A DESCONSTRUÇÃO E AS POLÍTICAS DA AMIZADE

July 13, 2017 | Autor: Katya Kozicki | Categoria: Jacques Derrida, Friendship, Politica, Desconstrução
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A DESCONSTRUÇÃO E AS POLÍTICAS DA AMIZADE DECONSTRUCTION AND POLITICS OF FRIENDSHIP Bruno Meneses Lorenzetto* Katya Kozicki**

RESUMO: O presente artigo tem como intenção pensar a amizade, a partir da perspectiva do filósofo Jacques Derrida, com o fim de articular laços de solidariedade efetivos e a ampliação da coesão social necessários ao aprofundamento da democracia. Logo, o objetivo central do artigo é perscrutar novas formas de (re)articulação entre o direito e a democracia, as quais permitam ampliar os espaços democráticos e o reconhecimento efetivo do outro e da alteridade. PALAVRAS-CHAVE: Direito. Política. Amizade. ABSTRACT: The present article intends to think about the friendship in the view of the philosopher Jacques Derrida, in order to articulate effective joints of solidarity and the expansion of the social cohesion demanded for the deepening of the democracy. Thus, the central aim of the article is to probe new ways of (re)articulation between law and democracy, which can widen the democratic spaces and the effective recognition of the others and the otherness. KEYWORDS: Law. Politics. Friendship.

* Professor do Programa de Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Mestre em Direito das Relações Sociais e Doutorando em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected] ** Mestre e Doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Visiting Researcher Associate no Center for the Study of Democracy, University of Westminster, Londres, 1998-1999. Professora dos programas de graduação e pós-graduação em Direito da UFPR e da PUCPR. E-mail: [email protected] RevistadadaFaculdade Faculdadede de Direito Direito – UFPR, Curitiba, Revista - UFPR, Curitiba,n.55, n.47,p.39-52, p.29-64,2012. 2008.

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1 DESCONSTRUÇÃO E A EXPERIÊNCIA DO IMPOSSÍVEL Em alemão a palavra “Heim” designa a casa, o lar, o asilo, ao passo que “Heimat” refere-se à pátria, ao país, terra natal, porém “heimlich” corresponde tanto àquilo que é familiar (seguindo a lógica dos termos anteriores), mas também trata de segredos, da clandestinidade e coincide com seu oposto, “unheimlich”, inquietante, sinistro, lúgubre. A partir do pensamento de Jacques Derrida se desenvolve uma estratégia de leitura que partindo daquilo que é familiar, “natural”, permite chegar ao seu oposto, rumo à sua ambivalência. Em alguma medida este jogo de palavras indica aquilo que será desenvolvido no presente artigo: a procura pela ambivalência e a desestabilização das dicotomias amigo e inimigo e daquilo que é familiar, pertencente à casa e o exterior, estranho e suas respectivas influências no campo político na modernidade. O afastamento do pensamento metafísico promove o estranhamento do mundo, não há mais parâmetros seguros ou respostas prontas, a explicação da realidade não ocorre mais por meio de figuras metafísicas e aquilo que resta como mediação é o mundo com o ser, e mesmo as relações sociais não são mais definidas por critérios comunitários organicistas. Assim, deve ser ressaltado que o mundo não pode mais ser visto como uma casa, não há como “estar em casa” no mundo, a estranheza se mescla ao familiar. O papel da desconstrução, então, dentro do paradigma que se projeta para além da metafísica, seria o de questionar os limites, as margens, as divisões arbitrárias, e abrir caminho para expor como toda a identidade é permeada pela alteridade, “colonizada” por ela (e não o seu oposto). Como aponta Francisco Ortega: “Toda ‘lógica da identidade’ (Adorno) estaria dominada por uma violência que anula a diferença, a singularidade, a particularidade e que reduz o outro ao mesmo (ORTEGA, 2009, p. 51)”. O significado e a “missão” da própria desconstrução seria o de mostrar como textos, instituições, tradições, sociedades, crenças e práticas não possuem uma semântica emoldurada e uma tarefa pré-designada, que são conceitos que transbordam as margens de qualquer “missão”, pois aquilo que estaria acontecendo sempre se colocaria na posição do “por vir”, em uma incompletude estratégica que permite a abertura para questionamentos aporéticos. De acordo com John D. Caputo (1997, p. 32): “Desconstrução é a busca incessante do impossível, que significa, das coisas cujas possibilidades são sustentadas por sua impossibilidade, das coisas que, ao invés de serem dizimadas por suas impossibilidades, são atualmente nutridas e alimentadas por elas”. Assim, experiência significa ir contra os limites daquilo que nunca poderá ser presente, passando para os limites do inapresentável e do irrepresentável, aquilo que é o mais desejado, ou seja, o impossível1.

Segundo Maurice Blanchot: “Toda a ambigüidade vem da ambigüidade do tempo que aqui se introduz, e que permite dizer experimentar que a imagem fascinante da experiência está, em certo momento, presente, ao passo que essa experiência não pertence a nenhum presente, e até destrói o presente em que parece introduzir-se.” (BLANCHOT, 2005, p. 12). 1

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No plano ético, a desconstrução se apresenta como abertura para o outro, um outro qualificado, não subjacente a um pluralismo opaco, motivo pelo qual a desconstrução procura expor as formas de exclusão e supressão da alteridade. Por conseguinte, as teorias morais neokantianas, como a apresentada por Jürgen Habermas em sua ética do discurso, que procuram implantar a simetria e a universalidade como fundamentos da justiça, guardam sua importância formal, mas são materialmente insuficientes e demandam complementos a partir de uma perspectiva concreta das relações, caracterizadas, a priori, pela assimetria e a impossibilidade de totalização do outro como outro2. Como explana Richard Beardsworth (2008, p. 19), a filosofia de Derrida apenas possui sentido politicamente naquilo que se refere à relação entre a aporia e a decisão, e não no que diz respeito à filosofia unilateral da aporia nem naquilo que concerne a uma filosofia unilateral da decisão; ou seja, a aporia, seria o lugar no qual se encontra a força política da desconstrução. Nos termos de Derrida (1993, p. 12): Eu mantenho a palavra problema por outra razão: para colocá-la em tensão com outra palavra grega, aporia, que eu escolhi há muito tempo como título para esta ocasião, sem saber ao certo onde eu estava indo, afora o fato de que eu sabia aquilo que estaria em jogo nesta palavra seria o ‘não saber para onde ir’. Teria que ser uma questão da não-passagem, ou talvez da experiência da não-passagem, a experiência daquilo que acontece e é fascinante nesta não-passagem, nos paralisando nesta separação de um modo que não é necessariamente negativo: diante de uma porta, um limiar, uma fronteira, uma linha, ou apenas a borda ou a aproximação do outro enquanto tal.

A própria ideia de uma leitura desconstrutiva pressupõe uma leitura clássica, das tendências dominantes do texto, apenas após a realização deste tipo de leitura, ou por meio dela, ou em conjunto com ela, a leitura desconstrutiva se coloca para apontar as aporias e os becos e tornar as coisas mais difíceis. Segundo Caputo (1997, p. 76), é importante lembrar que todos estes movimentos ocorrem no sentido de uma abertura, de achar um caminho para uma leitura “alternativa”, em nome daquele outro que está por vir. A aporia como experiência que não ocorre, ou experiência do impossível, daquilo que está por vir e que não se completa, termina, acaba. Nos últimos escritos de Derrida apresentou-se sob diferentes vertentes, como luto impossível, invenção do outro como impossível, um dom impossível ou um dever que não deve nada, que exige uma atuação no mundo sem dever, sem lei, como no caso da amizade ou da cortesia. Habermas apresenta sua teoria da seguinte forma: “A teoria do discurso investe o processo democrático com conotações normativas mais fortes que aquelas encontradas no modelo liberal, mas mais fracas do que aquelas do modelo republicano. Mais uma vez, ela empresta elementos de ambos os lados e os ajusta em conjunto de uma nova maneira. Em acordo com o republicanismo, dá centralidade ao processo de opinião política – e formação da vontade, mas sem compreender a Constituição como algo secundário; ao contrário concebe os princípios do Estado constitucional como uma resposta consistente para a questão de como as formas de demanda comunicativa de uma opinião democrática e da formação de vontade podem ser institucionalizadas”. (HABERMAS, 1996, p. 27). 2

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E, ao contrário do que pode indicar, a experiência do impossível possui uma forte carga afirmativa, no sentido de afirmar o outro como outro, e oferecer resistência em diversos espaços, como no caso das pseudo-responsabilidades, em que se tornou corrente pedidos de perdão genéricos e impessoais, de modo a esvaziar material e semanticamente a ideia em si de perdão (DERRIDA, 2002). Nos termos de Ortega, a experiência do impossível vincula-se à indecidibilidade, que está no rastro de toda decisão. Ela é a aporia da decisão, pois, no centro de toda decisão “profunda” se experimenta o indecidível, não subsistindo qualquer gramática política que forneça uma justificativa (racional) da decisão. Do mesmo modo, as decisões políticas – tão complexas e contingentes quanto as que ocorrem no âmbito jurídico – se confrontam com a indecidibilidade. Derrida entende que não há justiça sem a experiência da aporia, por impossível que seja, logo, a justiça seria uma experiência do próprio impossível. Assim, cada vez que algo sucede de modo adequado, que se subsume uma boa regra a um caso particular, o direito pode ser considerado como respeitado, observado, contudo, não é possível falar – com certeza, precisão – que foi feita a justiça, em sentido pleno, aponta o filósofo que: O direito não é justiça. O direito é o elemento do cálculo, é justo que haja um direito, mas a justiça é incalculável, ela exige que se calcule o incalculável; e as experiências aporéticas são experiências tão improváveis quanto necessárias da justiça, isto é, momentos em que a decisão entre o justo e o injusto nunca é garantida pro uma regra. (DERRIDA, 2007, p. 30)

Por isso, não é possível afirmar de maneira aberta que a justiça foi feita, alcançada, pois uma decisão em favor de uma alternativa tende a ser em detrimento de outras possíveis. 2 SOBRE A POLÍTICA Por consequência, o político seria um espaço do indecidível, constituindo ao mesmo passo uma chance e um risco e, nesta perspectiva, é possível aproximar as posições de Derrida com as de Hannah Arendt, para quem o político constitui uma espécie de risco, pois o político é o campo próprio da ação, que comporta certa imprevisibilidade e irreversibilidade, mas que, ao mesmo tempo, também abrange a ideia da natalidade, ou seja, a possibilidade da irrupção do novo, do inesperado3.

Para Arendt: “O novo sempre acontece à revelia da esmagadora força das leis estatísticas e de sua probabilidade que, para fins práticos e cotidianos, equivale à certeza; assim, o novo sempre surge sob o disfarce do milagre. O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isto, por sua vez, só é possível porque cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo. Desse alguém que é singular pode-se dizer, com certeza, que antes dele não havia ninguém. Se a ação, como início, corresponde ao fato do nascimento, se é efetivação da condição humana da natalidade, o discurso corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da condição humana na pluralidade, isto é, do viver como ser distinto e singular entre iguais”. (ARENDT, 2008. p. 191) 3

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O projeto de Derrida consiste em apresentar um debate sobre o político que vá além do princípio da fraternidade. Ou seja, se a política se coloca em uma postura para além das dimensões primárias identificadoras como a da casa, da família, da nação homogênea, da mesma língua e do mesmo povo, ela ainda mereceria o nome de política? Pois, como afirma Derrida, o conceito de política, em raras vezes se anuncia, sem alguma forma de aderência, vinculação, ao Estado e à família, sem alguma filiação esquemática (DERRIDA, 1997). Na leitura de Derrida, o amigo na perspectiva ciceroniana é aquele que possui, porta, carrega a imagem ideal do eu, trata-se de um eu projetado no outro. A observação do amigo passa por esta etapa, este olhar, e a recíproca é verdadeira, na medida em que o olhar do amigo é um olhar amigável, de modo que, o amigo ideal é seu duplo (eu-mesmo) projetado, seu outro self com melhorias. Em suma, a amizade ciceroniana é um sonho narcísico, uma procura pelo modelo de si próprio no outro e, uma negação da alteridade (DERRIDA, 1997, p. 4-5). Na estrutura fundante da amizade ciceroniana se encontrará a concórdia, a qual exalta a philia grega no papel de pedra angular do Estado, por isso a concórdia se expressa como harmonia entre rivais diferentes. O papel da amiticitia seria o de regular esse acordo, de modo tal que quando a concórdia virava discórdia, a amiticia era dispensada como parâmetro pacificador. De acordo com Ortega (2002, p. 53), a virtude civil que estava no cerne da amiticia ciceroniana, acabava por subordinar a vontade individual dos amigos aos interesses da República, a qual se colocava, portanto, acima da amizade, ao contrário dos filósofos gregos, que colocavam os deveres de amizade acima dos deveres para com a polis. Para Aristóteles, por outro lado, é recomendável amar ao invés de ser amado e esta opinião diz respeito à própria característica do político, pois é um ato propriamente político, qual seja, uma operação de criar, produzir, fazer o maior número de amizades possível. Trata-se de amar antes de ser amado, o amigo é a pessoa que ama antes de ser a pessoa que é amada, e esta relação abre uma impossibilidade de cálculo, excede toda a medida e moderação, é incomensurável. Explica Ortega (2002, p. 37) que: “Com Aristóteles, a amizade sai da passividade platônica e torna-se uma atividade, a própria atividade filosófica, ao passo que o amor é um impulso não-filosófico. Com outras palavras, Eros é uma paixão e philia um ethos (...)”. A oposição ocorre entre o amor como emoção e a amizade na forma de disposição de caráter; pois o amor recíproco pressupõe escolha e a escolha tem origem, para Aristóteles, em uma disposição de caráter, pois, desejar bem as pessoas amadas decorre daquilo que elas são e não de um sentimento. Para Ortega (2002, p. 38) : “O enriquecimento das funções, alcance e significado da philia no pensamento aristotélico acompanha a redução da importância de Eros, uma vez que permite passar do nível RevistadadaFaculdade Faculdadede de Direito Direito – UFPR, Curitiba, Revista - UFPR, Curitiba,n.55, n.47,p.39-52, p.29-64,2012. 2008.

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individual e pessoal ao socioestrutural, ao serem enlaçadas, através da philia, as análises da ética (na Ética a Nicômacos) às da política (na Política)”. Derrida lembra que, para Aristóteles, não há amizade sem confiança e a confiança toma tempo. A fidelidade e a confiança são colocadas fora de uma temporalidade linear e homogênea, pois a percepção delas não ocorre de maneira planificada. O engajamento em uma amizade toma tempo, pois vai além do momento presente e é sustentada na memória. Ademais, a amizade decorre de decisões e reflexões e, se a estabilização da certeza nunca é dada, logo a estabilização daquilo que é que se torna certo deve cruzar a indecisão suspensa, a indecisão como tempo de reflexão. Assim, este ato pertence àquilo que é incalculável em uma decisão (DERRIDA, 1997, p. 16). Isso é significativo se for levado em consideração que a quantificação de singularidades sempre será uma das dimensões políticas da amizade, por isso, nos termos de Derrida (1997, p. 22): (...) a questão da democracia conduz à questão do cidadão ou do sujeito como uma singularidade contável. E aquela de uma ‘fraternidade universal’. Não há democracia sem o respeito por singularidades e alteridades irredutíveis, mas não há democracia sem a ‘comunidade de amigos’ (koína ta philon), sem o cálculo de maiorias, sem sujeitos identificáveis, estabilizáveis, representáveis como iguais. Estas duas leis são irredutíveis uma à outra.

A partir disso é possível nortear a questão da amizade como uma questão permeada pelo político. O que poderia ser do futuro, da contigência, da própria ideia de natalidade de Arendt, se todas as decisões fossem passíveis de programação prévia, e o risco a incerteza, a insegurança do talvez (perhaps), não possibilitassem mais a necessária abertura para aquilo que está por vir (à venir), para aquilo que é próximo, mas que não se fecha em uma cronologia? O que restaria por vir? Esta suspensão, a iminência, segundo Derrida (1997, p. 29), de uma interrupção, pode ser chamada de outro, revolução ou caos; constitui, de qualquer modo, o risco da instabilidade. A interpretação de André Duarte (2010, p. 436)4 do pensamento de Arendt pode auxiliar neste ponto: Se o pensamento não metafísico é aquele que se abre à experiência do impensado, também a ação, pensada e exercida em sentido não metafísico, se expõe à aventura da novidade, do sem-precedentes, e é por isso que um corresponde, incita e inspira o outro sem qualquer ordem de prioridade: nem o pensar e o julgar são superiores à ação, nem a ação é superior ao pensamento e ao juízo.

Com isso não se procura afastar o entendimento de que toda ação pode ser conduzida por motivos e objetivos, mas apenas procura-se asseverar que o sentido da

Ver também (DUARTE, 2000).

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ação livre não precisar ser vinculado a um plano teleológico prévio, pois a ação livre pode instaurar novas e impensadas relações entre as pessoas no espaço público. Para Arendt (2008a, p. 203), a ação e a reação jamais se restringem, entre os homens (inter homines esse), a um círculo fechado, e não é possível, em decorrência disso, limitá-la com qualquer pretensão de segurança. Para Arendt, a impossibilidade de limitação seria típica da ação política, pois, qualquer ato, mesmo em circunstâncias restritas, carrega a semente da ilimitação, eis que um ato ou uma palavra (a ação e o discurso) são suficientes para que todo um conjunto ganhe uma nova disposição5. 3 “OH MEUS INIMIGOS, NÃO EXISTE UM INIMIGO” Em outro prisma da mesma questão, para Carl Schmitt o político está relacionado com os laços de amizade e inimizade, refere-se à criação de um “nós” em oposição a um “eles” e, além disso, constitui um reino da decisão, não da discussão livre. Seu tema principal é o conflito e o antagonismo e isto indica precisamente as fronteiras da possibilidade de formação de um consenso racional, o fato de que todo consenso se baseia forçosamente em atos de exclusão (MOUFFE, 1999b). Uma das principais preocupações de Schmitt era com a manutenção do lugar do político na modernidade, em especial em sua época, na qual foi observado o crescimento do parlamentarismo democrático, ao qual opôs críticas severas. O resgate do político nas comunidades modernas no pensamento de Schmitt perpassa pela soberania e sua centralidade, que se opõe ao debate interminável, que caracterizaria, em sua perspectiva, as comunidades modernas, o qual promoveria uma forma de desresponsabilização dos agentes políticos perante as situações que demandam uma decisão concreta6. Assevera Schmitt (1992, p. 32) que: “O Estado como modelo de unidade política, o Estado como portador do mais formidável de todos os monopólios, ou seja, o monopólio da decisão política, esta obra-prima da forma européia e do racionalismo ocidental, é destronado”. E isso interfere de maneira direta no político, pois a representação que ocorre entre o Estado – status – e o povo adquire sentido a partir do político e, se se perde a essência do político, as outras figuras também sucumbem.

5 Ainda para a autora: “O homem, tal como o conhecem a filosofia e a teologia, só existe – ou só se realiza – na política na forma de direitos iguais que absolutamente diferentes garantem uns aos outros. Essa garantia voluntária e essa outorga do direito à igualdade jurídica reconhecem a pluralidade dos homens, que podem então dar graças a si mesmos por sua pluralidade e ao criador do homem por sua existência”. (ARENDT, 2008, p. 146).

Para Enrique Serrano Gómez (1999, p. 11): “É uma decisão a que determina o território dos amigos e dos inimigos, a que faz valer o direito ou suspende a eficácia da norma, consuetudinária ou escrita, e que precisamente com base nesta capacidade está em condições de unificar a sociedade, de homogeneizá-la e lhe dar um arranjo jurídico”. 6

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Para Schmitt, a relação entre amigo-inimigo representa o critério específico que determina a dimensão política das relações sociais, assim como belo e feio no âmbito estético, custo e benefício no plano econômico. Lembra Serrano Gómez (1999, p. 42) que, na óptica de Schmitt, o inimigo político não é o adversário privado, tratado como inimicus, ao qual se rechaça por motivações pessoais de diversas ordens, mas o inimigo público, o hostis, desta maneira: “A figura do inimigo apenas serve para determinar a dimensão política quando aparece como um conjunto organizado de homens que opõe, de maneira combativa, a outro conjunto de homens igualmente organizado”. Na interpretação de Chantal Mouffe (1999a, p. 41), aquilo que importa para Schmitt é a possibilidade de traçar uma linha de demarcação entre aqueles que pertencem ao demos, e que, por isso, possuem direitos iguais, e aqueles que, no campo político, não podem estar protegidos pelos mesmos direitos iguais, pois não fazem parte do demos. Assim, uma “democracia da humanidade” seria uma pura abstração, pois a igualdade apenas pode existir em termos específicos e em esferas determinadas. Ademais, o conceito central de democracia não se refere à humanidade, mas a um povo, de tal forma que não pode haver uma democracia da humanidade como os liberais a projetam. Resta, então, o aviso de Mouffe (1999a, p. 43) para aqueles que acreditam que o processo de globalização formaria a base para uma democratização universal e estabeleceria uma cidadania cosmopolita, no sentido que: “(...) a identidade de uma comunidade política democrática depende da possibilidade da demarcação de uma fronteira entre ‘nós’ e ‘eles’, Schmitt sublinha o fato de que a democracia sempre envolve relações de inclusão-exclusão”. Deve ser lembrado que, para Schmitt (1992, p. 51): “A distinção especificamente política a que podem reportar-se as ações e os motivos políticos é a discriminação entre amigo e inimigo. Ela fornece uma determinação conceitual no sentido de um critério, não como definição exaustiva ou especificação de critérios”. Derrida desconstrói a perspectiva de Schmitt em dois movimentos. Primeiro, ao insistir que a decisão deve ser transpassada pela aporia, pela qual toda a teoria da decisão deve estar enlaçada. Assim, a figura do inimigo, condição do político enquanto tal toma forma a partir da descoberta de sua perda, ou seja, desde a descoberta da possibilidade da perda do inimigo e do político. Por isso, a responsabilidade pelo outro, uma heteronomia, o nomos da alteridade, se rebela contra o decisionismo presente no conceito de soberania ou exceção. Não no sentido de contradizê-lo (o decisionismo), mas de abri-lo, expor a ferida que se encontra no pulsar de seu coração (heartbeat): “Em suma, uma decisão é inconsciente – insana como pode parecer, envolve o inconsciente, todavia, permanece responsável”. (DERRIDA, 1997, p. 69) Em segundo lugar, para Derrida, a inversão da repulsão pelo inimigo em atração pode vir a ocorrer se não existir um amigo em certo lugar (externo) e lá apenas for encontrado o inimigo, de modo que a necessidade de um inimigo pode transformar a Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, n.55, p.39-52, 2012.

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inimizade em amizade – ou seja, a vinculação e o esforço de demarção de uma linha geográfica entre o “dentro” e o “fora” pode, de maneira objetiva e subjetiva, desnaturalizar as figuras e inverter suas posições, além da ideia de que a necessidade de um inimigo pode ser tão grande que a presença deste se torna mais importante que a de um amigo, de um “nós”. De acordo com Derrida, os inimigos que podem ser amáveis se tornam amigos. (DERRIDA, 1997, p. 32-33) Os dois conceitos, na perspectiva de Derrida, amigo e inimigo, constantemente se cruzam e de maneira interminável trocam de lugares. Interferem-se, intervém um no outro em uma hipérbole espiralada, por isso que o verdadeiro inimigo pode ser um melhor amigo que o amigo (DERRIDA, 1997, p. 72). A questão prática que se coloca é da seguinte ordem: com a queda do Muro de Berlim, as democracias capitalistas do mundo Ocidental deixaram de ter um grande inimigo, o mundo deixou de ser bipolarizado e os efeitos desta desestruturação foram incontáveis, como a procura por um novo inimigo, que acabou por ser identificado, após o ataque do grupo islâmico Al-Qaeda nos E.U.A. contra o Pentágono e o World Trade Center em 11 de setembro de 2001, com o “islamismo” ou, ao menos, certos países cuja população adota o islamismo como religião, ou seja, um inimigo eminentemente despolitizado, no sentido schmittiano. Em tempos que novas formas de violência se constroem no mundo, novas guerras, novas figuras da barbárie e da crueldade e de hostilidades fragmentadas, a urgência política e histórica demandam respostas ou adoção de posturas, posições, responsabilidades. Lembra Derrida que as respostas e responsabilidades parecem cada vez mais próximas da filosofia política, e que: “Nossas respostas e nossas responsabilidades nunca serão adequadas, nunca suficientemente diretas. A dívida é infinita. Urgente por ser infinita. A priori infinita para um ser finito, assim como um dever, se existe um, se apresenta para ele”. (DERRIDA, 1997, p. 79) A preocupação infinita com o outro também leva Derrida a refletir sobre as consequências da perda do inimigo. A perda do inimigo, hostis, não representaria um progresso, uma reconciliação ou a abertura pra uma era de paz e fraternidade humana, como no poema “An die Freude” – Ode à Alegria – de Friedrich Schiller em que: “Alle Menschen werden Brüder” – todos os homens de irmanam, se tornam irmãos e que se obtém a graça de ter um amigo fiel até a morte – “Einen Freund, geprüft im Tod”. O hino, que se volta à conciliação de todos os seres “Freude trinken alle Wesen” – Em alegria bebem todos os seres – joga com as palavras “Freude” – alegria – e “Freund” – amigo – constante no primeiro verso do poema e é uma apologia manifesta do universal e do divino, sob as quais todas as formas de vida seriam reconciliadas. Este projeto universalista da amizade seria um contrassenso, pois não seria possível falar de um inimigo da humanidade. Segundo Derrida (1997, p. 85): “Um crime contra a humanidade não é um crime político”. A humanidade não possui um inimigo, eis que, RevistadadaFaculdade Faculdadede de Direito Direito – UFPR, Curitiba, Revista - UFPR, Curitiba,n.55, n.47,p.39-52, p.29-64,2012. 2008.

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qualquer um que fale em nome da humanidade como humanidade desloca o discurso e deixa de falar sobre o político em seu sentido schimittiano: Pois somente no combate real apresenta-se a conseqüência extrema do agrupamento político de amigo e inimigo. A partir desta possibilidade extrema é que a vida das pessoas adquire uma tensão especificamente política. Um mundo no qual estivesse completamente afastada e desaparecida a possibilidade de tal confronto, um globo terrestre finalmente pacificado, seria um mundo sem distinção entre amigo e inimigo e, conseqüentemente, um mundo sem política. (SCHMITT, 1992, p. 61)

A gravidade de um inimigo randômico poderia liberar uma violência sem precedentes, pois sem medida ou fundamento. A figura do inimigo poderia, assim, ajudar – precisamente como figura – por causa das características que permitem identificá-lo enquanto tal. Um inimigo identificável, ou seja, alguém que ocupa uma posição confiável, estabilizada, desde a perspectiva da deslealdade (treachery) (DERRIDA, 1997, p. 83) é, portanto, familiar, se torna aquele que personifica, por assim dizer, um traidor contumaz, o qual, de maneira paradoxal, pode ser confiado para ocupar o papel antagônico. Essa seria a principal causa de uma desorientação no campo político, em que o principal inimigo apareceria de maneira inidentificável. Antes, a outra metade do globo, a outra ideologia a ser combatida, era facilmente identificada e passou para uma quase-ficção construída como eixo do mal – grupo de países composto por: Irã, Coréia do Norte e Iraque – na era Bush, em sua não menos conceitualmente problemática Guerra ao Terrorismo. Constituía-se, então, um conceito incompleto ante a visão schmittiana do político, pois, se, por um lado, eram necessárias motivações, causas para declarar uma guerra, unificar o país em torno de um ideal comum, e formar uma coletividade combatente, por outro, essa guerra deveria identificar um inimigo concreto e isso ela foi incapaz de realizar, já que o inimigo, em sentido político, não precisa ser odiado de maneira privada, como inimicus, e não pode ser uma ideia que se amolda a diferentes interesses, deve constituir um grupo de pessoas específico – isso para não dizer da conveniência da amizade/inimizade da família Bush com Saddam Hussein. De fato, não restam muitos argumentos além daqueles de uma construção retórica que procura monopolizar a ideia de civilização. Para Mouffe, a crítica de Schmitt ao universalismo liberal como pretensão de se oferecer como o verdadeiro e único sistema político legítimo, também possibilita perceber a forma como os liberais usavam (e usam) o conceito de humanidade como arma ideológica da expansão imperialista. (MOUFFE, 2007, p. 78) Acresce-se que a formação da identidade, pessoal ou coletiva, constitui-se a partir da confrontação com um inimigo. Por esse motivo, Schmitt acaba por priorizar a figura do inimigo em detrimento do amigo em suas teorizações. É translúcida a identificação do Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, n.55, p.39-52, 2012.

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inimigo na obra de Schmitt, enquanto que o papel do amigo, aquilo que constitui o nós é colocado em segundo plano. A prevalência do inimigo ocorre pelo fato de que ele permite a uniformidade, o fortalecimento do espírito comunitário contra o mal externo, alheio, do outro. Para Ortega (2009, p. 76): “Esse pensamento está implícito em toda política nacionalista, como Nietzsche mesmo reconhece em 1889: ‘Uma criação, sobretudo, o novo império, precisa mais de inimigos do que de amigos’. A inimizade parece ser um elemento constitutivo da estabilidade política e da consolidação da identidade”. E é a partir do relativo “hiato” na conceituação do amigo ou da amizade na obra de Schmitt que Derrida procura novas formulações e desmascarar os discursos filosóficos da amizade como discursos da fraternidade, em sua remissão quase que constante à família, à metáfora familiar e fraternal, e a incapacidade de se pensar a amizade além da família7. De maneira simbólica, Derrida lembra como os gregos na antiguidade procuravam se reunir com aqueles que identificavam como “irmãos” gregos. Essa procura pela reconciliação fundada em um parentesco ou uma afinidade acabou por produzir a figura da amizade fundada na homo-geneidade e na homo-filia, na semelhança, daqueles que possuem a mesma origem, uma vinculação de nascimento, da comunidade nativa. (DERRIDA, 1997, p. 92) Contudo, essa vinculação, este laço genealógico não reproduz uma realidade, é uma suposição, uma construção que remete aos efeitos simbólicos de um discurso em uma ficção: Tudo no discurso político que apela para o nascimento, para a natureza ou para a nação – de fato, para nações ou para a nação universal da irmandade humana – toda esta familiarização consiste em uma renaturalização desta ‘ficção’. O que estamos chamando de ‘fraternização’, é aquilo que produz simbolicamente, convencionalmente, através de um envolvimento autorizado, uma determinada política, a qual, seja esta de esquerda ou de direita, alega uma fraternidade real ou regula a fraternidade espiritual (...) (DERRIDA, 1997, p. 93).

O deslocamento para o interior da família, da casa, não é contingencial, assim como é possível pensar em uma busca por uma terra ou por uma mãe que se identificam com o louvor da fraternização e da igualdade de nascimento, uma igualdade natural, que demanda uma iso-nomia, um reconhecimento jurídico-formal da igualdade. Eis o motivo da ideia de que a igualdade no nascimento funda necessariamente a igualdade legal. A polis, o espaço público grego na antiguidade, distinguia-se da família pelo fato de somente ser ocupada por iguais, enquanto que a família, como lembra Arendt, era 7 Nos termos de Ortega (2009, p. 67-68): “O interesse de Derrida é mostrar a ligação entre amizade, fraternidade e democracia. Dado que a sua proposta é apresentar uma nova política da amizade (possível ou impossível), deve tentar desconstruir a ligação entre amizade e fraternidade, presente em todos os discursos, para criar o espaço de uma nova amizade e uma nova democracia para além da fraternidade, para além da fraternização. Uma ‘democracia por vir’, que faça jus a esta amizade, como talvez.”

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o centro da mais severa desigualdade. Assim, para os gregos na antiguidade, para ser livre era preciso não estar sujeito às demandas biológicas da vida doméstica, de modo que o chefe da família, só poderia ser considerado livre a partir do momento em que tivesse a faculdade de deixar o lar e ingressar na esfera política, onde todos eram iguais (ARENDT, 2008a, p. 41-42). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao seguir este “rastro” deixado por Derrida, Bonnie Honig (1996, p. 257) procura transpor estes questionamentos ao espaço familiar típico, a “casa”. A partir do conceito derridiano de différance (DERRIDA, 2009), expõe que muitos teóricos acabam por tratar a diferença como nada mais que: “(...) identidades que são diferentes das ‘nossas’”. A diferença é aquilo que a identidade procura, assim como o inimigo no campo político, mas possui dificuldade em fixá-la, segurá-la em um lugar, ou seja, estabilizar sua identificação. Em suma, a diferença trataria de um problema de identidade, do mesmo. De acordo com Honig, pluralistas e mais recentemente, multiculturalistas têm procurado domesticar ou limitar a diferença ao tomar identidades ou afiliações como seus pontos de partida, ao tratar a diferença como simplesmente uma identidade diferente dentro de uma comunidade maior, por isso, em sentido oposto, afirma a autora que: “Para levar a diferença – e não apenas a identidade – a sério na teoria democrática, deve-se afirmar a inevitabilidade do conflito e a impossibilidade de erradicar a resistência a projetos políticos e morais de sujeitos, instituições e valores hegemônicos (HONIG, 1996, p. 258)”. Seriam insuficientes, para a autora, os projetos que procuram teorizar a democracia e a diferença, que apesar de afirmarem as diferenças, lhe limitam um espaço de segurança, exterior, alheio ao campo democrático. De modo que as diferenças e os conflitos que surgem já são preparados, com o fim de reafirmar espaços de segurança – no caso, privados – como a casa. Assim, a política entra em uma degenerescência, pois se identifica com o familiar, o qual passa a ter a tarefa de garantir, tanto ao pluralismo como ao multiculturalismo, docas seguras para aportar seus conceitos. Para Mouffe (1999a, p. 51), a democracia liberal reconhece o espaço que existe entre o povo e suas várias identificações. Logo, em resposta a este projeto, subsiste a importância de deixar um espaço de contestação sempre aberto, ao invés de procurar preenchê-lo com o estabelecimento de um suposto consenso “racional”. Em termos schmittianos, a partir da oposição entre o nós e o eles, pode-se indicar que a constituição, a formação de um povo e de sua autoimagem, sempre toma parte em um campo de conflito e demanda a existência de forças concorrentes. De fato, não há articulação hegemônica sem a determinação de fronteiras, a definição daqueles que ficam do lado de fora. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, n.55, p.39-52, 2012.

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Honig (1996, p. 267) por sua vez, entende que esta procura por uma “casa”, a batalha pela segurança, por um “útero”, deixaria as pessoas despreparadas para sobreviver em um mundo compartilhado com outras pessoas, despreparadas para o conflito. A casa seria o local da segurança e da identidade, o espaço para se refugiar de tempos em tempos do enlaço político, por assim dizer, um “refúgio”. Tornaram-se necessárias, portanto, não apenas a desnaturalização, a desconstrução da amizade, mas também suas “adjacências”, como a casa. Se a casa e a nação precisam ser ressignificadas, arquitetadas sobre outra narrativa8, este processo demanda uma outra imagem do próprio útero, o qual é histórica e psicaniliticamente a âncora, o sonho máximo da casa. Assim, ao invés de se pensar a relação entre mãe e feto como a da perfeita simbiose, observa-se que há a relação entre uma identidade genitora e outra “alienígena”, diferente, e até mesmo “invasora”. Uma relação que é, ao mesmo tempo, cooperativa, mas também conflituosa. Aprofundar a crítica ao desejo da casa inserida na política demanda salientar a impossibilidade dessa circunscrição ante o desejo ardente, a ânsia pelo lar, pela casa, de instâncias particulares para fins particulares na esfera do público. Por fim, como afirma Honig (1996, p. 270): “Resignificar a casa como um arranjo de coalizão e aceitar a impossibilidade da convencional promessa da segurança, da casa longe de conflitos, dilemas e da diferença não é rejeitar a casa, mas, recuperá-la em nome de uma prática política alternativa e futura”. Dessa maneira, este artigo pretendeu apresentar novas formas de (re)articulação entre o direito e a democracia, as quais permitam ampliar o espaço do jogo democrático e o reconhecimento efetivo do outro e da alteridade. A experiência democrática implica uma lógica de exclusão e inclusão característica das sociedades contemporâneas, o outro, que tanto o discurso jurídico quanto o discurso político projetam. Assim, uma nova maneira de pensar a amizade, a partir de Derrida, permitiria a construção de laços de solidariedade efetivos e a ampliação da coesão social necessários ao aprofundamento da democracia. Do mesmo modo, permitiria também redimensionar o papel do Direito nas sociedades contemporâneas. REFERÊNCIAS ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008a. _______. A promessa da política. Rio de Janeiro: DIFEL, 2008b.

Cf. (BHABHA, 2010); (ANDERSON, 2008).

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Recebido: julho 2012 Aprovado: dezembro 2012

Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, n.55, p.39-52, 2012.

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