elevada pressão migratória com que os Estados-Membros se estão a confrontar não se podem reverter num risco de negação do direito de asilo a quem dele beneficia. De facto, o direito de asilo não pode ser ponderado com com as capacidades de acolhimento dos Estados-Membros. Tais capacidades acolhimento relevam apenas nos casos de imigração voluntária, e não quando está em causa a necessidade de salvaguarda de direitos humanos que podem, inclusivamente, ser protegidos de forma absoluta.
O respeito pelo direito de asilo implica ainda a necessidade de respeito por obrigações adjetivas que se destinam a tornar o mesmo efetivo. Será sobre esse aspeto que tratará o ponto seguinte.

O direito a uma análise individualizada do pedido de asilo

Uma das mais importantes garantias de respeito pelo direito de asilo diz respeito à necessidade de análise individualizada dos pedidos de proteção. Só após e mediante uma análise individualizada da situação específica de cada um dos indivíduos que pretenda entrar ou permanecer num determinado território podem as autoridades aperceber-se se ao mesmo deve ser reconhecido um direito de asilo ou se deve o mesmo ser protegido da possibilidade de refoulement. A necessidade de análise individualizada da situação de cada migrante é, pois, a primeira e mais básica garantia para se efetivar um direito de asilo em toda a sua plenitude. Deste direito beneficiam todos os requerentes de asilo, quer cumpram ou não os requisitos substantivos para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária.
A necessidade de avaliação individualizada dos pedidos de proteção internacional implica duas exigências: em primeiro lugar, o afastamento de qualquer possibilidade de decisões automáticas, não precedidas de ponderação dos vários fatores em presença, e, em segundo lugar, a proibição de decisões coletivas.
No que toca ao primeiro aspeto, são ilustrativas as palavras de Gianluca Braga, quando refere que o automatismo das decisões na regulação da imigração é, a priori, potencialmente violador dos direitos humanos dos imigrantes. No já referido Ac. de 09/11/2010 (caso B e D) o TJUE teve oportunidade de sindicar a aplicação de uma decisão automática. No caso, já referido, relativo à negação do estatuto de refugiado pelo facto de o requerente constar como membro de uma organização terrorista nas listas europeias, o TJUE afirmou que as atividades terroristas podiam consistir, de facto, em «crimes graves de direito comum», não sendo sequer contestável tratarem-se de condutas contrárias aos princípios das Nações Unidas para os efeitos da Convenção de Genebra. No entanto, sublinhou serem necessárias precauções particulares para se aplicar essa cláusula de exclusão do estatuto, as quais excluíam a possibilidade de qualquer decisão automática. Assim, também a análise da pertença de uma pessoa a uma organização terrorista necessita de análise individualizada dos factos, em especial do papel especificamente desempenhado pelo requerente na organização em causa. O TJUE afirmou ainda que, nos casos em que o requerente havia ocupado um lugar proeminente na organização, se pode presumir que essa pessoa possui uma responsabilidade individual no que toca aos atos cometidos pela organização. Caso contrário, o facto de um requerente se encontrar inscrito numa lista antiterrorista da UE não acarreta automaticamente uma exclusão da possibilidade de beneficiar do estatuto.
A exclusão de decisões automáticas implica que as decisões em matéria de concessão de proteção internacional sejam precedidas de ponderação dos vários interesses em presença. Para efetivar essa ponderação, é necessário garantir-se, por um lado, o direito de o interessado ser ouvido e trazer provas para o procedimento, que demonstrem que o mesmo cumpre os requisitos para beneficiar de proteção internacional e, em segundo lugar, que a Administração pondere todos os fatores em presença, tendo de o demonstrar através de uma decisão devidamente fundamentada.
Em segundo lugar, e de forma inerentemente interligada à primeira exigência, da necessidade de análise individualizada deriva a proibição de decisões coletivas.
Embora as decisões coletivas em matéria de asilo não sejam, como tal, expressamente proibidas pelo direito europeu, tal proibição acaba por decorrer da proibição de expulsões coletivas, a qual consta expressamente do art. 19.º, n.º1 da CDFUE, que reproduziu o art. 4.º do Protocolo n.º4 anexo à CEDH. Neste contexto, importa atentar, uma vez mais, na jurisprudência do TEDH, que tem desenvolvido o conceito de expulsão coletivas. Desta jurisprudência pode retirar-se que esse tipo de expulsão consiste no afastamento de um conjunto de estrangeiros do território, não precedida de uma análise individualizada da situação pessoal de cada indivíduo que compõe o grupo. A simples pertença do estrangeiro ao coletivo é motivo suficiente para ele ser abrangido pela medida de expulsão. O referido grupo pode ser identificado por uma nacionalidade, etnia ou religião comum. Mas os membros do mesmo podem ainda não partilhar características identitárias semelhantes, mas apenas encontrarem-se, conjunturalmente, presentes no mesmo local, ou usarem o mesmo meio para chegarem ao destino. De acordo com os órgãos de garantia de CEDH, "expulsão coletiva" abrange qualquer medida que obrigue estrangeiros enquanto grupo a abandonar o país, exceto quando tal medida seja adotada depois e com base numa análise razoável e objetiva das circunstâncias particulares de cada indivíduo que compõe o grupo. Este conceito foi afirmado pela primeira vez pelo TEDH no célebre caso Conka c. Bélgica, em que o TEDH considerou que a medida de expulsão de vários nacionais da Eslováquia, membros da mesma família, constituía uma expulsão coletiva, já que existiam vários indícios que demonstravam uma intenção das autoridades em repatriar um número substancial de eslovacos. Por outro lado, o TEDH considerou que o procedimento de expulsão não tinha oferecido garantias suficientes para as autoridades terem ponderado, de forma diferenciada, a situação real e individualizada de cada um dos estrangeiros objeto da medida de expulsão. Assim, o que distingue a expulsão coletiva de um grupo de expulsões individuais é o facto de, na primeira, os indivíduos não serem considerados ut singuli, mas apenas enquanto componentes anónimos de um todo, pelo que a sua individualidade se funde na do grupo, que é o verdadeiramente visado pela medida. Há, assim, uma verdadeira "despessoalização" dos sujeitos da medida. Pelo contrário, um caso que envolva a expulsão de uma multiplicidade de nacionais de países terceiros com fundamento em motivos semelhantes, mas individualmente considerados, não será qualificada como expulsão coletiva.
O art. 19.º, n.º1 da CDFUE consagra a proibição de expulsões coletivas, tendo sido inspirado pela proibição congénere contida na CEDH. Ora, a crise migratória com que os Estados-Membros da UE se confrontam em 2015 constitui também um desafio para um pleno respeito do direito fundamental a não ser sujeito a medidas de expulsão coletivas.
O TEDH já teve oportunidade de se pronunciar sobre situações em que os países da Europa respondem de forma massificada a situações em que estrangeiros pretendem entrar nos seus territórios. No caso Hirsi Jamaa e outros c. Itália, condenou a Itália por violação da proibição de expulsões coletivas, na sequência da interceção, a 35 milhas a sul de Lampedusa, de um grupo de cerca de 200 imigrantes que viajava a bordo de embarcações provenientes da Líbia, os quais foram reconduzidos ao país de proveniência. O TEDH considerou que o afastamento dos recorrentes possuía um caráter coletivo, já que não tinha sido precedido de análise da situação individual de cada uma das pessoas que compunha o referido grupo, e nem mesmo de identificação das mesmas. Este caso foi bastante importante por vários motivos: em primeiro lugar, porque os estrangeiros objeto da medida se encontravam num grupo, mas esse grupo era meramente circunstancial, identificável apenas com base na partilha do mesmo meio de transporte. Por outro lado, o grupo de estrangeiros não estava presente no território - ao invés, procurava entrar no mesmo. Assim, em bom rigor não se tratou de uma expulsão coletiva, mas de uma exclusão coletiva, já que o que se visava era, precisamente, excluir os estrangeiros da entrada no território. Este caso demonstrou que o afastamento de embarcações no mar, por parte de autoridades estaduais, impedindo-as de chegar ao território de um Estado-Parte da CEDH deveria ser tratado da mesma forma que uma expulsão coletiva. O alargamento faz sentido e é de aplaudir, já que se pretende evitar a prática de uma medida massificada, não precedida de uma adequada ponderação da situação de cada um dos indivíduos que compõem o grupo, o que evita que identifiquem pessoas que possam ser carecidas de proteção internacional ou corram o risco de ser sujeitas a tratamentos contrários ao art. 3.º da CEDH em caso de afastamento para o país de origem. Esses motivos verificam-se quer se trate de uma expulsão coletiva ou de uma exclusão coletiva, pelo que estas duas medidas devem merecer o mesmo tratamento.
Por fim, este caso foi ainda importante por sublinhar que a atividade das forças policiais dos Estados-Parte da CEDH em alto-mar acarreta a responsabilidade dos mesmos. Este caso insere-se, pois, no entendimento de que a sujeição da vítima ao exercício da jurisdição, ainda que de facto, dos Estados-Parte, vincula os mesmos à necessidade de respeito pelos direitos plasmados na CEDH. Este ponto é por demais importante no que toca a outros eventos que têm marcado a presente crise migratória, como a sujeição dos requerentes de asilo a procedimentos tramitados em zonas de trânsito, tecnicamente ainda fora do território estadual. Os Estados-Membros estão, naturalmente, vinculados ao respeito pelos direitos humanos e demais obrigações a que se vincularam externamente nesses procedimentos. Assim, a sujeição dos requerentes de asilo a medidas aplicadas em zonas de trânsito, com o objetivo de assim o Estado se colocar ao abrigo das vinculações a que deve respeito é falaciosa e não o exonera do respeito pelos direitos humanos.
A proibição de expulsões – ou exclusões - coletivas é absoluta. Os Estados não podem invocar a necessidade de salvaguarda de outro interesse para limitar aquela proibição. Chegamos a essa conclusão não só através do elemento literal das normas que consagram a proibição referida, mas também do elemento teleológico, já que a referida proibição se alicerça na necessidade de identificar e salvaguardar os direitos das pessoas carecidas de proteção internacional. Ora, podendo estar em causa o risco de sujeição dessas pessoas a tortura ou a tratamentos desumanos e degradantes, e sendo a sujeição a esses tratamentos absolutamente proibida nos termos do art. 3.º da CEDH, também o meio de garantir o respeito por essa proibição tem de ser assegurado de forma absoluta. Caso contrário, poder-se-ia alegar um interesse público determinado, como por exemplo um afluxo maciço de pessoas e a incapacidade de as autoridades procederem a uma análise individualizada de todos os pedidos para, por essa via, se afastar coletivamente um grupo de estrangeiros – neles incluídos, porventura, alguns que poderiam ficar sujeitos a tratamentos contrários ao art. 3.º da CEDH. Uma expulsão coletiva, por definição, não permitirá tomar em consideração os direitos dos expulsandos, correndo o risco de abranger pessoas a quem deve ser reconhecida proteção internacional. Assim, a garantia destes direitos é incompatível com uma medida deste tipo.
Chegados a este ponto, podemos assim reafirmar a importância de uma análise individualizada do pedido de proteção internacional para se salvaguardar de forma efetiva o direito de asilo. Importa ainda acrescentar, por fim, que o procedimento destinado à análise do pedido deve ser enformado de determinadas garantias que o tornem justo, o que implica que a situação individualizada do migrante e suas especificidades caracterizantes sejam efetivamente ponderadas.
A necessidade de ponderação de todos os fatores relevantes para a decisão tem sido afirmada por parte das várias instâncias pertinentes. No que respeita ao art. 3.º da CEDH, o TEDH analisa se o risco de sujeição a tortura, tratamentos desumanos ou degradantes, invocado por um nacional de país terceiro num caso de expulsão, é adequadamente ponderada pelas autoridades antes de procederem a essa decisão. O TEDH fala, neste contexto, num «dever de avaliar adequadamente os alegados riscos de sujeição a tratamentos contrários ao art. 3.º em caso de expulsão».
No que toca ao direito da UE, importa atentar no art. 41.º da CDFUE, que estabelece o princípio da boa administração. Esse direito compreende o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente, o direito de acesso aos processos que se lhe refiram, e a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões. O TJUE tem afirmado, no entanto, que a garantia em causa tem como destinatários os órgãos da UE e não os Estados-Membros diretamente. Alguma doutrina defende, porém, que, por força do art. 51.º da CDFUE, tais exigências valem plenamente em relação aos Estados-Membros, quando os mesmos apliquem direito da União. De qualquer forma, o princípio da boa administração foi desde cedo erigido como princípio geral reconhecido pelo direito da UE. Tal direito garante, desde logo, "que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses". O TJUE desenvolveu ainda a necessidade de um exame atento do conjunto de elementos de facto e de direito que condiciona a decisão, incluindo a obrigação de tomar em consideração os pedidos ou indicações facultados pelo destinatário da mesma, ou ainda a obrigação de ponderação de interesses em presença - os da administração e os dos administrados. Assim, decorre da jurisprudência do TJUE o direito a ser ouvido antes de qualquer decisão que afete desfavoravelmente os interesses dos particulares, bem como o dever de ponderação dos vários interesses em presença.
Este princípio revela-se de importância crucial nos procedimentos de asilo. No caso M.M., o TJUE sublinhou que as garantias previstas na Carta devem ser observadas em todos os procedimentos que possam culminar numa medida que afete desfavoravelmente a parte, mesmo nos casos em que os procedimentos específicos não o prevejam expressamente. Mais afirmou que o direito a ser ouvido antes da tomada da decisão implica que a autoridade tenha em devida conta os argumentos aduzidos pelas partes, e fundamente a decisão nesse sentido. Nessa sequência, concluiu que o facto de um particular ter sido ouvido no que toca à possibilidade de lhe ser concedido o estatuto de refugiado não implica que a Administração fique desvinculada do dever de o ouvir no que toca à concessão do estatuto de proteção subsidiária, quando estes dois estatutos sejam dependentes de dois procedimentos autónomos.
A recente Diretiva 2013/32/UE estabelece procedimentos comuns para a atribuição e retirada de proteção internacional, quer nos casos de proteção subsidiária, quer nos casos de concessão do estatuto de refugiado, garantindo em diversos pontos o direito a um procedimento justo, bem como ao recurso efetivo das decisões administrativas.

Condições de detenção e de receção

Um último aspeto que deve ser abordado neste contexto diz respeito às condições de receção dos requerentes de asilo. Neste contexto estão em causa dois direitos fundamentais protegidos pela CDFUE: o direito à liberdade, previsto no art. 6.º, e o direito a não ser sujeito a tortura ou tratamentos desumanos e degradantes, previsto no art. 4.º.

A detenção dos requerentes de asilo e o direito à liberdade
No que toca ao primeiro aspeto, importa sublinhar que, em princípio, a detenção de requerentes de asilo não é proibida, como tal, pelo direito internacional. De facto, o art. 31.º, n.º2 da Convenção de Genebra prevê a possibilidade de detenção de requerentes de asilo quando os mesmos entrarem irregularmente no território e até terem o seu estatuto regularizado. Aceita-se ainda a possibilidade de detenção para efeitos de identificação do requerente de asilo, especialmente nos casos em que os mesmos não possuem documentos de identificação.
No entanto, as mais recentes evoluções na matéria têm ido no sentido da afirmação de limites a esta possibilidade de detenção. Desde logo, as mais recentes diretrizes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados apontam no sentido de que as autoridades nacionais devem possuir razões adicionais para procederem à detenção de requerentes de asilo que tenham entrado ilegalmente no território. A jurisprudência do TEDH tem caminhado no mesmo sentido. Assim, numa primeira fase, bastava-se em certificar-se que a detenção tinha sido aplicada a quem tivesse entrado irregularmente no território para, nos termos do art. 5.º, n.º1, al. f) da CEDH, considerar a detenção legítima, no que diz respeito aos específicos fins da mesma.
A jurisprudência do TEDH não seguiu o entendimento invocado por alguns recorrentes no sentido de que um requerente de asilo que se apresente às autoridades a pedir asilo não se pode considerar como pessoa que tivesse entrado irregularmente no território. O TEDH considerou assim que um requerente de asilo se poderia considerar como estrangeiro que tivesse entrado de forma irregular no território, ainda que se dirigisse imediatamente às autoridades para pedir asilo.
Mais recentemente, o TEDH tem passado a exigir, como o já o fazia, aliás, o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que a detenção apenas poderia ser aplicada se existisse outra medida menos gravosa e que salvaguardasse da mesma forma os interesses do Estado. Assim, no caso Yoh-Ekale Mwanje c. Bélgica, o TEDH considerou não ter sido necessária a detenção de uma nacional dos Camarões, que se encontrava em estado avançado de doença por infeção por HIV. Por seu turno, no caso Popov c. França, o TEDH condenou a França por ter detido um estrangeiro com os filhos, de cinco meses e três anos de idade. O TEDH considerou que, embora os menores tenham sido instalados com os pais numa ala reservada às famílias, a sua situação específica não tinha sido tida em conta, e as autoridades não procuraram determinar se era possível prever uma solução alternativa à detenção administrativa.
Esta nova abordagem, alicerçada no princípio da proporcionalidade, é de aplaudir, já que a permanência em liberdade permite aos estrangeiros terem uma posição muito mais ativa nos procedimentos de análise dos pedidos de proteção internacional, podendo ter um contacto mais próximo com familiares, reunir provas, recorrer ao apoio de ONGs, etc. Se não se demonstrar que a detenção é necessária, a mesma pode ser ilegítima, incorrendo o Estado em violação do direito à liberdade.
Neste ponto importa ainda sublinhar que o TEDH adota um conceito autónomo de detenção. A qualificação de uma medida como tal não depende da qualificação dada pela lei interna, mas sim dos contornos específicos da medida concreta. São tidos em conta fatores como o tipo, duração, efeitos e a forma de aplicação da mesma. Assim, por exemplo, no caso Amuur c. França, o TEDH qualificou como detenção a manutenção de vinte e dois estrangeiros – de entre os quais, onze crianças -, durante vinte dias na zona internacional de um aeroporto. Tendo em conta a duração da medida, o Tribunal de Estrasburgo considerou que a mesma se tinha traduzido numa verdadeira privação da liberdade, pelo que se deveriam aplicar todas as garantias que devem enformar a aplicação de medidas desse tipo.
No direito da UE, também a Diretiva sobre condições de receção dos requerentes de proteção internacional estabelece que a detenção deve ser "necessária", i.e., apenas deve ser usada "se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas" e deve ser sempre precedida de uma análise individual. O art. 8.º, n.º3 dessa Diretiva prevê as condições necessárias para que a detenção de requerentes de asilo seja possível: ela só pode ocorrer para se determinar ou verificar a identidade ou nacionalidade do requerente; para obter os elementos em que se baseia o pedido e que não se poderiam obter sem essa detenção (designadamente se houver risco de fuga do requerente) para determinar, no âmbito de um procedimento, o direito de o requerente entrar no território, bem como para preparar o processo de afastamento, e, ainda, por motivos de salvaguarda da segurança nacional e da ordem pública. Ora, apesar de a Diretiva afirmar que a simples qualidade de requerente de asilo não pode ser considerada suficiente para, por si só, tornar legítima uma medida de detenção, em boa verdade, prevê a aplicação da referida medida em vários casos, formulando em alguns deles hipóteses algo abertas.
O TJUE já teve oportunidade de se pronunciar sobre a legalidade da adoção de medidas de detenção de requerentes de asilo. No caso Arlsan afirmou que a medida de detenção podia ser aplicada a um requerente de asilo que tinha feito o pedido apenas com o objetivo de atrasar a execução de uma medida de afastamento ao abrigo da Diretiva 2008/115/UE, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados-Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular . Ainda não teve, porém, oportunidade de se pronunciar, fora do contexto da aplicação da Diretiva relativa ao regresso de pessoas em situação irregular, da proporcionalidade da aplicação de medidas de detenção a requerentes de asilo. Sempre diremos que a formulação das normas da Diretiva sobre condições de acolhimento aponta no sentido de um escrutínio rigoroso dos reais objetivos prosseguidos com a detenção.

As condições de detenção ou acolhimento e o direito a não ser sujeito a tortura ou tratamentos desumanos ou degradantes
No que toca às condições de detenção e de receção de requerentes de asilo, as mesmas devem ser adequadas e condignas. A Convenção de Genebra prevê um conjunto mínimo de direitos para as pessoas que se encontrem fisicamente presentes no território de um Estado, independentemente do seu estatuto legal, a partir do momento em que as mesmas se tornam requerentes de asilo, i.e., a partir do momento em deduzem um pedido de proteção internacional (v. art. 15.º e ss. da Convenção). O direito da UE, por seu turno, prevê normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo, no que toca a residência e liberdade de circulação, assistência médica, escolaridade e educação de menores, acesso ao emprego e formação profissional, condições materiais de acolhimento, e prevê ainda nomas especiais no que toca às pessoas especialmente vulneráveis. A necessidade de se observarem condições de detenção ou acolhimento condignas é ainda uma exigência dos artigos 3.º da CEDH e 4.º da CDFUE que garantem, ambas, o direito a não sujeição a tortura ou a tratamentos desumanos e degradantes.
É já vasta a jurisprudência do TEDH no que toca à violação do art. 3.º da CEDH em casos de detenção de imigrantes, por força da sua sujeição a condições não adequadas que atingem, no entender do TEDH, um grau de gravidade suficiente para serem consideradas tortura ou tratamentos desumanos ou degradantes. Para o efeito, o TEDH analisa as condições gerais referentes à execução da medida, bem como algumas características específicas relativas aos recorrentes.
Um dos primeiros casos em que o TEDH julgou ter existido violação do art. 3.º da CEDH por sujeição de um requerente de asilo a condições de receção não adequadas foi no caso MSS c. Bélgica e Grécia, em que a Grécia foi condenada por sujeitar um requerente de asilo a condições de vida não compatíveis com a dignidade humana. O recorrente havia vivido na rua durante vários meses, em situação de extrema pobreza e sem qualquer apoio no que toca ao acesso a meios para satisfazer as suas necessidades básicas. A Bélgica foi também condenada pelo facto de ter remetido o requerente de asilo para a Grécia ao abrigo do Regulamento Dublin sobre determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional, e, assim, por tê-lo enviado para um país onde seria sujeito a tratamentos contrários ao art. 3.º da CEDH.
Em 2013 o TEDH analisou mais dois casos relativos a condições de acolhimento de requerentes de asilo, um relativo à Itália e outro à Hungria. O TEDH apontou algumas deficiências ao sistema italiano, e referiu que a situação na Hungria era "alarmante", mas não considerou ter existido, em concreto, violação do art. 3.º da CEDH.
Mais recentemente, o TEDH emanou uma decisão em que demonstra que o nível de proteção oferecido pelo art. 3.º da CEDH não deve baixar ainda que se esteja perante uma situação de excecional afluxo maciço de pessoas. No caso Khlaifia, os juízes de Estrasburgo sublinharam estarem cientes de que na ilha italiana de Lampedusa ocorria uma grave situação de afluxo maciço de migrantes, que levara inclusivamente a Itália a declarar estado de urgência, existindo várias dificuldades de ordem logística e organizacional. No entanto, esses fatores não desoneravam as autoridades do dever de providenciar condições humanas e dignas para acolher as pessoas. Nesse caso, as autoridades italianas tinham sujeitado três imigrantes a condições de detenção desumanas. O TEDH referiu, desde logo, que, em princípio, a sujeição de pessoas a centros de detenção sobrelotados acarreta violação do art. 3.º da CEDH. Por outro lado, os imigrantes foram ainda sujeitos a tratamentos contrários a essa norma nos barcos que os transportaram para Palermo, de onde apanhariam um avião de regresso ao país de proveniência. Os referidos barcos, para além de sobrelotados, não ofereciam condições de higiene nem acesso a espaços exteriores. O TEDH baseou-se, para além dos relatos das vítimas, em relatórios de ONGs. Foi ainda determinante a consideração de que os recorrentes se encontravam numa situação de especial vulnerabilidade, por terem feito uma travessia perigosa por barco no Mar Mediterrâneo. O facto de terem permanecido em ambos os locais durante um curo período de tempo não foi considerado suficiente para diminuir a gravidade dos tratamentos infligidos.
O TJUE também já teve oportunidade de se pronunciar sobre a necessidade de se propiciarem aos requerentes de asilo condições de receção condignas. Desde logo, importa referir a decisão no caso NS e ME, em que o TJUE seguiu a jurisprudência firmada pelo TEDH no acima referido caso MSS. O Tribunal do Luxemburgo considerou que o art. 4.º da CDFUE seria violado em caso de transferência de um requerente de asilo para um Estado Membro onde existissem deficiências sistemáticas no que toca às condições de receção dos requerentes de asilo, ainda que, de acordo com o Regulamento Dublin, esse fosse o Estado responsável por analisar o pedido de asilo.
No caso Cimade e Gisti, o TJUE afirmou que, ainda que o Estado-Membro onde se encontra o requerente de asilo não seja o responsável por examinar o pedido de asilo deve garantir as condições de acolhimento até que o mesmo seja enviado para o Estado competente.
Assim, de acordo com a jurisprudência do TJUE, a necessidade de salvaguardar o art. 4.º da CDFUE e, neste contexto, de garantir condições mínimas de receção, é considerado um valor que pesa mais que o do respeito pelas regras relativas à determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo.
Um dos principais desafios ao respeito pelos direitos humanos dos requerentes de proteção internacional pelos Estados-Membros na crise migratória de 2015 tem sido, precisamente, a existência de desadequadas condições de acolhimento e a incapacidade dos Estados fronteiriços responderem adequadamente ao aumento de entradas. Para auxiliar os mesmos, a UE estabeleceu os chamados "hotspots", localizados nas zonas com maior pressão fronteiriça, e que se destinam a identificar rapidamente pessoas que necessitam de proteção internacional e gerir a recolocação para outros Estados-Membros. No entanto, vários relatórios de ONGs demonstram que este mecanismo também não está a ser satisfatório, por sujeitar as pessoas a longas horas de espera, em condições desadequadas e sem se ter devidamente em conta as necessidades específicas das pessoas especialmente vulneráveis, como as crianças ou os migrantes com necessidades médicas especiais.

Os direitos fundamentais das pessoas carecidas de proteção em risco – conclusão e propostas finais

O grau de proteção garantido aos requerentes de asilo não diminui em situações em que existe um maior número de pessoas necessitadas de proteção internacional. Assim, a situação de crise atual com que a UE – e especialmente os países mais procurados pelos fluxos migratórios – se deparam não pode justificar violação dos direitos humanos que analisámos. Não obstante, a presente pressão migratória exige muito mais dos Estados, quer dos seus serviços em matéria de análise dos pedidos de asilo, quer da disponibilização de recursos materiais e logísticos, do que estes têm capacidade de providenciar. Países como a Itália, a Grécia ou a Hungria não podem ficar sozinhos na resposta sem precedentes aos fluxos migratórios a que assistimos. Assim, mais do que nunca, são necessárias respostas que assentem na solidariedade entre todos os Estados Membros - também ela um valor fundamental protegido pelos Tratados. É necessário distribuir esforços de forma equitativa, fornecer recursos e dividir encargos, para evitar que os Estados fronteiriços se vejam impossibilitados de cumprir as obrigações que derivam do respeito pelos direitos humanos.
O direito comum de asilo da UE prevê já alguns mecanismos destinados a esse efeito. Um deles consiste na Diretiva sobre proteção temporária, a qual se destina, precisamente a responder a situações de crise migratória em que os Estados-Membros da UE são procurados por grandes fluxos de pessoas deslocadas, e a distribuir o esforço de receção por todos eles. A Diretiva estabelece um mecanismo tido como excecional, aplicável a situações de crise, de anormal afluxo de pessoas deslocadas, em virtude de conflito armado, de situação de violência endémica ou de violações sistemáticas ou generalizadas dos direitos humanos. A mesma deve ser aplicada "designadamente se o sistema de asilo não puder responder a esse afluxo sem provocar efeitos contrários ao seu correto funcionamento, no interesse das pessoas em causa e de outras pessoas que solicitam proteção". Contrariamente aos procedimentos em matéria de concessão do estatuto de refugiados ou de proteção subsidiária, este mecanismo destina-se à proteção de grupos de pessoas. Através desta Diretiva, cada Estado Membro indica as suas capacidades de acolhimento e beneficiará de recursos por parte do Fundo Europeu de Asilo para poder proporcionar condições de receção adequadas (art. 24.º e 25.º). Julgamos que este instrumento estaria pensado precisamente para um tipo de situações como a que está a ocorrer em 2015. No entanto, não houve vontade em ativar a Diretiva para esta situação concreta, havendo, legitimamente, autores que perguntam se a mesma ficará na história como "Diretiva fantasma".
Em Maio, a Comissão propôs medidas alternativas que estão agora a ser implementadas, e que visam, precisamente, redistribuir os requerentes de asilo pelos Estados-Membros. Elas foram propostas com base no art. 78.º, n.º3 do TFUE, e consistem, desde logo, na recolocação, que consiste na transferência de pessoas que necessitam de proteção internacional de um Estado-Membro da UE para outro. A Comissão propôs recolocar, durante dois anos, 160 000 pessoas. Para o efeito, avançou um critério de repartição calculada com base em fatores objetivos, como a população, o PIB total, o número médio de pedidos de asilo nos últimos anos e a taxa de desemprego. Para além da recolocação, prevê-se ainda a reinstalação de cerca de 20 mil refugiados a partir dos países de origem durante os próximos dois anos. Esta medida é levada a cabo através da intervenção do ACNUR. A reinstalação a partir dos países de trânsito, nomeadamente junto da Jordânia e do Líbano, que conta atualmente com cerca de 1.5 milhões de refugiados afigurar-se-ia também importante, tomando em consideração que, em regra, as pessoas procuram fixar-se em países vizinhos ao invés de arriscarem a vida num destino incerto e longínquo.
Para além destas medidas, foram ainda decididas e estão já em execução medidas de apoio operacional, que auxiliarão os Estados confrontados com maior pressão migratória a processar os pedidos de asilo e a receber condignamente os requerentes.
Outra medida proposta a longo prazo consiste na abertura de canais para a imigração legal, através, por exemplo, da concessão de vistos humanitários nos países de origem ou de trânsito. Esta medida tem o seu fundamento na solidariedade internacional, i.e., no entendimento de que os Estados têm um dever de proteção de refugiados em sentido amplo. Ela pode ainda oferecer várias vantagens, por, ao criar formas de imigração legal, combater a imigração ilegal, e levar a uma imigração controlada, garantindo maior segurança a todos os intervenientes e melhor integração.
As respostas à presente crise passarão, assim, por um conjunto de respostas, assentes no princípio da solidariedade dos Estados-Membros, e que proporcionem auxílio aos Estados mais pressionados e, ao mesmo tempo, permitam o respeito pelos direitos humanos das pessoas carecidas de proteção internacional, os quais se encontram gravemente ameaçados. Só assim esses Estados poderão respeitar e garantir esses direitos humanos, tal como lhes é exigido pelas várias fontes de direito europeu analisadas.


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