A crítica social e política dos poetas goliardos em Carmina Burana, TCG de Jivago Furlan Machado

June 7, 2017 | Autor: G. Gemam/ufsm | Categoria: Poesía Medieval, Goliardos
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIA SOCIAIS E HUMANAS CURSO DE HISTÓRIA – LICENCIATURA PLENA E BACHARELADO

A CRÍTICA SOCIAL E POLÍTICA DOS POETAS GOLIARDOS EM CARMINA BURANA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE GRADUAÇÃO

Jivago Furlan Machado

Santa Maria, RS, Brasil 2015

A CRÍTICA SOCIAL E POLÍTICA DOS POETAS GOLIARDOS EM CARMINA BURANA

Jivago Furlan Machado

Trabalho de Conclusão de Graduação apresentado ao curso de História – Licenciatura Plena e Bacharelado da Universidade Federal de Santa Maria como requisito parcial para a obtenção dos títulos de licenciado e bacharel em História

Orientadora: Dra. Semíramis Corsi Silva

Santa Maria, RS, Brasil 2015

Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Curso de História

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Graduação

A CRÍTICA SOCIAL E POLÍTICA DOS POETAS GOLIARDOS EM CARMINA BURANA elaborado por Jivago Furlan Machado

como requisito parcial para obtenção dos graus de Licenciado e Bacharel em História COMISSÃO EXAMINADORA Semíramis Corsi Silva, Dra. (UFSM) (Presidente/Orientadora)

Noeli Dutra Rossatto, Dr. (UFSM)

Mariana Milbradt Corrêa, Prof.ª (UFSM)

Santa Maria 10 de dezembro de 2015

Estudar, outrora moda, hoje a muitos incomoda; importava o saber, agora brincam pra valer. Nossos jovens são astutos, imberbes, já exibem canudos; arrogantes, insolentes, até parecem inteligentes; nos tempos bons de outrora, se estudava a toda hora; aos noventa, tão somente, aposentavam um discente. Mas agora, aos dez de idade, jovens passam por abade, bancam eles os professores: de cegos, cegos condutores. (CARMINA BURANA)

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria, pelas contribuições que proporcionaram à minha formação como professor de História. Ao professor Dr. Carlos Henrique Armani, por ter inicialmente me orientado na pesquisa e incentivado a continuar estudando História Medieval. Ao professor Dr. Noeli Dutra Rossatto, por ter me orientado, emprestando livros e ponderando sobre meus primeiros escritos a respeito do medievo. À professora Dra. Semíramis Corsi Silva, pela orientação metodológica, referencial teórico e observações terminológicas para a pesquisa e pela coordenação do GEMAM – Grupo de Estudos do Mundo Antigo e Medieval – da UFSM, que me proporcionou valiosas discussões. Aos professores membros da banca de defesa deste trabalho, agradeço pela leitura e sugestões. Aos pré-universitários populares Alternativa e Práxis, por contribuírem para minha formação como professor. Aos meus alunos, por me incentivarem a ser uma pessoa melhor. À minha avó Maria, por me fazer ter fé nas pessoas simples. Ao meu avô Iseu, pelo vinho e pela sabedoria popular. Aos meus pais, Judite e José Carlos, pelo incentivo para estudar, carinho e apoio financeiro. À Eliza.

RESUMO Trabalho de Conclusão de Graduação Curso de História – Licenciatura Plena e Bacharelado Universidade Federal de Santa Maria A CRÍTICA SOCIAL E POLÍTICA DOS POETAS GOLIARDOS EM CARMINA BURANA Autor: Jivago Furlan Machado Orientadora: Dra. Semíramis Corsi Silva Data e local da defesa: Santa Maria - RS, 10 de dezembro de 2015. O presente trabalho é resultado de uma pesquisa realizada durante o curso de graduação em História na Universidade Federal de Santa Maria. Os goliardos foram estudantes poetas que viveram na Europa, principalmente na atual Alemanha, entre o final do século XI e o XIII. Escreviam sobre temáticas consideradas subversivas para os costumes da época, desafiando a ordem social vigente. Viviam entre os ambientes da elite, por serem estudantes das escolas da Igreja, e da população pobre, nas tabernas e feiras. Carmina Burana é uma compilação de canções goliardas em latim e alemão arcaico, que foram copiadas no século XIII e abertas ao público no século XIX. Além de escreverem sobre amor, vinho e jogo, eles também faziam críticas indiretas aos membros do Alto Clero que tinham práticas divergentes de seus discursos, o que pode explicar em parte seu quase total anonimato. Além dos temas de suas canções, sua forma de vida errante e sem grandes vínculos institucionais era potencialmente subversiva para as autoridades da Igreja. Contemporâneos dos primeiros efeitos da Reforma Gregoriana, os goliardos demonstraram paradoxalmente, através de suas sátiras, um descontentamento em relação à conduta de membros da elite e uma confissão dos próprios vícios. Cristãos convictos, referiam-se em suas canções à cultura pagã greco-romana, demonstrando uma pluralidade cultural da intelectualidade medieval pouco mencionada na historiografia. Diante disso, o objetivo deste trabalho será realizar uma investigação sobre a crítica política e social da sociedade medieval presente em Carmina Burana, partindo do conceito de representação proposto por Roger Chartier, um dos principais nomes da Nova História Cultural. Palavras-chave: goliardos, Carmina Burana, Idade Média.

ABSTRACT

Degree Conclusion Work History Course - Full Degree and Bachelor Universidade Federal de Santa Maria THE SOCIAL AND POLITICAL CRITICS OF GOLIARDS POETS IN CARMINA BURANA Author: Jivago Furlan Machado Supervisor: Dra. Semíramis Corsi Silva Date and place of defense: Santa Maria, December 10, 2015. The present work results on a research done during the undergraduate degree of History in Universidade Federal de Santa Maria. Goliards were poets students that lived in Europe, mainly Germany, between centuries XI and XIII. They wrote about subversive subjects, challenging the social status. They used to live between elite ambients, like Church schools, and poor people ambients, like taverns and fairs. Carmina Burana is a compilation of goliards songs wrote in latin and ancient german, copied in century XIII, found and published in the XIX. Besides writing about love, wine and gambling, they also used to indirectly criticize the high members of clergy that made divergent speeches and actions, what can explains their anonymous identity. Beyond their songs subjects, a wandering way of life without institutional links was potentially subversive to the Church authorities. Contemporary of the primary Gregorian Reform effects, they paradoxally demonstrated, by satiric poems, a discontentment related to the habits of elite members and, in the same time, a confession of their own addictions. Even being believe christians, goliards mentioned elements of greek and roman pagan cultures in their songs, showing a cultural plurality among the medieval intellectuality hardly mentioned in historiography. With this in mind, the objective of the present research is to do an investigation about social and political critic of the medieval society in Carmina Burana, starting from the concept of representation proposed by Roger Chartier, one of the most important names of New Cultural History. Key-words: goliards, Carmina Burana, Middle Ages.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................8 1 CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS GOLIARDOS...............12 1.1 Seriam os goliardos hereges?.............................................................................15 1.2 Os goliardos e as reformas papais do séculos XI e XII..........................................18

2 CAPÍTULO II: OS GOLIARDOS, A IGREJA E OS PRAZERES CARNAIS...........................................................................................................28 3 CAPÍTULO III: ALÉM DO JOGO, VINHO E AMOR: A POESIA GOLIÁRDICA COMO MANIFESTAÇÃO POLÍTICA...............................41 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................51 REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS.................................................................52 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................52

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INTRODUÇÃO

Investigar o pensamento cristão medieval é algo extremamente válido na sociedade brasileira atual, tendo em vista que muitas questões de ordem pública têm a visão de mundo cristã como base argumentativa. Obviamente não se estuda o pensamento do medievo tendo como objetivo, direto e atemporal, o entendimento da pensamento cristão de hoje. Diante disso, o que se pretende é uma retomada de alguns aspectos fundamentais que se consolidaram no período medieval e que ainda hoje, apesar de todo o contexto que se passou, seguem sendo utilizados de certo modo. Para tal feito, analisaremos os poemas escritos pelos goliardos, estudantes poetas que viviam de forma errante na Europa do século XII. A crítica goliárdica aos dogmas sociais e religiosos de seu tempo pode ser encarada como um problema histórico acerca de que tipo de pensamento e opinião se poderia manifestar e como isso era encarado pelas autoridades ligadas ao poder eclesiástico. Discussões atuais sobre a legalização do aborto e o casamento de pessoas do mesmo sexo têm em sua base muito do pensamento cristão que se consolidou como realmente dominante na Europa no período medieval. Além disso, as cidades europeias da Idade Média, que ressurgiam do período em que eram criadas as fontes que embasam essa pesquisa, sediaram a consolidação de uma sociedade urbana extremamente estratificada, onde o pensamento oficial era o da Igreja católica, sendo que qualquer opinião divergente ou ataque a ele seriam encarados como uma afronta à ordem estabelecida, não apenas política, mas também religiosa. O presente trabalho é resultado de uma investigação realizada na metade final de minha graduação em História pela Universidade Federal de Santa Maria. O interesse por História Medieval já se manifestou no início do curso embora na época não houvesse professor especialista na área no departamento de História. O gosto por outras épocas históricas serviu como válvula de escape para não insistir na curiosidade inicial sobre o assunto. Entretanto, mesmo com algumas dificuldades metodológicas, iniciei leitura e anotações referentes a obras gerais sobre Idade Média. Em 2013, o início do GEMAM – Grupo de Estudos do Mundo Antigo e Medieval – na UFSM foi significativo para isso, pois foi através de conversas com seus poucos membros que tomei a decisão de efetivamente pesquisar o medievo (importante salientar que o grupo era composto exclusivamente por estudantes). Ainda sem uma temática bem delimitada, pretendia investigar algo a respeito dos conflitos entre “'pagãos” e cristãos, heresias e subversões, sempre na perspectiva da História

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da Ideias, área que tive afinidade desde o início da graduação. O primeiro texto que li, além do básico da disciplina de História Medieval Ocidental, foi Idade Média, nascimento do Ocidente (1986) de Hilário Franco Júnior. Nesse texto, além de reforçar meus escassos conhecimentos bibliográficos a respeito do período, buscava alguma temática específica para começar a nortear minhas leituras futuras. Já me interessava pelo período universitário do século XIII, mas foi nos goliardos que minha pretensão de pesquisador foi mais desafiada, pois nunca antes havia sequer ouvido falar do assunto. Descrevendo os goliardos como poetas que “... produziam uma poesia erudita na língua (latim) e popular na versificação (rítmica e rimada), na temática (amor, vinho, jogo) e nas fontes (mitos, folclore).” (FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 113), o autor respondia minhas aspirações de pesquisa. Depois deste, a leitura de Os Intelectuais na Idade Média (1957) de Jacques Le Goff consolidou minha decisão. Importante salientar o uso do termo intelectual para o período medieval. Por intelectual medieval compreende-se aquele que “... tem como ofício pensar e ensinar seu pensamento a partir do ensino.” (TEIXEIRA, 2014, p. 156). Embora essa definição se aplique melhor aos mestres das escolas e universidades do período, pode servir à todos que viviam a partir do seu trabalho intelectual. Embora os goliardos não fossem por definição mestres, mas geralmente alunos, sua atividade poética e de estudo definia seu modo de vida. É possível afirmar que, por não ganharem a vida dando aulas, não poderiam ser definidos como intelectuais. Porém, o que seriam estes estudantes que escreviam baseados no ensino clerical e nas vivências que experimentavam? Será que só os membros do Alto Clero e professores das escola e universidades tinham acesso a cultura letrada e, por isso, eram os únicos intelectuais medievais? Não se sabe, de fato, o que faziam os goliardos para viver, mas sabe-se que escreviam com conhecimentos restritos aos poucos que tinham alguma atividade erudita naquela sociedade, portanto, embora talvez não fossem intelectuais por ofício, eram estudantes que produziam mais do que deviam, clérigos que expressavam seus conhecimentos através de versos, com uma erudição que nos permite considerá-los como tal. Não foi apenas pela busca por subversões sociais no medievo que decidi investigar sobre os goliardos. Tendo em vista a importância estrutural do cristianismo na sociedade Ocidental contemporânea, investigar as origens de sua consolidação como religião dominante me pareceu interessante. Uma visão tradicional sobre o medievo induz a pensar que a Idade Média era um período de dominação da Igreja Católica sobre o pensamento das pessoas. Dessa forma, o desafio dos goliardos se mostrava muito interessante, pois através dele era

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possível verificar esse suposto domínio. Decidido o tema, restava saber como fazer a pesquisa. O que se tem de documentação histórica sobre os goliardos? Por serem descritos como poetas, busquei na internet alguma obra sobre os poemas goliardos. Encontrei uma edição de 1994 bilíngue português-latim da editora Ars Poética de CARMINA BURANA. Com sua aquisição, comecei a análise da documentação. Os manuscritos do século XIII foram encontrados em 1803 durante a secularização e transporte do acervo artístico da abadia beneditina de Benedikt-beuern, na Baviera, para a Biblioteca do Estado em Munique. Enclausurada por muitos séculos por ser considerada uma obra subversiva, em 1847 foi publicada a compilação dos escritos com o título de Carmina Burana, latim para Canções de Beuern, referência à abadia em que foram originalmente encontrados. Antes de serem popularmente conhecidas através da obra musical de Carl Orff (1865-1984), as canções de Beuern eram acessadas quase estritamente por especialistas da História e da Literatura. O manuscrito consiste em 112 folhas de pergaminho, de 17 por 25 cm, em latim e alemão arcaico, provavelmente copiadas por três diferentes copistas no século XIII na região da atual Bavária. Elas contêm algumas ilustrações com miniaturas e também vinhetas (WOENSEL, 1994, p. 17-18). Este trabalho foi feito com base na tradução do texto de 1847 para o português. Com a documentação disponível, restava saber como utilizá-la. A presente pesquisa parte do conceito de representação da Nova História Cultural. Ela seria um retrato da realidade, criado através de elaboração intelectual para decifrá-la, para atribuir sentido ao que é estranho a si (CHARTIER, 1991). Ao escreverem, os goliardos produziam uma representação do mundo em que viviam e também eram produzidos por ele. Se as canções não são simplesmente produtos da estrutura social em que foram criadas, também não são o resultado de pura reflexão individual de cada um de seus autores. Ao desenvolverem seus escritos, os goliardos criavam e eram criados simultaneamente. Com as representações criadas pelos poetas o historiador tem a possibilidade de se aproximar de uma realidade temporal que não pode ser acessada de forma direta, mas que deixou vestígios para o presente. Se os goliardos e a sociedade medieval não existem mais, Carmina Burana sim e o que está escrito nela contém traços do que queremos conhecer. O texto literário é uma representação. A pesquisa foi organizada em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado Considerações sobre os goliardos, há uma retomada sobre quem foram os goliardos. Foram feitas algumas considerações acerca do contexto em que surgiram, sua relação com a

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sociedade da época, como são retratados na historiografia e como deixaram de existir. No segundo capítulo, Os goliardos, a Igreja e os prazeres carnais, há uma relação entre a poesia goliárdica, os Cânticos bíblicos e a Arte de Amar de Ovídio (43 a. C. - 18 d. C.), salientandose a formação intelectual dos poetas. No terceiro e último capítulo, Além do jogo, vinho e amor: a poesia goliárdica como manifestação política, relaciona-se os escritos de Carmina Burana com a hierarquia social do período, com base na tese de Georges Duby (1919 – 1996) das três ordens do feudalismo.

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1 CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS GOLIARDOS

Os goliardos foram estudantes poetas que viveram na Europa entre fins do século XI e o século XIII, onde hoje se encontra a Alemanha, Itália, Inglaterra, Espanha e França. As informações que se tem sobre eles são variadas e muitas vezes escassas, tendo em vista que geralmente mantinham-se no anonimato, não divulgando sua verdadeira identidade nos poemas. Sabe-se que foram estudantes das escolas do clero e que raramente tinham origem nobre. O próprio termo “goliardo” não tem sua origem clara. Alguns estudiosos justificam o uso do termo com base em uma carta de São Bernardo de Claraval ao Papa Inocêncio II, onde ele se refere a seu adversário Pedro Abelardo como seguidor de Golias, o gigante filisteu bíblico, conhecido por sua soberba e vaidade. Outra possibilidade de interpretação é a de que os goliardos seriam seguidores da um prelado de nome Golias, conhecido por ser guloso, beber e comer em demasia (ARRANZ GUZMÁN, 2012, p. 49). A relação entre os termos “goliardo” e “gula” no século XII, explica muito sobre como esses poetas eram vistos pelas autoridades da época, já que relaciona a definição dos poetas com um pecado, uma subversão capital aos olhos da Igreja. Além da etimologia do termo é interessante pensar em quem foram os goliardos de fato. Embora a maioria deles permanecesse no anonimato, existiam exceções, como a citada por Van Woensel: Alguns poetas vagantes tornaram-se famosos e entre estes se destaca o Arquipoeta, uma figura legendária que, “na vida real”, teria sido o secretário de Raimundo, Arcebispo de Colônia no final do século XII. Atribuíram-lhe uma dezena dos melhores carmina dos vagantes. (WOENSEL, 1994, p. 20).

Basicamente, pode-se afirmar que eram estudantes das escolas do clero que, embora tivessem uma educação nos padrões cristãos, não ocupavam cargos eclesiásticos. Porém, não eram apenas estudantes, até porque nem todo estudante era goliardo. Eram poetas. Talvez sua principal característica fosse a poesia. Portanto estudantes e poetas. Ao definir os goliardos a partir dessas duas categorias, surge o problema: as temáticas de seus versos. Mais do que qualquer coisa, esses estudantes poetas cantavam temas profanos, desafiadores, oriundos de seu modo de vida errante. Portanto, para ser goliardo, não bastava ser estudante e poeta, também era preciso cantar temas profanos e viver de modo errante. Como? De forma inconstante, sem paradeiro fixo, sem renda, sem nome de família para honrar, sem cargo eclesiástico para ser exercido. Que temas profanos? Na prática, temáticas

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que remetiam à mitologia grega e a autores romanos que não foram cristãos. Entende-se por profanas temáticas que não tinham origem na visão de mundo cristã. Pode-se verificar um exemplo de seu uso no seguinte trecho de poema: 12. AMOR TENET OMNIA CB 87 […] II Tempus est idoneum, querat Amor socium: nunc garritus avium. 15 Amor regit iuvenes, Amor capit virgines. Ve senectus! tibi sunt incommoda. va t'an oy! Iuvencula 20 Theoclea tenet me gratissima; tu petis, dico, pessima. […] 12. O AMOR EM TODOS MANDA CB 87 [...] II Não deixes passar o dia, Amor quer companhia: aves cantem em harmonia, 15 os moços servem a Vênus, as moças não fazem por menos. Meu pobre velho! Tu não podes mais: Some daqui! a donzela 20 Teocléia me prende, é charmosa; és tu uma peste danosa. [...] (CARMINA BURANA, 1994, p. 44-47).

A referência a Vênus, nome romano para a deusa do amor (Afrodite para os gregos), é clara. Portanto, por goliardo pode-se entender o estudante poeta que vivia de forma errante e cantava temas profanos. É claro que essa definição não é restrita, que resume de forma ideal o que é ser goliardo. Prova disso é saber que muitos deles mudaram o antigo modo de vida errante quando se tornaram mais velhos, conseguindo alcançar posições sociais que não eram mais compatíveis com a goliardia da juventude. Talvez então se deva considerar também a juventude como característica necessária na definição de goliardo. Caso isso seja, ser goliardo seria mais como um estilo de vida, uma condição transitória, um conjunto de características que se aplicavam somente durante a juventude dessas pessoas. Talvez se fosse goliardo apenas durante certo período da vida.

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Através de bibliografia sobre o tema, pode-se notar algumas concordâncias sobre quem foram os goliardos. Para van Woensel, na introdução de CARMINA BURANA, (1994, p. 19 - 20) os goliardos foram clérigos que viviam escrevendo pequenos poemas para sobreviver, muitas vezes passando por necessidades por não possuírem contatos que lhes permitisse ocupar cargos na Igreja, indo de cidade em cidade atrás de mestres afamados buscando conhecimento e experiências de vida de forma constante, sendo goliardos, além de tudo, por não terem ocupação fixa. Concordando com a maior parte da definição, Ana Arranz Guzmán em texto mais recente (2012) vai mais a fundo na busca da identidade dos goliardos, levando em consideração, além dos fatores já citados, o contexto de mudanças sociais do século XII, considerando os goliardos como precursores de uma nova poesia latina, que teve inegável importância na transição do período de domínio dos hinos religiosos da época carolíngia para as novas formas e temáticas dos poemas do renascimento urbano e comercial. Em meio às definições brevemente citadas, Le Goff se faz atual, quando escreve: Esses clérigos goliárdicos ou errantes são tratados como vagabundos, lascivos, jograis, bufões. Foram tratados como boêmios, pseudo-estudantes, vistos ora com um olhar de ternura – dá-se sempre um certo desconto à mocidade – ora com temor e desprezo: arruaceiros, desafiadores da Ordem, não seriam pessoas perigosas? Outros, ao contrário, veem neles uma espécie de intelligenstsia urbana, um meio revolucionário, aberto a todas as formas de oposição declarada ao feudalismo. Onde fica a verdade? (LE GOFF, 2003, p. 47).

Embora tenha escrito há mais de cinquenta anos atrás, Le Goff já salientava a incerteza sobre quem foram os goliardos. Uma coisa é certa: os goliardos são fruto das cidades. Por quê? Principalmente pela grande quantidade de gente reunida. Não é um intelectual dos tempos carolíngios, compatível com a sociedade rural da Alta Idade Média. É um estudante que escreve um novo tipo de material, que vive em um tempo de mudanças, de mais variedade de pessoas. Mais variedade também de vivências, de espaços a serem ocupados. Mas se o aumento demográfico que ocorre com a urbanização aumenta o número de ocupações, aumenta ainda mais o número de desocupados. E os desocupados são, geralmente, pobres. Porém o goliardo não é apenas um desocupado pobre, é também letrado, teve acesso à escola, seus poemas são de um tipo singular de pessoa, que embora não vá ocupar os cargos que os oratores ocupam, conhece o que eles conhecem. São pessoas preparadas inicialmente como as lideranças religiosas, mas que vivem em condições muito diferentes, tendo contato com a massa iletrada de camponeses e pobres urbanos.

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A pesquisadora Ana Arranz Guzmán em trabalho intitulado “De los goliardos a los clérigos ” (Espacio, Tiempo y Forma, 2012, p. 43 - 84) trabalha o tema dos goliardos pelo viés da História. Com exceção a algumas obras gerais sobre História Medieval onde os goliardos são apenas citados ou brevemente abordados, a maior parte dos estudos foram feitos do ponto de vista da literatura e da filologia. Focando mais na Castela medieval, ela faz também um apanhado geral sobre quem foram os goliardos. Tal trabalho é útil para as pretensões dessa investigação. Por exemplo, já no início, define o modo de vida dos goliardos de forma bastante ligada às características do período em que viveram: Lo cierto es que los goliardos representaron una forma de vivir rupturista con lo habitual, con lo cotidiano de aquellos tiempos, que consistía en componer canciones en latín, críticas o eróticas, cantarlas, frecuentar tabernas y burdeles, beber hasta emborracharse, disfrutar con el amor carnal y jugarse a los dados cuanto tenían, sin tener reparos en pedir limosna silo precisaban; y todo ello en cada una de las ciudades por las que pasaban, en esa búsqueda de maestros y conocimientos. Unía el ardor y la rebeldía de la juventud con el interés intelectual. (ARRANZ GUZMÁN, 2012, p. 46).

A partir do texto citado pode-se ter uma ideia sobre quem foram os goliardos. Porém, algumas dúvidas passam a surgir: não seriam os goliardos hereges, pessoas que não acreditavam em Deus e na Igreja? Qual a relação das poesias goliárdicas com as mudanças na Igreja no século XII? Por que os goliardos não continuaram existindo enquanto grupo social?

1.1 Seriam os goliardos hereges?

Os goliardos eram hereges? Não, não eram. Apesar de cantarem temáticas bastante subversivas para a época, eles não tinham nenhuma proposta nova de prática religiosa. Mas como? A começar pelo fato de que estudavam em escolas do clero, tinham professores do clero e se sabiam compor e cantar, o faziam com uma base de hinos religiosos e estudos bíblicos. Talvez o que confunda quem busca conhecer a história dos goliardos seja o fato de eles serem tratados ora por clérigos, ora por estudantes. Acontece que os estudantes do período em questão eram, a princípio, clérigos. O próprio termo “clérigo”, nessa época tinha variações de significado, sendo uma delas scholaris (ARRANZ GUZMÁN, 2012, p. 51). A educação disponível era clerical. A formação era voltada quase que exclusivamente para o trabalho religioso. Mas, como quase toda atividade educativa, por mais focada que fosse ela possibilitou o desenvolvimento de sua própria contradição, ou seja, por mais que eles

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estivessem estudando em escolas que proferiam e divulgavam a ideologia cristã, alguns alunos criticavam-na. Nem todos os estudantes faziam isso, é verdade, mas os goliardos sim. Eis sua singularidade para a compreensão do período. Cantar temáticas profanas não significa que fossem hereges, mas que tinham contato com a cultura greco-romana em sua formação. Saber que se fala de Vênus em um poema, como no exemplo acima citado, não significa que os poetas fossem devotos da divindade e descrentes no Deus cristão, apenas que conheciam uma cultura que era devota. O que pode explicar esse tipo de referência é o fato de que os goliardos liam uma série de autores “pagãos” e inspiravam-se em suas formas de escrever. Faziam isso em grande parte devido à sua formação escolar, que era baseada no idioma oficial: o latim: Toda uma cultura escolar e mais tarde universitária formou-se em torno da língua latina sagrada, tanto mais que os clérigos, por intermédio dela, tinham acesso a tudo o que subsistiria da cultura pagã latina. A instrução dos clérigos baseou-se nas “artes liberais”, prestigiosas no fim da antiguidade. (SCHMITT, 2002, p. 243).

Apesar de haver alguns poemas em que são abordados temas de culturas “pagãs”, é interessante ressaltar que os goliardos não foram um grupo homogêneo, muito menos organizado. A começar pela volubilidade de seu estilo de vida. Embora tivessem características comuns, o goliardo é fruto da inconstância, do imediatismo, da necessidade de sobrevivência, que em diferentes situações ocasionava diferentes ações para pessoas diferentes. Isso refletia diretamente em suas obras. Portanto, como já mostrado acima, é difícil se chegar a um consenso sobre quem foram os goliardos, mais difícil ainda seria pretender resumir toda a complexidade das manifestações goliárdicas em alguns requisitos básicos. O que se faz é procurar no material já escrito sobre o tema aspectos que possibilitem uma aproximação mais rigorosa (mais plural) sobre a realidade histórica dessas pessoas. No caso da tentativa de verificação sobre a possibilidade de os goliardos serem “pagãos”, a busca em diferentes estudos sobre o tema é indispensável, tendo em vista que é nesse material que se encontram informações sobre outros fenômenos do mesmo período. Essas informações, quando cruzadas com o que se sabe diretamente sobre os goliardos, e com a própria Carmina Burana, possibilitam um maior contato com suas visões de mundo. O poema abaixo, quase como uma denúncia do goliardo, demostra a complexidade da identidade, ou melhor, das identidades dos poetas: 3. ECCE SONAT IN APERTO CB 10 Ecce sonat in aperto vox clamantis in deserto:

17 nos desertum, nos deserti, nos pena sumus certi. 5 Nullus fere vitam querit, et sic omnis vivens perit. Omnes quidem sumus rei, nullus imitator Dei, nullus vult portare crucem, 10 nullus Christum sequi ducem. Quis est verax, quis est bonus, vel quis Dei portat onus? Ut in uno claudam plura: mors extendit sua iura. 15 Iam mors regnat in prelatis: noulunt sanctum dare gratis, quod promittunt sub ingressu, sancte mentis in excessu; postquam sedent iam securi, 20 contradicunt sancto iuri. Rose fiunt saliunca, domus Dei fit spelunca. Sunt latrones, non latores, legis Dei destructores. [...] 3. SOA ALTO, EM CAMPO ABERTO CB 10 Soa alto, em campo aberto, a voz que clama no deserto: somos nós esse deserto: Deus castiga, isto é certo! 5 a salvação é ignorada, toda alma é condenada. Todos nós culpa temos porque a Deus não tememos; ninguém carrega sua cruz 10 quantos seguem a Jesus? Quem é leal, ilibado, quem imita o Crucificado? Vou dizendo, resumindo: a punição já está vindo. 15 Aos prelados, a morte espera, nenhum deles de graça opera, nas ordens sacras ingressando, fazem votos, por Deus jurando; uma vez, no trono sentados 20 esquecem logo os votos sagrados; a rosa vira planta vulgar, um covil em vez do altar! ladrões, maus legisladores, da lei de Deus destruidores. [...] (CARMINA BURANA, 1994, p. 28-31).

Voltando à questão sobre os goliardos serem descrentes em Deus ou não, o poema acima é interessante por não apenas demostrar as críticas às autoridades da Igreja, mas por fundamentar essa crítica numa certa visão mais ortodoxa da conduta moral e religiosa cristã, que supostamente o goliardo que o escreveu pensasse ser mais válida. Se por herege entende-se alguém que recusa a autoridade dos pais da Igreja e manifesta modos de ser cristão diferentes dos oficiais de Roma (ZERNER, 2002, p. 503), é

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difícil caracterizá-los como hereges. Eles realmente denunciavam condutas consideradas incoerentes para os representantes do clero. Além disso, exaltavam prazeres carnais em seus escritos, o que era subversivo e indiretamente desafiava autoridades como a de Santo Agostinho, que defendia o desprendimento das coisas mundanas. Mas eles não tinham algum tipo de seita ou organização religiosa que praticasse a religião de modo diferente. Não se consideravam exemplos de conduta, muito pelo contrário, cantavam seus desvios como sendo vícios de fato. Se os goliardos foram contestadores em relação à visão sobre os prazeres carnais, foram também conservadores no que diz respeito à conduta das autoridades eclesiásticas. Eram críticos da sociedade, sem dúvida, mas eram cristãos. Católicos tão convictos que utilizavam a própria religião para criticar as atitudes dos dirigentes da Igreja.

1.2 Os goliardos e as reformas papais dos séculos XI e XII

Já visto que os goliardos não eram hereges ou infiéis, resta perguntar qual a relação deles com as reformas papais dos séculos XI e XII. Sabe-se que na mesma época dos goliardos, no Ocidente, as cidades e o comércio voltaram a crescer, também ocorreu a Reforma Gregoriana. Tal constatação é interessante, pois quando se pensa que os poetas eram subversivos, eram em relação a algo, no caso, os ensinamentos da Igreja. A Igreja passava por um período de grandes mudanças, que redefiniriam certas condutas dos religiosos, muitas vezes expostas nos poemas goliárdicos. Portanto, para se compreender a relação dos goliardos com a Igreja, é necessário ter em mente o que ocorria nela na mesma época. A Reforma não foi única, se constituindo de um conjunto de mudanças que ocorreram de modo a realizar uma remodelação das ações dos membros do clero, tanto alto quanto baixo. Porém, tal fenômeno foi entendido por muitos anos como algo que veio de cima para baixo na hierarquia eclesiástica, ou seja, as reformas teriam ocorrido devido a decisões de membros do alto clero, visando salvar a Igreja da corrupção que havia se desenvolvido em seus membros durante os anos. Tal visão historiográfica é majoritariamente oriunda de pensadores da primeira metade do século XX, quando se escrevia história ainda de forma bastante tradicional, atribuindo à grandes líderes as causas dos acontecimentos históricos. O pensador que consolidou a noção de Reforma Gregoriana foi Augustin Fliche (1884-1951),

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que considerava a Reforma fruto do período de desordem social e ausência de um Império forte que teria caracterizado a Europa após fragmentação do Império Carolíngio (RUST, SILVA, 2009, p. 136). Além de moralizar os membros do clero, a Reforma, segundo ele, teria servido para fortalecer o poder papal e fornecer alguma organização para a sociedade que passava por uma espécie de vácuo imperial. Ele atribui à Grégório VII o grande papel de protagonista desse período. Contrastando essa tese, o historiador alemão Gerd Tellenbach (1903-1999) traz a ideia de que não existia um vácuo de poder imperial na época da Reforma, tendo em vista que foi justamente nessa época que a dinastia dos sálios – no Sacro Império Romano Germânico – se fortalecia e consolidava, representando o poder central que Fliche havia afirmado não existir (RUST, SILVA, 2009, p. 141). O que teria ocorrido, para Tellenbach, foi uma disputa pela hegemonia das instituições laicas e clericais pelo maior controle da vida social. É possível notar uma tendência nas duas ideias acima apresentadas: ambas tratam a Reforma como algo feito de cima para baixo, decisão e imposição dos dirigentes da sociedade medieval para a população geral. Novas pesquisas sobre o tema da Reforma foram realizadas, agora influenciadas pela Escola dos Annales e Nova História. Tais investigações não descartam as já feitas, mas revisam o que já foi escrito. É o caso do citado Leandro Duarte Rust, brasileiro, com trabalho de fins da década de 2000. Para essa nova tendência historiográfica, a Reforma deve ser entendida de forma diferente. A começar pelo termo Reforma Gregoriana. Tendo em vista que a história não se faz exclusivamente pelas ações de grandes personagens ou grandes acontecimentos, falar em reforma tudo bem, mas usar o termo Reforma Gregoriana se mostra problemático, tendo em vista que se atribui o conjunto de mudanças que ocorreram no contexto em questão ao papa Gregório VII. Por mais que se saiba que o papa não foi o único ator dessas mudanças – isso nem a historiografia mais tradicional afirma – mas que elas ocorreram devido à adesão de grande parte do clero, é necessário levar em consideração que a Igreja, enquanto instituição, não era homogênea do ponto de vista ideológico. Isso quer dizer que havia oposição às reformas, bem como oposição ao papa. Por mais que a oposição às mudanças tenha fracassado, o que se instituiu não foram apenas ideias gregorianas, mas ideias de mudança, de reforma. Deve-se entender a Reforma Gregoriana como um conjunto de medidas que foram tomadas pela Igreja para mudar alguns aspectos da conduta dos membros do clero. Essas mudanças ocorreram porque se precisava mudar, não apenas porque um grande pensador cristão decidiu que as coisas mudariam. A Igreja dos séculos XI e XII já não poderia ser tão

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facilmente manipulada por uma pessoa, por mais importante que fosse, nem por um pequeno grupo – talvez isso nunca tenha sido possível. A Reforma veio para centralizar o poder da Igreja e tentar uniformizar as normas de conduta dos religiosos. A grande massa pertencente ao baixo clero não cederia às novas regras se não existisse uma ameaça externa a seu poder: uma sociedade de mudança. Para essa historiografia mais recente, além de tudo, a reforma é mais uma mudança que ocorre no contexto do renascimento urbano e comercial. Não apenas fruto deste renascimento, mas necessária com ele. Por mais dominante ideologicamente que fosse a Igreja ela não se mantinha sozinha, precisava, antes de qualquer coisa, de fiéis os quais deveriam tê-la nessa nova sociedade. Se as mudanças da reforma dita gregoriana eram defendidas inclusive por quem não era “partidário” de Gregório VII, algo externo devia estar impulsionando-as. É necessário superar a visão que coloca a população laica em posição passiva em relação à Reforma. É preciso levar em consideração os pobres, a massa da população, para se compreender tal fenômeno e não apenas o clero e a nobreza. Se a história não se faz apenas com grandes personagens resta aos historiadores buscarem, por mais difícil que seja no período medieval, qual seria a influência dos outros personagens para a história. Alguns poemas goliárdicos denunciam supostos desvios de conduta dos membros do clero, sugerindo indiretamente mudanças de comportamento. Considerando que a Reforma tenha ocorrido também por razões externas à Igreja, talvez a crítica social presente na Carmina comprove que a necessidade de mudança transparecia para além dos mosteiros e abadias. Os vagabundos goliardos deixaram escrito que os membros do clero de seu tempo careciam de atitudes exemplares. A Reforma era de certa forma clamada indiretamente nos poemas goliárdicos. Sabendo da relação dos goliardos com o que ocorria na Igreja do século XII e negando a hipótese de que seriam hereges, para consolidar uma ideia geral sobre os poetas é interessante perguntar-se: por que não continuaram existindo? Já foram brevemente abordadas as condições de seu surgimento enquanto grupo social resta responder agora como se deu o fim dos goliardos. Para tanto é necessário retomar alguns pontos já abordados acima, no que diz respeito principalmente sobre o que eles representaram no seu surgimento. Os goliardos escreviam críticas, eram desafiadores da ordem. Sua poesia surge num período de mudança social, mas também intelectual. O século XII deve ser entendido como o século do renascimento, o

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período de passagem de um tipo de sociedade para outro. É na virada para o século XIII que a Europa de fato renasce (LE GOFF, 1994, p.121). Vivendo majoritariamente durante o XII, os goliardos participaram do momento intelectual imediatamente anterior às universidades. Sabe-se que o século XIII é o das universidades na Europa. Além da institucionalização do conhecimento, que propõe o ambiente universitário, as temáticas abordadas pelos intelectuais já são diferente. Um exemplo disso é a retomada de Aristóteles, contrastando com o predomínio de Platão no século anterior. O objetivo da busca por conhecimento era diferente para os goliardos e para os universitários do século XIII em diante. Não é que não tenham existido goliardos no período universitário, acontece que a goliardia não era compatível com o que se fazia nas universidades. O intelectual universitário, por mais que pudesse ser desafiador da ordem, vivia em um período diferente da efervescência de mudanças dos séculos XI e XII. A sociedade ainda mudava no século XIII, sem dúvida, mas essas mudanças não eram tão estruturais quanto às do anterior. Se falar de deusas pagãs e denunciar condutas moralmente questionáveis do clero era algo bastante revolucionário para os goliardos do XII, no XIII já nem tanto. Os intelectuais universitários consolidaram a prática de estudos da cultura grecoromana que já vinha ocorrendo. Não era mais tão transgressor falar em Vênus, por exemplo. Além do mais, como já visto, as reformas papais serviram, entre outras coisas, para silenciar grande parte das denúncias a respeito das ações do clero, sendo o XIII o século da Igreja já reformada. Porém os goliardos não são definidos apenas pelo conteúdo de seus poemas, mas pelo comportamento e juventude. Desnecessário dizer que ficaram velhos e que a idade avançada não permitia vivenciar certas aventuras a serem cantadas. Muitos goliardos já haviam envelhecido antes do século XIII, porém novos surgiam, tendo em vista que o período favorecia sua existência. Com os novos tempos já não era mais tão comum ser goliardo. A existência de intelectuais desafiadores que escreviam sobre temáticas subversivas e agiam de forma contestatória à ordem vigente não é algo exclusivo do renascimento do século XII. Porém as condições materiais do período, as temáticas utilizadas por esses outros desafiadores e seu modo de vida não são as mesmas dos goliardos. Sua existência se dava em condições diferentes. Novamente é importante salientar que não se trata de limitar a existência goliarda a um período específico, congelando sua definição e trabalhando com um conceito

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extremamente restrito. O que é interessante é saber por que eles deixaram de existir enquanto grupo social, o que é fato. Segundo Arranz Guzmán (2012, p. 72-73) existiram três fatores que explicariam o fim dos goliardos. O primeiro deles seria a própria degradação interna devida à sua inconstância. Os goliardos não foram um grupo contestador de forma organizada. Seu modo de vida não respondia a algum tipo de doutrina ou ideia fixa, de modo que com o passar dos anos os que gostavam mais da vida em taberna abandonavam os estudos, bem como os que eram mais dedicados ao conhecimento abandonavam as tabernas. Sua desorganização enquanto grupo não permitiu que existisse algum tipo de institucionalização da vida goliarda. Com o tempo, os fatores que determinavam ser ou não goliardo foram se dissipando, não se aplicando mais de forma conjunta. O segundo motivo levantado pela autora é a pressão social por parte das elites eclesiástica e laica. Por ser subversivo, o goliardo incomodava os conservadores que estavam no topo da hierarquia social. Inicialmente os poetas não chamaram muita atenção dos dirigentes, tendo em vista que clérigos considerados vagabundos pelas autoridades religiosas existiam desde os primórdios da Igreja sendo raramente levados a sério por serem considerados jovens cujas críticas eram passageiras. Porém, os goliardos tiveram uma extensão bem maior do que a que seria permitida para a época. Seus escritos de crítica aberta à Igreja e às ações dos membros do clero se tornaram uma possível ameaça. Prova disso é que no século XIII, embora já em um período de decadência goliarda, surgem menções nos documentos oficiais eclesiásticos censurando os goliardos, como o caso do concílio provincial de Tréveris, em 1227 e o concílio de Rouen, em 1231 (ARRANZ GUZMÁN, 2012, p. 73-74). Sua condenação se dava não devida a supostas práticas pagãs ou heresia, mas pela conduta considerada inadequada. O terceiro e último fator levantado por Arranz Guzmán é talvez o mais importante: o fim dos goliardos se deu na ascensão do Humanismo. Se trata de la nueva cultura emergente, del Humanismo, que se volvió con desprecio hacia la poesía goliárdica por considerarla vulgar y carente de erudición. Para los humanistas la poesía latina debía aspirar a imitar lo mejor posible da forma métrica de Virgilio, Horacio o Marcial. (ARRANZ GUSMÁN, 2012, p. 75).

Com a nova tendência intelectual da Europa do século XIII, a poesia goliárdica se tornava cada vez mais ultrapassada. A originalidade dos goliardos dava espaço a uma poesia imitada, uma tentativa de se escrever algo que remeta fielmente às origens romanas (e

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também gregas) da cultura latina. O tipo de poesia do goliardo agora devia ser escrito em língua vulgar, pois tais temas abordados em latim não agradavam mais essa nova intelectualidade. Essa mudança de tipo de poesia que ocorre do século XII para o XIII já havia sido abordada por Spina (2007) em obra onde ele relaciona a cultura literária com outros fenômenos culturais do período, como o grande surgimento das catedrais e a difusão do romance de cavalaria e poesia trovadoresca. A partir disso é possível ter uma ideia de como eles deixaram de existir enquanto grupo social, respondendo a terceira das três questões levantadas inicialmente sobre quem foram os goliardos. Definir quem foram não estritamente pelas estruturas sociais em que estavam inseridos, mas também pela sua singularidade: Enfim, ao renunciar ao primado tirânico do recorte social para dar conta dos desvios culturais, a história em seus últimos desenvolvimentos mostrou, de vez, que é impossível qualificar os motivos, os objetos ou as práticas culturais em termos imediatamente sociológicos e que sua distribuição e seus usos numa dada sociedade não se organizam necessariamente segundo divisões sociais prévias, identificadas a partir de diferenças de estado e de fortuna. Donde as novas perspectivas abertas para pensar outros modos de articulação entre as obras ou as práticas e o mundo social, sensíveis ao mesmo tempo à pluralidade das clivagens que atravessam uma sociedade e à diversidade dos empregos de materiais ou de códigos partilhados. (CHARTIER, 1991, p. 177).

Portanto, para além da literatura sobre o tema, talvez o mais interessante ainda seja buscar nos escritos dos próprios goliardos sua auto definição. 34. ESTUANS INTERIUS CB 191 I Estuans interius ira vehementi in amaritudine loquor mee menti: 5

factus de materia, cinis elementi, similis sum folio, de quo ludunt venti.

II

24 Cum sit enim proprium 10

viro sapienti supra petram ponere sedem fundamenti, stultus ego comparor fluvio labenti,

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sub eodem tramite nunquam permanenti.

III Feror ego veluti sine nauta navis, ut per vias aeris 20

vaga fertur avis; non me tenet vincula, non me tenet clavis, quero michi similes, et adiungor pravis.

IV 25

Michi cordis gravitas res videtur gravis, iocus est amabilis dulciorque favis. Quicquid Venus imperat,

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labor est suavis, que nunquam in cordibus habitat ignavis.

V Via lata gradior more iuventutis, 35

implicor et vitiis immemor virtutis, voluptatis avidus

25 magis quam salutis, mortuus in anima 40

curam gero cutis.

VI Presul discretissime, veniam te precor, morte bona morior, dulci nece necor, 45

meum pectus sauciat puellarum decor, et quas tactu nequeo, saltem corde mechor.

34. ARDE NO MEU CORAÇÃO CB 191 I Arde no meu coração um fogo permanente, uma amarga obsessão domina minha mente; 5

o homem foi tirado da cinza, é meu elemento, a toda a hora sou levado, tal a folha no vento.

II Quando o sábio fundamenta 10

sua nova morada, na pedra dura assenta, a areia não lhe agrada. Já disseram que me pareço com as águas do rio,

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no mesmo lugar não permaneço, flutuo anos a fio.

26 III Vagueio feito uma nave sem leme ou marujo, sou também igual a uma ave, 20

pra cá, pra lá, eu fujo; não me prende uma grade, não me segura uma chave, acho sempre um comparsa que comigo conchave.

IV 25

Já sou triste de nascença vivo atormentado; mas tudo isso se compensa no riso debochado. Vênus tomando o comando,

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a luta é atraente, mas a deusa não empolga gente indolente.

V Gente jovem é outro papo! A virtude esqueço, 35

dela sempre me escapo, ao vício me apresso. Eu adoro o prazer, não procuro o bem; até na hora de morrer

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prazeres me retêm.

VI Distintíssimo prelado, imploro seu perdão. Eu serei um feliz finado, morro com satisfação

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se puder namorar umas lindas donzelas, não podendo as afagar, me resta sonhar com elas. (CARMINA BURANA, 1994, p. 86-91).

Como um desabafo, este poema talvez resuma melhor do que qualquer outro a condição de goliardo. Vida inconstante, confissão do apego ao mundano, ao passageiro. Assumindo seus desvios, o autor pede perdão e ao mesmo tempo não se mostra arrependido, explicitando assim a complexidade do que é ser goliardo.

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2 CAPÍTULO II: OS GOLIARDOS, A IGREJA E OS PRAZERES CARNAIS

Em Carmina Burana diversos temas são abordados. Quando se pensa no contexto social em que foram feitos, temáticas como os prazeres carnais chamam mais a atenção já que não eram tão comuns nos escritos da época. Falar de prazeres na Idade Média era algo extremamente problemático, tendo em vista que as pessoas eram muito influenciadas pelas rígidas posições da Igreja em relação a isso. Porém, é interessante ressaltar que em grande medida tal visão sobre a Igreja medieval, mais ainda sobre a sociedade medieval, é produto de uma tradição historiográfica que já vem sendo superada há algum tempo. Portanto, para tratar sobre prazeres carnais no medievo, é inevitável levar em consideração as posições da Igreja e para compreendê-las é necessário fazer algumas ressalvas sobre a historiografia referente ao tema. Pensar em um controle total da sociedade por parte do Alto Clero é algo que por muito tempo norteou a compreensão do período medieval, atribuindo-lhe características depreciativas. Uma sociedade onde a mobilidade social era quase inexistente, a peste era disseminada e uma instituição religiosa como a Igreja possuía o monopólio ideológico fez com que se considerasse o período medieval como de atraso para a humanidade. Superficialmente tal análise parece coerente. É interessante buscar de onde vem tal visão e verificar a compatibilidade das características apresentadas para o período. Por exemplo, quando se fala que a Idade Média foi um período onde reinava a peste e a estagnação social, se está generalizando de forma pouco rigorosa, tendo em vista que a pouca mobilidade social foi uma realidade principalmente anterior ao século XI e a peste disseminada de fato apenas no XIV. No século XII a peste não era uma ameaça real e a mobilidade social era uma realidade, tendo em vista o renascimento comercial e urbano. No que diz respeito à Igreja dominar ideologicamente as pessoas surge o problema metodológico da história escrita antes do século XX, pois se tem pouca documentação que expresse diretamente as ideias e visão de mundo das pessoas de fora da Igreja. Daí a dificuldade em saber o que pensavam e a atribuição do pensamento do clero – abundante em documentação – para as pessoas em geral. Atualmente, graças aos avanços dos métodos de pesquisa histórica, pode-se aproximar mais da história das pessoas simples e das ideias que não eram necessariamente dependentes do

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clero da época. Tal visão de atraso sobre o medievo se concentra, por exemplo, em definições como Idade das Trevas. Para tratar sobre os goliardos e os prazeres carnais é interessante antes esclarecer alguns aspectos do Renascimento dos séculos XV e XVI, pois é nessa época que se consolidam diversos preconceitos em relação à Igreja medieval e sem isso não há como investigar a intelectualidade do período. Hilário Franco Júnior (2001), medievalista brasileiro em texto introdutório escrevendo sobre as origens medievais do Ocidente ressalta a origem da relação do conceito de Idade Média com algo ruim, um período de atraso que deve ser superado em todos os aspectos. Por exemplo, o próprio termo “Idade Média” foi criado no fim do período com intuito de classificar o tempo entre a desestruturação político administrativa do Império Romano do Ocidente e o século XV como uma época intermediária entre a antiguidade greco-romana, de avanços no pensamento humano, digna de ser imitada, e os novos tempos, a modernidade, um novo período de avanços científicos e coisas boas para a humanidade onde reina a razão e não a superstição como no medievo. A Idade Média era considerada um atraso no desenvolvimento da humanidade que, dessa forma, possuiria um curso a seguir, indo do menos desenvolvido ao mais. Portanto, o sentido básico mantinha-se renascentista: a “Idade Média” teria sido uma interrupção no progresso humano, inaugurado pelos gregos e romanos e retomado pelos homens do século XVI. Ou seja, também para o século XVII os tempos “medievais” teriam sido de barbárie, ignorância e superstição. Os protestantes criticavam-no como época de supremacia da Igreja Católica. Os homens ligados ás poderosas monarquias absolutistas lamentavam aquele período de reis fracos, de fragmentação política. Os burgueses capitalistas desprezavam tais séculos de limitada atividade comercial. Os intelectuais racionalistas deploravam aquela cultura muito ligada a valores espirituais. (FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 12).

Por Renascimento se compreende a retomada da cultura antiga e tentativa de superação

da cultura medieval considerada atrasada. Vejamos então o que o define. O Renascimento seria o período em que a humanidade renasce em sua criatividade e capacidade artística e científica que haviam sido abafadas pelos mil anos de trevas da Idade Média. Renascer e não nascer, porque isso não seria algo novo, mas uma retomada e revisão da cultura dos antigos, principalmente dos gregos. Mas, se renascimento é retomar a cultura grega e romana antiga, isso não é mérito apenas das pessoas dos séculos XV e XVI, tendo em vista que os goliardos, por exemplo, já retomavam tais temáticas pagãs desde o século XII (e antes deles seus professores e intelectuais da Igreja com leituras de Platão). Mas, talvez o

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renascimento não seja apenas retomar os antigos, mas pensar de modo mais racional, não tão dependente da religião. Se for isso, é necessário lembrar que as universidades e as ordens mendicantes desde o século XIII vinham inovando a forma de pensar e formar conhecimento, não sendo isso algo tão novo no século XV (a retomada de Aristóteles é do XIII). Além disso, é interessante ressaltar que os renascentistas não deixaram de acreditar em Deus e ser cristãos, mas conciliaram isso com uma forma de pensar um pouco menos religiosa. A própria Reforma Protestante, que ocorreu no período renascentista do início do século XVI, mesmo sendo algo extremamente importante para a história, não foi a única mudança digna de ser considerada divisora de águas no cristianismo, tendo em vista que as reformas papais concentradas na definição de Reforma Gregoriana, como já visto, tiveram importância decisiva nos seus rumos. Talvez o que serviu de divisor de períodos tenha sido a descoberta da América, o conhecimento do Novo Mundo. Não tirando a grandiosidade do fato, é bom lembrar que já com as cruzadas os horizontes conhecidos foram expandidos. Tais investidas cristãs para um “mundo” diferente possibilitaram novas concepções de mundo, agora baseadas inclusive na negação do diferente, essencial para a formação das identidades. Então não houve renascimento? É uma questão difícil de ser respondida. Talvez o que defina a existência do Renascimento seja a negação do período imediatamente anterior, considerado de atraso. Tratar o passado recente como sendo algo atrasado não é exclusividade das pessoas do Renascimento. As ideias de desprezo pelo medievo começaram a ser criadas já no fim do século XIV e foram reforçadas no XV e XVI (FRANCO JÚNIOR, 2001). Não bastasse isso, no século XVIII os iluministas consolidaram ainda mais esse desprezo pelo medieval. Embora o romantismo posteriormente tenha visto a Idade Média como algo positivo, a distorção de sua história segue, pois se vê-la como algo ruim é reducionista e arbitrário, como algo bom também. No século XX, com as transformações das pesquisas históricas, buscou-se um medievo visto por si próprio, nem bom nem ruim, uma tentativa mais rigorosa de contar sua história. Embora essa tese de que a Idade Média era Idade das Trevas, que o Renascimento do século XVI veio para reavivar o desenvolvimento humano que existia na antiguidade, mas havia sido ofuscado pelo medievo já tenha sido superada, foi difundida por tanto tempo que ainda restam vestígios dela atualmente. Mas então, a Igreja exercia ou não monopólio sobre a vida das pessoas na Idade Média?

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Primeiramente é importante definir essa suposta hegemonia da Igreja como sendo cultual, já que não se deve esquecer os poderes político e econômico dos senhores feudais e reis da época. Não é possível falar em Igreja de forma única, mas plural, dependendo do período específico que se pretende analisar. No presente caso é a Igreja do século XII. Será que no século XII a Igreja possuía o monopólio sobre a forma que as pessoas pensavam? Monopólio é uma palavra muito forte. A Igreja tinha sim uma grande influência no pensamento da sociedade, agindo de forma invasiva buscando não só a consolidação das práticas religiosas, mas também certo controle social. Pode-se dizer que buscava um certo controle das mentalidades, mas não que o possuísse. A partir de Carmina Burana pode-se questionar o suposto domínio da Igreja sobre o pensamento das pessoas, já que os temas dos poemas não eram bem vistos pelas autoridades eclesiásticas e foram escritos nessa suposta época monopolista. Que monopólio é esse que permite que cantem sobre Vênus, sobre os prazeres carnais, sobre o vinho? Por mais que tenham recebido uma educação clerical, o que os goliardos escreviam estava longe de ser determinado pelas autoridades eclesiásticas. Eis sua importância e singularidade para a compreensão do período. Pois bem, o que há em Carmina Burana de tão subversivo? Duas coisas: a crítica política e crítica dos costumes. No presente capítulo se tratará da crítica dos costumes. Posteriormente sobre política. Que crítica aos costumes? “[...] o jogo, o vinho, o amor: eis a trilogia que basicamente cantam [...]” (LE GOFF, 2003, p. 50), os goliardos cantavam seus vícios. Vangloriavam-se de transgredirem regras morais da sociedade cristã, definindo-se como condenados a uma vida de prazeres que, apesar mal vistos pela Igreja, eram válidos de serem vividos. Faziam tudo isso tendo recebido uma educação clerical. Entre as três temáticas acima relacionadas aos poemas goliárdicos, os prazeres carnais talvez seja a mais significativa. A Igreja tentava regulamentar como e com que frequência as pessoas deveriam fazer sexo não apenas por fidelidade às ideias de grandes pensadores cristãos, mas também porque controlando-o, controlava a vida íntima, o que ocorria em momentos e lugares em que a vigilância direta das atitudes das pessoas era impossível. Regular a prática sexual era regular o prazer, era ter controle sobre a frequência e o modo com que se terá um prazer banal e possível para qualquer pessoa, não apenas para os ricos e poderosos. Além disso, a luxúria estava vinculada com outro tema recorrente nas canções goliardas: a gula (bebida) outro pecado.

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Mas afinal, o que pensavam os medievais sobre o prazer carnal, a luxúria? Por mais que a Igreja não tivesse o monopólio do pensamento das pessoas, sua influência é inegável. Nesse sentido, em relação ao sexo, Richards caracteriza o pensamento cristão da época: [...] os pensadores cristãos encaravam o sexo, na melhor das hipóteses como um mal necessário. Lamentavelmente indispensável para a reprodução humana, mas que perturbava a verdadeira vocação de uma pessoa – a busca da perfeição espiritual, que é, por definição, não sexual e transcendente a carne. (RICHARDS, 1993, p. 34).

O que era certo e errado para ela (Igreja) tinha origem em grande parte em pensadores cristãos como Santo Agostinho. O prazer carnal simbolizava impureza. Da Alta Idade Média para o período central do medievo (séculos XI e XII), cada vez mais o foco de ataque das autoridades da Igreja ia da Soberba para a Luxúria. Mesmo que o orgulho continuasse sendo algo abominável aos olhos dos eclesiásticos (o pecado primordial), o prazer carnal - daí a confusão entre Gula e Luxúria (LE GOFF, 1994)- era algo cada vez mais atacado. Cria-se a ideia de que já se nasce do pecado, já que duas pessoas necessariamente fizeram sexo para que outra nasça. Desde o nascimento já se é pecador e a necessidade de busca por redenção é anterior a ele. Novamente é interessante lembrar o contexto social da época, o excedente feminino, as cruzadas, o aumento demográfico e, talvez principalmente, o combate ao nicolaísmo (possibilidade de padres casarem). Cada vez mais era interessante para a Igreja condenar os prazeres carnais. As reformas papais do século XII (também conhecidas pelo termo Reforma Gregoriana) trouxeram entre suas principais temáticas a questão do casamento: se não era possível tonar todos os cristãos continentes e virgens, então que se cassassem, para que de alguma forma a Igreja estendesse sua influência sobre esse mal inevitável. Para os membros do clero essa possibilidade não deveria existir, tanto que foi combatida. Eles deveriam estar no topo da escala de pureza dos seres humanos. Tendo em vista tal importância, surge uma questão a ser respondida: Qual a origem das ideias referentes aos prazeres carnais que estão presentes em Carmina Burana? É possível definir pelo menos duas origens diferentes: autores “pagãos” e a Bíblia. Embora também estudassem autores cristãos, como Santo Agostinho, parece que os goliardos deixavam de lado suas ideias quando o assunto era prazer carnal. Para se compreender as influências dos poemas goliárdicos é interessante pensar em que contexto intelectual foram desenvolvidos. Segundo Le Goff: Quando, no século XII, o século do regresso de Ovídio e do aparecimento do amor cortês, as atenções se voltaram para o Cântico – o livro do Antigo Testamento mais

33 comentado nesse século -, a Igreja recordou, com S. Bernardo à frente, que só era válida a leitura alegórica e espiritual. (LE GOFF, 1994, p. 159).

Em sua obra A arte de amar, Ovídio, pensador romano do início da era cristã, trata sobre o amor. Não amor a Deus, como os cristãos, mas amor carnal. Escreve com a intenção de criar um manual para conquistar mulheres. Além de Le Goff, alguns outros autores também confirmam tal influência nos escritos goliárdicos (SPINA, 1994; ARRANZ GUZMÁN, 2012). Eis um trecho da citada obra: A amiga, esta, deve sempre ouvir as palavras que ela deseja. Não é uma lei que os reuniu num mesmo leito; a lei de vocês é o amor. Apresente-se com ternas carícias e palavras que encantam com sua chegada. Não é aos ricos que eu venho ensinar o amor; aquele que dá não precisa de minhas lições. Temos sempre disposição, quando podemos dizer, todas as vezes que quisermos: “Aceite isso”. A este nós cedemos passagem: o que posso dar agrada menos que o dele. É para os pobres que eu componho esse poema. Porque, pobre, eu amei; quando eu não podia dar presentes, dava belas palavras. (OVÍDIO, 2001, p. 55).

O escrito afirma ter como objetivo servir ao amante pobre, aquele que a posição social não privilegia na conquista. Os goliardos, como se sabe, salvo raras exceções eram vagantes pobres sem posição social prestigiosa. Para conseguirem os prazeres do sexo não sendo nos prostíbulos teriam que partir para a conquista. Pela escrita de Ovídio deveriam ficar fascinados já que parecia possível aprender através do estudo como conquistar as mulheres. Tudo isso em latim, possível de ser acessado pelos clérigos. Os clérigos vagabundos não só tinham a oportunidade de aprender com Ovídio, mas se inspiravam nele para compor suas próprias obras. 31. O MI DILECTISSIMA CB 180 I O mi dilectissima! Vultu serenissima et mente legis sedula, ut mea refert littera? 5

Mandaliet! Mandaliet! min geselle chomet niet!

II

34 “Que est hec puellula,” dizi, “tam precandida, in cuius niet facie 10

candor cum rubedine?” R. Mandaliet...

III Vultus tuus indicat, quanta sit nobilitas, que in tuo pectore 15

lac miscet com sanguine. R. Mandaliet...

IV “Que est puellula dulcis et suavissima? eius amore caleo, 20

quod vivere vix valeo.” R. Mandaliet...

V Circa mea pectora multa sunt suspiria de tua pulchritudine, 25

que me ledunt misere. R. Mandaliet...

VI Tui lucent oculi sicut solis radii, sicut splendor fulguris 30

lucem donat tenebris. R. Mandaliet...

VII Vellent deus, vellent di, quod mente proposui:

35 ut eius virginea 35

reserassem vincula!” R. Mandaliet...

31. QUERIDINHA ADORÁVEL CB 180 I Queridinha adorável, o teu rosto é tão afável! Espertinha, estendeste minha carta, tua leste? 5

R. É de amor o meu canto, minha amada demora tanto.

II “Quem será aquela donzela?” disse eu, “jóia singela; sua face, um esplendor, 10

de alvura e rubor.” R. É de amor...

III Teu semblante me revela; és tão nobre quanto bela, um tesouro é teu peito: 15

rubro sangue, alvo leite. R. É de amor...

IV “Quem será aquela donzela? Há mais doce do que ela? Seu amor me faz calar, 20

viver sem ela: meu azar!” R. É de amor...

V Do meu peito dolorido

36 brota sempre um gemido por tua formosura 25

que tanto me tortura. R. É de amor...

VI O fulgor de teu olhar, assim como o astro solar, é um corisco que clareia, 30

e as trevas incendeia. R. É de amor...

VII Possa o céu me conceder. o que é de meu prazer: derrubar aquela grade 35

cercando tua virgindade. R. É de amor... (CARMINA BURANA, 1994, p. 81 – 83).

Os elogios presentes no poema goliardo são compatíveis com as recomendações de Ovídio no trecho citado anteriormente. Sem falar que, por mais sutil que seja o poema durante quase toda sua duração, no final a referência ao ato sexual se torna explícita quando fala em virgindade. Como já citado, pensando sobre a educação goliarda além de autores “pagãos”, a Bíblia era algo fundamental. Os Cânticos possibilitam interpretações ambíguas e até desafiadoras das ideias de restrição sexual das autoridades da Igreja: Décimo poema Vem, meu amado. vamos ao campo, pernoitemos nas aldeias, madruguemos pelas vinhas, vejamos se a vinha floresce, se os botões se abrem, se as romeiras florescem:

37 lá te darei meu amor... As mandrágoras exalam seu perfume; à nossa porta há de todos os frutos: frutos novos, frutos secos, que eu tinha guardado, meu amado, para ti. [...] (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2004, p. 1100).

Perfume, plantas florescendo, campo, amor em meio à natureza. É possível ver semelhanças entre o cântico acima e o tema do poema abaixo: 22. ECCE GRATUM CB 143 I Ecce gratum et optatum ver reducit gaudia: purpuratum 5

floret pratum, sol serenat omnia. Iamiam cedant tristia! Estas redit, nunc recedit

10

hiemis sevitia.

II Iam liquescit et decrescit grando, nix et cetera; bruma fugit, 15

et iam sugit veris tellus ubera. Illi mens est misera, qui nec vivit

38 nec lascivit 20

sub estatis dextera!

III Gloriantur et letantur in melle dulcedinis, qui conantur, 25

ut utantur premio Cupidinis. Simus jussu Cypridis gloriantes et letantes

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pares esse Paridis!

A PRIMAVERA CB 143 I

5

10 II

15

A primavera exubera de gozo e de graça; no verde prado todo florado, o sol a terra abraça. Toda tristeza passa, o verão chegou: afugentou a hibernal desgraça. A seiva rebenta e afugenta gelo e neve: isso já era, a terra mama o leite da ama nas tetas da primavera; pobre quem de amor nunca sofreu: nunca viveu, neste lascivo calor.

III

25

Convém cantarem e exaltar, as lutas prazerosas dos que tentam e enfrentam as provas amorosas; Vênus nos lideranças pra namorar

39 30

e cirandar, como Páris fizera. (CARMINA BURANA, 1994, p. 66-69).

Não só no paganismo se faz referência à natureza e às estações quentes do ano, mas também na Bíblia. Além disso, a clara referência a Páris de Tróia, amante de Helena, reforça a constatação de que eles conheciam a cultura grega. Além das temáticas, o livro dos Cânticos é considerado um dos livros de sabedoria da Bíblia, ficando, por exemplo, em posição imediatamente anterior a Sabedoria de Salomão, parte das Escrituras que possivelmente era bastante acessada pelos goliardos tendo em vista sua vocação intelectual. Voltando à questão inicial, os goliardos eram subversivos porque cantavam temas que iam contra as ideias de conduta moral dos governantes e líderes religiosos. Mas essa ideia de que a Idade Média foi um período de Trevas dominado pela Igreja já não foi superada? Sim, já foi, mas isso não quer dizer que a Igreja não influenciasse na vida das pessoas. Não ser período de trevas não significa ser uma época tolerante que aceitava provocações como Carmina Burana de forma passiva e desinteressada. O século XII não foi um período de trevas, mas não era um paraíso para quem quisesse expressar opiniões contrárias às da Igreja, mesmo que fosse de forma indireta com as canções goliárdicas. Era época do domínio do cristianismo, domínio que já vinha se fortalecendo havia alguns séculos e que no período do renascimento urbano já estava consolidado. Os prazeres carnais talvez fossem pontos centrais normatizados pelos chefes da Igreja para influenciar a vida das pessoas (exemplo claro está nas reformas papais conhecidas como Reforma Gregoriana). Com efeito, uma das primeiras novidades trazidas pelo cristianismo foi o nexo entre a carne e o pecado. Não é que a expressão fosse frequente na Idade Média. Mas é visível, a seu respeito, o processo que ao longo de toda a Idade Média, por deslizamento de sentido, pôs a autoridade suprema, a Bíblia, ao serviço da justificação da repressão da maior parte das práticas sexuais. (LE GOFF, 1994, p. 158).

É interessante perceber o aumento que ocorre entre fins do século XI e o século XII de escritos com temáticas mais mundanas e próximas a natureza. Além da Carmina, o amor cortês, as canções de gesta, a nova visão sobre a mulher, a nova visão sobre Maria Madalena. Não é que se tenha deixado de pensar em Deus e estudar teologia, longe disso, o que ocorre é uma efervescência de manifestações culturais cada vez mais centradas do ser humano e na sua existência material. Pensava-se em Deus, mas de forma diferente, a própria Igreja havia

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mudado e continuava mudando. A sociedade mudava e os goliardos cantavam as incertezas desse período de mudança.

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3 CAPÍTULO III: ALÉM DO JOGO, VINHO E AMOR: A POESIA GOLIÁRDICA COMO MANIFESTAÇÃO POLÍTICA

A sociedade medieval ocidental do século XII passou por um período de mudança. Mudanças que modificaram profundamente a vida das pessoas da época, seja em aspectos físicos, como o ressurgimento das cidades e do comércio; ou mentais, devido aos efeitos das cruzadas e da interação dos novos atores sociais que se desenvolveram com as novas condições. Os goliardos, estudantes que escreviam poesias com temáticas referentes aos prazeres mundanos, estão entre estes novos atores. Frutos das escolas do clero, cantavam temáticas que desafiavam os ensinamentos morais da Igreja, exaltando o vinho, o jogo e o amor. Entretanto, muito além das temáticas citadas, os escritos desses poetas carregavam fortes críticas políticas, atacando sutilmente membros da elite (alto clero e nobreza) e desafiando, portanto, as justificativas para a manutenção da hierarquia social, tão prezada na sociedade medieval. Como era a hierarquia da sociedade medieval? Basicamente o medievo é entendido a partir de três grandes grupos sociais: os que rezam, os que combatem e os que trabalham. Essa definição é apresentada na obra As três ordens ou o imaginário do feudalismo (1978) de Georges Duby. Focando sua análise no período imediatamente posterior ao ano mil, a partir dos escritos de dois bispos, Adalberão de Laon e Gerardo de Cambrai, Duby aponta os fundamentos da ordenação da sociedade medieval, destacando as influências de pensadores cristãos como Agostinho e Dionísio Areopagita nas obras dos bispos. Além das influências teóricas, ele contextualiza os autores, mostrando elementos da sociedade da época que influenciaram na construção da ideia das três ordens, como o fim do Império Carolíngio, por exemplo. Sendo feita por bispos de famílias nobres, a ideia das três ordens obviamente favoreceu seus criadores e ordem a que pertenciam. Para Duby: Na tradição carolíngia, os bispos do século XI sentem-se obrigados a apresentar aos olhos dos reis e dos príncipes como que um espelho. Um desses espelhões de metal polido como aqueles de que na época se serviam, reflectindo bastante mal as imagens, mostrando contudo os defeitos, ajudando assim a corrigi-los. O discurso episcopal, ao dirigir-se aos príncipes da terra, tem essa finalidade: lembrar-lhes os seus direitos, os seus deveres e o que não corre direito neste mundo. Incitá-los a agir, a restabelecer a ordem. Ordem cujo modelo o bispo descobre no céu. Discurso político, o discurso dos bispos convida a reformar as relações sociais. É um projeto

42 de sociedade. Na tradição carolíngia, o episcopado é o produtor natural da ideologia. (DUBY, 1994, p. 28).

Partindo dessa ideia é possível perceber os interesses que embasaram a definição da hierarquia. Como o próprio autor coloca, o discurso apresentava um projeto de sociedade a ser seguido, um modelo que deveria ser aplicado. Esse modelo era tratado como algo já existente no plano celeste, era como uma lei natural (divina) da ordenação das sociedades. Como tinha origem divina, portanto não questionável, a ordem da sociedade mundana deveria ser respeitada, questioná-la seria desafiar a decisão de Deus. Ao escrever sobre o sistema do mundo medieval, Rossatto salienta a influência platônica no pensamento vigente no século XII em relação ao mundo natural. O mundo medieval está centrado na contemplação da natureza e não na sua explicação. Vários são os modos de contemplá-la. Certo platonismo a trata com base em uma oposição: o mundo criado (natura naturata) é o contrário do mundo do Criador (Natura naturans). Outro platonismo supera essa dicotomia e vai buscar as similitudes entre esses dois mundos. (ROSSATTO, 2004, p. 17).

Sobre esse outro platonismo é que se pode entender a ideia das três ordens como um espelho divino. Na sociedade medieval os costumes das pessoas eram rigorosamente inspirados nos preceitos cristãos, considerados vontade divina. A ordem social não fugia dessa regra. Tendo em vista o padrão de pensamento vigente no século XI, justificar a hierarquia social com base na vontade divina era algo com grandes chances de ser aceito. Analisar a repercussão dessa ideia de ordem na sociedade de mudanças do século XII é algo extremamente importante por permitir verificar a discordância entre o discurso que vinha de cima, por parte do alto clero, a respeito da organização da sociedade e dos papéis a serem cumpridos pelas pessoas, e a percepção das camadas menos influentes em relação a isso. Através da poesia goliárdica pode-se ter acesso a uma manifestação poética não tanto vinculada com as duas ordens dominantes, servindo como porta-voz dos pensamentos do povo iletrado que era maioria, pois embora escrevessem em latim, a inspiração para seus versos não vinha necessariamente de cima, mas do seu convívio com as pessoas que não eram elite. Sendo muitas vezes mal vistos pelas autoridades medievais, os goliardos viviam transitando entre os ambientes educacionais, as cortes, e, na maior parte do tempo, tabernas e ambientes urbanos comerciais, onde tinham contato com diversos tipos de pessoas. Esse trânsito dos goliardos era algo novo, incomum para os padrões da época.

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Com as cidades, as feiras comerciais, as tabernas e os novos tipos de ocupações que surgiam e ressurgiam entre o fim do século XI e início do XII, as antigas estruturas de governo idealizadas por Gerardo e Adalberão não conseguiam mais dar conta de explicar a ordem das coisas. A sociedade havia mudado e sua explicação continuava a mesma. Nesse sentido, permitiu-se a erupção de novas ideias, de críticas ao modelo supostamente vigente. É interessante ressaltar que a definição da hierarquia baseada nas três ordens nem mesmo no século XI foi totalmente exitosa. O próprio Duby deixa claro na parte final de sua obra, quando escreve que alguns teóricos da época interpretavam a sociedade como tendo uma quarta ordem, a dos comerciantes (considerada a mais vil de todas), o que prova a existência de características que fugiam à regra, sendo ela uma tentativa de definir como a realidade deveria ser, não reflexo dela. Porém, a ideia das três ordens não servia apenas como meta a ser seguida, mas também era considerada um espelho da sociedade: segundo seus teóricos, a sociedade era de fato dividida em três funções, três tipos de pessoas diferentes, caso isso não estivesse ocorrendo na prática, algo estava errado, deveria ser corrigido. Se algum bispo, por exemplo, resolvesse pegar em armas e ir à guerra estaria fora da ordem, pois isso é papel dos nobres laicos, dos senhores feudais, bispos deveriam rezar, não combater. Sabendo que a ideia das três ordens era algo arbitrário em relação à realidade já no século XI, no XII, quando a existência dos goliardos se consolidava, isso era ainda mais difícil de ser aceito pelas pessoas. Um prova disso é a poesia goliárdica. Nos escritos goliárdicos, não há, a princípio, menção ou crítica direta à ideia das três ordens. Isso não é citado. O que ocorre são satirizações de pessoas influentes (sejam prelados ou a própria rainha da Inglaterra) devido, geralmente, a ações que estavam em desacordo com os costumes cristãos supostamente valorizados por elas mesmas. Isso pode ser considerado um princípio de desafio à ordem, caso a boa conduta fosse uma das justificativas para a manutenção do poder dessas pessoas. Mas não teria na poesia dos goliardos uma valorização dos prazeres carnais, com objetivos recreativos, sem sentido alegórico? Sim, valorizava os prazeres, mas certamente estava carregada de representações. Pensando sobre o que fundamentava o poder das ordens dominantes (eclesiásticos e nobres) os goliardos escreviam poesias como a seguinte: 1. MANUS FERENS CB 1 I

44 Manus ferens munera pium facit impium; nummus iungit federa, nummus dat consilium; 5

nummus lenit aspera, nummus sedat prelium. Nummus in prelatis est pro iure satis; nummo locum datis

10

vos, qui iudicatis.

II Nummus ubi loquitur, fit iuris confusio; pauper retro pollitur, quem defendit ratio, 15

sed dives attrahitur presiosus pretio. Hunc iudex adorat, pro quo nummus orat,

20

explet, quod laborat. [...]

1. A MESMA MÃO QUE DÁ PROPINA CB 1 I A mesma mão que dá propina faz pecar qualquer cristão, desavenças elimina, a grana chama a razão, 5

os discordantes ela afina, aos conflitos dá solução. os juízos dos prelados depende dos ducados. Juízes vossa sentença

45 10

A grana não dispensa!

II Quando é a grana que impera o direito degenera, ao indigente é negado o direito comprovado; 15

para o rico não falta juiz a vender-se por pratas vis; para o rico, o juiz bonzinho sempre dá algum jeitinho; quando é a grana que pleiteia,

20

a sentença nunca é feia. [...] (CARMINA BURANA, 1994, p. 24-25).

O que será que definia a posição dos poderosos na sociedade? Essa é uma questão que pode ser feita a partir dos escritos acima citados. O goliardo que escreveu tais versos denunciava a importância do dinheiro para as decisões dos juízes da época. Valorização do dinheiro que era algo bastante condenado por parte da Igreja (com exceção de Cluny, onde defendiam a riqueza), quase como uma norma de conduta moral, não se apegar a bens materiais era uma regra básica daquela sociedade. Interessante pensar na origem da ideia de desapego à materialidade, origem que é comum à que os bispos da época usavam para defender a ideia das três ordens: Santo Agostinho. Em sua obra A Cidade de Deus, o autor expõe alguns exemplo de como o apego aos bens materiais é danoso ao verdadeiro cristão, sendo que este deveria se preocupar mais com os bens espirituais do que com qualquer outra coisa, pois o que é espiritual é eterno e incorruptível, digno de ser buscado, diferente do que é material (seja dinheiro e bens, ou prazeres mundanos), que é finito e corruptível, fonte de desvios de conduta que são vícios danosos à alma do cristão. Apego ao dinheiro, portanto, vai contra a ideia de Agostinho. Logo, a justiça da época, baseada segundo a poesia nos “ducados dos prelados”, não estava coerente com os ensinamentos da Igreja, ao menos com as ideias de Santo Agostinho. Indo além, parece que os goliardos escreviam sobre algo mais profundo, um problema estrutural que a incoerência entre os ensinamentos e a prática dos membros do alto clero deixava transparecer. Se a sociedade era em grande parte governada por essas pessoas, qual

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seria a origem dessa posição? Se a origem do poder do clero era baseada na vontade divina, e a vontade divina previa também o desapego aos bens materiais, por que deveria seguir-se apenas parte dessa vontade? Já que os juízes provavelmente eram cristãos, será que desconheciam esse aspecto do cristianismo ou adequadamente interpretavam diferente essa parte dos ensinamentos? Atualmente parece clara a parcialidade da interpretação da vontade divina por parte do alto clero, entretanto não podemos deixar de lado o fato de que os idealizadores das três ordens eram homens de seu tempo, imersos na cultura da época, não visionários que friamente calcularam as consequências de suas ideias na sociedade de modo a mantê-los no poder apenas com uma nova justificativa. Para esse problema de interpretação, Le Goff explica: Quando os clérigos da Idade Média exprimem estrutura da sociedade terrena pela imagem dos dois gládios – o do temporal e o do espiritual, o do poder real e o do poder pontifical – não descrevem a sociedade: impõem-lhe uma imagem destinada a separar nitidamente os clérigos dos leigos e a estabelecer entre eles uma hierarquia, pois o gládio espiritual é superior ao gládio temporal. Quando estes mesmo clérigos distinguem nos comportamentos humanos sete pecados capitais, o que eles fazem não é a descrição dos maus comportamentos mas sim a construção de um instrumento adequado ao combate aos vícios em nome da ideologia cristã. (LE GOFF, 1994, p. 12).

Pensando na recepção das pessoas em relação à ideia das três ordens, a partir dos escritos de Le Goff, pode-se afirmar que parte da sociedade do século XII via as incoerências entre o discurso e a prática da elite, algo que poderia desestabilizar a ordem, que permitia crítica, que se encontra nos escritos de pessoas que circulavam pelos diversos espaços, novos e antigos, da sociedade medieval, como os goliardos. Poetas que além de frequentar ambientes da elite, como as escolas, viviam em contato com vários tipos de pessoas simples, com diferentes ocupações, a maioria sem poder político de direito, embora possuindo opiniões políticas, raramente conhecidas hoje (já que eram iletradas), mas que tinham chance de serem registradas indiretamente através dos escritos goliárdicos. Pessoas do século XII, os goliardos viveram em um período de transição. O ambiente hostil à urbanização, da Alta Idade Média, já não era o único tipo de comunidade. Os povos orientais já não apresentavam risco de invasão, os ataques vikings já haviam ficado para trás e os muçulmanos estavam sendo combatidos fora da Europa, ou seja, viver refugiado em feudos já não era algo tão necessário como antes, os novos tempos permitiam novos modos de vida. Os feudos ainda existiam, mas a sociedade urbana florescia como há anos não fazia. A urbanização foi reflexo, entre outras coisas, do comércio, que aumentava gradativamente.

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Tempos mais pacíficos combinados com um clima favorável à produção agrícola, permitiram que a sociedade aumentasse demograficamente, que a produção fosse mais variada e em maior quantidade, estimulando as trocas comerciais. As cruzadas foram acontecimentos decisivos para o renascimento urbano e comercial da Europa, pois permitiram aos comerciantes ampliar suas redes de troca e diversificar os produtos a serem comercializados. Com novas rotas abertas pelos cruzados os comerciantes europeus tinham acesso a especiarias orientais com mais facilidade. Não só os povos que vivem onde hoje se localiza a Itália e regiões próximas poderiam dedicar-se de fato ao comércio com o oriente, mas muitos outros. O contato com comerciantes árabes já ocorria muito antes das cruzadas, mas não era algo em grande escala se levar em consideração regiões mais ao norte. Com esse grande fluxo de pessoas indo e vindo para Jerusalém e suas proximidades, muito além de batalhas pela terra santa, o contato entre comerciantes muçulmanos e cristãos era intenso. Era possível produzir mais, comprar mais e vender mais. Na Europa, essas novas práticas refletiram no dia a dia das pessoas, que viam as estruturas físicas das antigas pequenas feiras se tornarem grandes centros comerciais. Com mais gente viajando, seja a comércio ou para a terra santa, mais estradas foram criadas, a mobilidade aumentou. Era mais frequente o contato entre pessoas locais com comerciantes e viajantes de regiões distantes, com conhecimentos e visões de mundo diferentes. Cada vez mais pessoas viviam de atividades não agrícolas, como taberneiros, ferreiros, comerciantes de tecidos, vendedores de produtos que antes raramente eram requisitados, mas com os novos tempos era menos incomum. Todas essas mudanças acabaram modificando estruturalmente a sociedade europeia medieval. As pessoas pensavam diferente e a justificativa do poder baseada em três ordens parecia, mais do que nunca, ultrapassada. A teoria prevê três funções a serem cumpridas, três tipos de pessoas que, embora existissem, não contemplavam mais a totalidade do real social (se é que algum dia o fizera). Com cidades e suas novas ocupações, cada vez mais existiam funções que não eram contempladas pelas ideias dos bispos do século passado. As mudanças econômicas do século XII proporcionaram outras em diversos setores. Mas não é só no plano das atividades econômicas que os homens começam a adquirir um estilo de vida novo. Também no plano político, na relação entre os diferentes segmentos sociais, verifica-se alterações expressivas. Com efeito, à medida que os habitantes das comunas adquirem certa força, começam a se organizar para defenderem-se das extorsões e das pilhagens dos senhores feudais, fossem estes laicos ou clérigos. O resultado desta organização foi o estabelecimento de acordos entre as comunas e os senhores feudais. (OLIVEIRA, 2005 p.367).

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Os goliardos estavam entre os novos atores políticos dessa sociedade de transição. Eram intelectuais, pessoas que para os padrões da época possuíam conhecimentos restritos para a grande massa da população. Segundo Le Goff, deve-se pensar em intelectualidade medieval diretamente ligada às cidades. No início foram as cidades. O intelectual da Idade Média – no Ocidente – nasceu com elas. Foi com o desenvolvimento urbano ligado às funções comercial e industrial – digamos modestamente artesanal – que ele apareceu, como um desses homens de ofício que se instalavam nas cidades nas quais se impôs a divisão do trabalho. (LE GOFF, 2003, p. 29).

Interessante ressaltar que embora essa descrição esteja de acordo com a definição dos goliardos como intelectuais, pois eram urbanos, havia uma tradição monástica de intelectuais que não eram diretamente ligados às cidades. Mesmo assim, na visão do autor, o intelectual era o homem urbano cujo ofício era relacionado ao trabalho intelectual. Professores ou alunos, os intelectuais eram pessoas de ofício, com uma atividade definida. Entretanto, é sabido que os goliardos, de um modo geral, eram conhecidos pela vacância, pelo modo de vida errante, sem atividade produtiva definida. Letrados que viviam às margens da sociedade urbana, sobrevivendo ora de favores, ora por vínculos familiares. Seu estilo de vida geralmente não estava ligado a cargos ou atividades que possibilitavam estabilidade. Eis o problema. Para os poderosos, ter pessoas letradas, que conheciam razoavelmente ambientes da elite (escolas), mas viviam em contato com a população geral, nas tabernas e feiras comerciais, era algo potencialmente subversivo. Não bastasse a sociedade estar mudando em um ritmo maior do que os governantes poderiam acompanhar, ainda existia esse tipo de poeta, que viviam disseminando através de seus versos, ideias que antes, provavelmente, seriam seriamente repreendidas, mas com os novos tempos eram menos mal vistas. Era possível falar de vinho, jogo e amor. Era possível também satirizar as pessoas poderosas. 23. WERE DIU WERLT ALLE MIN CB 145a Were diu werlt alle min von deme mere unze an de Rin. des wolt ih mih darben,

49 daz diu chunegin von Engellant 5

lege an minen armen.

23. AH, SE EU PUDESSE COMPRAR CB 145a Ah, se eu pudesse comprar o mundo, do Reno até o mar. Tudo isto me pode faltar: basta a rainha da Inglaterra 5

em meus braços se deitar. (CARMINA BURANA, 1994, p. 68-69).

Carmina Burana pode ser tratada como um vestígio que carrega informações referentes à visão que os populares tinham em relação aos poderosos, algo que possibilite, nos dias de hoje, afirmar que algumas pessoas percebiam as incoerências que estavam por trás dos discursos da elite. Talvez os goliardos representem os primórdios de um novo tipo de conhecimento letrado, fugindo um pouco da antiga tradição teológica. Sabe-se que o século XIII foi o das universidades. Grande mudança na forma que os intelectuais trabalhavam, a universidade medieval foi algo novo na história da humanidade. Instituição que veio com as já citadas transformações sociais, a universidade é a consolidação de um período de mudanças anteriores. Não apenas enquanto instituição, mas com novos problemas, novos temas a serem trabalhados, pensados. A intelectualidade medieval do século XIII tinha novas questões para esclarecer. Um contexto diferente exigia diferentes explicações. Essa sociedade de universidades do século XIII começa a tomar forma já no século anterior. Pensando que “A poesia goliardesca é, em grande parte, sátira política e anticlerical.” (SPINA, 2007, p. 20) pode-se encará-la como uma possível manifestação que carregava implícita as ideias de pessoas não letradas da época. Partindo dessa ideia, é possível por em evidência as justificativas para a manutenção da hierarquia social. O poder exigia justificativas para sua manutenção. Mas pelo visto em Carmina Burana, essa estrutura que era semelhante à divina permitia que desvios de conduta ocorressem por parte dos poderosos, ou esses desvios eram mais uma prova de que esse poder, antes material do que divino, não era tão sagrado assim. Ali estavam os poetas cantando os desvios de conduta dos poderosos que se justificavam por ordem divina. Divindade que desaprovava tais desvios.

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Talvez os temas dessas poesias estivessem relacionados aos novos costumes que a vida nas cidades permitia e proporcionava. Lugar onde a ascensão social era mais possível e não só os senhores feudais e bispos tinham poder, mas também comerciantes, gente que não tinha origem nobre, que não justificava seu poder com base em teorias divinas, mas em bens materiais. O poder dos novos poderosos não sendo de origem divina abre espaço para que os poetas cantem desafios aos homens de Deus e suas regras. Denunciando o caráter ultrapassado do ensino do século XII, os goliardos podem representar o início da mudança que se consolidou no século seguinte com as universidades. Nesse sentido, Le Goff é claro quando afirma que “A tradição goliárdica sempre viva na universidade, perpetua-se, truculenta, com menos agressividade porém com mais segurança.” (LE GOFF, 2003, p. 137). Embora não se encontre nos escritos goliardos em Carmina Burana uma proposta nova de explicação da sociedade, sua satirização dos desvios morais da elite pode ser encarada como ascensão de um pensamento crítico que se consolida no século seguinte com os juristas e pensadores universitários que buscam justificativas diferentes para o poder vigente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho possibilitou um breve avanço na discussão sobre as críticas social e política presentes em Carmina Burana. A relação entre as canções dos goliardos e alguns aspectos da sociedade medieval nos permite problematizar o que se sabe sobre o período central da Idade Média. Se por um lado a Igreja não via com bons olhos manifestações como Carmina Burana, o que poderia reforçar a equivocada definição de “Idade das Trevas”, por outro sua existência simboliza a possibilidade de uma pluralidade de pensamento que tal definição não comporta. A crítica dos goliardos fragiliza ainda mais a tradicional visão depreciativa sobre o pensamento medieval. O anonimato da maioria dos goliardos dificultou conclusões mais rigorosas sobre quem foram eles. A análise do contexto social do século XII permitiu algumas considerações sobre sua identidade, mas não possibilitou conhecer a singularidade de cada poeta. Sabe-se que eram clérigos estudantes que viviam de forma errante e cantavam sobre temáticas subversivas, que talvez goliardo seja uma condição passageira, que não eram hereges e seus escritos podem ter tido relação com as reformas papais da época, porém não muito mais além disso. Pela análise de canções que tratavam sobre prazeres carnais foi possível delimitar desafios dos goliardos às ideias de pureza espiritual e desapego ao mundano propostas pela Igreja. As denúncias de divergências entre o que os membros do Alto Clero pregavam e como agiam podem ser tratadas como críticas ao poder em exercício. Embora não enfrentassem diretamente a hierarquia social, fundamentada nas três ordens, os goliardos criticavam de forma indireta algumas das justificativas utilizadas para sua manutenção. Por fim, a ideia principal que se conclui com esta investigação é que as críticas presentes em Carmina Burana simbolizam parte das mudanças e desafios que estavam ocorrendo no século XII na Europa medieval.

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REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS

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