A democracia: da fantasia à representação

July 4, 2017 | Autor: T. Magalhães Pires | Categoria: Democratic Theory, Democracy, Representation, Democracia, Representação Política
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A DEMOCRACIA: DA FANTASIA À REPRESENTAÇÃO* Thiago Magalhães Pires1

INTRODUÇÃO Ninguém questiona hoje que a democracia seja o melhor regime de governo – ou o pior, ressalvados todos os outros, nas palavras de Churchill2. A defesa teórica do autoritarismo parece ter ficado no passado, soterrada pelos abusos e pela incompetência dos ditadores e líderes totalitários. Ainda assim, há sempre certo desconforto quando se fala em democracia. Parece que a celebração de suas qualidades precisa ser seguida de concessões aos fatos – como se fosse necessário relembrar constantemente as pessoas de que a democracia é maravilhosa, mas nunca está (ou estará) presente. Insiste-se, ao mesmo tempo, no ideal e na impossibilidade de sua concretização. O que se parece esperar, estranhamente, é que as pessoas defendam e creiam na realidade de uma fantasia. Com isso, a teoria democrática soa como uma fracassada ideologia (no sentido ruim do termo): tenta ocultar a dominação de uns por outros sob uma aura de legitimidade que, no entanto, todos sabem ser fantasiosa. Deslegitimadas do ponto de vista social, as instituições deixam de se impor espontaneamente e passam a depender apenas da coerção e da força bruta (HABERMAS, 2012a, v. I, pp. 50-51). A descrença abre espaço para a retomada de discursos autoritários e, assim, a insistência na democracia fictícia contribui para pôr em risco o ideal democrático em si mesmo. Defender o autogoverno como uma ficção também gera problemas teóricos e práticos no Direito, já que, incorporados em palavras de ordem vazias de conteúdo, os mitos da democracia assumem uma importância autônoma – e, no extremo, podem justificar soluções não-democráticas a pretexto de promover o autogoverno popular. Se o que importa, e.g., é a observância da “vontade popular”, basta apontar um líder carismático como seu melhor intérprete que não haverá mais distinção relevante

O presente estudo é uma pequena homenagem – em verdade, um agradecimento – à Faculdade de Direito da UERJ, na comemoração dos seus oitenta anos. Com a sorte de quem pôde participar de um oitavo dessa história, sou testemunha da excelência de seus professores, alunos e funcionários, e acima de tudo, sou muito grato por tudo o que vivi e aprendi, desde que entrei na primeira sala da graduação, em frente ao Salão Nobre, até o doutorado, na outra ponta do corredor. 1 Mestre e doutorando em Direito Público pela UERJ. Professor do Curso de Pós-graduação em Direito Administrativo da EMERJ. Ex-Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Advogado. Nota: todos os textos em língua estrangeira foram traduzidos livremente pelo autor. 2 Em um célebre discurso, Sir Winston Churchill (1947, pp. 206-207) declarou: “Ninguém supõe que a democracia seja perfeita ou sempre sábia. De fato, já se disse que a democracia é a pior forma de governo, salvo por todas as outras que se ensaiaram de tempos em tempos; mas há um amplo sentimento em nosso país de que o povo deve governar, governar continuamente, e que a opinião pública, expressa por todos os meios constitucionais, deve conformar, guiar e controlar as atitudes de Ministros que são seus servos, e não seus senhores”. *

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entre democracia e autoritarismo3. É contra tudo isso que se volta o presente estudo. Seu objetivo é resgatar a concepção normativa de democracia, depurando-a desses mitos. Na primeira parte do artigo, pretende-se identificar e desfazer três das fantasias recorrentes na narrativa democrática: (a) a afirmação de uma “vontade popular”; (b) a suposição de que não haveria heteronomia – todos obedeceriam apenas ao direito que criaram; e (c) a defesa da “soberania popular”. Feito isso, em sua segunda e última parte, o estudo procurará reconstruir a concepção normativa de democracia a partir da ideia de representação: a preservação da vitalidade de uma esfera pública informal que, mediada pelo sistema político-representativo, construído e protegido pela Constituição, permita uma participação decisiva dos cidadãos na definição das políticas implementadas pelo Estado.

1 TRÊS FANTASIAS DEMOCRÁTICAS Superando a tradição antiga – em que a democracia era uma dentre várias formas de governo existentes, contando-se, aliás, entre as piores –, a concepção atual considera o regime democrático como o único justo, exatamente por atribuir a todos o poder de decisão sobre os destinos da coletividade. O autogoverno do povo pressupõe que este, como um todo, seja capaz de tomar decisões e conduzir-se segundo elas. Na perspectiva dos cidadãos, a submissão a uma lei obrigatória é encarada como manifestação de liberdade: se aquela resulta da vontade do povo, obedecer ao comando nada mais é do que fazer o que se quer. Assim os conjuntos de governantes e governados se sobrepõem sem deixar restos (BÖCKENFÖRDE, 2000, p. 130), e os destinatários do direito se tornam também seus autores (KELSEN, 2000, p. 35). No entanto, basta olhar em volta para ver que nada disso corresponde à realidade. E não é uma questão de grau. Embora haja, de fato, regimes democráticos mais ou menos sólidos, essa “descrição” da democracia não se sustenta. O regime tem, sim, seu valor, mas ele não decorre da afirmação de uma fictícia “vontade popular”, da suposta falta de heteronomia ou mesmo da “soberania popular”. É à desconstrução desses mitos que se dedicam os itens que se seguem.

1.1 A vontade popular

Uma das afirmações mais comuns a respeito da democracia é que, nela, o que determina

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Um exemplo particularmente dramático ajuda a explicitar o ponto: a figura do Führer na Alemanha nazista era compreendida – e elaborada teoricamente – como uma emanação quase biológica da Volksgemeinschaft (a comunidade racial), que incorporaria de forma suprema o “espírito do povo” (Volksgeist) e, por isso, exerceria um poder que lhe seria originário (NOVAIS, 1987, p. 152).

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a atuação do Estado é a vontade popular; não as preferências de alguém ou de um grupo em particular, mas a vontade da coletividade como um todo. Nada obstante, não há como afirmar que o povo, de forma geral, tenha uma vontade e, muito menos, por natural, que ela possa se impor ao Estado. Isso se deve à combinação de, pelo menos, quatro problemas. O primeiro deles é o problema do sujeito coletivo. A afirmação da “vontade popular” envolve a transposição, para o plano social, da compreensão que faz da conduta individual como uma decorrência ou manifestação da vontade do agente. No entanto, o povo não é um indivíduo e, por isso, não tem uma psique, nem uma “vontade” própria. A reunião das pessoas não resulta em um supersujeito, dotado de vontades autônomas em relação às dos cidadãos; o que há é um grupo de cidadãos, com suas inclinações e preferências individuais (BOBBIO, 2000, p. 380; ELSTER, 2000, p. 168; KELSEN, 2000, pp. 35-36 e 51; SANTIAGO NINO, 2003, p. 79). Isso conduz ao segundo ponto: o problema do pluralismo. As pessoas, em geral, divergem em suas opiniões e interesses. Como supor que um povo tão plural e complexo teria uma única vontade? A única forma de superar esse obstáculo é escolhendo uma dentre as correntes existentes na sociedade para ser a “vontade do povo”. Mas essa constatação, por sua vez, suscita a terceira questão, o problema dos vencidos: os que não concordarem com a opinião eleita não viverão segundo as suas preferências, mas conforme a orientação dos outros4. Decisiva, portanto, não é a vontade do povo, mas a de quem couber escolher, dentre as opiniões existentes, a que deve ser imputada ao povo – que pode ser a maioria, uma minoria ou mesmo um líder carismático. Para permanecer fiel aos seus propósitos, nenhuma democracia pode ser indiferente em relação a isso. A dificuldade não está na necessidade de resolver os impasses – deve-se decidir apesar do pluralismo –, mas na indevida suposição de que a decisão tomada só “revelaria” uma vontade unívoca do povo5.

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No plano ideal, as deliberações entre iguais se resolveriam sempre com o mútuo reconhecimento da melhor decisão ou, no máximo, com um compromisso. Ouvindo os diferentes pontos de vista, os cidadãos fariam concessões para encontrar termos que pudessem atender aos fins de todos, na maior medida possível. A realidade, porém, é bastante diversa. Em parte, porque as pessoas por vezes assumem uma postura egoísta e deliberadamente sabotam as possibilidades de acordo. A falta de virtude cívica é lamentável, mas não se pode fingir que não exista. O mesmo se passa com o erro ou a ignorância: por maior que seja a instrução e o acesso à informação, é inevitável que algumas pessoas cheguem a conclusões equivocadas ou não compreendam o que lhes foi apresentado (HÖFFE, 2005, p. 414). Além disso, há questões que são tão relevantes para certas pessoas que elas não admitem fazer concessões. Todos esses elementos – aos quais se poderia acrescentar, ainda, a simples teimosia – conduzem à conclusão singela e empiricamente observável de que, muitas vezes, não há acordo possível. Nesses casos, tomar uma decisão significa escolher “vencedores” e “vencidos”. 5 Mesmo nos países mais democráticos, “a vontade do povo significa, na prática, a vontade da parte mais numerosa ou mais ativa do povo: a maioria, ou aqueles que conseguem fazer-se aceitar como a maioria”, que podem até “desejar oprimir uma parte do povo” (MILL, 2011, pp. 28-29). Isso justifica uma breve passagem a respeito da regra da maioria. Ela é plenamente legitimada como técnica de decisão: melhor do que a maioria seria exigir a unanimidade, mas, com isso, ter-se-ia a atribuição a cada pessoa de um direito de veto às decisões dos demais, dando a um indivíduo um poder superior ao de todos os outros juntos (D’ALIMONTE, 1991, p. 311). No entanto, é preciso não esquecer que, como seres humanos, as pessoas que compõem a maioria são tão suscetíveis ao erro e à má-fé quanto quaisquer outras. Além disso, e ainda mais importante, a maioria não emana uma “vontade geral”; só o que ela faz é se impor sobre a minoria (ELSTER, 2000, p. 93). É certamente um excesso dizer, como faz Richard A. Posner (2003, p. 138), que a

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Essa conclusão não mudaria ainda que, de alguma forma, todos se reunissem em praça pública e chegassem a um consenso. Mesmo então seria preciso enfrentar o quarto e último ponto, o problema dos ausentes: há quem nunca possa participar, seja porque não dispõe das condições físicas ou mentais para comparecer e debater, seja porque ainda não nasceu. Os incapazes e as gerações futuras jamais podem tomar parte das deliberações, de modo que, em relação a estas, eles serão sempre objetos, e nunca sujeitos6 – a não ser que alguém os represente. O ponto será retomado adiante. Por ora, vale apenas destacar o que aponta Jon Elster, invocando uma espirituosa passagem de Grouxo Marx (“O que a posteridade já fez por mim?”): “as gerações futuras não têm poder de barganha” e não podem negociar votos com as atuais (2000, p. 170). Note-se, a propósito, que os problemas acima não podem ser contornados por uma visão objetivada da vontade popular, referida, e.g., à ideia de interesse público. Mesmo que houvesse um interesse público autônomo em relação aos interesses dos cidadãos, o pluralismo também apareceria na hora de definir o que se inclui nessa ideia ou os meios de satisfazê-lo (SARMENTO, 2005, p. 96). Mesmo interesses tendencialmente universais, como o acesso à energia elétrica e a proteção do meio ambiente, podem ser promovidos de várias formas (e.g., construir novas usinas ou modernizar a rede de distribuição de energia?) e até colidir uns com os outros (e.g., alagar áreas para criar hidrelétricas ou aumentar o número de termelétricas e, assim, a poluição do ar?) (SCHUMPETER, 2008, pp. 251252). Sendo inevitável lidar com o pluralismo, ainda seria preciso enfrentar o fato de que, para sustentar uma solução em meio às alternativas, alguém provavelmente ficaria insatisfeito. Dessa forma, não existe uma vontade popular ou um interesse público que possa ser reconduzido ao povo como um todo. As decisões imputadas à coletividade não são coletivas, mas coletivizadas, porque, embora imputadas a todos, são tomadas por alguns7. Essa constatação, que se revela de forma clara em relação aos “ausentes”, se aplica, em verdade, a todos os cidadãos. Estamos sempre sujeitos a viver segundo a vontade de outrem – a maioria, a “elite” ou um déspota. É preciso lidar com isso, e não fingir que as coisas se passam de outra forma.

regra da maioria é apenas um sucedâneo da força bruta, mas tampouco se pode idealizar o grupo majoritário ou igualálo, sem mais, ao conjunto do povo. Maioria e minoria compõem o povo, de modo que “[q]uem fala em majority rule esquecendo-se dos minority rights não promove a democracia, a sepulta” (SARTORI, 2012, p. 54). 6 Nessas situações, talvez se pudesse supor que o fato de uma lei não ter sido revogada corresponderia a uma decisão tácita no sentido de confirmá-la (ROUSSEAU, 1991, p. 103). Mas nem sempre é assim. Há leis cujos efeitos futuros são irreversíveis ou exigem o esforço de várias gerações para serem minimizados ou desfeitos, não bastando a simples revogação de um diploma. As consequências da legislação econômica ou ambiental – e.g., empregos disponíveis, valor da moeda, poluição – podem ser sentidas por décadas. Nessas situações, que são, aliás, bastante comuns, não há como não reconhecer que algumas pessoas são objetos da deliberação alheia. 7 Giovanni Sartori (2012, p. 321) distingue entre: (a) decisões individuais – situações em que alguém decide por si mesmo; (b) decisões de grupo – casos em que as pessoas interagem diretamente e participam significativamente das decisões tomadas por um grupo; (c) decisões coletivas – nas quais a decisão cabe a um grupo mais extenso, impossibilitado de agir como um grupo concreto; e (d) decisões coletivizadas – hipóteses em que quem decide, o faz “por outros”.

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1.2 A ausência de heteronomia

Rousseau pretendia resolver a tensão entre liberdade e autoridade fazendo da segunda uma derivação da primeira. Se as leis fossem um reflexo da “vontade geral”8, quem as cumprisse atenderia à própria vontade e, assim, seria livre ao obedecer. Não haveria heteronomia nas decisões estatais, que decorreriam da autonomia coletiva. No entanto, como já visto, essa vontade geral não corresponde à opinião de cada uma das pessoas; ao menos para quem pense de forma diferente, obedecê-la não é ser livre, mas subordinar-se à vontade alheia. E não há como ser de outra forma. A liberdade absoluta jamais poderia ser integrada ao código de relações sociais. A coexistência de dois ou mais indivíduos torna inevitáveis os conflitos de interesses e impõe, assim, alguma definição de limites para cada um (HÖFFE, 2005, p. 293 e ss.). É porque as pessoas não devem fazer tudo (ou só) o que querem que o direito existe e que a discussão da autoridade política se apresenta (KELSEN, 2000, p. 30). E é por isso que a liberdade corresponde ao espaço que não tenha sido legitimamente ocupado pelo direito. O debate, portanto, é sobre a fronteira entre uma e outro, não sobre a necessidade do segundo. É impossível fazer com que a decisão coletivizada seja idêntica à vontade de cada um dos cidadãos, a não ser pela supressão da liberdade e, com ela, da possibilidade de divergência. “A imagem de uma sociedade transparente a si mesma na qual realidade social e vontade política estão em completa correspondência é [...] a ideologia que melhor corresponde à formação de um poder totalitário” (TOURAINE, 1996, p. 143). A democracia, portanto, deve ser concebida, não apesar do dissenso, como forma de combatê-lo, mas por causa dele, para construir algo a partir dele. Dessa forma, o que quer que seja o ideal democrático, ele não remete a um regime em que todas as pessoas concordam com as decisões tomadas em seu nome. O mesmo vale ao inverso: é impossível que estas correspondam à vontade ou à opinião de todos os cidadãos. Consequentemente, não há como construir a democracia sobre a ausência de heteronomia. Se a democracia não livra o ser humano da dominação, o máximo que ela pode fazer é legitimar essa situação, tornando devida a obediência e justa a coerção exercida para cobrá-la. Também esse ponto será retomado adiante.

1.3 A soberania popular

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Não é fácil compreender essa figura, até porque o texto de Rousseau não é isento de contradições. De todo modo, parece claro que essa vontade geral que, para ele não erra, é a própria medida do certo e do errado, correspondendo, assim, a um padrão objetivo de correção (SANTIAGO NINO, 2003, pp. 136-137). Em suas próprias palavras: “Devese considerar, nesse sentido, que, menos do que o número de votos, aquilo que generaliza a vontade é o interesse comum que os une, pois nessa instituição cada um necessariamente se submete às condições que impõe aos outros: admirável acordo entre o interesse e a justiça, que dá às deliberações comuns um caráter de equidade que vimos desaparecer na discussão de qualquer negócio particular, pela falta de um interesse comum que uma e identifique a regra do juiz à da parte” (ROUSSEAU, 1991, p. 50).

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A teoria da soberania surgiu como um passo necessário no processo de formação do Estado. Sua adoção correspondeu à substituição dos múltiplos vínculos pessoais de lealdade que marcavam o feudalismo por um liame abstrato entre todos e cada um, de um lado, e o monarca, corporificando o Estado, de outro. Sendo este a fonte única da licitude – situado fora e acima do direito posto (legibus solutus) (BODIN, 1955, I, cap. VIII; HOBBES, 1979, p. 161) – era a submissão de todos à ordem jurídica emanada desse mesmo ponto que transformava a multidão em unidade política (ARENDT, 2012, p. 323; SCHMITT, 1985, p. 49). Mas a soberania é um conceito relacional: é preciso ter outros como súditos ou subordinados. Quando o povo assume o lugar do rei como titular da soberania, ocorre uma confusão: o mesmo grupo é, ao mesmo tempo, súdito e soberano. Poder-se-ia sugerir que a sujeição ocorreria individualmente, enquanto a soberania seria um atributo do corpo coletivo (cada cidadão seria súdito do povo como um todo)9. Contudo, como não existe uma “vontade popular” – é alguém que fala em nome do povo (v. supra) –, a soberania popular mostra-se, em verdade, como uma sinédoque oculta: toma-se o todo pela parte. Soberano não é o coletivo, mas aquele que decide em seu lugar. Outra possibilidade de lidar com isso é supor que haveria um povo que decide e outro que obedece. Aproveitando a ambiguidade do termo – que designa tanto o populus quanto a plebs (AGAMBEN, 2015, p. 35; BOBBIO, 2000, pp. 379-380) –, várias teorias foram desenvolvidas para diferenciar o “povo verdadeiro” do “falso povo”, ou o “povo lúcido” do “povo passional”. Dependendo do caminho que se tomar, pode-se chegar à pura e simples defesa da aristocracia ou, como se faz hoje na maior parte do Ocidente, à doutrina do poder constituinte. Seguindo linhas diversas, as duas vias passam por um mesmo ponto: o povo concreto – o conjunto de cidadãos – está limitado pela vontade superior do Povo, com maiúscula, mais racional e/ou justo, ou particularmente mobilizado, que é o único com autoridade para refundar a sociedade política. Em um estudo dedicado à democracia, parece desnecessário questionar os modelos aristocráticos. Resta, então, a doutrina do poder constituinte. Seu pressuposto básico é que a vontade do povo (ou de seus representantes), expressa em alguns momentos, deve prevalecer sobre a vontade do povo (ou de seus representantes), manifestada nas demais situações. A ideia é que, reconhecendose como soberano – e, assim, ilimitado e absoluto –, o povo toma consciência do caráter destrutivo do seu próprio poder e age para se constranger: sabendo que seu retorno significará o fim da ordem

Essa parece ser a ideia de Rousseau, quando afirma (1991, pp. 33-34): “Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo, e potência quando comparado a seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chama, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado”. 9

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que acaba de instituir (ARENDT, 2011, p. 294)10, o poder constituinte procura salvar sua obra de si mesmo. Seu principal papel, portanto, é limitar a si próprio (NEGRI, 2002, p. 13): o soberano entra em cena apenas para aprisionar-se, concentrando-se em um evento especialíssimo, localizado no tempo e no espaço; como se a força que institui a Constituição esgotasse a potência constituinte. De fato, segundo a doutrina tradicional, o poder constituinte fica em “estado de latência” em condições ordinárias; sua supremacia é apropriada por sua obra: “a soberania popular” – limitada, então, ao momento constituinte – “se converte em supremacia da Constituição” (BARROSO, 2013, p. 131). Como resultado, no normal da vida, nem a maioria dos cidadãos, nem seus representantes são soberanos ou podem desfazer o que fez o poder constituinte. No entanto, se já não é possível lidar com uma “vontade popular”, que dirá admitir duas, ainda por cima em conflito. Além disso, não há evidência de que o poder constituinte seja melhor, mais preparado ou lúcido que as demais pessoas: “[a] sociedade não tem nem um ego nem um id” (ELSTER, 2000, p. 168). A maior sobriedade que o caracterizaria é contrariada pela História: as Constituições, em geral, são criadas em momentos de grande paixão, sendo certo que os méritos da democracia aparecem melhor em situações mais tranquilas, em que se pode garantir, na maior medida possível, uma discussão aberta e racional sobre os temas relevantes (SANTIAGO NINO, 2003, pp. 146-147). Ademais, é pouco provável que uma assembleia constituinte seja menos afetada pelos preconceitos existentes na sociedade, sendo igualmente utópico supor que seus membros não se moveriam por interesses pessoais ou sectários. A política constitucional, em tudo isso, é bastante similar à ordinária, e “não podemos esperar que constituintes imperfeitos criem constituições perfeitas para limitar as imperfeições de políticos no futuro” (ELSTER, 2000, pp. 156-162 e 173). Sem superar o paradigma da soberania, o máximo que o constitucionalismo pode fazer é tentar prender uma força política em uma armadilha conceitual e teórica11 – um conjunto de afirmações sobre as condições (de mobilização ou injustiça) que permitiriam a liberação da energia constituinte. Esta, contudo, pode ser facilmente capturada por quem quer que detenha o poder ou o controle dos meios de coerção. Assim compreendida, essa doutrina não passa de uma ideologia do culto à autoridade, um rótulo vazio, apto a justificar qualquer autoproclamação bem-sucedida de poder. Se a ideia de autogoverno tem algum sentido é proibir o tipo de submissão acrítica postulado por esse positivismo constitucional. A plena viabilidade disso era defendida, e.g., por Rousseau (1991, p. 114), para quem “não há no Estado nenhuma lei fundamental que não possa ser revogada, nem mesmo o pacto social”; se os cidadãos se reunissem para rompê-lo, “não se pode duvidar que fosse muito legitimamente rompido”. Na mesma linha sustentava Sieyès (2014, p. 41): “uma nação não pode nem alienar, nem se proibir o direito de mudar; e, qualquer que seja sua vontade, ela não pode cercear o direito de mudança assim que o interesse geral o exigir”. 11 Assim compreendido, “o constitucionalismo parece estar construído sobre uma contradição: o reconhecimento do poder máximo do ‘povo’ jaz ao lado de arranjos institucionais que dividem, limitam e até superam o exercício desse poder” (LOUGHLIN, 2003, p. 112). 10

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Dessa forma, é preciso superar o falso misticismo do poder constituinte. O grande fim da democracia não é substituir um soberano por outro, mas romper com a subordinação total a autoridades inquestionáveis. Se há “uma verdade indiscutível” é que “são sempre homens que governam homens. [...] São homens que, em nome de Deus ou da verdade absoluta, reclamam para si a autoridade” (JASPERS, 2011, p. 83). Não há um soberano, externo à ordem, que a legitima – ou, pelo menos, é isso o que defendem os democratas. Dizer que o povo é soberano significa trazer para dentro da ordem (i.e., tornar imanente) seu fundamento. Como deus ex machina, o funcionamento da democracia se legitima a si mesmo (cf. a crítica de SCHMITT, 1985, pp. 36-38 e 46-52). Se todos são partes iguais do soberano, ninguém é soberano em relação aos demais – e assim a soberania popular se revela como negação de si mesma, como ausência de soberania. A democracia é anárquica, não por prescindir de autoridade, mas por romper com a referência a um título inicial que legitima o que lhe segue (RANCIÈRE, 2014, pp. 56-57 e 62-63). Ela se constrói, assim, sobre “a eliminação de qualquer princípio central de unificação da sociedade” (TOURAINE, 1996, p. 209). Em outras palavras, “é quando já não há soberano, quando ninguém se apropria do poder, quando este muda de mãos segundo o resultado de eleições regulares, que se está na democracia moderna” (Ibid., p. 41).

2 RECONSTRUINDO A DEMOCRACIA

Superadas as fantasias, o que sobra é uma realidade em que pessoas muito diferentes, sem recorrer a um absoluto transcendente, buscam uma forma de regular sua convivência em bases aceitáveis para todos. Se houvesse uma vontade geral ou um interesse público objetivo que se pudesse consultar, o problema estaria resolvido. Mas não há. Pior: por mais democrático que seja um regime, ele jamais será capaz de afastar todas as manifestações de heteronomia. Volta-se, então, ao problema que moveu Rousseau (1991, p. 22): “O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros”. Mas nada disso deve desanimar o democrata. Embora não se possa eliminar a coerção, ainda é possível buscar sua legitimação – i.e., a construção de um regime que, por se fundar no autogoverno popular, torne válido o exercício do poder político e, assim, gere um dever moral de obediência por parte dos cidadãos. Neste tópico, pretende-se demonstrar que, para esse fim, a representação assume uma relevância fundamental, permitindo reconstruir o ideal democrático à margem de mitos e de palavras de ordem.

2.1 Democracia, participação e representação

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Para a adequada compreensão do autogoverno popular, é preciso partir, desde logo, de uma qualificação importante: se ninguém dispõe de um título para se impor sobre os demais e o povo não configura um “eu” dotado de vontade própria, a autonomia de que se cogita deve ser exercida, não na primeira pessoa do singular, mas na do plural. A democracia precisa se converter, assim, do jugo da vontade geral, no governo da participação popular. A ruptura com a transcendência revela que o domínio público, a realidade social compartilhada entre as pessoas, é sempre construído por elas mesmas (ARENDT, 2014, p. 259). Como o direito integra esse domínio, ele também pode ser visto como uma obra humana. Contudo – salvo para a teoria da soberania –, o mundo compartilhado não é um produto da vontade de ninguém em particular; ele é construído pelas pessoas em conjunto, em uma rede de ações que perdura com o tempo e que a nenhuma delas é dado controlar inteiramente. Dessa forma, a democracia jamais poderia supor ou, muito menos, exigir que cada cidadão fosse autor do direito; o máximo que lhe cabe impor é que todos tenham o poder de contribuir, em condições de igualdade com os demais, para a formação difusa de entendimentos sobre o certo e o errado12. Democracia, portanto, não é sinônimo de autoria coletiva das leis, mas de participação no processo decisório – que, com isso, deve se converter em uma deliberação coletiva13. No entanto, como visto, não há como contar com a manifestação de todos os possíveis afetados pelas decisões. No limite, há o problema das gerações futuras, que em nenhum arranjo possível poderiam ser ouvidas no presente. Se o autogoverno popular não pode excluir ninguém, só se pode falar em democracia se os interesses dessas pessoas forem vocalizados e sopesados pelos demais. Assim, mesmo nos arranjos mais comprometidos com o princípio democrático, jamais haverá uma completa identidade entre quem decide e quem sofre os efeitos das decisões. Isso também se evidencia na circunstância de que, a despeito da diversidade de opiniões existentes na sociedade, só uma delas é eleita para ser imputada à coletividade como um todo. Essa constatação ressalta um ponto por vezes esquecido: o povo só pode agir se alguém falar em seu nome. É preciso recorrer à presentação – chamada impropriamente de “representação” –, que, ao atribuir ao todo a vontade de algum(ns) de seus membros, torna possível a existência ficta desse corpo coletivo (PONTES DE MIRANDA, 1970, pp. 286-287). Essa “representação”, longe de Na síntese de Dahl (2009, pp. 49-50), isso envolve: (a) participação efetiva – i.e., iguais efetivas oportunidades de levar suas opiniões ao conhecimento dos outros; (b) igualdade de voto; (c) entendimento esclarecido – cada um deve ter o direito de conhecer as alternativas que se apresentam e seus prováveis efeitos; (d) controle do programa de planejamento – i.e., o controle da agenda, das discussões a serem travadas; e (e) inclusão de todos adultos (capazes). 13 A ênfase na deliberação, assim como as diversas referências à doutrina da democracia deliberativa, não deve ser interpretada como adesão à ideia de que, reunidas, as pessoas chegariam (ou deveriam chegar) a um consenso. Ao contrário, ao longo de todo o estudo, será destacado o irredutível pluralismo existente na sociedade, que impõe à democracia a necessidade de conviver com diferenças por vezes insuperáveis e, em certa medida, respeitá-las. 12

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ser um infeliz sucedâneo da democracia direta, é um elemento indispensável à agência coletiva (BÖCKENFORDE, 2000, p. 142); é ela que torna a multidão uma “pessoa”: “Porque é a unidade do representante, e não a unidade do representado, que faz com que a pessoa seja una” (HOBBES, 1979, p. 98). Todavia, como a presentação se verifica em qualquer pessoa jurídica, uma concepção aceitável de democracia – para diferenciá-la de outros modelos – não pode se limitar à afirmação de que, nela, alguém age em nome do povo; isso ocorre em qualquer sociedade política. Tampouco é suficiente invocar uma delegação popular genérica14 – o próprio Digesto sustentava nada menos que os plenos poderes do Imperador romano em uma delegação por parte do povo15. É preciso avançar. Mais do que presentação, deve-se ter representação: se a ideia é que (todos) os cidadãos participem, mas isso é inviável, então eles devem estar presentes, mesmo quando ausentes, pela voz e pelo voto de quem age. Como só assim o autogoverno se produz, é impossível pensar em democracia sem representação – que corresponde, assim, à própria alma do regime. É na representação que reside a força e a fraqueza da democracia. Resta saber, então, como é possível construir um arranjo institucional que a promova devidamente.

2.2 A representação política

Os representantes presentam, mas não incorporam ou materializam o povo. Forma-se um elo entre a sociedade civil e o Estado, sem, contudo, romper as fronteiras entre um e outra; ao contrário, a representação destaca essa diferença ao instituir um espaço intermediário, um fórum em que as opiniões e os interesses presentes na sociedade são recebidos e filtrados, traduzindo-se em decisões coletivizadas (TOURAINE, 1996, p. 62 e ss.). Dessa forma, ela postula (a) uma conexão entre as pessoas e os representantes, e (b) alguma separação entre a sociedade e o Estado, sendo que, como se verá, (c) esses dois elementos estão intimamente relacionados com a Constituição. O primeiro e o terceiro pontos serão abordados mais adiante. Por ora, interessa examinar o segundo.

2.2.1 A separação relativa entre o Estado e a sociedade civil

A exigência de uma relativa separação entre o Estado e a sociedade se sustenta em três

Essa é a principal diferença entre o que Guillermo O’Donnell (1994, p. 59 e ss.) chama de democracia delegativa – em que a eleição do Presidente corresponde a um mandato absolutamente aberto para que governe como quiser – e a democracia representativa, que se constrói sobre uma ampla accountability (vertical e horizontal), estando o representante sujeito a contínuo controle por parte de outras instituições. 15 Em tradução livre da versão do Digesto em francês (apud GAUDEMET, 2002, p. 354): “O que agrada ao príncipe tem força de lei, porque, pela lex regia votada acerca de seu imperium, o povo conferiu a ele e nele o seu imperium e a sua potestas”. 14

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fundamentos. Em primeiro lugar, é porque esta não se resolve naquele que as decisões do Estado são passíveis de crítica, já que não coincidem necessariamente com as opiniões das pessoas. Os cidadãos conservam “um poder negativo que [lhes] permite investigar, julgar, influenciar e reprovar seus legisladores”, o que pode ser feito por mecanismos formais (e.g., voto, recall) ou informais de participação (e.g., manifestações) (URBINATI, 2006, pp. 208-209). Em segundo lugar, embora a democracia seja o regime da igualdade, esta não decorre da natureza nem brota espontaneamente da sociedade. Ao contrário, as pessoas se desigualam em vários aspectos, da cor dos cabelos aos interesses pessoais, além de se situarem em posições diversas em várias escalas de status, construídas socialmente a partir da desigualdade econômica e de padrões culturais de inferiorização. Por isso, a igualdade política não é um dado, mas um atributo que pessoas diferentes recebem ao assumirem a condição de cidadãos (ARENDT, 2014, p. 268). A distinção entre a sociedade civil e o sistema representativo se mostra necessária, então, para “elaborar a unidade a partir da diversidade” (TOURAINE, 1996, p. 63). Sem dúvida, é essencial preservar a conexão entre o Estado e a sociedade, mas também é fundamental que essa relação seja mediada pelo sistema político, a fim de proteger as instituições, tanto quanto possível, das desigualdades da vida social (Ibid., p. 164). A passagem imediata da sociedade civil para o Estado só seria legítima se a ordem social se traduzisse necessariamente em liberdade para todos. Mas as coisas não se passam dessa forma. “A sociedade civil reflete a desigualdade dos grupos [...]; se deixada por conta própria, é provável que ela reforce e aumente os efeitos dessa desigualdade” (WALZER, 2008, p. 113). Se não for mediada pela igualdade da sociedade política, a relação entre sociedade civil e Estado abre espaço para a instrumentalização do aparelho estatal pelas forças sociais mais poderosas16. Em terceiro lugar, e por fim, a relativa separação entre essas esferas busca assegurar a própria ratio do sistema representativo, que é permitir o domínio do Estado pela sociedade, e não o inverso. Isso pressupõe um compromisso com a autonomia das pessoas: é porque elas são capazes de refletir e tomar decisões por conta própria que, em lugar de instituir um regime de tutela estatal das liberdades, se constrói, ao inverso, um sistema de controle do Estado por parte de cidadãos livres. Longe de temer o (inevitável) pluralismo, a democracia pretende unir pessoas diferentes em um projeto comum. A ideia é que os cidadãos – quem quer que sejam – contribuam para esse projeto, oferecendo ideias e opiniões. Como não impõe verdades absolutas, vontades gerais ou interesses objetivos, o ideal de autogoverno precisa tomar os indivíduos como são. Deixar que os Nas palavras de Jürgen Habermas (2012a, p. 220): “A ideia segundo a qual o poder do Estado pode elevar-se acima das forças sociais como um pouvoir neutre sempre foi ideologia. Entretanto, um processo político que resulta da sociedade civil tem que adquirir uma parcela de autonomia em relação a potenciais de poder ancorados na estrutura social [...], a fim de que o sistema não se degrade, assumindo a forma de um partido entre outros partidos, seja no papel do poder executivo, seja como poder de sanção”. 16

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representantes definam as pessoas, em vez do contrário, é supor que eles saberiam melhor do que estas o que é certo ou bom e, em um contexto de igualdade, não há fundamento razoável para uma afirmação como essa. Superados os absolutos transcendentes, as hierarquias naturais e a própria ideia de soberania, inexiste justificativa para eliminar o espaço privado em nome de um suposto interesse público, heterônoma ou objetivamente definido. Dessa forma, a ideia de representação impõe uma série de exigências não só quanto à deliberação coletiva em si – encartada na autonomia pública dos cidadãos e materializada no direito de participação (v. supra) –, como também a respeito de sua autonomia privada, refletida, em geral, nos direitos fundamentais. “A igualdade, para ser democrática, deve significar o direito de cada um escolher e governar a sua própria existência, o direito à individuação contra todas as pressões que se exercem a favor da ‘moralização’ e da normalização” (TOURAINE, 1996, p. 25). Como é na interação entre o espaço público e o privado que as pessoas constroem suas identidades, o avanço do Estado sobre a individualidade, a pretexto de ampliar a democracia, acaba por aniquilá-la. E “o preço da liberdade não pode ser a renúncia à identidade” (Ibid., p. 206). Ainda mais importante: reconhecer as pessoas como sujeitos envolve admitir que cada uma seja capaz, em princípio, de chegar a conclusões corretas – talvez até mais próximas da justiça do que as que resultam da deliberação coletiva. Como se verá adiante, isso não é provável em larga escala e, portanto, não reduz a importância do debate em si; mas enfatiza que também a autonomia individual tem importância para o sucesso da democracia, podendo legitimar, em último caso, a submissão das decisões coletivizadas a meios de controle (como a fiscalização judicial de constitucionalidade das leis) ou até a desobediência civil (SANTIAGO NINO, 2003, p. 165). O ponto será retomado mais adiante. De todo modo, essas referências já justificam uma breve digressão sobre o papel que a Constituição deve exercer em um regime democrático.

2.2.2 A importância da Constituição

O que se viu sobre a teoria do poder constituinte pode ter removido a aura mística que recobria a Constituição, mas nem de longe conduz a sua irrelevância. Há, pelo menos, duas funções que ela deve desempenhar em uma democracia: (a) estrutural, relativa à construção e estabilização das instituições em que se produzem as decisões coletivizadas; e (b) deliberativa, relacionada à garantia dos pressupostos e do funcionamento da representação política. Inicie-se pela primeira. De forma diversa do que se costuma supor, os limites impostos pela Constituição não são necessariamente impedimentos ou constrições à deliberação coletiva. Ao contrário, há normas que servem ao propósito de viabilizar o debate e a tomada de decisões. Para que uma sequência de

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atos isolados se transforme em um processo, dirigido a uma finalidade esperada, é preciso que todos os envolvidos lhes atribuam certos significados, reconhecendo-os como elos de uma cadeia. É isso o que explica que um mesmo ato, em diferentes contextos, tenha efeitos variados: “permanecer sentado”, em geral, é algo neutro, mas no processo simbólico de votação parlamentar, corresponde a um “sim”, uma explícita tomada de posição17. Tudo isso só pode acontecer se as pessoas compartilharem uma linguagem comum, nos termos da qual todos possam entender os demais e agir de forma que outros os compreendam. Nessa linha, só se pode falar em uma decisão coletivizada se houver procedimentos e órgãos que sejam vistos como meios de produzir atos imputados à coletividade como um todo18 – e isso é um tradicional objeto das Constituições. De fato, se se diz que toda sociedade política tem uma constituição é porque qualquer conjunto de instituições políticas depende da existência de normas constitutivas que lhes deem sentido e unidade (O’DONNELL, 1994, pp. 57-59). Embora elas limitem condutas – ao exigir, e.g., a aprovação de um órgão para que uma proposição se torne lei –, esse não é seu fim imediato. Seu objetivo não é enquadrar o comportamento humano em um padrão de lícito/ilícito, mas fornecer os meios – as instituições e a linguagem – que permitam a atuação conjunta e coordenada das pessoas19. No entanto, isso se coloca no plano da presentação em geral. Qualquer convenção social, em princípio, é capaz de resolver problemas de ação coletiva. O que se espera de uma Constituição é isso e mais um tanto: seu papel é justificar comportamentos – e aqui se passa à segunda função. É preciso que ela seja justa a ponto de legitimar as decisões que a tenham como fundamento. Não podendo ser encontrada nela mesma, a legitimidade da Constituição só pode ser buscada em princípios morais. Impõe-se, assim, uma suficiente aproximação entre a “constituição histórica”, vigente em dado lugar, e uma “constituição ideal”. Esta, como destaca a doutrina da democracia deliberativa, não subordina a autonomia privada à pública ou vice-versa, mas, ao contrário,

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V., e.g., o art. 185 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2015, p. 62). É nesse sentido que se destaca o caráter constitutivo das normas constitucionais. Como as demais normas, as de natureza constitutiva estabilizam expectativas ao atribuir significados e efeitos a determinadas condutas. Contudo, e diferentemente das demais chamadas normas reguladoras, as constitutivas não incidem sobre comportamentos préexistentes, para vedá-los, permiti-los ou os impor, mas, em vez disso, fazem com que uma conduta seja viável pela primeira vez. Os exemplos mais óbvios são dados pelas regras gramaticais – que tornam possível a comunicação – e pelas regras de um jogo – e.g., é só mediante uma referência a elas que o fato de alguém passar uma pedra sobre a outra, no jogo de damas, torna obrigatório retirar a segunda do tabuleiro (HOLMES, 1995, p. 163; TROPER, 2003, p. 102). 19 O poder é inerente a toda coletividade política, por se tratar da “capacidade humana [...] de agir de comum acordo”; ele “pertence a um grupo e existe somente enquanto o grupo se conserva unido” (ARENDT, 2013, p. 123). Como o elemento nuclear da política é a ação humana e esta, por definição, é imprevisível, sendo igualmente impossível antecipar todas as suas possíveis repercussões e consequências, o surgimento do poder supõe o entendimento entre as pessoas; a multiplicação da energia popular se dispersa e torna-se destrutiva, quando feita de forma desordenada. Ela só se transforma em poder em um contexto de reciprocidade e mutualidade – i.e., de promessas, pactos e compromissos (Id., 2014, especialmente pp. 219-259). 18

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reconhece sua interdependência, sendo ambas indispensáveis à cooperação democrática (HABERMAS, 2012a, v. I, p. 164; SANTIAGO NINO, 2003, p. 47 e ss.; SOUZA NETO, 2006, p. 57 e ss.)20. Assim compreendida, a Constituição pode ser vista como a atual sede do liame que transforma a multidão em unidade política. Em mais um passo no processo de abstração das relações políticas, o vínculo que une o povo assume natureza jurídica (HABERMAS, 2012b, p. 60); não é mais a sujeição à vontade de um mesmo soberano que constitui a unidade política, mas a submissão a normas comuns. Cabe ao direito fornecer o ambiente em que indivíduos diferentes, assumindo o papel de cidadãos, possam se reconhecer como iguais, vendo uns nos outros – e se vendo pelo olhar dos outros – como seres capazes de se distinguir pelo que dizem e fazem (ARENDT, 2014, p. 219 e ss.). Em uma democracia, a unidade política só pode ser buscada em uma “linguagem que [permita] à comunidade entender-se enquanto associação voluntária de membros do direito iguais e livres” (HABERMAS, 2012a, v. I, p. 146). Como a ordem constitucional democrática procura acolher as diferenças e direcionálas para a participação paritária no exercício do poder político, todos os cidadãos, por serem reconhecidos por ela, podem também se reconhecer nela21. As pessoas se integram, assim, a uma coletividade que as trata como iguais na sua diversidade: (a) oferecendo-lhes iguais oportunidades de participação; (b) considerando-as como merecedoras de igual respeito e consideração; e (c) tratandoas como sujeitos capazes de refletir e tomar decisões por conta própria22. A unidade se constrói sobre as diferenças, e não em detrimento delas. Isso remete ao princípio liberal de legitimidade, definido por John Rawls (2000, p. 266): o exercício de poder coercitivo só se justifica quando fundado em “uma constituição cujos elementos essenciais se pode razoavelmente esperar que todos os cidadãos

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Destaca-se, em particular, a cooriginariedade entre os direitos fundamentais e a democracia. Além de serem decorrências diretas da dignidade humana, as autonomias pública e privada se postulam uma à outra. Direitos fundamentais formam o quadro em que pessoas livres e iguais, reconhecendo umas às outras como tais, podem cooperar, agir em conjunto. Por sua vez, a democracia fornece os espaços – formais e informais – de discussão em que os direitos são construídos e debatidos, além de permitir aos próprios cidadãos a defesa dos seus direitos (BOBBIO, 2007, pp. 43-44). 21 A semelhança disso com as ideias de Kant e Rousseau é mais do que mera coincidência. Com efeito, a volonté générale de Rousseau é concebida como expressão do que une as pessoas – a “soma das diferenças” entre as vontades particulares dos cidadãos (ROUSSEAU, 1991, p. 47) –, embora sua transformação em resultado da deliberação majoritária lance sombras sobre isso. Por sua vez, o imperativo categórico kantiano procura também estabelecer uma fórmula de justiça que seja absoluta porque universal. Como a correção moral de uma conduta não pode depender das preferências e inclinações de alguém – que são contingentes e só servem para distinguir o que agrada do que desagrada, e não o certo do errado –, a definição do comportamento correto só pode ser incondicionada, associada apenas à exigência de universalidade: “age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, 2011, p. 51). É esse o ponto de vista a ser adotado para lidar com questões morais. “Uma norma só é justa, quando todos podem querer que ela seja seguida por qualquer pessoa em situações semelhantes” (HABERMAS, 2012a, pp. 202-203). 22 Isso traduz a concepção de democracia comunal, defendida por Ronald Dworkin (1990, pp. 337-342), que envolve os três elementos acima, identificados por ele como os princípios da participação, do interesse (stake) e da independência.

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endossem, à luz de princípios e ideais aceitáveis para eles, enquanto razoáveis e racionais” (Ibid., p. 266)23. Em uma palavra: o que se exige é imparcialidade – a única medida passível de universalização. Longe de impor uma verdade objetiva, isso apenas reitera a importância do debate contínuo – afinal, o dever de justificação só se coloca diante do que, não sendo inquestionável, se abre à argumentação e à crítica (PERELMAN, 2000, p. 187). Mais do que um armistício, portanto, a democracia incorpora o conflito como parte inelutável de uma sociedade plural e tenta apenas desarmá-lo24. Verifica-se, assim, um deslocamento do consenso em que, desde os contratualistas, se vem insistindo25: a legitimidade do exercício do poder político não pode depender da concordância de todos com uma decisão concreta, mas da imparcialidade do quadro jurídico-institucional em que eles são produzidos. O que se exige não é uma unanimidade empiricamente computada; além de ser impossível aferir a opinião das gerações futuras e dos incapazes, não há matéria isenta de controvérsias – e os procedimentos não são exceção (GUTMANN; THOMPSON, 2004, p. 109). Impõe-se apenas reconstruir as instituições à luz das ideias acima: a unidade se manifesta em um sistema político no qual cidadãos livres se veem representados igualmente, com suas diferenças, no e perante o direito. Convém ressaltar, a esta altura, que não é o caso de sobrepor uma “constituição ideal” à “constituição histórica”, como se esta fosse, afinal, supérflua ou irrelevante. A despeito da relação que existe entre eles, direito e moral não se confundem, nem podem ser extraídos, um do outro, por simples derivação; as normas jurídicas (e as decisões positivas em geral) são concessões da justiça à segurança, oferecendo uma estabilidade que a moral não tem como garantir (HABERMAS, 2012a, v. I, pp. 150-154). Essa solidez é ainda mais importante em relação à Constituição, que preside o debate político como um todo, definindo os canais pelos quais até as mudanças podem ser

Para John Rawls, racionalidade e razoabilidade são noções diferentes, mas complementares (2000, p. 93): “o razoável é um elemento da ideia de sociedade como um sistema de cooperação equitativa, e, que seus termos equitativos sejam razoáveis à aceitação de todos, faz parte da ideia de reciprocidade”. Já “o racional aplica-se à forma pela qual [os] fins e interesses [de alguém] são adotados e promovidos, bem como à forma segundo a qual são priorizados. Aplica-se também à escolha dos meios e, nesse caso, é guiado pelos princípios conhecidos, como adotar os meios mais eficientes para os fins em questão ou selecionar a alternativa mais provável, permanecendo constantes as demais condições” (Ibid., p. 94). Dessa forma, razoabilidade e racionalidade são faculdades morais distintas: enquanto a primeira se relaciona à capacidade de ter um senso de justiça, a segunda diz respeito à capacidade de ter uma concepção de bem. 24 Segundo a perspectiva do “pluralismo agonístico”, defendida por Chantal Mouffe (2005, p. 21), “o propósito da política democrática é transformar antagonismo [luta entre inimigos] em agonismo [luta entre adversários]. Isso demanda oferecer canais por meio dos quais às paixões coletivas serão dados mecanismos de expressarem-se sobre questões que, ainda que permitindo possibilidade suficiente de identificação, não construirão o opositor como inimigo, mas como adversário”. 25 Como indivíduos livres e iguais não têm fundamento para se impor uns sobre os outros e “a força não produz qualquer direito, só restam as convenções como base de toda autoridade legítima existente entre os homens”. (ROUSSEAU, 1991, p. 26). Daí a concepção da coletividade como uma sociedade ou associação: os cidadãos devem ser enxergar como sócios e parceiros, unidos para consecução de fins comuns. 23

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processadas26. Embora não seja suficiente, o respeito à Constituição positiva é um elemento fundamental da democracia. E foi apenas isso o que se quis destacar: é preciso que ela seja minimamente justa, mas, cumprido esse requisito, a obediência será devida, ainda que se discorde de uma ou outra de suas disposições ou de algumas decisões tomadas pelas instituições que ela prevê. Repita-se: como as pessoas divergem sobre as decisões a serem tomadas, não se pode julgar o procedimento por cada resultado que ele produz. O que se exige é alguma forma de justiça procedimental imperfeita – um sistema que, embora falível, seja construído de forma que tenha maior probabilidade de resultar em decisões justas (RAWLS, 2008, p. 104). De fato, um processo deliberativo em que pessoas livres tenham iguais oportunidades de contribuir para a formação das opiniões e, assim, para a tomada de decisões pelo Estado, é aquele que melhor promove a exigência de imparcialidade ao viabilizar o debate sobre todos e quaisquer pontos de vista existentes. No entanto, o “valor epistêmico” desse processo depende da maior ou menor satisfação das condições que lhe são subjacentes– i.e., dos requisitos de justiça que permitam confiar na justiça do procedimento e, assim, na legitimidade do resultado (SANTIAGO NINO, 2003, pp. 165 e 180)27.Em uma democracia, além de estabilizar expectativas, possibilitando a ação coordenada das pessoas, as instituições políticas – e a Constituição em particular – devem servir à construção de um arranjo que, preservando a distinção entre a sociedade civil e o Estado, permita o afloramento de concepções de vida e opiniões particulares, sua crítica pelos demais, e o direito de todos participarem igualmente das deliberações relevantes. A Constituição legítima constrói e protege canais para uma ampla, aberta e contínua deliberação pública – inclusive sobre si própria28 –, ao mesmo tempo em que expressa e garante o mínimo de justiça necessário para legitimar a coerção e a obediência.

2.2.3 As instituições, a representatividade e a sociedade civil

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É precisamente por isso que as constituições, diferentemente do direito ordinário, existem para perdurar. Como aponta Tom Ginsburg, “sem essa permanência, as constituições não podem oferecer uma base estável de política e não podem constituir um povo a partir de elementos diversos. A presunção de permanência está, portanto, incorporada à própria ideia de uma constituição” (GINSBURG, 2011, p. 112). 27 Dessa forma, a ênfase nos procedimentos não conduz a uma neutralidade absoluta ou, muito menos, à irrelevância das questões materiais. Com efeito, nem todos os arranjos são democráticos; o que permite apartar estes dos demais é o conjunto de valores substantivos – i.e., não-instrumentais –, que promovem. São esses valores, implícitos “no núcleo essencial e irrenunciável de regras técnicas” das normas que presidem o “jogo democrático”, “que constituem a verdadeira razão da superioridade axiológica da democracia comparada aos regimes não-democráticos” (BOVERO, 2002, p. 49). Não é qualquer procedimento que legitima o resultado; se o processo democrático o faz é que porque se supõe que ele seja justo em si mesmo, o que remete a valores substantivos (DAHL, 2012, pp. 276-277). Nas palavras de Jürgen Habermas (2012a, v. I, p. 328), “[o] próprio conceito do procedimento democrático apoia-se num princípio de justiça, no sentido do igual respeito por todos”. 28 Como visto, a democracia “exige um certo volume de consenso” e “a lealdade aos valores que constituem seus ‘princípios ético-políticos’”, mas como há muitas interpretações desses últimos, “esse consenso está fadado a ser um “consenso conflituoso” (MOUFFE, 2005, p. 21).

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Diante das considerações anteriores, não é difícil reconhecer o protagonismo do processo legislativo em uma democracia. Mesmo em países com um endêmico déficit de representatividade, é mais provável que resulte em decisões justas um procedimento envolvendo centenas de pessoas eleitas pelo voto popular, com sessões abertas e ampla divulgação na mídia, do que a reflexão íntima da(o) Chefe do Executivo ou o debate entre alguns juízes vitalícios e não-eleitos. Sem dúvida, é possível que a intromissão de interesses indevidos bloqueie a relação entre o Legislativo e a sociedade, ou que certos magistrados sejam mais sensíveis às orientações prevalecentes na sociedade que alguns agentes eleitos. Mas tudo isso é contingente: ceteris paribus, processos mais deliberativos têm maior probabilidade de produzir resultados justos – e, assim, maior legitimidade democrática – que outros. As eleições assumem, aqui, um inegável destaque. A conexão e a separação entre as esferas estatal e social sugere uma tensão, mas também uma correlação. Elas se enfeixam na responsabilidade democrática dos detentores de cargos políticos: sua contínua subordinação ao controle social e a eleições periódicas preserva a distinção entre a sociedade civil e o Estado (HABERMAS, 2012A p. 219) ao mesmo tempo em que constrói canais de interação dos cidadãos com seus representantes (MANIN; PRZEWORSKI; STOKES, 1999). A representação política impõe uma relação de mútua e contínua implicação entre os cidadãos e seus agentes: além de falarem pelo povo, as instituições precisam ser loci de reverberação das opiniões dos cidadãos. Por permitirem a seleção direta (das opiniões) de quem ocupará cargos públicos, as eleições são, assim, um item elementar do receituário democrático. No entanto, é preciso cuidar para não cair em novos devaneios e fantasias. Apesar de sua evidente relevância, nem os processos eleitoral e legislativo produzem uma identidade perfeita entre o universo de representados e o corpo de representantes29. Do fato de que ninguém encarna “o povo” – há sempre alguém que decide em lugar dele – decorre que nenhum órgão pode assumir a autoridade de um porta-voz definitivo de uma (inexistente) vontade popular. Nem mesmo o legislador. Eleições podem gerar “um governo responsável e limitado, mas não um governo representativo”, que exige a contínua recriação e garantia de uma harmonia dinâmica com a sociedade (URBINATI, 2006, pp. 193-194). Além disso, mesmo o processo legislativo tem seus limites. Como destaca Santiago Nino (2003, pp. 76 e 182-183), seu maior valor epistêmico não se aplica, e.g., no plano científico ou para a definição de fatos – até porque “não se decide, com maioria, o que é verdadeiro ou falso”

Não há como construir uma democracia a partir de uma concepção mimética de representação – que pretendesse ser uma “fotografia” da sociedade plural –, mas apenas sobre uma representação estética – que, à semelhança de uma obra impressionista, mantém o contato com a realidade social, porém admite certa independência na ação política dos representantes. Sobre o tema, com referência a Frank R. Ankersmit, v. LOUGHLIN, 2003, p. 70. 29

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(PERELMAN, 2000, p. 335) –, nem para a escolha de ideais de excelência pessoal (e.g., dieta, vida sexual), que repercutem apenas sobre a própria pessoa e, por isso, não dependem da exigência de imparcialidade que legitima as decisões coletivizadas. Ademais, como qualquer outra forma de justiça procedimental imperfeita, o processo legislativo pode gerar injustiças graves, voltando-se contra seus próprios pressupostos, o que torna admissível pensar em filtros, como o controle judicial de constitucionalidade das leis (MENDONÇA, 2015, p. 140). O ponto suscita três observações relevantes. Em primeiro lugar, o debate sobre a legitimidade democrática do controle judicial de constitucionalidade não opõe a democracia à Constituição, mas apenas duas ou três instituições específicas, com suas capacidades e características particulares. Consequentemente, não se deve examinar cada uma delas isoladamente, mas o sistema como um todo, que inclui órgãos político-partidários, Justiça, Administração Pública e sociedade civil, bem como as relações entre eles. Do fato de haver um órgão menos responsivo (ou responsivo de outra forma) ao povo não decorre necessariamente uma afronta à democracia; ao contrário, a combinação de diferentes instituições pode promover e aumentar a responsividade do sistema em geral – e.g., dando voz a quem não seja ouvido em outros fóruns (VERMEULE, 2011, p. 4 e p. 38 e ss.). Uma vez que não há “solução universalmente melhor, soluções específicas precisam ser adaptadas às condições e experiências históricas, à cultura política e às instituições políticas concretas de um país em particular” (DAHL, 2012, p. 305)30. Em segundo lugar, a democracia não postula a escolha de um órgão para dar a “última palavra” ou encerrar os debates políticos. Ao contrário, como ninguém pode se investir na posição de enunciar verdades obrigatórias ou de ser o intérprete final de uma (inexistente) vontade popular, o processo político não deve ser visto de forma linear. Quando ninguém é soberano, não há autoridade final ou término da discussão, que se move, não em uma linha, mas em um círculo – e, tal como a figura geométrica, não tem fim31. Mesmo que um debate específico termine, o processo político continua ad aeternum. Tanto assim que as decisões das “instâncias finais” por vezes estimulam seus críticos, alimentando o debate, em vez de encerrá-lo (BARROSO, 2015, p. 32)32. O regime democrático se constrói, portanto, na relação entre a sociedade civil (a esfera pública informal) e o Estado, mediada pelo sistema político representativo. São a autonomia relativa entre essas esferas e a

Destacando que a tensão entre as “gramáticas” dos direitos e do autogoverno nunca pode ser eliminada, mas apenas “negociadas de diferentes maneiras”, v. MOUFFE, 2005, p. 16. 31 Falando em um “ciclo democrático”, v. MENDONÇA, 2015, p. 151 e ss.. 32 Nos EUA, aponta-se que a decisão da Suprema Corte garantindo o direito de abortar (no célebre caso Roe v. Wade) estimulou os movimentos “pró-vida” (POST; SIEGEL, 2007). No Brasil, a decisão do STF que reconheceu as uniões entre pessoas do mesmo sexo levou à mobilização política – inclusive dentro do Congresso Nacional – de grupos, principalmente religiosos, que defendem uma concepção mais restrita de família. Isso demonstra o caráter dialógico da política – e da política constitucional em particular –, desenvolvida por ações e reações de diversos atores estatais e sociais. Sobre o tema, no Brasil, v. BRANDÃO, 2012. 30

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contínua ligação entre elas – e não o domínio de uma sobre as outras – que permitem que cidadãos livres participem na condução do Estado e na formação do direito. Em terceiro lugar, a conexão entre o sistema político e a sociedade civil não pode se limitar ao voto nas eleições. Além disso, é preciso que se apresente também no conteúdo da atuação dos representantes. Mesmo que não concordem com uma decisão específica, as pessoas precisam se reconhecer nela de alguma forma. Para isso, as instituições políticas devem atender à exigência de tratar a todos os cidadãos como sujeitos – o que envolve vê-los como indivíduos que podem sustentar razões para justificar condutas e, de forma simétrica, em relação aos quais os demais precisam “assumir responsabilidade”, oferecendo razões para o que fazem (FORST, 2010, p. 304). O exercício de poder, portanto, não se legitima apenas pelo voto, mas também por razões, de forma discursiva (BARROSO, 2015, p. 15). Para que os cidadãos se reconheçam na coletividade é preciso que as manifestações atribuídas a ela sublinhem a condição de todos como seus membros, demonstrando-lhes igual respeito e consideração (DWORKIN, 1989, p. 491 e ss.). Como é inviável antecipar as opiniões e convicções de cada um, só se pode atender a essa exigência apresentando fundamentos que poderiam ser aceitos por qualquer pessoa razoável. Dessa forma, mais do que justificar decisões, é preciso oferecer razões que possam ser razoavelmente aceitas pelos demais como critérios para atuação coercitiva do Estado (FORST, 2010, p. 317; GUTMANN; THOMPSON, 2004, p. 3 e ss.; SOUZA NETO, 2006, p. 85 e ss.). Isso remete à ideia de razão pública, baseada justamente no critério da reciprocidade33 (RAWLS, 1997, pp. 773-774). Ela opera uma restrição material sobre os discursos, impedindo, em certos contextos, que se recorra a razões sectárias. Essa exigência é juridicamente vinculante para as autoridades políticas, os candidatos a cargos públicos e, especialmente, os tribunais supremos34. Impõe-se, assim, a assunção de uma responsabilidade política por parte de cada cidadão sempre que servir nos fóruns formais e informais como representantes da coletividade35: embora esse dever não

Rawls (1997, p. 770) explica que “o critério da reciprocidade exige que quando tais termos [de cooperação] são propostos como os termos mais razoáveis de cooperação justa, aqueles que os propõem devem também considerar ao menos razoável que os outros os aceitem, como cidadãos livres e iguais, e não como dominados ou manipulados, ou sob a pressão de uma posição política ou social inferior”. 34 John Ralws (2000, p. 56) é claro ao afastar essas restrições do que chama de cultura de fundo, em particular quanto a reflexões pessoais sobre política ou em discussões levadas a efeito por associações, igrejas ou universidades. Isso reflete a distinção que ele faz entre o que chama de cultura política pública – que “compreende as instituições políticas de um regime constitucional e as tradições públicas de sua interpretação (inclusive as do judiciário), bem como os textos e documentos históricos que são de conhecimento geral” – e a cultura de fundo – que inclui das doutrinas abrangentes de todos os tipos, sendo “a cultura do social, não do político”. 35 Em rigor, não há qualquer novidade aqui. Desde Aristóteles se afirma que são impuras ou degeneradas as constituições em que se governa apenas para si, em vez de se ter em conta o bem comum (2000, p. 223). É por isso também que boa parte dos teóricos que já se debruçaram sobre a democracia insiste na virtude que deve estar presente nos cidadãos. Para Montesquieu (2012, pp. 44-55), o princípio do governo democrático – i.e., a força que o move – é a virtude dos cidadãos, compreendida como o desapego dos interesses próprios e da ambição pessoal em nome do bem 33

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se estenda juridicamente aos indivíduos e entidades privadas na sociedade civil – que têm liberdade para se expressarem como preferem –, idealmente todos devem se colocar no lugar de legisladores hipotéticos quando lhes couber participar no processo democrático, escolhendo os futuros ocupantes de cargos públicos e tomando decisões obrigatórias gerais. Trata-se de um dever moral dos cidadãos (RAWLS, 1997, pp. 768-769), incidente sempre que deixam a esfera da sociedade civil para ingressarem no espaço da representação política36. Só o que se exige é que tentem se colocar nos lugares dos outros; em vez de transformarem o Estado em um aparelho de satisfação dos próprios interesses, devem tomar decisões a partir da premissa de que todos merecem o mesmo respeito e a mesma consideração por parte do Estado. A ênfase na justificação destaca o caráter deliberativo do regime democrático: a representação popular não se esgota na combinação de eleições com a regra da maioria; mesmo os agentes eleitos têm o dever de expor razões suficientes para suas manifestações e atitudes. É o que Alexy (2005, p. 578 e ss.) chama de representação argumentativa. Naturalmente, esse dever recai com intensidade maior sobre os órgãos que, não sendo responsivos às urnas, só podem ser representativos pelo discurso. É o caso dos juízes, em especial daqueles encarregados da jurisdição constitucional: como não são oráculos, seu papel não é impor concepções pessoais de justiça ou preferências políticas, mas reiterar e garantir a autonomia dos cidadãos (HABERMAS, 2012a, v. I, p. 326), enquanto efetivam o compromisso histórico com o direito vigente. É preciso, portanto, que ofereçam razões para suas decisões, demonstrando sua representatividade, seja pela aplicação de normas produzidas nos canais de deliberação pública, seja, em caso de disfunção, pela recondução do procedimento democrático aos seus pressupostos, no exercício do controle judicial de constitucionalidade37. A responsividade do sistema político corresponde à conexão entre duas esferas

comum. Sem isso, a corrupção reina, a república se torna “um despojo, e a sua força não é mais do que o poder de alguns cidadãos e a licença de todos” (Ibid., p. 47). Na mesma linha, segundo Rousseau (1991, p. 107), “[q]uanto mais bem constituído for o Estado, tanto mais os negócios públicos sobrepujarão os particulares no espírito dos cidadãos”. E, concordando com Montesquieu, estendeu a exigência de virtude a todo “Estado bem constituído, embora mais ou menos, é verdade, segundo a forma de governo” (Ibid., p. 85). O resgate dessa virtude é um dos grandes destaques da obra de Rousseau (HERB, 1997, p. 59). 36 Como nem todos têm o conhecimento ou os meios necessários para se expressar, na esfera informal, em termos universais, a reciprocidade opera para exigir, dos outros cidadãos, que empreendam tentativas sinceras de compreender os anseios dessas pessoas e, tanto quanto possível, de ajudá-las a traduzi-los em argumentos passíveis de invocação na esfera formal – que, de todo modo, só permanece acessível à razão pública (HABERMAS, 2007, p. 147 e ss.). 37 Em relação à “pessoa do direito” – i.e., o conjunto daqueles que respondem diante do direito –, a justificação envolve o apelo à juridicidade de determinadas ações à luz do direito vigente (FORST, 2010, pp. 313-314). Embora não seja o caso de debater o tema nesta sede, adota-se o entendimento de que, havendo uma conexão necessária entre o direito e a moral, na interpretação e na integração das disposições jurídicas o aporte de valores morais significa a ampliação do esforço de justificação, de forma que as decisões sejam aceitáveis em caráter universal. Não se trata de superar ou ignorar as normas vigentes – ao menos, fora da situação-limite da “injustiça extrema” –, mas simplesmente de reconduzir decisões sobre temas conflitantes, para os quais o direito não dê resposta precisa, para o terreno da argumentação moral – i.e., para o reforço da Constituição.

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autônomas, porém associadas: a sociedade civil e o Estado. Isso exige uma combinação de eleições periódicas e inclusão discursiva, o que pode ser feito de variadas formas. Embora o peso relativo desses elementos varie de acordo com as instituições e o contexto histórico de cada país, um não exclui o outro: assim como a representação argumentativa é imposta também a órgãos eletivos, os agentes não-eleitos precisam argumentar à luz do direito elaborado pelos eleitos.

CONCLUSÃO

Uma das maiores revoluções do pensamento político foi a mudança na perspectiva do observador e do crítico: em vez de examinar as virtudes e características do bom governante (ex parte principis), adotou-se o ponto de vista dos governados (ex parte populi), para exigir o consentimento coletivo como critério de justiça política (BOBBIO, 2007, p. 62 e ss.). Pois bem: a democracia nos convida a ir além, a abandonar a própria distinção entre governantes e governados. Para isso, não se deve recorrer a ficções e palavras de ordem, que apenas ocultam a dominação de uns por outros. O problema está no próprio paradigma do governo (ARENDT, 2014, p. 277): é preciso superar a ideia de que deveria haver um autor da política e aceitar, em lugar dela, que é na livre interação de pessoas iguais que o verdadeiro poder público pode surgir. Isso não exige um soberano, muito ao revés. Tampouco demanda a fé em uma inexistente vontade popular. Basta que as opiniões de todos possam se desenvolver difusa e livremente, e contribuir para a tomada de decisão pelo Estado, mediadas e canalizadas por um sistema institucional que as tome como sujeitos em condição de igualdade. Em lugar da fantasia, portanto, basta a representação.

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