A CRÍTICA NÃO PODE MORRER

May 30, 2017 | Autor: F. Filho | Categoria: Literary Criticism
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A CRÍTICA NÃO PODE MORRER
 


 

 
Cunha e Silva Filho
 
 
Creio que o estado da atividade da crítica literária no país me
leva a uma antiga questão ventilada com muito interesse pelo crítico 
impressionista Álvaro Lins (1912-1970) a propósito da discussão do estado
de crise na poesia em que se encontrava naqueles tempos de militância
dele em rodapés de jornais, mormente do Correio da Manhã, no qual atuou,
por muito tempo, como seu mais arrojado analista de obras lançadas 
ao público, quer literárias (ficção, poesia, teatro), quer históricas,
filosóficas ou de outra natureza.
Lins, sempre lúcido, afirmava que a alegada "crise" na poesia não
era sinal de decadência, mas de vitalidade, de efervescência, de
superação, renovação, que antes acentuava as energias criativas,
nunca sendo, portanto, a morte de um gênero. Era mais ou menos isso
que intentava transmitir naquele estilo seu tão pessoal como se
estivesse sempre dando aulas ao leitor, porém sem dogmatismos e
soberba.
No sábado passado, li no Segundo Caderno do Globo, Prosa
e Verso,[1] uma resenha de título entre polêmico e irônico, "Crítica
literária, você ainda está aí?," de Victor da Rosa. O resenhista, também
ele próprio um crítico literário, comenta três publicações recém-
lançadas que têm como eixo central estudos críticos de três livros, As
formas de romance, de Felipe Charbel, Henrique Guimarães e Luiza de S.
Mello (org.), Literatura e animalidade, de Maria Esther Maciel, e Armadilha
para Ana Cristina e outros textos sobre poesia contemporânea, de Sérgio
Alcides.
Não tendo evidentemente lido nenhum dos livros mencionados pelo
resenhista, apenas desejo assinalar algumas considerações em torno do
que me suscitou o resenhista no tocante à discussão, de resto, polêmica, 
do estado atual no país da crítica literária como prática desenvolvida
principalmente por professores universitários, em particular pinçado
algumas observações afloradas pelo resenhista, observações que há tempos 
têm se tornado igualmente do meu interesse teórico e de práxis crítica[2]
Meu intuito é mais provocativo, ou seja, de suscitar novos
questionamentos sobre a condição hoje da crítica literária brasileira
tendo em vista que o número de críticos e ensaístas (não falando aqui de
tantos e tantos autores novos surgidos ultimamente no país) nos tempos
correntes, se multiplicou enormemente, a ponto de não mais nem podermos
acompanhar o que uns e outros estão fazendo no momento e em que lugares
do país.
É certo que, hoje, existe um leque mais amplo de correntes críticas 
seguidas por tantos outros críticos e ensaístas nossos, cujo divisor de
águas, no Brasil, se iniciou a partir das querelas travadas, no
passado, dividindo os críticos entre o Impressionismo e a Nova Crítica,
esta última através do esforço pioneiro, entre nós, de Afrânio Coutinho,
1911-2000.
Daí então, foram-se se adaptando no país novas correntes críticas
importadas da Rússia, da França, dos EUA, do México, da Inglaterra, da
Itália, da Espanha, da América latina, da América do Sul, e da Alemanha
já despojadas de subjetivismos superados, sobretudo com o surgimento do
estruturalismo no país na década de setenta, embora seu início remonte aos
anos de 1950 e 1960, quando pensadores franceses, inspirados na teoria
de Saussure, procuraram aplicar conceitos da linguística estrutural aos
estudos sociais e culturais.[3]
Surgiram, depois, autores que foram desenvolvendo novas teorias
do pensamento crítico-teórico de ponta, como I.A Rchards, T. S.Eliot
Roman Jakobson, René Welleck, Austen Warren,John Crowe Ransom, Eric
Auebach, Lucien Goldman, George Poulet, Roman Ingarden, Hiller, Stanley
Fish, Hans Robert Jauss, Lévi-Strauss, Emil Staiger, Michel Dufrenne,
Roland Barthes,Todorov, Julia Kristeva, Foucault, Blanchot, Derrida, os
estudos da Psicanálise freudiana, Walter Benjamin, Bataille, Genette,
 Deleuze, Michail Bachtin, Lacan, Williams Raymond, Charles Sanders
Pierce, Althusser, Bachelard, Hans-Georg Gadmer, Terry Eagleton, Jonathan
Culler, Umberto Eco, Harold Bloom, Frederic Jameson, Wofgang Iser, Susan
Sontag, Edward Said e muitos e muitos outros.
Podemos citar, em Portugal, Vítor Manuel de Aguiar e Silva (por sua
exposição teórica fundamentada nas mais atualizadas leituras de teóricos
de maior evidência no cenário cultural do Ocidente), assim como fez Luiz
Costa Lima nos dois volumes de sua Teoria da literatura em suas fontes,
e, de certa forma pioneira, Massaud Moisés pela contribuição notável de
obras de referência sobre teoria literária e prática de análise
literária.
Poder-se-ia citar a obra Teoria da literatura, organizada por A.
kibédi Vargas, professor de literatura francesa na Universidade Livre de
Amsterdã, Holanda, com apresentação de Jacinto do Prado Coelho traduzida
em Portugal, que reúne uma série de textos teóricos de teóricos europeus
 menos conhecido até de estudiosos de teoria literária. Uma outra obra
 menos densa do que a de Aguiar e Silva, seria O conhecimento da
literatura, do críticos e ensaísta português Carlos Reis, muito útil pela
excelência de informações bibliográficas atualizadas no campo da teoria
literária.
No Brasil, contamos também com a Teoria da literatura, de Antonio
Soares Amora, Notas de teoria literária, de Afrânio Coutinho (1978, 2ª
ed.) Teoria literária, de Álvaro Lins (1970), Teoria literária, de Helênio
Tavares, Teoria literária (1979), organizada pelo crítico e teórico Eduardo
Portela, reunindo ensaios importantes de autores nossos.
Para estudantes de letras, podiam-se citar as obras Formação da
teoria da literatura(1978) destinada mais a especialistas, e Teoria da
literatura (1990)), indicada a estudos de letras iniciantes, de Roberto
Acízelo de Souza, e as obras de Rogel Samuel, Manuel de teoria literária
(Org., 2001), Novo manual de teoria literária (2007) e Modernas teorias
literárias: breve introdução, muito úteis a estudantes de letras, todas
publicados pela Editora Vozes. No passado, um eminente autor didático,
 Estevão Cruz, editou a obra Teoria literária (1940) 
Diante de tantas correntes críticas surgidas nos últimos anos,
voltadas para aplicações de análises de literárias nos campos do
marxismo, da fenomenologia, teoria pós-colonial, teoria feminista,
discurso da minoria, teoria queer, do pós-estruturalismo, da
desconstrução, da psicanálise, do novo historicismo, materialismo
cultural, além das mais remotas, formalismo russo, new critcism, seria
muito temerário falar-se em morte da crítica literária.[4]
Todo esse imenso corpus teórico estará sempre acenando para 
seguidores que se afinem com a sua base teórica e até as leve a maiores
investigações do fenômeno literário e da práxis da crítica.
Não faltarão críticos literários e ensaístas que levem adiante suas
pesquisas, seja de autores passados, seja de autores contemporâneos,
nacionais e estrangeiros. E eu arriscaria ainda asseverar que, no domínio
da crítica literária no futuro, haverá mais autores se especializando em
determinadas épocas da história literária universal, ou em determinados
autores, ou mesmo num só autor, Isso já se tem feito em centros
adiantados,sobretudo americanos.
Não é, pois, uma novidade. Contudo, vejo esse como um dos caminhos 
pelos quais a crítica literária, em livro, na internet, na universidade,
de autores e pesquisadores independentes terá um lugar,voz e vez.
Onde houver um espaço de divulgação e de interlocução, aí estará
a crítica literária ainda fecundante e pronta para novos agenciamentos. E
diria mais, sem pessimismo algum, uma espécie de competição intelectual
saudável caracterizará os novos tempos da crítica literária e dos
estudos teóricos. O que os tempos atuais mudaram foi a relação entre o
crítico e o leitor. Desapareceu o estrelismo, marca dos tempos do
antagonismo entre Impressionismo e Nova Crítica. O espaço da
discussão globalizou-se, arejou-se, não se confina mais aos grandes
centros do país mas se alastrou por todas as regiões brasileiras. Não
há mais tão forte hegemonia do eixo cultural Rio de Janeiro-São Paulo.
A atitude diante da crítica deverá ser feita de igual para igual, de
pesquisador para pesquisador, seja ele da universidade, seja da
internet, em sites e blogs. Todos estarão contribuindo para um avanço dos
estudos literários. Acabou o tempo do mandonismo intelectual, dos barões
das letras. Vale o trabalho de cada um somado aos trabalhos de todos. O
diálogo entre teóricos e críticos, desta forma, será muito mais
democrático, sem firulas de superioridade, de se arvorarem em patriarcas 
do domínio dos saberes. O que deles todos devemos esperar é humildade, 
competência, originalidade e avanço no domínio cultural. A crítica
literária não pode morre. Sem ela, o que há de ser do julgamento, da
avaliação e e da formação de melhores leitores? A crítica é uma bússola.
Nesta condição única, singular, específica, vitalizada permanecerá como
um aviso aos navegantes de todos os tempos.



NOTAS





[1] Jornal O Globo. Segundo Caderno. Prosa e Verso, p. 06, Rio de Janeiro, 
20.0.2016.
[2] Cf. Alguns breves artigos meus sobre questões relacionadas à situação 
brasileira da crítica literária. Ver meu blog. "As ideias no tempo," ou
 os mesmos textos na minha coluna "Letra Viva," do site "Entretextos", de
Dílson Lages Monteiro. Ver também no site Academia.edu., - Francisco da
Cunha e Silva Filho. Consultar ainda minha pesquisa de Pós-Doutorado em
Literatura Comparada, sob o título Álvaro Lins e Afrânio Coutinho: dois
críticos e uma polêmica. Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em 
Ciências da Literatura. Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. .Supervisor: Professor Titular Doutor Eduardo de Faria
Coutinho.. Faculdade de Letras da UFRJ, 2º semestre de 2014, 167 p.
[3] CULLER, Jonathan. Literary theory: a very short introduction. London;
Oxford University Press, p. 121.
[4] Idem,. p.121-132.
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