A cultura material da mídia: uma análise dos objetos de Lost

July 6, 2017 | Autor: E. Oliveira Júnior | Categoria: Cultura Material, Mídia, Mercadorias
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A cultura material da mídia: uma análise dos objetos de Lost

Edyr Batista de Oliveira Júnior1

Resumo Este trabalho trata da relação entre as pessoas e as coisas, em que procuro analisar alguns produtos de entretenimento televisionados. Assim, utilizo dados de um levantamento que realizei em 2011 sobre alguns seriados, principalmente em relação à série Lost, o qual era o programa – do seu gênero – de maior sucesso à época, examinando a cultura material produzida por e para esse programa. Procuro demonstrar, desse modo, como as pessoas influenciam as coisas com seu contato e utilização; e como as coisas, os objetos, contribuem para a formação das pessoas (as próprias personagens da série e os/as fãs), da sociedade, por meio da sua biografia, mercantilização e significados. Verifico, de modo geral, a importância de alguns objetos para o desenvolvimento das tramas no seriado em questão, os quais se tornaram alvo de desejo dos fãs, sendo adquiridos através de um leilão que fora realizado após o término da série. O leilão, a mercantilização que os objetos produzidos por e para Lost “sofreram”, ilustra a importância dos objetos, das coisas como troféus, lembranças, “relíquias” para as pessoas que assistiram ao seriado. Além disso, ver-se-á que coisas inanimadas são “animadas” quando passam a representar determinadas personagens, cenas ou produtos midiáticos, possuindo, muitas vezes, uma relação totêmica. Nesse ponto, a memória faz-se fundamental; além, claro, de ser ativada pelas próprias “coisas”. Concluo falando da importância da cultura material e os significados que são adicionados a esta, ao longo da vida social das coisas, pois esses objetos assumem, muitas vezes, animações que outrora não tinham; representam pessoas, situações; contribuem para a memória, atuando no comportamento humano, em seus sentimentos e desejos. Palavras-chaves: Cultura Material, Mídia, Mercadoria.

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Doutorando em Antropologia no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA), da Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Email: [email protected]

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Introdução Os seres humanos estão envoltos em relações. Relações essas que se dão entre as pessoas, o meio ambiente, o sobrenatural e, é claro, entre as coisas. É evidente que isso não ocorre de forma separada, mas pessoas, meio ambiente, sobrenatural e coisas estão se relacionando de múltiplas formas e situações: umas com as outras; todos juntos. Por exemplo, uma sociedade pode se relacionar com um objeto representativo do meio ambiente, que possui significados sobrenaturais, e isso influir nesse mesmo grupo humano. A cultura material, vestígios líticos e artefatos podem dizer – e dizem – muito sobre as sociedades pretéritas. A Arqueologia estuda esses tipos de materiais para o conhecimento de grupos antigos, os quais não estão mais entre nós, mas que “deixaram” indícios de suas existências; “coisas” que conseguiram resistir ao tempo. Em seus primórdios enquanto ciência, durante as primeiras décadas do século XIX, a arqueologia era concebida principalmente como o estudo dos objetos e monumentos remanescentes da antiguidade oriental e greco-romano ou das velhas edificações e ruínas que testemunhavam o passado dos diversos povos e nações (BARRETO, 2010, p. 13).

Contudo, podemos ver que essa testemunha “resistente”, atualmente, não é mais objeto de estudo somente para se compreender o passado. A Arqueologia, em sua forma contemporânea, não se lança a investigar apenas sociedades como os Astecas, os Maias ou a Roma Antiga, por exemplo, mas há ramificações dessa área do conhecimento que têm se voltado para questões da cultura material que é produzida hodiernamente, contribuindo, desse modo, para a compreensão de nossa sociedade por meio dos estudos dos gêneros, do consumo, da mídia, dentre outros2. Sobre esse assunto, Mauro Barreto (2010) nos diz também que: Nas últimas décadas a arqueologia tem experimentado profundas transformações em seus postulados teóricos e metodológicos, o que se reflete na diversificação de seu campo de pesquisa e no aprimoramento de suas técnicas de campo. De ciência do passado, ela tem cada vez mais se imiscuído no estudo da cultura material das sociedades modernas, incluindo até mesmo os resíduos industriais e o lixo urbano como alvos de sua investigação (BARRETO, 2010, p. 20).

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Ver, por exemplo, Ian Hodder (1994), Sônia Matos (2001), Daniel Miller (2007, 2009), Arjun Appadurai (2008), Igor Kopytoff (2008), Mauro Barreto (2010).

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Esse mesmo autor, para evidenciar ainda mais a diversificação do campo de ação da Arqueologia atualmente, cita: A arqueologia ‘explodiu’, nos nossos dias, numa multiplicidade de arqueologias diferentes. No sentindo cronológico, [...], falamos de uma arqueologia pré-histórica, de uma arqueologia romana, como de uma arqueologia moderna ou de uma arqueologia contemporânea, por exemplo. No sentido temático, [...], podemos ter uma arqueologia econômica, uma arqueologia social, uma arqueologia simbólica, uma arqueologia do gênero, uma arqueologia espacial, uma arqueologia rural, etc. no campo das relações interdisciplinares, falamos em arqueozoologia, arqueometria, geoarqueologia, etnoarqueologia, etc. quando nos referimos aos diferentes ‘meios’ em que a arqueologia é praticada, podemos falar de uma arqueologia subaquática, de uma arqueologia urbana, etc. para introduzir diferentes opções epistemológicas, referimo-nos à arqueologia processual, à arqueologia contextual, à arqueologia marxista, à arqueologia estrutural, à arqueologia pós-processual, etc.[...] (JORGE, 2000 apud BARRETO, 2010, p. 20-21).

Sendo assim, é interessante observar que é possível fazermos uma arqueologia da mídia, pois no contexto midiático faz-se presente a cultura material da atualidade, ou seja, os objetos contemporâneos; isso, se considerarmos toda a produção que envolve as telenovelas, filmes e séries – para falarmos apenas da mídia televisiva. É notório que vários produtos são criados por e para essas programações. Muitos desses objetos, dessas coisas, são vendidos como representações desses entretenimentos. Não raro, no caso dos seriados, filmes, e mesmo algumas telenovelas, há vendas, leilões de objetos que foram usados em algumas cenas e por alguns personagens. Nesse sentido, há toda uma rede de relações e significados que envolvem essas coisas. Sentidos e representações que valorizam objetos e atraem consumidores interessados na aquisição de artefatos que outrora se encontravam numa cena de filme, telenovela ou seriado. Vale dizer que, essa valorização e significação não ocorrem apenas para objetos singulares – como é o caso, por exemplo, do vestido usado pela atriz Rita Hayworth em cena sensual do filme Gilda de 1946 – mas, também, de produtos que são fabricados em massa e disponibilizados no mercado, ainda com a programação televisiva sendo transmitida, como foi o caso das réplicas do pingente de cifrão utilizado pelo personagem de Lázaro Ramos, o Foguinho, em Cobras & Lagartos – telenovela transmitida pela Rede Globo em 2006 (WANZELER; JATENE, 2007, p. 70). Ver as coisas dessa maneira, pelo viés da produção e venda em massa, leva-nos a pensar na Indústria Cultural. Esse termo ganhou visibilidade com o trabalho de 3

Theodor Adorno e Max Horkheimer, Dialética do Esclarecimento, publicado em 19443. Essa expressão indica o processo de industrialização da cultura produzido para a massa. Outra característica: os produtos são fabricados, no contexto da produção industrial, em grande escala, sofrendo um processo de transformação em mercadorias e certa padronização (KELLNER, 2001; ADORNO; HORKHEIMER, 1985; COELHO, 2006). Ou seja, a Indústria Cultural está diretamente ligada à lógica do mercado cujo interesse não está em revelar realidades, mas sim em apresentar ao telespectador algo que ele possa se identificar e prender sua atenção (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1991). Devemos considerar nesse processo, portanto, o sistema econômico que opera em nossa sociedade. Assim, o capitalismo tem importante contribuição na relação existente entre fãs de série, por exemplo, e os produtos criados para e por essa programação, pois “existe no capitalismo a tendência de transformar tudo o que é desejável em objeto de comércio” (SINGER, 1987, p. 08) e, igualmente, de inventar, de transformar um produto “velho” em algo “novo”, conferindo-lhe, por conseguinte, uma nova/outra utilidade. Desse modo, a Indústria Cultural – resultante do sistema capitalista –, no intuito de vender seus produtos, utiliza-se de mecanismos para se aproximar das pessoas. Esses mecanismos são os meios de comunicação de massa como o rádio, a TV e o cinema, que produzem uma cultura conhecida como Cultura de Massa. Chama-se de massa a cultura feita em série, industrialmente, para um grande número. Segundo Teixeira Coelho (2006, p.12) é uma cultura “[...] que funciona, quase que exclusivamente, como valor de troca (por dinheiro) para quem a produz”. Esta, portanto, nasce no interior da sociedade capitalista liberal, sendo ligada ao fenômeno da industrialização. As telenovelas, filmes, seriados e congêneres nada mais são do que expressões da cultura material midiatizada. São produtos que precisam ser vendidos, consumidos, pois têm uma função, sobretudo, comercial de existir, sendo, também, importantes instrumentos de divulgação de variadas mercadorias (ALMEIDA, 2003; BELELI, 2005, ASSUNÇÃO, 2007; CARDOSO DE OLIVEIRA, 2010, 2014; OLIVEIRA JÚNIOR, 2014a, 2014b), fazendo parte de uma cultura do consumo, o qual Mike Featherstone (1995) destaca três perspectivas fundamentais:

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Utilizo neste trabalho a versão de 1985 traduzida por Guido Antonio de Almeida e publicada pela Jorge Zahar Editor.

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A primeira é a concepção de que a cultura de consumo tem como premissa a expansão da produção capitalista de mercadorias, que deu origem a uma vasta acumulação de cultura material na forma de bens locais de compra e consumo. [...]. Em segundo lugar, há a concepção mais estritamente sociológica de que a relação entre a satisfação proporcionada pelos Bens e seu acesso socialmente estruturado é um jogo de soma zero, no qual a satisfação e o status dependem da exibição e da conservação das diferenças em condições de inflação. Nesse caso, focaliza-se o fato de que as pessoas usam as mercadorias de forma a criar vínculos ou estabelecer distinções sociais. Em terceiro lugar, há a questão dos prazeres emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumista e em locais específicos de consumo que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos (FEATHERSTONE, 1995, p. 31).

No tocante a essa terceira perspectiva temos a relação fetichista existente entre os espectadores e as várias mídias televisionadas. Aqueles conferem a estas um valor subjetivo, pois se trata de uma “... relação entre coisas”, como nos diz Karl Marx (1983, p. 71), algo comum na sociedade na qual vivemos, uma vez que a espetacularização chama atenção (DEBORD, 1997), pois são as imagens, as simulações e simulacros, de que nos fala Jean Baudrillard (1981), que encontramos presentes nessas mídias. Como fator de grande importância para o “desejo” de aquisição de um objeto, do tipo que estou tratando aqui, faz-se necessário o sucesso, a grande audiência dessas produções midiáticas. Sendo assim, analisarei a cultura material produzida por e para um dos seriados mais vistos quando à época de sua transmissão, o qual revolucionou o seu gênero, que foi o seriado Lost. Uso dados de um levantamento que realizei em 2011 para falar da cultura material de produtos de entretenimento televisionado, especialmente de Lost. Algumas peças dessa programação foram leiloadas e arrematadas por muitos dólares por fãs do seriado. Procurarei apontar possíveis motivos de esses objetos terem sido vendidos por tão grande valor e o que eles podem representar na sociedade. Ver-se-á que as “coisas” nos dizem muito a respeito da sociedade de ontem, mas, igualmente, sobre a qual vivemos. Lost: algumas informações Este seriado fora produzido pelo ABC Studios e exibida pela Rede ABC nos Estados Unidos4, sendo os criadores Jeffrey Lieber, J. J. Abrams e Damon Lindelof. O primeiro episódio de Lost, que teve seis temporadas, fora exibido em 2004 e o último

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No Brasil a série foi transmitida, em canal aberto, pela TV Globo e, em canal fechado, pelo AXN.

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em 2010, sendo uma das séries mais caras até então produzida naquele momento, tendo o episódio piloto custado entre 10 e 14 milhões de dólares. A série abordava a vida dos sobreviventes de uma queda de avião da companhia Oceanic Airlines (empresa aérea fictícia) em uma misteriosa ilha localizada em algum lugar do Oceano Pacífico. Além de o programa tratar dos 48 sobreviventes, inicialmente, e suas lutas diárias para viverem e conviverem juntos na tal ilha, ainda mostrava, em flashbacks5, a vida dos ocupantes do avião antes do acidente, utilizandose também de flashforwards6 e flash sideways7. Isso fazia com que o suspense fosse assegurado no seriado; além, claro, de prender o telespectador no desenrolar da trama, pois perder um episódio poderia significar ficar sem entender algum ponto da história. A estrutura narrativa de Lost usa, entretanto, várias seqüências de acontecimentos encadeadas em arcos, o que pede que o espectador assista a todos os episódios [...] para compreender adequadamente as tramas de suspense. [...] Há tramas principais que duram temporadas inteiras e há tramas secundárias, mas rápidas. Por se tratar de um seriado de suspense, a importância da correta absorção das pistas torna a ‘investigação’ dos espectadores minuciosa. Isso, por si só, tende a segurá-los fiéis à série... (TOLEDO, 2009, p. 38, grifo do autor).

Lost fora um sucesso de crítica e público, ganhando vários prêmios como Emmy Award, Golden Globe Award, dentre outros, pois “Não importa a teoria, o fato é que Lost se transformou num dos maiores fenômenos de audiência em todos os países em que é exibido [...]. Até mesmo o elenco ainda não conseguiu assimilar o sucesso instantâneo...” (LOST, 2006, p. 37). O sucesso fora tanto que gerou outros empreendimentos, tais como um site da Oceanic Airlines, três romances – Lost: risco de extinção (2005), Lost: identidade secreta (2006) e Lost: sinais de vida (2006) –, jogos, “Mobisodes” (pequenos episódios criados para o celular), revistas em quadrinhos, webcomics, enciclopédia, etc.8. Como se pode perceber, Lost gerou vários tipos de produtos e consumos, proporcionados pela originalidade da trama e de como a série fora conduzida ao longo das suas seis temporadas. Desse modo, originalidade, condução da trama, suspenses, 5

Exibi um pouco da vida dos personagens antes do acidente, o que ajuda a desvendar alguns mistérios que envolvem estes. 6

Mostra o futuro de alguns personagens, quando estes deixarem, se deixarem, a ilha.

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Esse recurso era usado para apresentar os personagens em uma realidade paralela à ilha.

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Para mais informações sobre essas e outras criações feitas a partir do seriado – e mesmo para melhor compreensão da mitologia da série – ver Glauco Toledo (2009).

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personagens, dentre outros elementos, devem ser considerados para a compreensão, por exemplo, do porquê de a Kombi azul e branca da Iniciativa Dharma (Department of Heuristics And Research on Material Applications) ter sido arrematada, em um leilão dos objetos do seriado, por US$ 47,5 mil dólares. Ainda sobre a produção de artefatos ligados ao seriado, fora publicada uma enciclopédia contendo inúmeras informações e curiosidades sobre Lost: Lançada lá fora em meados de outubro, finalmente recebi a Enciclopédia de Lost, o guia definitivo da série escrito por Paul Terry, editor da revista oficial da série, e por Tara Bennett, editora da SFX Magazine. Com prefácio dos produtores/roteiristas Damon Lindelof e Carlton Cuse, a enciclopédia tem exatas 400 páginas e explora nos textos, detalhes e referências de tudo o que vimos na série com mais de 1500 imagens de personagens, objetos e etc. Em suma, (mais) um item indispensável na coleção de todo fã. (DUDE, WE ARE LOST, 2010).

No blog onde a citação acima fora retirada encontra-se, igualmente, a informação de que o site Amazon, 58 minutos depois de disponibilizar para venda as enciclopédias, teve todas as suas unidades vendidas (DUDE, WE ARE LOST, 2010), o que atesta o grande sucesso do entretenimento em questão. Assim, além do fator sucesso, o que também pode ter contribuído para que os objetos do seriado arrecadassem, segundo o Portal Vírgula (2010), US$ 900 mil dólares no primeiro dia de leilão, é a relação telespectador-personagem, pois quando um espectador – seja de filmes, telenovelas, seriados – identifica-se, sente afinidade com algum personagem, ou mesmo com seu intérprete, este ressignifica fala, vestimentas, comportamentos e, assim, consome muito do que estiver vinculado à imagem desse sujeito, dentro ou fora de cena (OLIVEIRA JÚNIOR, 2014a, 2014b). Desse modo, o que igualmente justificaria a venda dos objetos que fizeram parte do seriado Lost e os valores arrecadados com estes é a existência desse público consumidor; primeiramente da série e, depois, da cultura material fabricada por e para esse entretenimento, pois, conforme nos fala Paul Singer (1987, p. 29): “uma mercadoria só tem preço se há consumidores que se dispõem a comprá-la”. Entre objetos dessa natureza e as pessoas ocorrem, portanto, uma relação do tipo semiótica, uma vez que podemos pensar as culturas materiais produzidas por e para

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filmes, seriados e telenovelas como signos9, os quais contribuem para a identificação, por parte dos seus espectadores, de determinadas histórias e contextos via artefatos que aparecem ou foram exibidas nas tramas assistidas. É significativo dizer, no entanto, que esse reconhecimento só se torna possível, ou seja, só faz sentido, para aquelas pessoas que acompanham ou assistiram as histórias televisionadas, pois: (...) em todo processo de signos ficam marcas deixadas pela história, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas econômicas, pela técnica que as produz. (...) Sem conhecer a história de um sistema de signos e do contexto sociocultural em que ele se situa, não se pode detectar as marcas que o contexto deixa na mensagem. Se o repertório de informações do receptor é muito baixo, a semiótica não pode realizar para esse receptor o milagre de fazê-lo produzir interpretantes que vão além do senso comum (SANTAELLA, 2002, p. 5, 6).

Destarte, quando isso acontece – ou seja, essa identificação, essas marcas, essa relação de tipo semiótica –, é muito difícil não associarmos determinados objetos a personagens ou programações. É um tipo de ligação totêmica que observamos. Everardo Rocha (1995) nos diz que a publicidade desempenha a função de “operador totêmico”, pois liga certos produtos a “atitudes”, “emoções”, “estilos de vida”, “momentos”, etc., vendo a questão da produção e do consumo envoltos em uma relação de complementaridade quando analisa algumas peças publicitárias de bebidas alcoólicas. Para ele a publicidade uni produtos e pessoas por meio da individualização do objeto, o qual é classificado no mundo e classifica os que se utilizam/consomem este: “(...) a cada produto se ligam uma ‘história de vida’, uma ‘identidade’, um ‘clima’, uma ‘personalidade’ que o tornam diferente de qualquer outro. Com isto os produtos diferenciam, conseqüentemente, os grupos consumidores” (ROCHA, 1995, p. 108). Dessa forma, o produto, no processo de consumo, assume condições de sujeito, com uma identidade definida, particularizada, que é facilmente reconhecida e consumida pelas pessoas. Assim, ampliando-se o conceito de “operador totêmico” de Rocha (1995) a outras mídias, observamos como alguns objetos são ressignificados nesse sentido. A partir do seriado Lost, a Kombi azul e branca, por exemplo, utilizada nos episódios, deixa de ser apenas um automóvel, mas inserida na programação, adquiri

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Segundo Lucia Santaella (2002, p. 08), “o signo é qualquer coisa de qualquer espécie (uma palavra, um livro, uma biblioteca, um grito, uma pintura, um museu, uma pessoa, uma mancha de tinta, um vídeo etc.) que representa uma outra coisa, chamada de objeto do signo, e que produz um efeito interpretativo em uma mente real ou potencial, efeito este que é chamado de interpretante do signo”.

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uma identidade, o que contribui para que os fãs a identifique como sendo da Iniciativa Dharma, utilizada, portanto, em determinados contextos, marcando, deste modo, sua noção de sujeito na série e no mundo, fazendo com que as pessoas se relacionem com esse objeto a partir da memória, do desejo e do consumo – o que justifica, em parte, a sua valorização monetária posterior, adquirida por um fã, via leilão, como “lembrança” da série. Destarte, utilizo essa reflexão de Rocha (1995) aqui, uma vez que, quem conhece um pouco o seriado consegue relacionar determinados objetos à Lost; pois, ver um avião ou uma ilha pode remeter à lembrança do seriado; ou então, um anel com grandes letras “DS” pode fazer lembrar o anel usado por Charlie (Dominic Monaghan); visualizar um octógono poderá contribuir à rememoração da Iniciativa Dharma, e assim por diante. Dessa maneira, a ciência do/a telespectador/a sobre a série (mas não somente desta, como de qualquer outra) é de fundamental importância para fazer com que determinados objetos (ou, representações desses objetos) façam sentidos dentro da mitologia do seriado. Essa referenciação, contudo, não acontece apenas com as “coisas” desse seriado, como sinalizei anteriormente. Quem acompanhou a série Baywatch (SOS Malibú), por exemplo, facilmente lembrará, ao ver um maiô vermelho – ou alguém correndo em uma praia com esse tipo e cor de vestimenta –, das salva-vidas desse entretenimento. Outro exemplo são os sabres de luzes usados nos filmes Guerra nas Estrelas; onde quer que estes sejam inseridos – histórias em quadrinhos, games, filmes, etc. – a produção de George Lucas será lembrada10. Note que estou falando de réplicas dos objetos dos seriados. Ou seja, se a memória já é estimulada com esses “clones”, possuir um objeto original ativa muito mais a memória e outros sentimentos e emoções das pessoas que assistiram às tramas, pois a aquisição dessas “relíquias” ou suas cópias está relacionada ao modo de como, no papel de receptores, percebemos, sentimos e entendemos a trama televisionada e sua cultura material. Por isso, possuir um objeto desse seriado, por exemplo, pode ser a materialização de uma emoção, de um sentimento relacionado ao entretenimento, o que

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Vale dizer que os objetos citados, dentre outros, sofreram processo de leiloamento. Para mais detalhes sobre esses objetos e seus leilões, ver os sites listados ao final deste artigo.

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em parte justifica os altos valores com que foram vendidas as coisas-personagens de Lost. Sendo assim, os objetos desse tipo, a meu ver, podem ser enquadrados no que Flávio Silveira e Manuel Lima Filho (2005) chamam de objeto documental. Para esses autores, esse tipo de “coisa” faz parte de uma “Antropologia do objeto documental”. Esses objetos trazem consigo um conjunto de imagens que possibilitam, pela cultura, a compreensão de áreas como a econômica e a política, pois eles servem como documentos, passíveis de leitura e interpretação. Destarte, as facas usadas por Locke (Terry O’Quinn) e o cajado de Mr. Eko (Adewale Akinnuoye-Agbaje) “documentam” a história desses personagens; além dos acontecimentos dos próprios episódios em que eles se encontravam. Outro exemplo que posso dar é o vestido branco de florais usado pela personagem Kate (Evangeline Lilly); esse objeto além de nos fazer lembrar a personagem, contribui para que rememoremos, também, as cenas nas quais, atriz e objeto atuaram juntos, como no episódio em que Kate, capturada pelos “Outros”, é levada para a jaula e lá reencontra Sawyer (Josh Holloway), o qual também fora retido, juntamente com Jack (Matthew Fox). Nessa direção, Silveira e Lima Filho (2005, p. 40) nos dizem que “O objeto, (...), fala sempre de um lugar, seja ele qual for, porque está ligado à experiência dos sujeitos com e no mundo...”. Assim, a aquisição da caixa de música da Rousseau (Mira Furlan) pode dar a sensação ao seu comprador de fazer parte, de alguma forma, da história do seriado; é trazer Lost, e todos os acontecimentos e personagens que interagiram com aquele objeto, para perto de si, uma vez que muitos telespectadores desejam ter acesso ao entretenimento e este vem da possibilidade e realização de se adquirir desde dvds das séries a objetos que fizeram parte das histórias destas. Chamo a atenção, também, para a importância da memória nesses casos, uma vez que, conforme Arenildo Silva (2014, p. 36), “... a memória tem o trabalho de reconstruir o acontecimento vivido (...) atribuindo significados constituídos através das experiências cotidianas das pessoas”; experiências essas que envolvem relações, igualmente, com as coisas. Sendo assim, as imagens que nos habitam são ativadas por objetos e, assim, contribuem para a nossa lembrança. Vale dizer que, essa relação – artefato e memória – não acontece apenas no caso em que trato neste trabalho; mas, no nosso dia a dia isso é recorrente de outras maneiras, pois os objetos podem nos fazer lembrar as pessoas queridas, acontecimentos felizes ou tristes, alguns lugares, 10

determinadas situações etc.11, uma vez que “Os objetos possuem uma história e, ao mesmo tempo, podem contar um pouco da história das pessoas.” (JACQUES, 2007, p. 6). Isso está associado, também, à manipulação de signos. É o que Featherstone (1995, p. 33) chamou de “mercadoria-signo”, quando a determinados produtos – coisas – associa-se um (ou vários) signos; seja esse de exotismo, beleza, realização, etc., haja vista que muitas vezes compra-se não o produto em si, mas o signo que ele representa; o que ele faz lembrar ou vivenciarmos. Relações entre pessoas e objetos As pessoas se relacionam com os objetos de inúmeras maneiras. A Arqueologia tem estudado a cultura material para esboçar um conhecimento sobre as sociedades humanas passadas e para entender o homem e sua relação com as coisas (BARRETO, 2010). Para Christopher Tilley (apud JACQUES, 2007), a cultura material deve ser entendida em termos de relação entre coisas, em vez de se pensar as coisas por elas mesmas. Acrescentaria nessa afirmação, a relação das coisas com as pessoas, relação essa, sempre, de mão dupla. Afinal, como Clarisse Jacques (2007, p. 9) argumenta, a cultura material “... possui uma influência sobre as pessoas, causando sentimentos ou servindo como um item útil no seu dia-a-dia. Da mesma forma, é usada e modificada pelas pessoas criando, assim, uma relação ativa entre as duas partes”. Em nossa sociedade, a relação que é mais comum e comentada, seja pelo senso comum ou pelas ciências que se propõem a estudar esse fato, é a da mercantilização das coisas. Ao falarmos em mercantilização, é notória a presença do valor. Este pode ser um valor cuja representação se dá em nível monetário ou em nível menos palpável, que envolva emoções, sentimentos, status, etc. O próprio ato de ver o seriado já é uma forma de consumo (ALMEIDA, 2003, 2007; CARDOSO DE OLIVEIRA, 2014), de usufruto da cultura material; ainda mais se pensarmos a produção da série (suas fitas de

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Sobre a relação memória e objetos, ver Ulpiano de Meneses (1998), Luís Lopes (2011), Luzia Ferreira (2012), dentre outros.

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projeção, DVDs...) como objetos que são consumidos, conforme sugere Daniel Miller (2007). Arjun Appadurai (2008) nos fala que para Georg Simmel os valores que os objetos têm são julgamentos que fazemos sobre eles. Isso é visto nos artefatos de Lost que, julgados importantes para alguns, faz com que um simples pedaço de papel, como é o caso do bilhete de suicídio que Locke (Terry O’Quinn) escreveu para Jack (Matthew Fox), seja arrematado por US$ 9.000 dólares, pois “Coisas velhas, como latas de cerveja, caixas de fósforo e revistas em quadrinho, de repente assumem valor, e passa a ser vantajoso colecioná-las; assim elas passam da esfera do que é singularmente sem valor para a esfera do que é singularmente caro.” (KOPYTOFF, 2008, p. 109). Além disso, devemos considerar que o capitalismo dá à cultura material de Lost uma nova funcionalidade, pois além de objeto, de objeto-personagem, ele passa a ser troféu, relíquia, memória, documento da série. O capital que foge à rotina, inventando um novo produto ou dando a um produto velho nova aparência, nova utilidade (às vezes ilusória) ou nova ‘identidade’, pode alcançar lucros muito acima da média. (...). Disso o capitalismo extrai o seu inegável dinamismo, sua capacidade de se transformar. O progresso no capitalismo assume a forma da incessante busca do novo... (SINGER, 1987, p. 10).

Em vista disso, os objetos adquirem outras conotações, diferente dos seus sentidos originais, passando, assim, a ter uma nova/outra funcionalidade, sendo significados a partir de diferentes posições que lhes são atribuídos na estrutura de classificação do universo da série. O que está em jogo, também, é a representatividade desses objetos, seus significados; uma vez que, os que conhecem a série sabem que além dos personagens de carne e osso, as coisas, como as que citei, têm uma função importante no seriado; elas são personagens também indispensáveis à série “(...) seus significados [das coisas] estão inscritos em suas formas, seus usos, suas trajetórias” (APPADURAI, 2008, p. 17 – acréscimos meus). É importante atentar para a questão dos usos e trajetórias12 dos objetos. A cultura material produzida por e para o seriado Lost segue essa linha de pensamento para serem vendidos e mais desejados. Seu uso no seriado, sua importância para a trama, seus deslocamentos pelo cenário e personagens, ou seja, sua trajetória contribui para que esse 12

Uso um sentido diferente de “trajetória” usada por Appadurai. Enquanto para ele esse é um processo ligado à produção, troca e/ou distribuição até o consumo (APPADURAI, 2008, p. 27), o sentido que dou compreende as utilizações e reutilizações, somado às posses passadas e futuras desse objeto.

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objeto continue em movimento mesmo após o fim do programa. Até em um tempo aparente de estagnação13, esse objeto poderá ser “colocado” em movimento novamente, acumulando histórias, acrescentando fatos à sua biografia. Contribuindo nesse processo de acréscimo, Appadurai (2008), ao analisar o kula e a troca de presentes, propõe um novo paradigma: os torneios de valor. Torneios de valor são complexos eventos periódicos que, de alguma forma culturalmente bem definida, se afastam das rotinas da vida econômica. A participação nestes eventos tende a ser simultaneamente um privilégio daqueles que estão no poder e um instrumento de disputa de status entre eles. [...]. Finalmente, o que está em pauta nestes torneios não é [sic] apenas o status, a posição, a fama ou a reputação dos atores, mas a disposição dos principais emblemas de valor da sociedade em questão. Enfim, embora tais torneios de valor ocorram em épocas e lugares especiais, suas formas e resultados sempre trazem conseqüências para as mais mundanas realidades de poder e valor na vida comum (APPADURAI, 2008, p. 37).

Podemos ver que leilões de objetos de filmes e seriados fazem parte de um tipo de “torneio de valor”. A diferença da forma como Appadurai usa esse paradigma para o modo que utilizo aqui se dá, pois os frequentadores desses torneios, para ele, “estão no poder” e os que participam de leilões do tipo que analiso neste trabalho são pessoas que, não necessariamente, exercem alguma influência na sociedade – a não ser na comunidade de pares que eventos assim criam –, mas são admiradores, fãs de determinado produto midiático. Claro, isso não impede que haja pessoas que participam desse tipo de leilão por colecionarem “artefatos” de entretenimentos fílmicos; contudo, isso necessitaria de um estudo mais aprofundado e detalhado para se saber a relação que acontece entre esse indivíduo – colecionador de objetos de filmes e/ou seriados – e os demais, que apenas são grandes fãs de uma produção ou outra, e querem ter uma “recordação” mais material da mesma. Apesar disso, num ou noutro caso, o que não posso deixar de destacar é o status e a satisfação que a aquisição de objetos nesses torneios de valor proporciona àquele que, no maior lance, os arrematar. Don Tompson (2008) fala de toda tensão que envolve os leilões. O sentimento de arrependimento de não possuir um objeto porque não “deu outro lance” é real e é evitado o máximo possível. Por isso, peças avaliadas com um preço são, muitas vezes, arrematadas por uma quantia muito maior, devido à disputa. No caso do leilão de Lost 13

Falo em “aparente estagnação” de um objeto, porque este continua em movimento a partir do momento que é deslocado de um lugar para o outro, seja de um espaço de exposição, por exemplo, ou na mudança de casas, ou mesmo de donos. Tudo isso acrescenta algo à história do objeto.

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que arrecadou, segundo o Portal Vírgula (2010), novecentos mil dólares só em seu primeiro dia de venda, isso também pode ser verificado, pois, por exemplo, a roupa de Jack (Matthew Fox) suja de sangue do último episódio teve o preço estimado de US$ 200 a 300 dólares, mas fora arrematado por US$ 10.000 dólares; o anel da “Drive Shaft” de Charlie (Dominic Monaghan), estimado em US$ 1.500 dólares, fora vendido por US$ 9.000 dólares14. A esse respeito Igor Kopytoff (2008, p. 110) nos diz: “Muitas coisas ‘colecionáveis’ [...] conforme vão sendo transformadas em algo mais singular e mais atraente para colecionadores, ganham valor; e quando se tornam valiosas, adquirem um preço e se transformam numa mercadoria...”. Além disso, os objetos de Lost fazem parte do que Appadurai (2008, p. 13) chama de “mercadorias encaixadas” que, grosso modo, são “coisas”, “artefatos” que são “encaixados” noutra “posição” e funcionalidade da que fora criada. Por exemplo, a carta de Sawyer (Josh Holloway) para o homem que matou seus pais, inserida no seriado para ser mais um item de suspense, e é bastante significativo para a construção do personagem e justificativa para seu modo de agir, passa a ser disputado, ao final do seriado, e leiloado por mais de US$ 3 mil dólares; depois, torna-se troféu de conquista e, também, objeto de exposição seja para pessoas próximas ou, em alguns casos, não por quem a adquiriu. Isso diz respeito à “fase mercantil da vida de uma coisa”, como nos revela Appadurai (2008, p. 27 – itálico no original): “A noção de fase mercantil na vida social de uma coisa é (...) que coisas entram e saem do estado de mercadoria, que tais movimentos podem ser rápidos ou lentos, reversíveis ou terminais, normativos ou discrepantes”. Esse mesmo autor, tomando como base as ideias de Jacques Maquet sobre mercadoria, classifica as mercadorias em quatro tipos, sendo um desses tipos a “mercadoria por metamorfose” que são “... coisas destinadas a outros usos que se colocam no estado de mercadoria”. São objetos como vestidos, armas, adereços, etc. que, primeiramente, assumem um status de objeto em si, representando uma categoria, por exemplo – vestimenta, armamento, etc. – depois mudam, no caso dos objetos de Lost, para personagens, seguido de uma mudança à mercadoria, objeto de desejo, de coleção, exposição e assim por diante, podendo a qualquer momento, tornar-se 14

Para estas e outras informações sobre estimativas e preço leiloado de alguns objetos de Lost, ver Cumpannis (2010).

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mercadoria novamente ou qualquer outro tipo, acumulando inúmeras funcionalidades, simbologias que compõem sua história de vida social, sua biografia. Com esses leilões e a quantidade em dinheiro arrecadado nos mesmos, vemos que a mídia é um importante veículo de comunicação; além de sociabilidade e construção de grupos. Também, percebemos mais uma vez as pessoas se “unindo” por meio de algo comum entre elas – um “elemento agregador” (Souza, 1997) – que é, no caso, em grande escala, o seriado Lost e, em menor grau, o desejo de adquirir um objeto que faz alusão à série. A grande estrela desse espetáculo, portanto, são as coisas. Considerações Finais Muito além de relações entre pessoas, a formação do indivíduo, do grupo social, também é feita por sua relação com as coisas. São elas que muitas vezes determinam como a sociedade era, é e será disposta. Os registros arqueológicos confirmam a importância que os objetos tiveram/têm nas mais variadas sociedades. Os objetos também contribuem para a formação de classes e hierarquias e são classificados e enquadrados assim também, conforme Lewis Binford (1962) nos exemplifica ao falar dos artefatos “technomic”, “socio-technomic” e “ideo-technomic”. Ter um objeto e não outro faz com que o indivíduo seja visto de maneiras diferenciadas em contextos diversos. As coisas, os objetos, informam nossos gostos, a moda que seguimos, o grupo social ao qual pertencemos, etc. (ROCHA, 1995, OLIVEIRA JÚNIOR, 2014b). Ou seja, a cultura material que produzimos, que utilizamos diz muito sobre nós, sobre a sociedade a qual vivemos, sobre o coletivo e o individual. É claro que, com isso, nós também imprimimos nos objetos marcas – um exemplo mais claro, porém não único, é a customização de peças várias –, contribuímos para suas trajetórias, sua vida enquanto coisas, suas biografias. Isso é tão claro que a preocupação que povos pretéritos, por exemplo, tinham com os objetos, a nós revelados pela interpretação arqueológica, é visualizado nos formatos, cores, disposição espacial, relação com outros objetos dos vestígios arqueológicos (vasilhas, cerâmicas, urnas, etc.). Esse tipo de relação entre pessoas e objetos não se restringe, contudo, ao ontem, mas é um comportamento ainda bastante praticado hodiernamente. 15

Assim, as coisas nos ajudam a (re)pensar a História – Não seria esse um dos objetivos dos “objetos documentais”? –. É por meio de vestígios da cultura material, dos objetos, das coisas que resistem à força do tempo que, por exemplo, Fabíola Silva (2002) pode nos contar sobre os mitos dos Asurini do Xingu. Mais que isso, é por esses objetos (pedaços deles) que os Asurini relatam à arqueóloga sobre Mayra, seu herói mítico. Contudo, como falei no início deste artigo e tentei apresentar ao longo do texto, a cultura material também é usada atualmente para se pensar a sociedade de hoje, como é o caso da cultura material da mídia – cujos exemplos, majoritariamente, utilizei os do seriado Lost. O leilão, a mercantilização que os objetos produzidos por e para Lost “sofreram” ilustra a importância dos objetos, das coisas como troféus, lembranças, “relíquias”. Além disso, vimos que coisas inanimadas são “animadas” quando passam a representar determinados personagens, cenas ou produtos midiáticos, possuindo, muitas vezes, uma relação totêmica. Nesse ponto, a memória faz-se fundamental; além, claro, de ser ativada pelas próprias “coisas”. As análises dos objetos de Lost nos ajudam a refletir, portanto, dentre vários outros pontos, que a cultura material de hoje, assim como as que são encontradas nos sítios arqueológicos, são impregnadas de significados; que estas assumem muitas vezes animação que outrora não tinham; representam pessoas, situações; contribuem para a memória; atuam no comportamento humano, sentimentos e desejos.

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