A desaparecida capela de Santa Cruz em Cavernães

May 25, 2017 | Autor: Carlos Alves | Categoria: Art History, Local History, História da arte, Historia Local
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A desaparecida capela de Santa Cruz em Cavernães

Carlos Filipe Pereira Alves EON, Indústrias Criativas, Lda. | Instituto de Estudos Medievais - IEM/FCSH-UNL

Resumo: O presente artigo tem como objetivo dar a conhecer a história de uma capela dedicada a Santa Cruz instituída na localidade de Cavernães, em 1605, pelo cónego da Sé de Viseu Jorge Henriques. Através da análise das fontes documentais, nomeadamente, a carta de fundação da capela e das visitações à paróquia de Cavernães realizadas entre 1640 e 1715, somos capazes traçar a evolução arquitetónica do espaço e perceber as vicissitudes pelas quais passou até aos meados do século XVIII, momento em que surge referenciada documentalmente pela última vez e que pode coincidir com o seu desaparecimento.

Palavras-Chave: Capela, Cavernães, Jorge Henriques, Santa Cruz, Viseu.

1. Estado da Arte

Antes de falarmos concretamente acerca da fundação e extinção da capela de Santa Cruz, tema que nos leva a escrever este artigo, julgamos ser necessário, e um precioso auxílio para investigações futuras sobre o património de Cavernães, fazer um estado da arte sobre a história e o património da freguesia. Neste sentido, Cavernães dista a pouco menos de 10 quilómetros do centro da cidade de Viseu. A aldeia possui 14,13 km2 de dimensão e encontra-se a cerca de 650 m de altitude. Surge implantada num vale sendo beneficiada por diversos cursos de água entre os quais se destaca a Ribeira da Senhora da Vitória. A freguesia é composta pelos lugares das Vendas da Moita, Cavernães, Casal, Junçal, Passos, Ermida, Carragosela, Corredoura, Alvelos, Silvares, Nogueiredo e a Cavada. Segundo os últimos dados resultantes dos censos populacionais, Cavernães possui 1348 residentes apresentando um decréscimo populacional em relação ao último censos populacional como se pode verificar pelo quadro da figura 1.

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Figura 1: Gráfico da evolução demográfica da freguesia de Cavernães. Fonte: INE

No que diz respeito à investigação e conhecimento da história e do património de Cavernães, a atenção dos investigadores recaiu exclusivamente nas pinturas quinhentistas de António Vaz patentes no retábulo barroco da igreja matriz.1 O legado literário da segunda metade do século XX, acerca das tábuas da igreja de Santo Isidoro foi, somente, contrariado pelo trabalho de Manuel de Alvelos acerca das aras romanas existentes na localidade das Vendas da Mouta abrindo, desta forma, a janela para futuras investigações.2

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A propósito dos quadros existentes na igreja matriz de Cavernães foram publicados os seguintes

trabalhos: SANTOS, Luís Reis, “Dois painéis no estilo de António Vaz na matriz de Cavernães” in, Beira Alta, Viseu, 4:4 (1945) 239-243. MOUTA, José Henriques – “Pintores de Viseu: Escola ou dinastia?” in, Beira Alta, Viseu, 28:1 (1969) 29-62; 28:2 (1969) 163-208; 28:3 (1969) 350-393. RODRIGUES, Dalila, António Vaz, Grão Vasco e a pintura Europeia do Renascimento, Lisboa, 1992. 2

Falamos especificamente do legado de Manuel Alvelos que publicou nesta mesma revista o artigo:

ALVELOS, Manuel de, “A Ara das Vendas de Cavernães”, in Beira Alta, Viseu, 11:3 (1952) 263-266. As Aras Romanas das Vendas de Cavernães surgem novamente referenciadas nos trabalhos de ENCARNAÇÃO, José de, As Divindades Indígenas da Lusitânia, Coimbra, Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra, 1987, p. 27.

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Contudo, o património histórico e arqueológico da freguesia de Cavernães remonta ao megalitismo, num momento em que os homens da pré-história marcavam a paisagem com elegantes e singulares monumentos funerários conhecidos como antas, ou dolmens. Em Cavernães, as prospeções arqueológicas realizadas até ao momento permitiram identificar cinco desses monumentos, a saber: a mamoa do Alto do Marco, a Orca da Lameira 1 e a Orca da Lameira 2, a Quinta das Antas e a Quinta do Padrão.3 O legado Romano na freguesia de Cavernães não é menos importante. Como foi referenciado anteriormente, Manuel Alvelos deixou uma importante publicação sobre as aras romanas existentes num templo sito nas Vendas de Cavernães dedicado a Luruni. Como nos fez notar José de Encarnação, não se conhecem as características do culto a esta divindade. No entanto, sabe-se que foram encontrados 4 altares constituindo um espólio importante tendo em conta a dimensão do culto. Do período coincidente com o final do Império Romano e a transição para o início da Idade Média, habitualmente designado por Alta Idade Média surgem referenciadas um conjunto de sepulturas escavadas na rocha entre as quais se destaca o núcleo existente no lugar da Corredoura, onde para além das sepulturas foram encontradas igualmente fragmentos de tégulas, ímbrices, tijolos, cerâmica comum, pedra miúda aparelhada e um peso de tear.4 Deste período de transição entre o mundo romano e o início da Idade Média pode estar também relacionada uma lagareta existente no lugar da Ermida, pese embora não esteja referenciada em qualquer roteiro arqueológico ou base de dados patrimonial. Portanto, como é possível verificar, o património histórico e arqueológico de Cavernães é uma realidade. Todavia, é desconhecida e desvalorizada, necessitando de uma estratégia de valorização, identificação e recuperação no sentido de preservar a memória de séculos de ocupação humana. No que diz respeito ao período medieval, a mais antiga referência documental a Cavernães remonta a um pergaminho datado de 1296, depositado no arquivo do Museu 3

MOITA, Irisalva Nóbrega, “Características predominantes do grupo dolménico da Beira Alta” in,

Ethnos, Lisboa, 1966, 5, pp. 189-277; GIRÃO, Aristides de Amorim, “Monumentos préhistóricos do Concelho de Viseu”, in O Arqueólogo Português, Lisboa, 1992, 1ª série: 25, p. 183-189 4

PEDRO, Ivone, “Sepulturas escavadas na rocha do Distrito de Viseu” in, II Colóquio Arqueológico de

Viseu, Viseu: Associação de Defesa do Património e Ambiente Amigos da Beira, 1990. VAZ, João Luís da Inês, Roteiro Arqueológico do Concelho de Viseu, Viseu, 1987, Edição do Autor, p. 55. MARQUES, Jorge Adolfo M, Sepulturas escavadas na rocha na região de Viseu, Viseu, 2000.

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Nacional de Grão Vasco.5 Nele o bispo de Viseu, D. Egas comprou por intermédio de um mercador uma herdade existente em Cavernães aumentando, desta forma, a sua riqueza patrimonial. Desde este momento até à época Moderna, período em que nos vamos focar para analisar a instituição da capela de Santa Cruz, a informação relativa à história e património locais são escassas. Os cruzeiros e as alminhas que pontuam pelos caminhos e encruzilhadas da freguesia são, igualmente, um elemento do património religioso que não podemos ignorar, uma marca da piedade popular e da vivência religiosa das épocas moderna e contemporânea. No que concerne ao património imaterial, o grupo folclórico “As Costureirinhas de Cavernães” tem vindo a desenvolver esforços durante as últimas décadas para manter vivas as tradições etnográficas da aldeia, nomeadamente nos trajes e nas músicas que durante gerações foram cantadas e vividas nos campos e nos terreiros de algumas casas de Cavernães. Por fim e não menos importante, é a toponímia de alguns dos lugares da aldeia tantas vezes desconsiderada no domínio da investigação. Deste modo, um dos topónimos mais importantes diz respeito ao facho. Popularmente é conhecido como alto do facho e domina toda a paisagem sobre o vale com alcance para a Serra da Estrela e toda a planície voltada para Mangualde. Nas memórias paroquiais, o alto do facho surge descrito como um “outeio chamado do Facho, que nas Guerras antigas servia de Facho e dahi hé que tomou o nome. E do mesmo outeio se vê a cidade de Viseu que dista legoa e meia, e a cidade da Guarda que dista dez legoas, e a villa de Mangualde que dista duas legoas, e a villa de Trancoso que dista sete legoas, e a praça de Castello Rodrigo que dista dezoito legoas, e a Villa da Lapa que dista cinco legoas, e a villa de Linhares que dista seis legoas, e a Serra da Estrela que distará oitoo legoas e a serra de Monte Muro que distará cinco legoas e a serra do Guardam chamada a do Caramullo que dista seis legoas”.6

5

SARAIVA, Anísio, Monumentos de Escrita: 400 anos da História e da Sé e da cidade de Viseu (1230-

1639). Viseu, 2008, p. 46. 6

CAPELA, José Viriato; MATOS, Henrique, As freguesias do Distrito de Viseu nas Memórias

Paroquiais de 1758, Memória, História e Património, Vol. 6, Braga, 2010, pp. 651-652.

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Se atendermos à descrição relatada nas memórias paroquiais, o facho remete-nos para um período recuado na história, porventura, relacionado com a fundação da nacionalidade. Como assinala Mário Barroca, Facho deriva do latim fax e pretendia designar um tipo de estrutura de vigilância, normalmente uma construção em forma de torre, de planta quadrangular, em madeira ou pedra colocada estrategicamente no alto de um monte beneficiando de uma boa paisagem como se verifica no caso de Cavernães 7. A implantação desta estrutura tinha como objetivo a sinalização dos locais através de fumo ou da luz mediante o dia ou a noite. Portanto, a localidade durante a alta Idade Média assumiu-se como um ponto estratégico na estrutura defensiva da região de Viseu.

2. A instituição da Capela de Santa Cruz em Cavernães

A pouco menos de dez dias do natal de 1605, Jorge Henriques, cónego da Sé de Viseu, anulou a primeira instituição da capela na propriedade que possuía em Cavernães e voltou a determinar a edificação, com o seu respetivo vínculo patrimonial, de uma nova capela, desta feita à entrada da quinta, dedicada a Santa Cruz.8 Uma análise mais atenta e cuidada ao documento depositado no arquivo do Museu Nacional de Grão Vasco permite-nos determinar as cláusulas e as as condições impostas pelo cónego Jorge Henriques para a construção do templo. Com efeito, o contrato foi redigido tendo em atenção, três pontos, a saber: a descrição do espaço físico e da quinta, o direito sucessório e as determinações litúrgicas a aplicar na capela. Por outro lado, um dos aspetos mais interessantes do contrato diz respeito à ausência de qualquer informação relativa à construção da capela ou, 7

BARROCA, Mário Jorge, “organização Territorial e recrutamento Militar” in, Nova História Militar de

Portugal, Dir. Manuel Themudo Barata; Nuno Severino Teixeira, Vol. 1, p. 87. 8

Jorge Henriques era natural de Viseu onde exerceu o cargo de cónego na catedral. Inspirado nas viagens

de S. Teotónio pela terra Santa, resolveu seguir os passos do primeiro prior da catedral de Viseu e partiu em março de 1561, com destino a Veneza onde chegou em julho de 1562. Em agosto estava em Jafa e em Jerusalém celebrou eucaristia nos altares do Santo Sepulcro, do Nascimento e do Santuário do Loreto. Visitou Roma e daí partiu em direção a Viseu onde chegou em Janeiro de 1562. No claustro da catedral de Viseu instituiu, em 1525, uma capela dedicada a Cristo crucificado. Sobre o arco dessa capela surgem as insígnias de Jerusalém com o timbre de uma mão e um bordão alusivo à sua jornada. ARAGÃO, Maximiano de, Letras e Letrados Viseenses, p. 63.

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inclusivamente, a qualquer apontamento arquitetónico. Isto pode-se justificar pela relativa fase embrionária de todo processo e, pela possibilidade de ter sido relegado para uma segunda etapa, no momento em que se procedeu efetivamente à construção do templo e se realizou, porventura, um contrato de obra mais detalhado. Portanto, a julgar pela referência documental, a nova capela devia ser construída à entrada da quinta “junto da fonte do lugar”, isto é, bem no coração da aldeia de Cavernães onde ainda hoje se pode encontrar, a popularmente conhecida, fonte velha, em oposição à fonte nova edificada em 1924. A quinta onde se implantou a capela era composta por casas, porventura, a de melhor qualidade pertencente ao proprietário, outra destinada aos administradores e, por fim, dependências agrícolas onde se guardavam os animais e os materiais que eram utilizados no auxílio à gestão “dos pomares, olival, vinhas coutos e moutas e lagar da ditta vinha e com todas suas terras de pão e pomares e lameiros” às quais se juntavam o “pomar da [Vendas] Mouta, dezanove ou vinte excerto de macieiras e pereira que estão junto a cruz”. Deste modo, a quinta, para além do espaço físico que possuía, apresentando uma dimensão razoável com uma diversidade de culturas, contava ainda com outros campos agrícolas administrados fora do seu espaço físico nomeadamente na localidade das Vendas da Moita. Ao presente ainda é possível encontrar viva a memória da quinta de Santa Cruz na toponímia da aldeia desta feita, numa habitação com terrenos provavelmente pertencentes à antiga quinta seiscentista que agora tem a sua entrada voltada para a estrada municipal.

Figura 2: Sinalização a verde da Quinta de Santa Cruz. ©Carlos Alves.

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Em segundo lugar, o direito sucessório e as condições em que a propriedade devia ser administrada e gerida foi um dos pontos mais extensos do contrato e, simultaneamente, o mais objetivo. Portanto, o cónego Jorge Henriques ciente da sua finitude na terra e perante a possibilidade de divisão das suas propriedades após a sua morte, determinou que a “fazenda ande sempre unida e junta”. Porém, a mestria e a inteligência do contrato revelar-se-ia nas indicações deixadas aos seus sucessores. Portanto, Jorge Henriques pretende deixar escrito e bem claro para as gerações vindouras a indivisibilidade da fazenda, e prevendo futuros problemas económicos e a possível utilização da quinta como moeda de troca para pagamento de dívidas, determinou que em “nenhum caso que possa suceder assi por razão da paga e satisfação de quaisquer dividas que por via de justiça ou de pessoas particulares, nem menos de paga ou satisfação de dotes ou processas deles, nem a para segurança de fianças, ou ipotecas alguas, se possa dividir nem partir, nem alhear, nem por algum outro modo se poderá apartar ou dividir e desunir, nem vender, nem tocar, nem escambar, dar nem doar cousa algua da ditta quinta e bem anexados”. Contudo, o espaço só podia ser dividido ou desmantelado através de “dispensação apostólica do summo Pontifice, ou de qualquer legado, ou pessoa que tenha seu poder ou qualquer Bispo ou Prelado”. Querendo evitar a desagregação do seu património e, de certa forma, querer em simultâneo obrigar as gerações seguintes a comprometerem-se com a manutenção e preservação da quinta e, sobretudo da capela, Jorge Henriques, determinou no contrato o modo como o património passava de geração em geração. Com efeito, o património do cónego passava, naturalmente, “ao herdeiro mais chegado do sangue e geração delle ditto George Henriquez instituidor e nam a outra pessoa que seja estranho e alheo do seu sangue”. Era demais intenção do instituidor que a fazenda “e capela ande nas pessoas de sua geração pelo modo seguinte a saber, que o filho mais velho macho suceda sempre nela, porem em defeito de macho sucedera fêmea e não havendo filhos nem netos de legitimo matrimónio em tal caso herdarão os bastardos sendo legitimados e habilitados por el Rey: e não havendo filhos nem filhas neto nem neta nem ainda dos tais filhos bastardos legitimados, em tal caso sucedera nesta instituição o parente mais chegado da geração e sange delle”. Portanto, seguindo esta lógica na transmissão da propriedade, Jorge Henriques pretende comprometer contratualmente desde já duas gerações no compromisso de manter a propriedade e capela, deixando expresso no seu contrato que “falecendo elle 7

instituidor sem fazer testamento desde agora lhe suceda nesta ditta capella e bens o seu filho Hieronymo Henriquez”. Ao falecer Jerónimo Henriques “sem filhos de legitimo matrimónio por seu falecimento sucederá nesta capela Isabel Henriquez filha delle instituidor ou seus filhos della pela ordem e forma desta instituição: e não tendo ella filhos nem filhas de legitimo matrimónio, sucederão nesta instituição os filhos bastardos do dittto Hieronymo Henriquez, sendo primeiro legitimados por el Rey, e não avendo filhos de nenhum delles ficará esta instituição ao parente mais chegado delle instituidor o que tudo se entenderá depois do falecimento delle instituidor: e não havendo como ditto he filhor nem netos dos dittos Hieronymo Henriquez e Isabel Henriquez: e falecendo elles declara desde agora e nomea por parente mais chegado e sucessor de Hieronymo Henriquez e de seus filhos bastardos e da ditta Isabel Henriquez a George Gomez seu sobrinho conigo na see desta cidade ou a qual quer dos irmãos do ditto George Gomes precedendo o mais velho: e não avendo machos sucedera fêmea”. Deste modo, a passagem documental permite-nos perceber a estratégia sucessória estabelecida por Jorge Henriques, ao pretender manter a propriedade na família quer fosse administrada pelos filhos legítimos e netos, quer fosse pelos bastardos reconhecidos a posteriori pelo monarca. Em última instância, no caso de não se verificar qualquer uma das anteriores opções, a propriedade passava para o sobrinho do instituidor, o cónego Jorge Gomes ou para algum dos seus irmãos. Na impossibilidade de não haver uma sucessão através da varonia, o património revertia por fim para a linhagem feminina. Delimitado o espaço físico e definidas as estratégias sucessórias, o contrato entra agora o último ponto, isto é, o domínio litúrgico e do modo como devia ser administrada a capela de Santa Cruz. Com efeito, à capela de Santa Cruz estava destinada uma pensão anual de quatro mil réis para com ela se dizerem treze missas. A primeira ocorria no mês de Setembro no dia da exaltação da cruz, enquanto as restantes doze celebrações aconteciam no primeiro dia de cada mês, com exceção do domingo ou dia santo, por guarda e respeito ao momento, transferindo-se, assim, para o dia seguinte. Todas as celebrações eucarísticas eram dedicadas a Santa Cruz e no final o povo estava obrigado a rezar em voz alta um Pai Nosso pela vida e salvação do cónego Jorge Henriques enquanto for vivo. Após a sua morte, o povo mantém a obrigação de rezar o Pai Nosso, ao qual acresce no final da missa o fato de o sacerdote ser obrigado a dizer um responso e a lançar água benta sobre os fiéis seguindo-se um conjunto de três orações. Porém, na mente de Jorge Henriques 8

estava igualmente a caridade e a assistência aos mais pobres. Isso verificou-se no estabelecimento da condição de que “estarão presentes as dittas missas e a cada hua dellas doze pessoas das mais pobres do ditto lugar de cavernaes”. O modo como se escolhiam as dozes pessoas estava ao encargo da consciência do padre, havendo apenas uma condição: “não serão duas pessoas de hua casa”. Os selecionados tinham a obrigatoriedade de ter uma vela na mão fornecida pelo sacerdote antes de começar a eucaristia e que devia permanecer acesa durante toda a cerimónia. No final, cada um dos doze pobres devia receber uma esmola de um vintém, e após a morte do cónego Jorge Henriques, a esmola subia para os quinze réis. No que diz respeito à composição do espaço interior, nomeadamente o altar, símbolo por excelência de qualquer edifício religioso, ficou determinado haver em cada uma das missas, “duas velas ou dous rolos ao modo dos de S. Francisco de Orgens de maneira que senão dirá nenhua das dittas missas sem dous lumes de cera no ditto haltar hum de hua banda e outro da outra”. Da pensão anual estabelecida nos quatro mil réis, trezentos e trinta réis estavam destinados à cera utilizada nas velas, enquanto quatrocentos e sessenta réis estavam reservados para a fábrica da capela e da igreja de Cavernães. Desta última verba era extraída a esmola a dar aos pobres. Um aspeto não menos importante diz respeito à indumentária e aos adereços litúrgicos a figurar no altar da capela de Santa Cruz. Neste sentido, o cónego Jorge Henriques determinou a existência de “vestimenta e calyx e missal e os mais ornamentos necessários pera se poderem dizer as dittas missas a custa dos possuidores da ditta capella”. Por fim, o cónego da Sé de Viseu pretendia que os futuros proprietários da capela fossem obrigados a prestar contas aos visitadores para estes aferirem como está a ser gerida a fábrica do templo, bem como a distribuição das esmolas junto do povo. Não sendo cumpridas estas exigências fica expresso que o “visitador que então for, livremente poer sua autoridade sem consentimento do possuidor, tomar tanto dos frutos dos dittos bens quanto baste para se refazerem e satisfazerem as esmolas que os pobres deixarão daver no tempo que o possuidor lhes reteve as dittas esmolas sem justa causa do gasto da dita fabrica”. Além do mais era solicitado ao visitador “tomar conta de como se cumprem e satisfazem os encargos da ditta capela e que obriguem … os possuidores a cumprir com as dittas obrigaçois com as penas que lhe parecer em cada vez que foi visitar a ditta capella que será ao tempo que se visitar a Igreja de Cavernaes”. 9

Em suma, o cónego Jorge Henriques definiu ao milímetro a instituição da capela dedicada a Santa Cruz desde a sua implantação no espaço, ao modo como ela devia ser administrada pelas gerações seguintes. Contudo, falta-nos aferir dois aspetos: o primeiro diz respeito à verificação do cumprimento das exigências redigidas no contrato na realidade, e o segundo prende-se com o modo como a capela foi superintendida ao longo do tempo e quais as vicissitudes que ditaram o seu desaparecimento. Para tal, as visitações levadas a cabo na paróquia de Cavernães entre 1640 e 1715 são determinantes para conseguirmos interpretar a evolução do espaço juntamente com alguns dos seus apontamentos arquitetónicos.

3- A importância das visitas paroquiais para a definição de um espaço

Não obstante a importância das visitas paroquiais no capítulo da história da religião e da abertura de novos canais de comunicação na política de proximidade entre a diocese e as suas paróquias, as visitas assumem-se como uma importante fonte para a análise e estudo do património e, no caso concreto da capela de Santa Cruz, permite-nos fazer a ponte entre aquilo que foi contratualizado no início do século XVII e o modo como ela estava a ser administrada durante os séculos XVII e XVIII.9 Com efeito, a primeira referência à capela de Santa Cruz nas visitas à paróquia de Cavernães ocorre no último dia de abril do ano de 1652. Nessa visita o cónego da sé de Viseu, Francisco do Amaral Pessoa constatou que a capela não se encontrava nas melhores condições estruturais dando ordens para que se “retelhe a dita capela e concerte o forro de tudo o necessário, e mande fundir o sino della o que se fará ate dia de S. Miguel pelo perigo que corre de cahir em outro inverno”.10 Volvido um ano, o visitador ao rever as determinações impostas pelo seu antecessor constatou que o rendeiro da capela de Santa Cruz não cumpriu com o que lhe foi indicado. Até então foi apenas realizado o concerto da cobertura, ignorando a

9

As

visitas

à

paróquia

de

Cavernães

http://digitarq.advis.dgarq.gov.pt/ através da cota:

encontram-se

disponíveis

PT-ADVIS-PRQ-PVIS07-009-0001.

online

em

Foi através da

sua consulta no sítio web que obtivemos os dados relacionados com a capela de Santa Cruz. 10

Idem, fl. 12, v.

10

necessidade de refazer o forro e a fundição do sino, obras que tinham que estar concluídas até ao dia de páscoa do ano seguinte. Em 1655, a preocupação do cónego que visitou o templo recaiu, especialmente, para o retábulo, que na sua opinião devia ser reformulado uma vez que era necessário colocar umas “toalhas de bom linho e huas cortinas”.11 Entretanto passaram cinco anos até que houvessem notícias acerca da capela de Santa Cruz. E aquilo que o visitador constatou não abonava em nada os administradores da capela, e não dava seguimento ao que havia sido estipulado pelo seu fundador. Com efeito, o abade Henrique Gomes da Costa registou as lamentações dos fregueses de Cavernães em relação ao facto do possuidor da capela não dar satisfação ao que o instituidor mandava desde a fundação do templo. Mais importante do que as lamúrias populares, foi a indicação da existência “de um letreiro que esta na dita capela, que me consta estar conforme com a instituição em que mande e ordena o instituidor se gastem quatro mil reis todos os anos em 13 missas, e a cada missa assistam doze pobres com 12 velas acesas na mão e a cada hum se dê hum vintém de esmola por cada vez”.12 Perante tamanho incumprimento da vontade do fundador, o abade Henrique Gomes da Costa foi bastante claro e, simultaneamente, rígido quanto às medidas a tomar para solucionar o problema. Com efeito, o abade ordena “ao possuidor da capela dê inteira satisfação a tudo o que o instituidor ordena em sua instituição que he o asima declarado e ao padre cura desta igreja mando sob pena de excomunhão notificar ao caseiro desta quinta, ou a quem a trouxer de arrendamento não entregue os quatro mil reis ao possuidor salvo lhes constar que ele dá satisfação aos pobres como o instituidor ordena”.13 Portanto, o registo de 1660 assume especial importância na medida em que nos permite pela primeira vez aferir informação acerca de apontamentos arquitetónicos e estilísticos do templo, nomeadamente, através da existência de uma epígrafe que na visitação de 1664 surge novamente referenciada como “as letras das pedras que estão na dita capela”14 que atestam a vontade do cónego viseense Jorge Henriques em

11

Idem, fl. 16, f.

12

Idem, fl. 21, f; v.

13

Idem, ibidem.

14

Idem, fl. 24, v.

11

realizar as 13 missas com a presença dos pobres à qual devia ser distribuída no final a respetiva esmola. Desde 1664 até 1683, registam-se apenas ligeiros apontamentos relacionados com a gestão do património, sendo indicado “o concerto das portas da capela”15 e a encomenda de uma cadeia para o sino para impossibilitar o acesso aos populares de maneira a evitar inconvenientes. Contudo, a visitação levada a cabo em 1683, voltou-se essencialmente para o domínio das alfaias liturgias, fornecendo-nos, novamente, informação essencial quanto à encomenda e ao autor da mesma. Assim, o visitador ordenou a encomenda de um cálice para constar dignamente na capela. Todavia, o administrador tardou em tratar do processo e, até à data, o cálice ainda não estava no templo, o que lhe valeu uma multa de dois mil réis. Para se justificar e, desta forma, evitar a sanção pecuniária, o administrador apresentou a nota de encomenda do cálice proveniente do “ourives Estevam da Motta Santiago da cidade de Viseu”.16 O visitador foi insensível à ausência do cálice no templo e determinou que ele devia constar no respetivo altar até ao dia de natal. Para além da questão do cálice, foi apontado ainda a necessidade de rebocar a capela no seu interior e proceder ao concerto do forro “por estar ainda velho e roto”.17 A partir de então começaram a denotar-se problemas na estrutura da capela o que implicava por parte dos seus administradores a necessidade de realizar um elevado investimento económico tendo em vista a sua resolução. Com efeito, as marcas do tempo faziam-se sentir nas paredes da capela, obrigando o visitador a ordenar a pintura “na parede onde tinha chovido” e a mandar “limpar as mais paredes da capella de algum pó, de que estam manchadas pera que fiquem todas brancas”.18 Portanto, no último quartel do século XVII começamos a denotar algum desleixo em relação à manutenção do espaço, eventualmente, justificado por uma menor afluência do povo e, provavelmente, algum desinvestimento por parte dos seus administradores. Em 1686, para além da obrigação de encomenda de um amito para o

15

Idem, fl. 26, v.

16

Idem, fl. 45, f.

17

Idem, ibidem.

18

Idem, fl. 47, v.

12

sacerdote utilizar durante as missas, foi determinado que “acabem de por ao olival o pavimento da capela”.19 Foi, no entanto, a partir do verão de 1687 que os problemas surgiram verdadeiramente na Capela de Santa Cruz. O visitador, quando passou pela capela verificou que ali “se diz missa sem frontal o que é menos decência” dando ordens para solucionarem o problema. Acontece que, a solução apresentada não vai ao encontro do fim para o qual a capela tinha sido edificada, isto é, a assistência aos pobres da aldeia. Portanto, o visitador sugere que para a compra do frontal se deixe de “repartir pelos pobres a quantia que manda a instituição de hoje por diante na forma que assim ordenou o instituidor e outrossi mandará jaspear a Cruz e o frontal de pedra do altar dentro de tres meses”.20 Porém, a visitação seguinte liderada pelo mestre-escola da Sé de Viseu, Gonçalo Silva, foi bastante crítica pela forma como estava a ser governada a capela de Santa Cruz. Nas palavras do mestre-escola “os administradores da capela se tem havido na satisfação dos legados della que mostram querem o dotte e não a espoza de Christo e deixam ir arruinando a ditta capella sem amor nem temor a Deus”.21 Portanto, a solução encontrada passava por recuperar “as emolas para a redificação da capela” e que daqui por diante fizessem todos os registos de receita e despesa num livro que o mestre-escola obrigou a comprar. Desde este momento e até 1710, a capela de Santa Cruz não recebeu qualquer outra visita. Nesta última data, o Dr. Manuel Ribeiro de Almeida voltou à referida capela para mandar caiar e dourar a cruz. Volvidos quatro anos, o visitador volta à capela de Santa Cruz para ordenar ao “depositário da capela de Santa Cruz contribua com o dinheiro que for necessário para a fabrica pera o que for necessário”.22 Por fim, a capela de Santa Cruz surge novamente referenciada nos registos das visitações à paróquia de Cavernães em 1715, num momento em que, uma vez mais, o templo se vê confrontado com a necessidade de “alguns reparos e consertos e porque a fabrica delle esta liquidados sete mil e tantos réis o reverendo abade os destrebua em

19

Idem, fl. 50, f.

20

Idem, fl. 51, v.

21

Idem, fl. 53, v.

22

Idem, fl. Numeração ilegível.

13

as obras mais necessárias athé donde chegar o dito computo”.23 O relato pode indiciar um relativo abandono do templo e a urgente necessidade em levar por diante um conjunto de reformulações estruturais para evitar o se desaparecimento. No entanto, a última referência documentada à capela de Santa Cruz é proveniente das memórias paroquiais, datada de 1758 e redigidas pelo abade Maurício da Costa Leitão. Nelas, o abade de Cavernães descreve a capela de Santa Cruz implantada “no lugar de Cavernães que está entre os ditos dou lugares de Cavernães de Baixo e o de Cima, e hé dela administrador Francisco Xavier de Almeida Castel Branco da vila do Louriçal, bispado de Coimbra”.24 Sabe-se, no entanto, que apesar de as visitações terem determinado a eliminação da prática da distribuição das esmolas, ela manteve-se, isto porque, o registo das memórias paroquiais menciona a missa realizada “todos os primeiros dias de cada mês do anno a que assitem doze pobres com huma vella acesa na mam de cada pobre e lha dam de esmola a cada hum nove vinteins pela assistência, das sobreditas doze missas e tem uma além das doze rezada em o dia da Exaltaçam da Santa Cruz”.25

4 – Conclusões

Em conclusão, o contrato redigido pelo cónego da Sé de Viseu Jorge Henriques pretendia na prática instituir uma capela numa das suas propriedades tendo como missão a assistência aos mais pobres. O contrato é o exemplo de como o instituidor tinha bem presente o que pretendia na hora de fundar um templo, nomeadamente, no que dizia respeito ao direito sucessório, privilegiando os laços de sanguinidade através dos filhos ou em última instância cabia ao seu sobrinho, também ele cónego da Sé de Viseu, administrar a capela fundada pelo seu tio. Contudo, a realidade demonstrou uma vivência atribulada como nos deixou claro o registo das visitas à paróquia no século XVII e XVIII. Desde as transgressões ao que havia sido determinado pelo seu fundador à negligência do espaço e à sua conservação,

23

Idem, ibidem.

24

CAPELA, José Viriato; MATOS, Henrique, As freguesias do Distrito de Viseu nas Memórias Paroquiais de 1758, Memória, História e Património, Vol. 6, Braga, 2010, pp. 651-65225

Idem, ibidem.

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a capela de Santa Cruz foi, essencialmente, o palco para o amparo e apoio à comunidade mais desfavorecida da aldeia. As fontes documentais são preciosas ao fornecerem dados relacionados com os aspetos litúrgicos de um templo com estas características e o modo como ele devia ser gerido. À medida que avançamos no tempo, as informações tornaram-se escassas dando a ideia de que houve um desinvestimento, ou desinteresse na capela de Santa Cruz. A última referência surge nas memórias paroquiais. Uma vez mais não sabemos nada acerca da sua estrutura ou arquitetura, sabemos apenas que nele ainda se mantinham as determinações do seu fundador. Desde este relato da segunda metade do século XVIII, nada mais se sabe até ao momento. O templo hoje em dia já não existe, desconhecemos por completo as razões que levaram ao seu desmantelamento, e ao seu perpétuo esquecimento junto da população. A sua memória surge guardada, somente, na documentação que pretendemos reavivar através deste artigo.

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Transcrição documental

Arquivo Museu Nacional de Grão Vasco, Documentos Avulsos, nº 25 - 1605, Dezembro, 14, Viseu, nas casas do cónego António Madeira. Jorge Henriques, cónego da Sé de Viseu, anula a primeira instituição de capela na sua quinta de Cavernães e institui, com o seu respectivo vínculo patrimonial, uma outra capela, feita à entrada dessa sua quinta, de invocação de Santa Cruz, com a intenção de lhe anexar essa mesma quinta e demais propriedades, em Cavernães e seu termo.

Saibam quantos este estromento de Instituição de capella e revogação de outra virem que no anno do nascimento de nosso Senhor Jesu Cristo de mil e seiscentos e cinco annos, em os quatorze dias do mez de Dezembro, na cidade de Viseu, nas casas das moradas do Licenciado António Madeira conigo prebendado na See desta cidade, estando ahi presente George Henriquez Conigo outrosy na see desta cidade de Viseu. Logo por o ditto conigo George Henriquez foi ditto perante mi tabaliam e testemunhas adiante nomeadas que ele tinha feyto em publico hua instituição da capella da sua quinta de Cavernaes termo desta cidade de Vizeu com suas pertenças, a qual foy feita nesta cidade de Vizeu por mim tabalião em minha nota aos onze dias do mês de Janeiro do anno de mil e seiscentos e hum annos e forão della testemunhas o ditto Licenciado António Madeira e seu irmão Miguel Madeira que Deus tem; e ora por iustos respeitos que a isso o moviao, revogava e defeito logo revogou a ditta instituição e a annulava e havia por nenhua e de nenhum vigor com tudo o em ella contheudo; e que em caso que pareça em (?) algum, que e há por bem que se lhe não de creditto em juízo nem fora delle. E hora novamente por este estromento disse elle conigo George henrriquez perante mim tabalião e testamunhas adiante nomeadas, que tinha e possuía uma quinta dizima a Deus no lugar de Cavernaes termo desta cidade, a qual esta tapada sobressy na entrada da qual quinta junto da fonte do lugar elle fez hua capella da invocação de Sancta Cruz com intenção de annexar e a vincular à mesma capela a mesma quinta e todas as mais propriedades que elle tem e ao diante tiver no ditto lugar de cavernães e seus limites e na freguezia do ditto lugar por qualquer via e modo que lhe pertenção; e isto com as obrigações e condições, e pelo modo e maneira adiante declarado. Pera o que logo disse que elle a vinculava e annexava como defeito a vinculou e annexou a ditta Capella de Sancta Cruz, doie pera todo sempre a ditta sua quinta com todas suas 16

pertenças na forma atras declarada; a saber, casas della com seus pomares, olival, vinhas coutos e moutas e lagar da ditta vinha e com todas suas terras de pão e pomares e lameiros. E alem disso outrosi a vinculava e annexava a ditta capella todas as propriedades e bens de Raiz que ora tem e ao diante tiver e se achar pertenceremlhe e serem suas que estiverem no ditto lugar de cavernaes e seus limites e freguezia e declarou elle instituidor que fazia esta annexação e instituição pera serviço de nosso senhor e em louvor de Sancta Cruz e alem disso pera milhor conservação da ditta fazenda para que assi ande sempre unida e junta e a vinculada sem em tempo algum por nenhum caso que possa suceder assi por razão da paga e satisfação de quaisquer dividas que por via de justiça ou de pessoas particulares, nem menos de paga ou satisfação de dotes ou promessas delles, nem para segurança de fianças, ou ipotecas alguas, se possa dividir nem partir, nem alhear, nem por algum outro modo, se poderá apartar ou dividir e desunir, nem vender, nem trocar nem escambar, dar nem doar cousa algua da ditta quinta e bens annexados e avinculados antes quer elle instituidor e lhe apraz e põem por obrigação ao possuidor e possuidores da ditta quinta, capella e fazenda, que por falecimento de cada hum delles seiao obrigados a deixarem unida e avinculada a ditta capela de Sancta Cruz, e bens atras declarados, a quarta parte do terço de cada hum dos dittos possuidores: declarando que se acaso o tal possuidor ou possuidores tiverem gastado em bem feitorias da ditta quinta e capela o que poder montar a ditta quarta parte de seus terços lhe será levado em conta e com isso satisfarão à clausula desta instituição. O que a si queria e mandava para que a ditta capela não receba diminuição antes cada vez maior augmento, e sendo caso que algum dos possuidores queira por algua via ou modo tentar desfazer ou mudar a forma desta instituição assi do atras declarado, como do que adiante se segue, que Seia por via de dispensação apostólica do summo Pontifice, ou de qualquer legado, ou pessoa que tenha seu poder ou qualquer Bispo ou Prelado, porquanto he vontade e tenção delle instituidor não haver nisto mudança nem ainda pera outra obra mais pia de qualquer calidade que Seia: o que elle instituidor não somente que quando as tais cousas por obra se executem e com effeito, mas anda quando somente o tentarem desfazer e mudar pellas vias acima declaradas, assy de alheação, como de dispensação, a saber trocando, escambando, alheando, vendendo, dividindo, dando, ou doando os bens da ditta quinta e capela, ou parte delles, quer elle instituidor, e há por bem que logo antes do tal contratto celebrado ou começado, e tentado por qualquer modo e maneira que Seia para fim de se desfazer, mudar ou alterar esta instituição logo quer elle instituidor que se trespase e da o direito desta instituiçam 17

e capela com todos seus bens a vinculados e annexados a si do ditto lugar e limites de cavernaes como do que for acrescido das quartas partes dos terços dos possuidores antepassados e atras, e outrossy tudo o mais que pello tempo adiante accrescer à ditta instituição por qualquer via que seja per esse mesmo feito sem outra declaração e sentença se trespase a va como ditto tem ao herdeyro mais chegado do sange e geração delle ditto George Henriquez instituidor e nam a outra pessoa que seja estranho e alheo do seu sange, e isto sem embargo de quaisquer leis que contro isso haia ou adiante possa haver: e o mesmo quer que haia lugar e tenha effeito com todas as pennas e clausulas, ou queirao tentar haver provisões ou licenças del Rey para effeito de vender, ou alherar, ou diminuir os bens ou parte desta instituição e capela: porem declara elle instituidor que sendo caso que algum dos possuidores caia em in com isso e nas penas atras declaradas de proceder os bens da ditta capela e em tal caso suceda o parente mais chegado ao ultimo possuidor sendo porem do sange delle instituidor, não tendo caído no mesmo crime e pena, como he ter aconselhado, ou querer aconselhar a algum dos possuidores da ditta capela, que vendesse ou alhease os bens della e este tal hábil e capaz de poder suceder nesta instituição em lugar daquelle que a perder caindo em qualquer dos casos atras declarados, será primeiro obrigado a cittar e demandar e a juizar o tal asi caído nas penas acima pera ser ouvido de sua rasao e mostrarse hábil pera suceder nos dittos bens por não aver caído nas sobreditas penas: e declarou mais elle instituidor que sua tenção e vontade he sempre esta instituição e capela ande nas pessoas de sua geração pelo modo seguinte a saber, que o filho mais velho macho suceda sempre nela, porem em defeito de macho sucedera fêmea e não havendo filhos nem netos de legitimo matrimónio em tal caso herdarão os bastardos sendo legitimados e habilitados por el Rey: e não havendo filhos nem filhas neto nem neta nem ainda dos tais filhos bastardos legitimados, em tal caso sucedera nesta instituição o parente mais chegado da geração e sange delle instituidor na forma atras declarada: e assi mais disse elle instituidor que sendo caso que algum dos dittos possuidores desta capela e bens cometta crime de leza magestade ou heresia o que nosso senhor na permitta ou qualquer outro per onde aia de perder os dittos bens pera qualquer fisco eclesiástico ou Del Rey; ha elle instituidor por bem desde agora e quer que hua hora antes do tal crime comettido e tentado para se cometter, se trespase esta instituição e capela no herdeiro mais chegado do sange delle instituidor na forma desta instituição: e declarou mais que falecendo elle instituidor sem fazer testamento desde agora lhe suceda nesta ditta capella e bens o seu filho Hieronymo Henriquez; o qual Hieronymo Henriquez 18

falecendo sem filhos de legitimo matrimónio por seu falecimento sucederá nesta capela Isabel Henriquez filha delle instituidor ou seus filhos della pela ordem e forma desta instituição: e não tendo ella filhos nem filhas de legitimo matrimónio, sucederão nesta instituição os filhos bastardos do dittto Hieronymo Henriquez, sendo primeiro legitimados por el Rey, e não avendo filhos de nenhum delles ficará esta instituição ao parente mais chegado delle instituidor o que tudo se entenderá depois do falecimento delle instituidor: e não havendo como ditto he filhor nem netos dos dittos Hieronymo Henriquez e Isabel Henriquez: e falecendo elles declara desde agora e nomea por parente mais chegado e sucessor de Hieronymo Henriquez e de seus filhos bastardos e da ditta Isabel Henriquez a George Gomez seu sobrinho conigo na see desta cidade ou a qual quer dos irmãos do ditto George Gomes precedendo o mais velho: e não avendo machos sucedera fêmea. E qualquer dos sucessores e possuidores desta capela que a possuir se chamara do sobrenome de Henriquez e não querendo chamarse asi passara esta instituição ao parente mais chegado que se se chamar do ditto sobrenome de Henriquez na forma desta instituição declarando elle instituidor que quer e há por bem que o possuidor desta instituição page dos rendimentos e fructos da ditta fazenda de foro e censo para a fabrica e obrigação da ditta Santa Cruz, quatro mil reis em cada hum anno os quais quatro mil reis se destribuirão na maneyra seguinte a saber na ditta capela de Santa Cruz se dirão em cada hum anno pera sempre treze missas por razão e obrigação desta instituição e união a conta dos dittos quatro mil reis e a primeira missa de cada anno se dirá em dia da exaltação da cruz que he no mez de Setembro, e as doze sedirão pellos doze mezes do anno, cada hua no primeiro dia de cada hum dos mezes não sendo Domingo, ou Santo de guarda por que em tal caso, se dirá ao dia seguinte primeiro que for de fazer: e todas as dittas missas serão de Santa Cruz, em cada hua das quaes acabado o offertorio se [papel rasgado] o sacerdote para o povo e dirá em voz alta que se entenda, Pater Noster, por vida e salvação do conigo George Henriquez e isto enquanto elle for vivo. Por quanto em sua vida as manda dizer e por seu falecimento dirá o mesmo Pater Noster em voz que se entenda pola alma do Conigo George Henriquez instituidor desta capela, e no fim de cada missa dirá o sacerdote na capela hum responso lançando agoa benta e dirá as três orações que começao Deus qui inter apostólicos sacerdotos, e Deus Veniae Largitor e fidelium Deuz (?) polas quais treze missas se dará ao padre que as disser outocentos reis de esmola cada hum anno. E estarão presentes as dittas missas e a cada hua dellas doze pessoas das mais pobres do ditto lugar de cavernaes as quais mandara chamar o padre que dizer as dittas missas, e 19

sobre a elleição das tais pessoas se encarregara nesse particolar a consciência do padre que disser as dittas missas assy da pobreza como da assistência as dittas missas, e não serão duas pessoas de hua casa: as quaes pessoas tera cada uma dellas hua vela na mao que o padre lhe dará antes de começar a missa e se acenderão desde o prefacio atte o consumir do sacrifício: e cada hua das dittas pessoas avera de esmola em vida delle instituidor, um vintém e por falecimento delle instituidor, avera cada hum dos ditos pobres quinze reis. E no altar avera a cada hua das dittas missas duas velas ou dous rolos ao modo dos de S. Francisco de Orgens de maneira que senão dirá nenhua das dittas missas sem dous lumes de cera no ditto haltar hum de hua banda e outro da outra: e pera a ditta cera se tirarão dos dittos quatro mil reis trezentos e trinta reis e pera a fabrica da Igreja e capela se darão quatrocentos e sessenta reis se tirara da esmola dos pobres que ouverem de ter as dittas velas e isto atte se cumprir com o que for necesario á fabrica e entretanto senão chamarão os pobres: no que elle instituidor encarrega a consciência do capelao que diser as dittas missas e dos possuidores da ditta capella, porque não percao os pobres sua esmola não havendo necessidade de fabrica: e serão obrigados os possuidores a monstrar aos visitadores por descarga autentica e verdadeira como gastarão tanto na fabrica da capela que foi necessário tirar das esmolas para acodir a ditta fabrica; e não satisfazendo a isto roga e pede ao senhor visitador que então for, livremente poer sua autoridade sem consentimento do possuidor, tomar tanto dos frutos dos dittos bens quanto baste para se refazerem e satisfazerem as esmolas que os pobres deixarão daver no tempo que o possuidor lhes reteve as dittas esmolas sem justa causa do gasto da dita fabrica: e outrosy pedia ao ditto visitador queira tomar conta de como se cumprem e satisfazem os encargos da ditta capela e que obriguem e em constrania(?) os possuidores a cumprir com as dittas obrigaçois com as penas que lhe parecer em cada vez que foi visitar a ditta capella que será ao tempo que se visitar a Igreja de Cavernaes, lhe darão duzentos e trinta reis a conta dos dittos quatro mil reis e o capelão que diser as missas terá cuidado dos ornamentos e cera ao tempo que diser as missas, e depois entregara tudo ao possuidor e terá outrosy cuidado o tal capelão se lembrar ao visitador que visite a dita capela; e veja as obrigações desta instituição e o mesmo capelão lera as dittas obrigações ao povo cada anno em dia da exaltação da cruz que em Setembro: e declarou que em caso que os possuidores não queirão dar os dittos quatro mil reis pera estas obrigaçois ou não queirão mandar dizer as dittas missas, quer que percao o direito que teverao na ditta capela e passe ao herdeiro mais chegado ao sange delle instituidor; pelo modo e na forma atras declarada; e pera isto bastara não pagar hum anno os dittos 20

quatro mil reis por inteiro e avera sempre na dita capela alem da obrigação dos ditos quatro mil reis vestimenta e calyx e missal e os mais ornamentos necessários pera se poderem dizer as dittas missas a custa dos possuidores da ditta capella e sobre isto entenderá o mesmo visitador pondo sobre isso as penas que lhe parecer e emquanto o conigo George Gomez seu sobrinho for vivo, lhe deixava e quer que tenha na ditta quinta de Cavernães alem do pomar da Mouta, dezanove ou vinte excertos de macieiras e pereiras que estão junto a cruz com o codorneiro(?) e isto esta entre os buxeiros e murteiras as quais arvores possuira em sua vida tam somente com a terra e terrádego(?) Em que estão: e a serventia para isto não a querendo elle pola quinta lha dará quem possuir a ditta quinta polla parte por onde mais comodamente pode ser: e pera aver esta instituição por boa obrigava seus bens; e em fee e testemunho de verdade mandou e outorgou ser feito este instromento de instituição e revogação d’ outra de que pedio e mandou dar as partes que nesta instituição tem direito, como he ditto George Gomez e o Instituido Hieronymo henriquez e capelão e mais a quem tocar os treslados desta nota que lhes cumprissem: e o ditto George Gomez por estar presente disse que aceitava o que nesta instituição lhe da o ditto conigo acerca das ditas arvores; e eu tabeliam adiante nomeado como pera pouca estupulante o estepulei e aceytei em nome do ditto Hieronymo Henriquez e da ditta Isabel Henriquez e das mais pessoas a quem tocar não presentes quanto de dereito devo e posso e assinarão o ditto instituidor e o ditto George Gomez com as testemunhas que forao a todo presentes do dito licenciado António Madeira e seu subrinho Antonio Madeira estante em sua casa.

Francisco da Costa tabaliao de (?) por el rey nosso senhor em a dita cidade de Viseu e hem os termos que (?) de instituição hem minha vida e dela fiz treladar concertei souscrevi e assinei hem publico.

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