A Cultura do Adestramento e/ou A Mercantilização do Ensino

June 6, 2017 | Autor: Julio Pinto | Categoria: Higher Education, Peircean Semiotics
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A cultura do adestramento e/ou a mercantilização do ensino

Julio Pinto

A experiência contemporânea aponta para uma clivagem cada vez mais radical entre o saber e o agir, o pensar e o operacionalizar. No âmago de tal fosso vislumbra-se a tecnologia como fundamento. A tekhné, avassalador arauto dos novos tempos brumosos, associada ao pensamento mágico – resquício medieval –

da

estratégia,

ideológico

mecanismo

travestido

de

teleologia

(que,

automaticamente, conduz ao lucro, fruto e razão do agir contemporâneo), produz uma lógica perversa que usa a linguagem como mero instrumento, como discurso de censura e tesoura. Esse discurso-instrumento, engrenagem basal que move aquilo que, na contemporaneidade, chama-se ensino (mas que, a rigor, não passa de mal-feito adestramento) vê o pensar crítico como supérfluo, gordura que se deve cortar em nome da economia. Sejamos objetivos, dizem eles. A fórmula infalível da felicidade / sucesso / boa reputação / salvação / lucro / etc./ etc./ etc./ é tal e tal isso assim assim. E tome receita de bolo. E tome checklists de procedimentos. Essa economia de agora, aliás, anda longe do conceito grego de oikonomos – o apascentar da riqueza, distribuição equânime e adequada das ovelhas na pastagem para que todas se alimentem – e se aproxima da prática da usura, o guardar centavos por meio da velocidade de processos que conduzem, não mais a um saber, mas à oferta de um produto , antigamente chamado de conhecimento, acompanhado de diploma, selo de garantia e carimbo de qualidade que se dá aos clientes compradores do ensino-mercadoria. Pior: essa usura se veste de magnanimidade perversa já que, para ela, a linguagem é parte da razão instrumental, e não o constituinte da ratio que sustenta o real pensamento universitário. Essa razão, isenta de operacionalização, é que realiza em seu

decurso natural a desejável transformação dos saberes, ao contrário do adestramento técnico, banal, supérfluo e transitório, ainda que travestido com o glamour barato do sucesso endinheirado, que o novo oikonomos oferece aos deslumbrados incautos.

Esse é o saber traduzido em clichês: “satisfazer o

cliente,” “superar expectativas”, “buscar sinergias”, “comunicação não é o que se diz, mas o que se entende” (de onde veio tão leviana generalização que ignora que as teleologias do sentido procedem de razões sociais compartilhadas segundo dispositivos lógicos que se criam e recriam o tempo todo, atingindo emissores e receptores indistintamente?), “receitas de como ser criativo” (ora, a criatividade é exatamente o oposto do adestramento). É isso que, no fundo, ocorreu e tem ocorrido. Será que ainda é possível transpor a fissura acontecida entre uma busca de saber que se faz com a presença quieta, mas continuamente instigante, de um educador que oferece dúvidas a seus alunos e o contraponto manifestado pela oferta arrogante de eventos brilhantes, mas vazios e falsos, oferta centrada num fazer atabalhoado e patético na sua miopia equivocada? Ou será que, nesse novo oikonomos, não há lugar para o pastor e suas ovelhas, mas só para lobos vorazes?

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