A crise, os media, e as compras

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27/04/2017

A crise, os media, e as compras | Instituto de Sociologia da Universidade do Porto

Instituto de Sociologia da Universidade do Porto

A crise, os media, e as compras Publicado em 17 de Abril de 2017 por admin

Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública Título do artigo: A crise, os media, e as compras Autor: Samuel Lincoln Bezerra Lins Filiação institucional: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto E­mail: [email protected] Palavras­chave: crise, compras, comunicação social. A  crise  económica  assusta­nos  a  todos.  É  aterrador  pensar  numa  crise  económica,  devido  às  consequências negativas que ela provoca tanto no âmbito individual, como no social. As emoções, as relações de trabalho e de consumo,  tudo  está  interligado  e  estremece  ao  ouvir  falar  da  crise.  Não  me  sinto  bem  por  causa  da  crise!  Não tenho emprego por causa da crise! Os preços estão a subir por causa da crise! Tanto indivíduos como organizações passam a utilizar a “crise” como uma password que justifica toda e qualquer ação. Sejam justificações legítimas ou não, a crise, de facto, está no pano de fundo de todas estas situações. É certo que a avaliação que fazemos dos efeitos da crise é realizada através da perceção da situação, o que implica existir uma certa interpretação da realidade objetiva. Esta perceção está mais relacionada com razões intuitivas do que com razões técnicas [1], levando­nos a comportar mais com base na perceção da situação do que no risco real [2].  Assim,  quanto  maior  a  perceção,  consequentemente,  maior  a  sensação  da  crise  económica.  Somos  o  que percebemos da realidade que nos rodeia. A realidade nada mais é do que a nossa perceção dela. Cabe destacar que a crise parece não ser tão negativa para todos, visto que, em Portugal, apesar das duras medidas de austeridade, o número de milionários aumentou [3]. Muito do que sabemos da realidade tem como base o que lemos nos jornais, nas revistas, nas redes sociais, etc. Neste  sentido,  destaca­se  o  papel  desempenhado  pelos  meios  de  comunicação  social,  com  toda  a  sua  forte influência que molda os nossos pensamentos e atitudes, e porque não dizer também os nossos comportamentos, e mais particularmente, o nosso comportamento de compra. Há quem diga que existe uma cumplicidade, talvez não intencional,  entre  estes  três  elementos:  os  media,  a  crise  e  as  compras.  A  Teoria  da  Gestão  do  Terror  (Terror Management Theory em inglês) parece ilustrar bem esta possível relação. Esta teoria postula que as pessoas têm um conflito psicológico interno resultante de um desejo de autopreservação do  ser  humano  contrastado  com  o  saber  e  a  certeza  de  que  a  morte  é  inevitável  [4].  Deparando­se  com  esse conflito, o homem procura agir de múltiplas maneiras com o intuito de se proteger. Na sociedade atual, uma das formas  mais  comuns  de  defesa  diante  de  pensamentos  negativos  costuma  ser  ir  às  compras,  uma  vez  que,  para muitos, comprar gera alívio da tensão. Será que foi por isso que logo após o atentado de 11 de Setembro, George W. Bush encorajou todos os americanos a irem às compras? [5] E em 2007, mesmo com a Guerra do Iraque e com os  indicadores  económicos  insatisfatórios  no  país,  reforçou  que  os  americanos  deveriam  ir  às  compras novamente?  Não  há  dúvidas  que  o  medo  é  uma  forte  arma  de  persuasão.  Neste  sentido,  quando  os  meios  de comunicação  social  estão  cheios  de  notícias  relativamente  à  crise  –  publicitando  sobre  as  suas  consequências catastróficas,  a  provocar  medo  e  a  aterrorizar  todos  os  que  tem  acesso  à  informação  –  poderia  resultar  no http://www.barometro.com.pt/2017/04/17/a­crise­os­media­e­as­compras/

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aumento  da  vulnerabilidade  e  da  sensação  de  insegurança  nas  pessoas,  levando­as  a  vivenciar  um  estado  de tensão, que poderia ser aliviado através da atividade de compra. Conspiração ou realidade? Mas  afinal,  quem  sente  mais  a  crise  e  qual  a  influência  da  mesma  no  comportamento  de  compra?  Uma investigação  realizada  com  adolescentes  portugueses  em  Maio  de  2012  [6],  constatou  que  as  raparigas  tinham uma maior perceção da crise económica do que os rapazes, como também verificou que quanto menor o ordenado do  agregado  familiar  maior  a  preocupação  com  as  consequências  da  crise  económica.  Para  além  disto,  a investigação  também  constatou  que  quanto  maior  a  perceção  da  crise  maior  era  a  tendência  dos  adolescentes  a comprarem por impulso, e mais prazer eles sentiam na atividade de compra. Possivelmente, devido à sensação de privação  e  às  restrições  causadas  pela  perceção  da  crise,  limitando  a  prática  da  compra,  isto  fez  com  que  os adolescentes  vivenciassem  mais  emoções  positivas  durante  o  processo  de  compra  e  fossem  mais  impulsivos  ao comprar. De facto, somos consumidores. Consumimos produtos, serviços e informações a todo o momento, e não estamos imunes  às  influências  dos  meios  de  comunicação  e  dos  apelos  publicitários.  Compramos  produtos  que acreditamos ser os melhores e, supostamente, procuramos fazer as melhores escolhas. Será que o medo realmente nos leva a ser mais materialistas, fazendo com que compremos cada vez mais? É uma questão para autorreflexão. Não adianta fingir, estamos imersos numa sociedade onde há crise para todos os lados e de todos os tipos – mas qual foi a época da história que não houve crise? Esta não é a primeira nem será a última crise que vivenciámos. Crises vão e vem, mas parece mesmo que uma coisa que é unânime relativamente à crise é que o bom é mesmo quando ela chega ao fim, e quando sabemos sobre ela apenas nos livros de história. Notas: (a) Os adolescentes da investigação citada anteriormente também foram solicitados a indicar quais os valores que eles  consideravam  mais  importantes,  de  uma  lista  de  24  valores.  Os  valores  mais  citados  foram  a  “Alegria”  e  o “Amor”, o que também é fundamental para enfrentar qualquer tipo de crise. [1] Klos, A., Weber, E. U., & Weber, M. (2005). Investment decisions and time horizon: Risk perception and risk behavior in repeated gambles. Management Science, 51, 1777–179 [2]  Roszkowski,  M.  J.,  &  Davey,  G.  (2010).  Risk  perception  and  risk  tolerance  changes  attributable  to  the  2008 economic crisis: A subtle but critical difference. Journal of Financial Services Professionals, 64(4), 42­53. [3] O número de milionários cresceu 10.80% entre 2012 e 2013, passando de 785 para 870 milionários – Wealth­ X.  (2013).  Connecting  you  to  wealth.  World  ultra  wealth  report  2013  sponsored  by  UBS.  Disponível  em  URL [Consult. 

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. [4] Greenberg, J., Pyszczynski, T., & Solomon, S. (1997). The causes and consequences of a need for self­esteem: A terror management theory. Journal of Personality and Social Psychology, 72(1), 24­36. [5]  “We  cannot  let  the  terrorists  achieve  the  objective  of  frightening  our  nation  to  the  point  where  we  don’t conduct  business,  where  people  don’t  shop  (…)Mrs.  Bush  and  I  want  to  encourage  Americans  to  go  out shopping.”  George  W.  Bush  (October  12,  2001).  Disponível  em  URL  [Consult.  18  Fev  2017]: . [6] Lins, S. L. B. (2013). Consumo, contexto socioeconômico e compra por impulso em adolescentes brasileiros e portugueses.  (Tese  de  Doutoramento).  Faculdade  de  Psicologia  e  Ciências  da  Educação,  Universidade  do  Porto. Portugal. Disponível em URL [Consult. 22 Fev 2017]:. http://www.barometro.com.pt/2017/04/17/a­crise­os­media­e­as­compras/

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