A Decepção Literária e a Climatização Poética: uma leitura de Monumentos de Palavras, de Osmar Pereira Oliva

June 15, 2017 | Autor: Leonardo Palhares | Categoria: Eca de Queiroz, Eça de Queirós, Osmar Pereira Oliva, Monumentos de Palavras
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VII Seminário Internacional de Literatura Brasileira LITERATURA, VAZIO E DANAÇÃO De 12 a 14 de junho de 2013

A DECEPÇÃO LITERÁRIA E A CLIMATIZAÇÃO POÉTICA: UMA LEITURA DE MONUMENTOS DE PALAVRAS, DE OSMAR PEREIRA OLIVA. Leonardo Tadeu Nogueira Palhares [1]

É nossa pretensão fazer uma leitura dos seis primeiros poemas de Monumentos de Palavras, de Osmar Pereira Oliva, visando a forma de como o eu-lírico analisa o espaço tendo como base a leitura de A Cidade e As Serras, de Eça de Queiróz, e também de que forma os poemas funcionam como uma maneira de preparar a leitura, num mergulho na história dos monumentos portugueses retratados na obra. Para analisar este livro foi-se necessário fazer uma leitura da obra de Queiróz, uma vez que Oliva indica, na contracapa, que foi através do autor lusitano que se inspirou para compor as poesias: “Os poemas da primeira parte deste livro trazem a minha leitura de A cidade e as serras, de Eça de Queiroz, a partir da minha visita à Quinta de Tormes, cenário que serviu ao romancista para a composição dessa narrativa”. (grifo do autor)[2]

Assim, vemos a influência de A Cidade e As Serras nos seis primeiros poemas de Monumentos de Palavras como, segundo Victor Manuel de Aguir e Silva, “o dado narrativo, que pode fazer parte da estrutura de um poema lírico, tem como função única evocar uma situação íntima, revelar o conteúdo de uma subjetividade” [3]. A partir então da contracapa, ou seja, do final do livro, podemos entender que o autor nos oferece um convite para revisitarmos a sua obra através dessa perspectiva que colocou. Dessa forma, este ensaio buscará fazer uma leitura tendo como base alguns aspectos do romance queirosiano e perceber como eles auxiliam na construção dos seis primeiros poemas da obra de Oliva: A casa do Silvério, A casa do Eça, O caminho, A Ermida, O Douro e Último, sendo que nesta análise percebemos estes seis poemas como

[1]

Graduando em Letras/Português pela Universidade Estadual de Montes Claros. E-mail:

[email protected] [2]

(OLIVA, 2010.)

[3]

(AGUIR E SILVA, 1986, p. 228.)

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constituintes da primeira parte sugerida pelo autor, pois, a partir deles, podemos ver que se seguem os poemas inspirados nos monumentos que compõem a obra. Introdução aos Monumentos de Palavras

Monumentos de Palavras pode chamar a atenção por dois momentos da constituição de sua obra: Podemos ver uma primeira parte, constituída de seis poemas, e também uma segunda, onde os demais poemas estão acompanhados de imagens de monumentos. Este ensaio, no entanto, pretende analisar apenas o que seria denominada a primeira parte, com o objetivo de buscar uma possibilidade de leitura da sua função neste livro. Em A Casa do Silvério, título que remete a um ponto turístico em Portugal, destino a aqueles que queiram desfrutar de um mundo rural inspirado na ficção queirosiana, podemos perceber a presença do eu lírico num cenário em Portugal contemplando a paisagem na primeira estrofe: “Instalei-me no mais alto casario de Tormes/Sozinho à sombra das eiras:/O vinhedo verde de agosto/E uma saudade que ninguém entende,/A não ser as frias lages de humilde casa”.

[4]

. Tormes é uma região

de Portugal a qual também serve de cenário para A Cidade e as Serras. Assim podemos ver que a cada verso o eu-lírico vai construindo a sua localização, primeiro indicando geograficamente onde ele está, depois afirmando que está sozinho, sem mais ninguém, debaixo da sombra das eiras e uma árvore de vinhedo seca, pois indica “O vinhedo verde de agosto”, sendo que o mês de agosto ainda está no inverno, ocorrendo assim a ausência de folhas nas árvores. Diante deste cenário, podemos ver que ele está saudoso sobre algo que somente o “mais alto casario de Tormes”, com suas “frias lages de humilde casa” conseguem compreendê-lo. Na segunda estrofe, vemos que ele relembra a imagem de alguns personagens: “Vultos do Silvestre, do Calisto, do Jacinto,/do Zé Fernandes/ Me tangem a alma e o coração,/Nestas serras tão devastadas e tristes/Que nada têm daquela ficção”. No entanto, os nomes citados, Silvestre, Calisto, Jacinto e Zé Fernandes, nos remetem aos personagens de A Cidade e as Serras. Podemos ver os vultos como a forma de que o eulírico construiu essas personagens a partir de sua leitura da obra queirosiana, e que, diante do cenário o qual relembra o romance de Queiróz, recorda deles com certo [4]

(OLIVA, 2010, p. 9)

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carinho, ao dizer que lhe marcou na sua formação ao declamar que lhe tangeu à alma, e também os seus sentimentos, retomando o coração. A respeito do cenário, diz nos versos seguintes “Nestas serras tão devastadas e tristes/Que nada têm daquela ficção”, ou seja, ao se deparar com o cenário que serviu de criação para o palco de A Cidade e as Serras pessoalmente, podemos ver que há uma decepção do eu-lírico por ter encontrado algo totalmente diferente das serras descritas por Queiróz, como há, por exemplo, nessa passagem do romance: “Frescos ramos roçavam os nossos ombros com familiaridade e carinho. Pôr trás das sebes, carregadas de amoras, as macieiras estendidas ofereciam as suas maçãs verdes, porque as não tinham maduras. Todos os vidros duma casa velha, com a sua cruz no topo, refulgiram hospitaleiramente quando nós passamos. Muito tempo um melro nos seguiu, de azinheiro a olmo, assobiando os nossos louvores. Obrigado, irmão melro! Ramos de macieira, obrigado! Aqui vimos, aqui vimos! E sempre contigo fiquemos, serra tão acolhedora, serra de fartura e de paz, serra bendita entre as serras!” [5].

Podemos ver nessa passagem de A Cidade e As Serras que o espaço físico denominado serra é um local de tranquilidade e fertilidade. Assim, ao dizer “Nestas serras tão devastadas e tristes”, vemos que o eu-lírico da obra oliviana entra em total choque com a descrição feita pelo personagem Zé Fernandes no romance, o que o leva, no poema A casa do Silvério, a decepção por não encontrar, no cenário que serviu de inspiração para a obra de Queiroz, nada daquilo que tem mesmo no romance. Podemos ver que confusão da voz do poema das imagens de suas memórias de leitura com a realidade acaba-se casando com a estética livre do poema, o que o torna na sua proporção uma construção lírica, assim de acordo com o pensamento de Kate Hamburger: “não é necessário, logicamente, que a forma em que o sujeito “se exprime” corresponda às exigências estéticas de uma formação lírica artística. Aí temos maus poemas.” [6]. A seguir, no segundo poema, A casa do Eça, pode-se ver uma afobação do eu-lírico em querer fugir do local em que está por encontrar-se cercado pela urbanidade: “Tenho pressa de retornar, [5]

(QUEIRÓZ, 1901, p. 43.)

[6]

(HAMBURGER, 1975, p. 173.)

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Porque a civilização está em todo o lugar: O vinho verde industrializado, etiquetado Não borbulha mais na botelha de barro. Assim como as geleias, Compotas rotuladas: E a caixa barulha, registra, soma... Nada em centos, tudo em inteiros, Euros tantos, tantos!”[7].

Podemos ver o eu-lírico enumerar as mudanças ocorridas pelo crescimento da civilização: O vinho verde hoje é industrializado, não precisa mais permanecer na botelha de barro para borbulhar e assim adquirir seu sabor característico; As geleias agora são rotuladas. A caixa, em referência a caixa registradora, é prática ao executar as somas e os registros de compras, não funciona mais em escudos portugueses, pois os centavos eram referenciados pelo termo centos. Aqui podemos ver também a preocupação do eu-lírico com o aumento do custo de vida, onde os preços são “tudo em inteiros”, quer dizer, tem um custo de um maior valor do que simples centos. Logo depois, enfatiza a quantidade de euros, onde podemos ver um reflexo do desenvolvimento urbano, que somente quem tem aquisições financeiras consegue manter uma vida estável. Este desabafo a respeito do mundo moderno em que vive através de uma lírica livre segue a linha de raciocínio de Maria Lúcia Aragão, que diz que “a poesia lírica renuncia à coerência gramatical, lógica e formal, pois necessita se libertar para poder ser mais autenticamente momentânea”[8]. Na última estrofe, retomando a memória de leitura de A Cidade e as Serras, o eu-lírico volta a pensar no personagem principal da obra: “E ainda ouço: a alma do Jacinto, coitado -/Repousa? Deita? Rola? Estrebucha?/ No paraíso?/... no passivo!!!”. Aqui, podemos ver que a voz do poema imagina o que a alma de Jacinto estaria sentindo caso se deparasse com todo esse desenvolvimento da civilização no mundo moderno: Se ele estaria tranquilo, calmo, inquieto ou hostil, referente a cada um dos questionamentos feitos no segundo verso. No terceiro, o eu-lírico pergunta se ele está no paraíso, na tranquilidade da sua alma diante do caos moderno que o mundo se tornou depois da sua morte para, no verso seguinte, sendo as reticências indicando que ele demora um pouco para ele mesmo responder a pergunta que fez: “... no passivo!!!”, ou [7] [8]

(OLIVA, 2010, p. 11.) (ARAGÃO, 1985, p.75)

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seja, na concepção do eu-lírico, este responde, surpreso, que Jacinto não estaria resistindo a esse avanço civilizatório, sendo condizente com a situação. Fazendo um paralelo com a obra queirosiana, considerando o Jacinto desta obra como o mesmo mencionado na poética de Oliva, podemos perceber que a cidade traz um mal para o personagem, conforme dito por Elvis Christian Madureira Ramos e Wellington dos Santos Figueiredo: “Assim, a crítica da cidade na obra, repousa na sua capacidade de exaustão do homem. A cidade não dá opções à renovação para Jacinto, mas ao contrario, ela extrai toda sua vitalidade”

[9]

. Continuando, o terceiro poema, “O

Caminho”, podemos ver a lamentação do eu-lírico na primeira estrofe: “É tarde demais!/Ainda assim, sigo o roteiro,/Desço a eira – era o caminho...” [10]. Então, apesar do tempo já ter passado, a voz do poema continua a caminhar, descendo a eira, onde era o caminho de algum lugar. Na segunda estrofe, o eu-lírico mostra que a alma entra em êxtase num primeiro momento: “Ao primeiro lance, a alma se enleva./Há um regatinho saltitante,/Umidade, cheiro serrano, flores silvestres,/Canoros cânticos,/E eu vou estreito, sozinho.../_ Que engano!/Pequeno pedaço de paraíso – logo a vinha...”. Então, podemos ver uma construção do que vê e sente: Um córrego revolto, o cheiro de umidade, comum nas regiões serranas, as flores do campo e pássaros cantando em beleza religiosa, enquanto o eu-lírico continua andando, pensando consigo mesmo, isto remetendo ao termo estreito, andando sozinho. Podemos ver que algum tempo depois, tempo este indicado pela separação das reticências logo depois da palavra “sozinho”, ele exclama, dizendo para si mesmo “_ Que engano!”, onde podemos ver que ele se refuta quanto à plenitude do local em ser um paraíso completo. Nessa limitação vemos no verso seguinte: “Pequeno pedaço de paraíso – logo a vinha...”, onde podemos perceber que o pequeno pedaço do paraíso visto e percebido pela voz do poema é a porção de terreno onde são plantadas as videiras. Na terceira estrofe, podemos ver a volta do eu-lírico para a civilização próxima ao pequeno paraíso que estabeleceu na estrofe anterior: “Retomo o caminho de pedras,/Dou em um pátio de muitas casas,/Carros, cães, antenas e tudo mais./_ Perdido

[9]

(RAMOS e FIGUEIREDO, 2011, p. 36)

[10]

(OLIVA, 2010, p.13)

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estou? Indago ao senhor./ _ Em frente! Em frente!”. O caminho de pedras pode ser visto como a estrada asfaltada, e enquanto o eu-lírico caminha, chega em um pátio de casas, com todas as características de uma sociedade urbana moderna: Carros, cachorros soltos, antenas nos telhados das casas, e por aí vai. Diante de tantas construções modernas, podemos ver que o eu-lírico se estranha, sendo que anteriormente ele estava em um local paradisíaco, para logo depois estar em contato com a cidade. Podemos também perceber a frieza que o mundo moderno proporciona as pessoas, quando a voz do poema pergunta para um senhor se ele estava perdido, enquanto o homem lhe manda apenas seguir em frente, sem responder-lhe a pergunta. Este senhor descrito pela voz do poema, devido ao fato de mandar o eu-lírico apenas seguir em frente, é alguém mecanizado, onde vemos por causa da repetição do termo. Assim, este senhor seria uma alegoria a pressa e a insensibilidade que o mundo moderno trouxe para a sociedade. Na quarta estrofe, podemos ver que o eu lírico chega a conclusão de que estava realmente perdido, como havia pensado antes: “Perdido era o que tinha em mente. Outro regatinho saltitante, Cheiro molhado, agreste, O canoro canto, sombras, É outra vez As Serras Enquanto não desemboca, triste, negra, No asfalto da civilização Lá embaixo, a Ermida!”[11]

Ao retomar, do segundo ao quarto verso, todo aquele clima paradísaco que vimos na primeira estrofe, podemos chegar a conclusão, no verso seguinte, que a imagem paradisíaca era uma ilusão provocada pelas memórias de leitura que teve de A Cidade e As Serras, sendo que ele pegou daqui apenas a imagem bela descrita na obra de Queiróz sobre as serras. Assim, podemos ver o eu-lírico continuar a caminhar no asfalto, em conflito com a visão triste e desanimadora que a urbanidade passa, rumo a Ermida, uma estação de linha de trem localizado na vila portuguesa de Baião, Distrito do Porto.

[11]

(OLIVA, 2010, p.14)

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E podemos ver que é sobre A Ermida que o quarto e próximo poema se trata, onde o eu-lírico já está próxima dela: “Sentado à porta da estação da Ermida/O Douro esverdeado contemplo/Margeado de fantasmagóricos eucaliptos/Um guindaste suspenso.”[12]. Então, podemos ver que o eu-lírico trata de explicar a sua localização, sentado perto da porta da estação da Ermida, enquanto olha para o rio Douro, este com tonalidade esverdeada. Aqui podemos ver também um contraste entre natureza e civilização: Em meio aos eucaliptos, fantasmagóricos por povoarem a imaginação do eu-lírico o fazendo ter visões, está um guindaste suspenso, comuns no mundo moderno. Na segunda estrofe, podemos perceber o eu-lírico enumerando todos os elementos que compõem a sua visão: “Três alvas casas,/Outra em construção,/Uma concreta ponte abaixo,/Emoldurada por altos montes,/Uma vila ao fundo, distante.”. De símbolo da urbanidade, vemos que as representam as três casas brancas, outra em construção, e uma ponte que realmente existe abaixo. Podemos ver que, enquanto a urbanidade é real, as belas imagens bucólicas são uma espécie de delírio das suas visões, a qual pode ser vista nos dois últimos versos dessa estrofe, onde, cercada por altos montes, está uma distante vila, este que é um tipo de local associado com um estilo de vida simples e campestre. Na terceira estrofe, podemos entender que eu-lírico percebe ainda assombros de resquícios da antiga paisagem do local: “Ainda ouço teimosos assobios de pássaros/Remanescentes de outrora paisagem./É saudoso, é triste, é melancólico/Esse estado de uma aldeia queirosiana...”. Os assobios de pássaros seriam teimosos por não fazerem sentido em um ambiente tão civilizado, porém eles ainda ecoam na mente do eu-lírico, por causa de sua memória confusa entre realidade e literatura de que ali já foi um lugar campesino, que deixa saudade e causa tristeza e melancolia tal lugar que antes tinha traços de uma aldeia criada na escrita de Queiróz, e agora representa o oposto da ruralidade e simplicidade. O local ainda pode ser visto como algo pior do que é, pelo singelo e assombroso verso que representa a última estrofe: “Evito olhar à esquerda...”, pois de todo o seu campo de visão, não prefere deslocá-lo para outro, assim onde podemos deduzir que há um resguardo da voz do poema para que não continue a

[12]

↑ Ibidem p. 15

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divagar sobre o cenário, distorcendo a realidade com a sua memória de leitura de Queiróz. O Douro, rio que nasce na Espanha e corta na região do Porto, é a temática do quinto poema, aonde podemos perceber que o eu-lírico está a acompanhar a linha de trem existente próximo ao rio: “Um comboio serpenteia a margem do Rio Verde./É montanha de pedra de um lado,/E um tremulento manto aquoso do outro./Pequenas aldeias alvejam os montes/Santa Cruz vai se distanciando, para trás...” [13]. Então, podemos ver o eu-lírico nos descrever toda a paisagem que o trem vai passando: A linha de trem se localiza paralelo ao Douro, este denominado como Verde por causa da coloração das águas, como foi dito anteriormente no poema A Ermida no segundo verso da primeira estrofe: “O Douro esverdeado contemplo,”. Podemos ver ainda as montanhas constituídas de rochas ao lado de uma extensão de água, com os montes esbranquiçados pelas aldeias que ali estão. Tudo fazendo parte da paisagem de Santa Cruz do Douro, uma freguesia portuguesa localizada em Baião, onde se localiza a Casa de Tormes, assim referenciado pelo autor na contracapa como local de inspiração para a sua poética. Na segunda estrofe, podemos ver que o eu-lírico continua a nos descrever toda a paisagem: “Outra ponte, lá, embaixo,/Um barco singra o plácido rio,/Entulhado de gente,/Guardado por uma torre/De pequenina igreja...”. Assim, podemos ver que ele percebe uma ponte embaixo do alto em que está, enquanto um barco, lotado de pessoas, navega pelo tranquilo rio, perto de uma pequena igreja com uma torre. Então, podemos ver que o tom descritivo da paisagem deste poema serve-nos como uma forma de pensarmos nessa paisagem de um Portugal dos tempos modernos, onde todo o clima de natureza, vida campestre e tranquilidade, nos apontado pelas montanhas de pedras, o tremulento manto aquoso, as pequenas aldeias que alvejam os montes, a pequena igreja, convive com um clima de urbanidade, dos comboios, pontes e barcos sempre cheios de pessoas. Último, sexto e o poema que encerra a primeira parte sugerida pelo autor na contracapa, pode ser visto como um final de maneira sintética, já que é constituído de uma única estrofe: “Da Ermida para cima,/Tudo é pedaço de saudade,/Da Ermida para [13]

(OLIVA, 2010, p. 17)

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baixo, Tudo é certeza de passado.”[14]. Podemos ver que, da estação de Ermida para cima, sendo este “para cima” considerada como uma alusão às serras, constituem ali fragmentos do clima bucólico que elas representavam, assim deixando saudosismo. E da Ermida para baixo, ou seja, pode ser visto o para baixo como toda a vida campesina ao pé da serra que, por causa da modernidade, se transformou em uma vida civilizada, onde ali passou a ser a cidade, deixa com clareza que a vida campestre agora faz parte do passado. Este final sintético, subjetivo, pode ser visto como uma alusão às mudanças que a modernidade não só trouxe para a cidade, como também para a poesia, como é dito por Salete de Almeida Cara, onde o modelo de cidade atual “substitui aquela onipotência de um sujeito heroico, narrador do mundo e das peripécias dos homens, pela relatividade do mergulho na subjetividade.”

[15]

. E ao fazer tão singelo final,

podemos ver que, de acordo com Cara, o eu-lírico cumpre a sua função como poeta moderno, este que “se vê projetado no mundo exterior, sabendo que desse mundo poderá fazer apenas uma tradução parcial.” [16].

Conclusão “O poema é mediação entre uma experiência original e um conjunto de atos e experiências posteriores, que só adquirem coerência e sentido com referência a essa primeira experiência que o poema consagra”. [17]

Através dessa citação de Octávio Paz, podemos entender os primeiros poemas de Monumentos de Palavras como o resultado de uma experiência do eu-lírico através da leitura de A Cidade e as Serras em contato com o cenário que inspirou esta obra de Queiróz, ou seja, a “experiência original”, podendo ser vista como a leitura da obra queirosiana, e os “atos e experiências posteriores”, como o contato com o cenário moderno lusitano com resquícios da temática campestre, resultam numa poética que é mediada pelo choque que há entre a tranquilidade e simplicidade inspiradas pelo campo e a opressão e insensibilidade presente no crescimento da cidade. Podemos ver então [14]

(OLIVA, 2010, p. 19)

[15]

(CARA, 1989. p. 40)

[16]

↑ Ibidem, p. 40

[17]

(PAZ, 1996, p. 53)

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que o resultado disso é um lamento do eu-lírico, cuja expectativa era de se deparar com um cenário campesino lusitano, porém se decepciona ao ver casas, prédios, construções, dentre outros elementos que simbolizam o avanço da modernidade tomando o espaço dos campos. Assim, podemos ver que o eu-lírico acaba por ter uma decepção da leitura de A Cidade e As Serras, pois, tendo a obra como base para pensar a respeito de uma região campestre portuguesa, acaba deparando com esta tomada pela civilização. Este conflito entre essa releitura oliviana da obra de Queiróz e a sociedade moderna é também apontado por Paz: “Inclusive quando reina a discórdia entre sociedade e poesia – como ocorre em nossa época – e a primeira condena a segunda ao desterro, o poema não escapa à história: continua sendo, em sua própria solidão, testemunho histórico”. [18]

No entanto, ressalta-se que o emprego do termo “decepção literária” aqui não menciona uma frustração com a leitura da obra de Queiróz propriamente, e sim com a construção que o eu-lírico faz de Portugal após a leitura da obra, sendo assim que ele tinha elaborado um Portugal “de palavras”, porém ao ter contato com o cenário português percebe um espaço bem diferente do que havia construído com sua imaginação literária após a leitura do romance queirosiano. Então, podemos ver que através de suas lamentações, a primeira parte de Monumentos de Palavras tem, como objetivo primário, estabelecer um paralelo da realidade do romance de ficção A Cidade e As Serras com a realidade do cenário português moderno o qual, um século antes, serviu de inspiração para compor a obra. Tendo em vista esta perspectiva, podemos perceber também a construção desta primeira parte como uma forma de preparar o leitor para os demais poemas que constituem a obra a seguir, a respeito dos monumentos históricos da ilha da Madeira que, como o autor diz na contra capa, “me despertou o interesse de registrá-los pela imagem fotográfica e, inevitavelmente, pelas imagens de palavras, como eu as compreendia”

[19]

. Assim, podemos entender que não há forma

mais coerente de falar sobre os monumentos portugueses através da literatura do que

[18]

↑ Ibidem p.54

[19]

(OLIVA, 2010.)

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primeiro falando do cenário moderno de Portugal, tendo como paralelo um dos maiores romancistas de língua portuguesa de todos os tempos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARAGÃO, Maria Lúcia. In: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1985. AGUIR E SILVA, Victor Manuel de. Teoria da Literatura. Coimbra: Almedina, 1986. CARA, Salete de Almeida. A Poesia Lírica. São Paulo: ed. Ática, 1989. HAMBURGER, Kate. A lógica da Criação Literária. Trad. Margot P. Malnic. São Paulo: Perspectiva, 1975. OLIVA, Osmar Pereira. Monumentos de Palavras. Ed. Unimontes. Montes Claros: 2010. 12

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PAZ, Octavio. Signos em rotação. 3. Ed. São Paulo: Perspectiva, 1996. RAMOS, Elvis Christian Madureira. FIGUEIREDO, Wellington dos Santos. “A Cidade e As Serras”: Uma relação dialética entre o homem e o espaço. Disponível em: http://www.agbbauru.org.br/publicacoes/revista/anoXV_1/AGB_dez2011_artigos_versa o_internet/AGB_dez2011_04.pdf Acesso: 15-04-2013 10h40min QUEIRÓZ,

Eça

de.

A

Cidade

e

as

Serras.

Disponível

em:

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_ obra=1790 Acesso: 11-03-2013 16h51min.

RESUMO: Este trabalho pretende analisar os seis primeiros poemas de Monumentos de Palavras, de Osmar Pereira Oliva, interpretando-os de uma leitura onde o eu-lírico se inspirou na obra A Cidade e as Serras, de Eça de Queiróz. Para isso, utilizamos como referenciais bibliográficos Cara (1989), Hamburger (1975), Paz (1996), dentre outros. Aqui procuramos demonstrar uma frustração do eu-lírico, enquanto leitor de Queiróz, por não se deparar com o clima bucólico nos cenários servidos de inspiração para o autor lusitano, bem como um empenho para familiarizar o leitor com o clima português que se segue ao longo da obra. 13

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PALAVRAS-CHAVE: Climatização poética. Decepção literária. Monumentos de Palavras. Osmar Pereira Oliva.

ABSTRACT: This study aims to examine the first six poems of Monumentos de Palavras (Monuments of Words, literal meaning), by Osmar Pereira Oliva, interpreting them in a reading where I-lyric was inspired by the book A Cidade e As Serras (The City and the Mountains), by Eça de Queiróz. For this we use as benchmarks bibliographic Cara (1989), Hamburger (1975), Paz (1996), among others. Here we try to demonstrate a frustration of self-lyrical while Queiróz reader, not come across the bucolic atmosphere in scenarios served as inspiration for the author Lusitanian, as well as a commitment to familiarize the reader with the Portuguese climate that follows along the work.

KEYWORDS: Climate poetic. Literary disappointment. Monumentos de Palavras. Osmar Pereira Oliva.

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