À descoberta da Montanha Sagrada: Só se pode preservar e valorizar aquilo que se conhece! (Março 2017)

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Património

Jornal de MONCHIQUE 31.mar. 2017

Só se pode preservar e valorizar aquilo que se conhece! Fábio Capela Arqueólogo Património pode ser definido como o bem ou conjunto de bens culturais ou naturais de reconhecida importância num determinado lugar, região, país ou mesmo pela humanidade, que passa(m) por um processo de inventário para que seja(m) preservado(s). De modo abreviado, o termo património engloba aspetos materiais – que podem ser imóveis (por exemplo construções arquitetónicas e paisagísticas) e móveis (utensílios, documentos, etc.) –, imateriais (por exemplo saberes e tradições) e naturais (vegetação, etc.). O património pode ser considerado como um elemento identitário importante no presente e no futuro das comunidades, na medida em que é a nossa herança do passado e, também, o que construímos na atualidade. Assim sendo, constitui um dever para todos nós assegurar e transmitir todo esse legado às gerações futuras, pois o património reflete valores de memória, antiguidade, autenticidade, criatividade, raridade, singularidade ou exemplaridade, sendo essencial à cultura e à educação. Considerando o exposto, o património não pode ser compreendido isoladamente, mas sim deve ser vivido como um bem comum, atuando como instrumento de inclusão e desenvolvimento sustentável. Tratando-se de uma construção social, os bens patrimoniais constituem um importante recurso para o desenvolvimento socioeconómico e cultural das comunidades. Para tal, é imprescindível a participação de vários agentes na sua preservação, gestão, valorização e divulgação – desde a administração central, às universidades, às instituições e associações locais e às próprias comunidades. Neste âmbito, as comunidades assumem-se como parceiros ativos no reconhecimento, interpretação, salvaguarda e valorização do seu património, uma vez que essas pessoas são as principais interessadas na sua história e herança cultural. Relativamente ao património cultural do concelho de Monchique, um pouco por todo este território encontramos testemunhos mais ou menos visíveis do nosso passado comum. Com efeito, conhecem-se dezenas de monumentos históricos

Alguns objetos em pedra encontrados na serra de Monchique (machados e facas/lâminas).

e sítios arqueológicos que atestam a importância desta serra ao longo dos tempos. No que concerne aos bens culturais móveis realça-se que, desde finais do século XIX e sobretudo ao longo do século XX, foram recolhidos neste território concelhio centenas de objetos arqueológicos enquadráveis em distintos momentos civilizacionais. Muitos desses artefactos foram encontrados em contextos arqueológicos, principalmente durante as escavações realizadas entre 1937 e 1949. Contudo, diversos materiais arqueológicos foram encontrados ao longo dos anos por populares, muitas vezes no âmbito de lavouras, salientando-se que alguns exemplares foram entregues a investigadores que os estudaram e divulgaram – por exemplo Estácio da Veiga, Monsenhor Botto, Leite de Vasconcelos, José Formosinho e Abel Viana. A maioria dos objetos

recolhidos enquadram-se na Pré-história recente e correspondem a instrumentos de pedra – machados, enxós, goivas, facas/lâminas, etc. – e a recipientes cerâmicos, sendo a minoria composta por artefactos metálicos. Atendendo ao facto de que o concelho de Monchique não tinha (e não tem) um museu municipal ou um espaço de depósito para espólios culturais, grande parte desses materiais foram levados para museus fora deste território, nomeadamente para o então Museu Archeológico e Lapidar Infante D. Henrique (Faro), o Museu Municipal Dr. José Formosinho (Lagos), o Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa), o Museu Geológico (Lisboa), entre outros. Em todo o caso, diversas peças arqueológicas ficaram neste território, por exemplo nas instalações da Villa Termal das Caldas de Monchique, mas também em posse de vários monchiquenses.

A gestão do património de um espaço concelhio só é viável se atentarmos a diferentes elementos, como a identificação das antigas áreas de ocupação – sítios que podem encontrar-se muito danificados e, em vários casos, sem estruturas visíveis –, assim como dos vestígios (imóveis e/ou móveis) que estas encerram e que possibilitam a reconstituição da história desse território. Tendo em conta que a população do concelho de Monchique está bastante envelhecida, urge elaborar um inventário do património cultural concelhio sob pena de se perderem irremediavelmente testemunhos orais e materiais do passado. Através de uma perspetiva que conjuga a educação/sensibilização patrimonial e o desenvolvimento sociocultural da população local, bem como a partilha de informações e o progresso do conhecimento científico, pretende-se criar um inventário dos bens culturais móveis encontrados neste território concelhio – minimizando, assim, a delapidação da nossa herança comum devido ao desconhecimento. Desta forma, mediante a identificação e a caracterização do património histórico-arqueológico monchiquense, será possível proceder à preservação e à valorização da memória de épocas e gentes do passado. Posto isto, convidam-se todos os interessados no património cultural da serra de Monchique – que possuem materiais arqueológicos encontrados neste espaço concelhio e/ou informações sobre sítios arqueológicos que conhecem ou que ouviram falar – a participar na elaboração deste inventário patrimonial, bastando para tal entrarem em contacto com o Jornal de Monchique ou diretamente com o arqueólogo responsável. Atentando ao artigo 1324.º do Código Civil, o achador torna-se proprietário dos artefactos arqueológicos descobertos fortuitamente. No seguimento do ditado popular “achado não é roubado”, pretende-se fomentar uma nova prática – “o achado deve ser partilhado” –, visto que o património cultural é um legado que diz respeito a todos nós! Quiçá no futuro (se for inaugurado um museu municipal no concelho de Monchique) esses objetos arqueológicos possam ser expostos ao público juntamente com o nome dos seus achadores…r

Bibliografia: CAPELA, F. F. G. S. (2014) – Contributos para o conhecimento da Pré-história Recente e da Proto-história da Serra de Monchique. Arandis Editora, Município de Monchique, Albufeira. CARVALHO, A. da S. (1939) – Memórias das Caldas de Monchique. Comissão Administrativa das Caldas de Monchique, Lisboa; FORMOSINHO, J.; FERREIRA, O. da V.; VIANA, A. (1953) – Estudos Arqueológicos nas Caldas de Monchique. Separata de Trabalhos de Antropologia e Etnologia. Vol. XIV, 1-2, Imprensa Portuguesa, Porto. GASCON, J. A. G. (1955) – Subsídios para a monografia de Monchique. Edição da viúva do autor, Portimão. GIL, T. (2017) – O Património e as Comunidades. Pinhel Falcão. Nº 399 (31 de janeiro), Pinhel. SILVA, J. G. da (2004) – Monumentos históricos de Monchique, um percurso lítico da pré-história aos nossos dias. Com raiz no passado: construir o futuro. Actas II Jornadas de Monchique. Comissão Instaladora do Museu de Monchique, Junta de Freguesia de Monchique, Monchique, pp. 43-51; VASCONCELOS, J. L. de (1918) – Pelo Sul de Portugal (Baixo-Alentejo e Algarve). O Archeologo Português. Vol. XXIII, Imprensa Nacional, Lisboa, pp. 104-138. VEIGA, S. P. M. E. da (1886) – Antiguidades monumentaes do Algarve: tempos prehistoricos. Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa. VEIGA, S. P. M. E. da (1891) – Antiguidades monumentaes do Algarve: tempos prehistoricos. Vol. IV, Imprensa Nacional, Lisboa. Suporte informático: PATRÍCIO, M. F. (2009) – O patrimonio como abertura à diversidade cultural. Câmara Municipal de Évora: http://www2.cm-evora.pt/evoracidadeeducadora/Manuel%20 Patr%C3%ADcio.htm Email: [email protected]

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