A cultura como patrimônio Imaterial - Jornal da UEM

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Jornal 76 - Outubro de 2008

Há um patrimônio cultural intangível que compreende saberes e fazeres; sua peculiaridade é capaz de traduzir a ?alma? de um povo e uma vez registrado como bem cultural pode trazer benefícios para toda a comunidade

Por Tereza Parizotto

O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, a Festa Círio de Nossa Senhora de Nazaré, a Feira de Caruaru... O que essas manifestações têm em comum? Elas são registradas no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio cultural imaterial brasileiro.

Patrimônio imaterial - Se a expressão ainda soa como um conceito novo para nossos ouvidos leigos, no âmbito acadêmico ela registra crescente atenção de pesquisadores, a exemplo de Sandra C. A. Pelegrini, professora do Departamento de História da UEM. Seus estudos vêm se concentrando em torno da memória e do patrimônio intangível e muito têm contribuído para fomentar o debate em torno do tema, inclusive fora do cenário acadêmico.

Nessa categoria, enquadra-se sua mais recente publicação, o livro O que é Patrimônio Cultural Imaterial, editado pela Brasiliense, dentro da Coleção Primeiros Passos. A obra foi escrita em conjunto com professor Pedro Paulo Funari, da Universidade Estadual de Campinas, onde Sandra Pelegrini realizou seu pós-doutorado, pelo Núcleo de Estudos Estratégicos.

"A idéia do livro é incentivar a população brasileira a valorizar seus bens culturais intangíveis, sentindo-se parte dele", anuncia Pelegrini. Com uma linguagem acessível à população em geral, a obra analisa os principais bens imateriais brasileiros sob uma perspectiva histórica e antropológica. E discute o que exatamente configura um bem imaterial, as formas de avaliá-lo e, principalmente, a importância de preservá-lo.

Um conceito novo - Foi nas últimas décadas do Século XX, segundo a professora da UEM, que a acepção de patrimônio se ampliou para além daquilo que é material. Esse movimento ecoou dentro da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), viabilizando as reivindicações para valorização de tradições culturais populares como bens a serem preservados e transmitidos às gerações futuras.

"A percepção de que seria importante resguardar saberes e fazeres como patrimônio de um povo, motivou muitos países a formular políticas preservacionistas próprias. O Brasil saiu na frente, em 1988, a Constituição da República dispôs que patrimônio cultural brasileiro se constituía de bens materiais e imateriais relativos à identidade e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Essa iniciativa foi fundamental para a aprovação, em 2000, de uma lei nacional de registro de bens de natureza intangível", explica Pelegrini, lembrando que não demorou muito para surgirem os resultados práticos da nova legislação.

Em dezembro de 2002, registrou-se oficialmente o primeiro bem brasileiro nessa categoria. Foi justamente a fabricação artesanal de panelas de barro em um bairro da cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, registrado como Ofício das Paneleiras de Goiabeiras. O último foi a Capoeira, em julho de 2008, celebrada em todo o Brasil, inclusive em Maringá que reúne alguns grupos de capoeira já tradicionais na cidade. Atualmente há uma lista com 14 bens brasileiros elevados à condição de patrimônio cultural imaterial e, segundo dados do Iphan, mais de 30 inventários estão em andamento, alguns já em fase conclusiva. São festas, lugares, rituais, expressões artísticas e conhecimentos populares que, de uma forma ou de outra, traduzem um pouco da "alma" de um povo.

No entanto, adverte a professora: o mero registro do bem não assegura a transmissão dos saberes e das tradições. "A salvaguarda depende do incentivo e da adoção de uma série de medidas que incluem elaboração de políticas públicas e ações educativas aglutinadas em torno de programas e projetos de preservação", garante, destacando que é essencial ouvir a comunidade e envolvê-la no projeto de preservação. Sem esse envolvimento qualquer projeto estará fadado ao fracasso, por isso é preciso ter um programa bem fundamentado, que considere as demandas, carências e particularidades locais, segundo a professora.

Identidade e auto-estima - Importante dizer que a simples perspectiva de valorização das manifestações regionais traz enormes benefícios para a comunidade envolvida, a começar pelo fortalecimento dos vínculos de identidade e elevação da auto-estima. O registro, como destacam os professores Sandra Pelegrini (UEM) e Pedro Paulo Funari (Unicamp), no livro O que é patrimônio cultural imaterial, ainda tem relevância na esfera da sustentabilidade, contribuindo, em muitos casos, para a geração de renda de comunidades inteiras.

As Paneleiras do Espírito Santo

Tome-se como exemplo O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras que, atualmente, responde pela subsistência de cerca de 120 famílias. As artesãs estão organizadas em uma espécie de cooperativa, que trabalha com o objetivo de manter viva a tradição. Medidas são tomadas para assegurar a transmissão do ofício, inclusive estimulando as gerações mais novas. Além de cursos informais de capacitação e de educação patrimonial, destacam os autores, há a preocupação com a conscientização ambiental, uma vez que a continuidade do ofício depende da preservação do barro extraído do Vale Mulembá e do tanino extraído do manguezal.

Isso dá uma pequena dimensão do que representa o registro como patrimônio cultural imaterial. Agora, do ponto de vista da professora da UEM, o sucesso de um projeto como esse também traz em seu bojo o risco de que o patrimônio ganhe contornos excessivamente de mercado em detrimento da sua essência. O desafio, portanto, é achar o equilíbrio entre a sustentabilidade e a manutenção da peculiaridade que fez com que determinada manifestação popular ganhasse status de patrimônio.

Círio de Nazaré

Maringá e seu patrimônio imaterial - Há bens que podem não ter relevância nacional, mas que expressam a riqueza cultural de uma determinada região ou localidade e, nesse sentido, guardam sua importância local. É o caso da Festa Junina do Seu Zico Borghi que, em abril deste ano, foi oficializada como patrimônio cultural imaterial de Maringá. A festa é realizada pelo pioneiro Aníbal Borghi, o Seu Zico, que mantém a tradição desde 1982.

Segundo a professora da UEM, para que uma festa como essa seja ?registrada, o pedido tem de ser encaminhado pela própria comunidade ou por uma entidade, de modo que seja efetuada a justificativa apropriada?.

No caso da Festa Junina do Seu Zico, foi a Secretaria de Cultura do município que encaminhou a proposta. Legalmente, é exigido que o pleito seja acompanhado por um estudo histórico e pela documentação comprobatória da existência e importância do evento. Por fim, é preciso ter a anuência da comunidade.

Sandra Pelegrini

Pedro Funari

Mapeamento do patrimônio imaterial

Um dado relevante é que entre todos os bens imateriais registrados ao redor do mundo, uma parcela mínima (cerca de 19%) concentra-se no continente europeu. Na América do Norte, até hoje não há nenhum registro. Ou seja, nesse mapeamento mais de 80% dos bens se concentram nos países da América Latina e do Caribe, da África, dos Países Árabes, Ásia e do Pacífico.

Há uma inversão quando se fala em patrimônio material. A maioria está localizada em nações desenvolvidas da Europa ou nos Estados Unidos. Esses dados, na opinião da professora Sandra Pelegrini, são reveladores e indicam que o patrimônio imaterial tem mais a ver com a riqueza cultural do que com a riqueza econômica de uma nação.

O Círio de Nazaré que acontece em Belém do Pará no segundo domingo de outubro é exemplo dessa construção cultural que se dá a partir de diversas referências. Realizada desde 1793, a festa seria originária de Portugal, onde Nossa Senhora de Nazaré teria salvo a vida fidalgo português Fuas Roupinho, no momento em que este se viu prestes a cair num precipício com seu cavalo. O fato foi divulgado em Belém pelos portugueses e, tempos depois, um novo milagre da santa teria ocorrido, desta vez, salvando a vida de um caçador da Floresta Amazônica. Hoje, o evento é a maior procissão católica do mundo, contando com o fabuloso número de 2,3 milhões de participantes. É uma festa religiosa onde se destacam o imenso círio, vela que é acesa durante a festividade na igreja, o Carro dos Milagres, a luxuosa berlinda- altar e os diversos elementos existentes na romaria portuguesa, como votos de cera, amortalhados e penitentes.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) registrou, em 2006, a Feira de Caruaru, em Pernambuco, como Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil. A justificativa publicada pela entidade é que ali é ?um dos locais do País que, independentemente de valor arquitetônico, urbanístico, estético ou paisagístico, permite a continuidade das práticas e atividades culturais?. A feira recebe de 20 a 40 mil pessoas por semana e é um espaço que traduz a diversidade brasileira. Vende-se de tudo. Desde frutas, verduras, cereais, ervas medicinais, carnes, até roupas, calçados, bolsas, panelas e outros utensílios para cozinha, móveis, animais, ferragens, miudezas, rádios, artigos eletrônicos e importados.

O que é Patrimônio Cultural ImaterialAutores: Sandra C. A. Pelegrini e Pedro Paulo Funari Editora Brasiliense, Coleção Primeiros Passos Preço: R$ 16

Páginas: 116

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