A DIALÉTICA DA RELAÇÃO NATUREZA-SOCIEDADE E A DIMENSÃO TERRITORIAL DA QUESTÃO AMBIENTAL

June 5, 2017 | Autor: Luciano Candiotto | Categoria: Geography, Environmental Studies
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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

A DIALÉTICA DA RELAÇÃO NATUREZA-SOCIEDADE E A DIMENSÃO TERRITORIAL DA QUESTÃO AMBIENTAL Luciano Zanetti Pessôa Candiotto1 RESUMO Considerando a tradição da Geografia em abordar a interface natureza-sociedade, procurou-se nesse texto, dialogar com a perspectiva dialética a respeito dessa relação, para demonstrar que os problemas denominados ambientais são pautados na relação que a sociedade estabelece com a natureza. A partir dessa perspectiva, acredita-se que a questão ambiental é eminentemente social e territorial, ou seja, a percepção, as formas de utilização e a degradação ambiental, estão vinculadas às condições que sujeitos e grupos sociais possuem para se apropriar da natureza. Assim, os conflitos políticos ligados à preservação, conservação e degradação ambiental são consequências de disputas entre grupos distintos por território e recursos. Portanto, busca-se aqui ressaltar a relevância de se apreender a relação natureza-sociedade a partir de uma perspectiva dialética, à luz de conceitos geográficos como território, territorialização, lugar, intencionalidades, entre outros. Palavras-chave: meio ambiente; natureza; sociedade; dialética; territorial. ABSTRACT Considering Geography´s tradition in construe the interface nature-society, this text aims to dialogue with the dialectical perspective on this relationship to demonstrate that problems called environmental are guided by the relationship that society has with nature. From this perspective, it is believed that the environmental issue is highly territorial, ie, the perception, forms of use and environmental degradation are linked to conditions that individuals and social groups have to appropriate nature. Thus, the political conflicts linked to the preservation, conservation and environmental degradation are consequences of disputes among different groups for territory and resources. Therefore, we seek to emphasize the relevance to grasp the relationship nature-society from a dialectical perspective, in the light of geographical concepts such as territory, territorial, place, intentions, among others. Keywords: environment; nature; society; dialectic; territorial.

1 - Introdução No debate ambiental contemporâneo urge analisar a dimensão natural e a dimensão social de forma conjunta e integrada, haja vista que, ao falar em meio ambiente, há uma referência aos elementos do meio físico (geologia, relevo, clima, solos, hidrografia) e biológico (plantas, micro e macro fauna, etc.) originários da natureza, mas também aos objetos técnicos criados e desenvolvidos pelo homem. Tais objetos e, consequentemente as ações ligadas à instalação, modificação ou substituição desses objetos, fazem parte do meio ambiente. Através do trabalho e da técnica, o homem também modifica a natureza, ou seja, introduz, altera e elimina

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Professor de graduação e Pós-graduação (Mestrado) em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus de Francisco Beltrão/PR. Bolsista produtividade da Fundação Araucária/PR. Email:[email protected]

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elementos naturais, criando a chamada segunda natureza, transformando e territorializando o espaço geográfico. Assim, conforme Smith (1988) há uma produção (material e simbólica) da natureza pelo homem. Nesse sentido, o termo meio ambiente aproxima-se mais do conceito de espaço geográfico do que do conceito de natureza ou de ecossistema, pois enquanto a natureza e o ecossistema são conceitos pautados por um viés naturalista, ou seja, que procura expressar a dinâmica de seus elementos (apesar de incluírem o homem como um ser natural), o conceito de meio ambiente - assim como o de espaço geográfico - incorporam a dinâmica social decorrente do uso dos elementos da natureza como recursos, da degradação desencadeada pelos diversos usos que a sociedade faz dos ecossistemas, assim como da conservação e preservação desses ecossistemas e, consequentemente, da natureza. O meio ambiente corresponde à natureza e às obras e ações humana, englobando os elementos naturais - rochas, gases atmosféricos, água, solos, ecossistemas, espécies animais (incluindo o homem), vegetais e outras formas de vida – juntamente com os objetos técnicos (SANTOS, 1996) - que são produtos da técnica e do conhecimento racional do ser humano. Portanto, o meio ambiente é resultado da coexistência entre elementos naturais e antrópicos. Quando nos referimos ao meio ambiente ou às dinâmicas socioambientais, estamos partindo do pressuposto de que a relação dialética natureza-sociedade2 é fundamental nesse debate, de modo que, assim como o espaço geográfico, o meio ambiente também se constitui em um híbrido, composto pelo natural e pelo social. Essa concepção de hibridez do espaço geográfico denota que a dialética permeia a relação natureza-sociedade, assim como a relação entre objetos e ações, entre o material

e

o

imaterial,

entre

o

concreto

(tecnosfera)

e

o

simbólico

(psicosfera/representações sociais) [SANTOS (1996), SAQUET (2007 e 2011), HERNANDEZ (2013)]. 2

Optamos por colocar a natureza em primeiro lugar, para reforçar a ideia de que, antes de um ser social, o homem era e ainda é, um ser natural. Assim, antes da constituição da sociedade, a humanidade corresponderia a mais uma das populações que compõem uma comunidade (conjunto de populações de seres vivos e os fatores abióticos de determinado ecossistema. Posteriormente, ao organizar-se socialmente e ao se apropriar da natureza, a humanidade adquire um caráter de sociedade (BOOKCHIN, 1972), de modo que há uma transição da primeira para a segunda natureza.

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Considerando a tradição da Geografia em abordar a interface naturezasociedade, procurou-se, nesse texto, dialogar com a perspectiva dialética a respeito dessa relação, para demonstrar que os problemas denominados ambientais são decorrentes da relação que a sociedade estabelece com a natureza e, entre os próprios homens (e mulheres). 2 - Aspectos da relação natureza-sociedade Ao entender que o meio ambiente decorre da relação dialética naturezasociedade, a primeira relação de poder a ser destacada está na exploração e apropriação do homem sobre a natureza. Essa apropriação se deu sobre uma natureza considerada selvagem e hostil, e esteve pautada em uma separação homem-natureza, de modo que o homem tornou-se o sujeito e a natureza, o objeto. Tal concepção é originária da tradição religiosa judaico-cristã, característica da sociedade ocidental [SMITH (1988); PORTO-GONÇALVES (1989)]. Junto a essa concepção de natureza hostil, a história da humanidade demonstra que, após ser dominada, a natureza torna-se sacra, poética e amiga, de modo que há uma dicotomia no que Smith (1988) chama de ideologia da natureza, pois a natureza continuou sendo considerada exterior ao homem. “Hostil ou amiga, a natureza era exterior; ela era um mundo a ser conquistado ou um lugar para o qual retornar” (SMITH, 1988, p. 37), para se contemplar. Essa separação é considerada uma ruptura histórica que permanece até hoje, mesmo com o atual processo de “valorização” da natureza. Apesar da popularização do ambientalismo, ou seja, da preocupação ambiental (a qual apresenta diversas correntes) ter ocorrido durante a década de 1960, o debate sobre a relação natureza-sociedade é bem antigo. O clássico trabalho de Marsh, denominado Man and Nature, publicado em 1864, já apresentava questionamentos sobre os impactos causados pelo homem na natureza, e considerava o homem como o grande vilão no processo de destruição da natureza. Apart from the hostile influence of man, the organic and the inorganic world are (...) bound together by such mutual relations and adaptations as secure, if not the absolute permanence and equilibrium of both, a long continuance of the established conditions of each at any given time and place, or at least, a very slow and gradual succession of changes in those conditions. But man is everywhere a disturbing agent (MARSH, 2002/1864, p.170).

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Ao buscar demonstrar a preocupação de Marx sobre a questão da degradação da natureza, Foster (2010) ressalta que, mesmo não enfocando a natureza em sua obra, Marx percebia dois elementos da relação naturezasociedade, decorrentes do desenvolvimento do capitalismo, que alteraram parte da dinâmica ambiental e que raramente são levados em consideração em estudos sobre o marxismo: 1) a redução da adubação natural dos solos no campo, em virtude da concentração de pessoas e de animais nas cidades, alertada por Liebig em 1840; e, 2) a falha metabólica existente entre a sociedade e a natureza, através da alteração de ciclos naturais fundamentais (ciclos biogeoquímicos) e da utilização intensiva de recursos naturais para a produção de mercadorias. Martínez-Alier (1998), destaca uma proposta do séc. XIX, contemporânea a Marx e Engels, que apesar de ter sido subestimada por esses dois clássicos pensadores, já demonstrava limites da natureza na produção de mercadorias. Tratase da Ecologia energética humana de Podolinsky, publicada em 1880. Em sua opinião, nos países onde o capitalismo triunfa, a produção de mercadorias que não são necessárias representa uma dispersão inútil de energia. Ele era contrário a este desperdício, porque sabia que o bem-estar humano dependia da disponibilidade de energia ganha da natureza comparada com os gastos de energia do trabalho humano, e sua perspectiva socialista o levou a desejar uma divisão igualitária deste excedente (que ele acreditava poder ser aumentado consideravelmente, por exemplo, com a aplicação direta da energia solar na produção industrial) (MARTÍNEZ-ALIER, 1998, p. 366).

Outro pensador do século XIX que se fundamentou na relação naturezasociedade foi o geógrafo anarquista Elisée Reclus. Para Souza (2013), Reclus propôs uma “geografia social” em que sociedade e natureza se acham concebidas como dialeticamente interligadas. Tratava-se de um conhecimento integrador do espaço geográfico com os seres humanos, que deveria ser atualizado e aprimorado pelos geógrafos contemporâneos. Esses são alguns exemplos de abordagens que já indicavam a relevância da ação antrópica perante a natureza, bem como uma preocupação com as consequências dos usos que o homem vinha fazendo dos elementos da natureza e, com as modificações antrópicas nas paisagens, antes do século XX. Essas preocupações foram fundamentadas em autores adeptos da dialética, com destaque

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para o materialismo histórico-dialético, e levaram à percepção da existência de um processo de degradação ambiental e/ou de impactos ambientais. Muitos geógrafos trabalham com o conceito de apropriação e exploração da natureza como os principais elementos determinantes da degradação ambiental. A apropriação pressupõe algum tipo de uso, mesmo nos casos dos usos conservacionistas e preservacionistas. Ela também é um indicativo do poder e das intencionalidades, pois quem geralmente se apropria do espaço e do meio ambiente, dos recursos naturais e de seus ecossistemas, são indivíduos e grupos (firmas, instituições diversas) que tem mais poder (político e econômico). No capitalismo, a apropriação da natureza se dá por meio de sua privatização. Essa privatização potencializa a transformação da natureza em mercadoria. Desta forma, diversos elementos da natureza e paisagens são incorporados enquanto mercadorias, através de sua utilização como matéria-prima para a produção material, como territórios turísticos, entre outras funções. Segundo Porto-Gonçalves (2006), a apropriação da natureza (terra, água, ar e fogo) se dá por meio da cultura e da política. Portanto, as relações de poder permeiam a acessibilidade aos recursos naturais. Martínez-Alier (1998, p. 368), reforça essa ideia, ao afirmar que “a territorialidade humana está em todos os casos, construída social e politicamente”. Essas relações também levam a disputas e conflitos territoriais, que mesmo podendo ser limitados a determinados recursos (água, solo, biodiversidade), estão assentados fisicamente no espaço geográfico. Assim, o uso da natureza - ou seja, quem a utiliza, quem não pode utilizar, como se utiliza, quais as consequências dessa utilização (PORTO-GONÇALVES, 2006) – está ligado às relações de poder e à dimensão territorial. Sem dúvida, há uma dinâmica de funcionamento e evolução da natureza, independente da ação antrópica. Essa dinâmica era predominante até o início da Revolução Industrial, no final do séc. XVIII. No entanto, com o desenvolvimento do Modo de Produção Capitalista, o uso e, consequentemente a exploração da natureza, ampliaram-se numa escala sem precedentes na história da humanidade.

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Além da retirada de recursos naturais, que, antes de serem recursos, são, sobretudo elementos da natureza, a humanidade foi aumentando a quantidade de rejeitos devolvidos para a natureza, em virtude dos processos de produção, circulação e comercialização das mercadorias. Assim, a degradação ambiental é contínua, pois se inicia com a exploração dos recursos naturais (solos, águas, florestas, minérios, petróleo, animais, etc.) e continua com a disposição de rejeitos decorrentes da exploração desses recursos. Desta forma, a relação naturezasociedade se constitui em uma relação de causa-efeito contínua e recíproca, isto é, em uma relação dialética. Essa relação se dá a partir das necessidades humanas de sobrevivência, seguida da percepção sobre a natureza e os recursos necessários para garantir essa sobrevivência, da capacidade intelectual e técnica para extrair recursos naturais como matéria-prima e para transformá-los em produtos e mercadorias, e finalmente, das formas como a sociedade ocupa o espaço geográfico, gerando e despejando resíduos e rejeitos dos processos produtivos como consequência dessa utilização dos recursos naturais. Por sua vez, esses rejeitos vão interagir no meio ambiente, levando aos chamados impactos socioambientais (degradação ambiental, poluição, contaminação, etc.). 3 - A relação dialética natureza-sociedade Metodologicamente, entendemos que a concepção de natureza a partir da dialética, possibilita apreender esses hibridismos existentes nas dinâmicas ambientais. No plano da dialética, predomina o materialismo histórico-dialético, trabalhado direta ou indiretamente por autores como Smith (1988), Rodríguez e Silva (2005), Rodríguez (2012), Foster (2010), Loureiro (2003), Magdoff e Foster (2010), Magdoff (2011), Martínez-Alier (1998) e Porto-Gonçalves (1989 e 2006). Não obstante, essa concepção materialista e dialética não nega a influência do subjetivo, das representações sociais, no próprio processo de materialização de objetos e ações [SANTOS (1996), HERNANDEZ (2013)]. Ao resgatar o pensamento de Marx, no sentido de demonstrar a relevância da natureza em sua argumentação, por meio, sobretudo de sua crítica da alienação da

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humanidade em relação à natureza, Foster (2010), aborda a pertinência do materialismo histórico-dialético para a análise ecológica. Uma análise ecológica cabal requer uma postura tanto materialista quanto dialética. [...] Uma abordagem dialética nos força a reconhecer que os organismos em geral não se adaptam simplesmente ao seu meio ambiente, mas também afetam o meio ambiente de várias maneiras, e afetando, o modifica. A relação é, pois, recíproca. (p. 31/32).

Foster (2010) afirma que o marxismo “aponta para a necessidade de um materialismo ecológico”, onde “uma comunidade biológica e seu meio ambiente precisam ser vistos como um todo dialético” (p. 32), haja vista que os organismos se adaptam ao meio ambiente, mas também o modificam. Segundo ele, ao utilizar o conceito de história natural, Marx e Engels referiam-se à ideia de que a natureza que era uma pré-condição da vida e da sociedade humana - vai sendo modificada com a história. Em um artigo onde propõem uma interpretação epistemológica da Geografia a partir da dialética, Rodríguez e Silva (2005, p. 60) defendem o argumento de que “una genuina interpretación dialéctica de las relaciones entre la naturaleza y la sociedad, conducen a la necesidad de construir un modelo alternativo de ocupación, transformación y apropiación del espacio”. Nesse sentido, a análise pautada na dialética conduziria a construção de novas interpretações geográficas e de novas territorialidades, mais integradas e complexas. Rodríguez e Silva (2005) também procuram explicitar os fundamentos do método materialista histórico-dialético, através da seguinte afirmação: La concepción materialista dialéctica, basa su análisis en la formulación y explicación de leyes naturales, sociales y del pensamiento. Considera que la racionalidad subjetiva, y el mundo interior, constituye la expresión de toda la racionalidad y constitución del mundo exterior. La dialéctica coloca a la realidad, como el elemento de partida del pensamiento y de los seres vivientes […]. Es así la ciencia de las leyes generales del desarrollo de la naturaleza, la sociedad y el pensamiento humano (p. 58).

Rodríguez e Silva (2005) destacam que na dialética, a realidade é o elemento de partida do pensamento, de modo que as explicações se fundamentam na materialidade. Contudo, atribuem uma intrínseca associação entre a subjetividade e o mundo objetivo, material, aproximando-se das perspectivas analíticas de Santos (1996) e Hernández (2013).

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Ao utilizar os conceitos de tecnosfera e psicosfera, Santos (1996) também ressalta uma coexistência entre os objetos concretos (decorrente das técnicas e das coisas da natureza) e as representações sociais (o simbólico, o imaginário, traduzido em manifestações culturais individuais e coletivas variadas). A tecnosfera é concebida, aceita e materializada a partir da psicosfera, da mesma forma que a tecnosfera vai influenciar a própria psicosfera (alterando ou mantendo as representações sociais). Hernández (2013) busca desconstruir o pensamento que reduz o marxismo ao estritamente objetivo/material, para enfatizar que, no discurso crítico de Marx sobre a práxis, há uma unidade indivisível entre pensamento, intuição e prática objetiva, que são componentes ativos e diferenciados de uma única realidade histórica indissolúvel. Assim, para explicar a espacialidade objetiva, seria preciso mostrar como as representações sociais do espaço influenciam e são influenciadas pelas objetividades, pelo concreto. As impressões de Rodríguez e Silva (2005), Santos (1996) e Hernández (2013), permitem a reflexão de que a própria relação entre o material (objetos) e o simbólico (ações, representações) é uma relação dialética, assim como a relação entre o mundo natural e os produtos de intencionalidades humanas. Ao fundamentar-se no materialismo histórico-dialético enquanto método de apreensão da realidade para debater a questão ambiental, Loureiro (2003) justifica sua escolha. [...] este método possui uma indiscutível contribuição ao debate ecológico, pelo sentido de unidade dialética sociedade-natureza, de entendimento do humano como natureza sem suprimir suas especificidades, e por permitir uma reflexão contextualizada e consistente do discurso e da prática ambientalista (p. 45).

Para Loureiro (2003), a Teoria Social Crítica é extremamente útil para o debate da questão ambiental, em virtude da heterogeneidade histórica e social dos sujeitos e do protagonismo destes no processo de apropriação da natureza, seja para sua preservação, utilização conservacionista ou exploratória. Apesar de tecer críticas ao marxismo e ao materialismo histórico-dialético, Bookchin (1972) recorre à Teoria Social Crítica, à dialética e ao pensamento libertário, para construir sua instigante proposta de uma Ecologia Social e de um

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naturalismo dialético. Ao analisar a transição entre a primeira e a segunda natureza, o autor destaca a hierarquia e o domínio de homens sobre homens, como um elemento central para a apropriação e degradação da natureza. Nesse amplo contexto que envolve a chamada “questão ambiental” ou “crise ambiental”, há uma apropriação da natureza pelo homem, conforme destacado por Smith (1988) e Porto-Gonçalves (2006). Essa apropriação é desigual e decorre de relações de poder, ou seja, da capacidade que determinados grupos ou sujeitos sociais criam/possuem, para fazer predominar seus interesses. A partir dessa perspectiva, acredita-se que a questão ambiental é eminentemente territorial, ou seja, a percepção, as formas de utilização e consequentemente de degradação ambiental, estão estritamente vinculadas às condições que sujeitos e grupos sociais possuem para se apropriar da natureza. Assim, os conflitos ideológicos e políticos ligados à preservação, conservação e degradação ambiental são consequências de disputas entre grupos distintos, por território e recursos. Esses grupos e sujeitos atuam a partir de determinadas concepções

de

natureza

intencionalidades. Porém,

e

de

desenvolvimento,

que

a concepção economicista e

fundamentam a

suas

intencionalidade

direcionada ao lucro e à acumulação de capital costumam predominar na maior parte das ações desses grupos/sujeitos sociais. Portanto, há uma coexistência de objetos e ações que é condicionada às dimensões econômica, política, cultural e natural. Essas dimensões influenciam sobremaneira as diversas concepções de natureza e de meio ambiente. Por sua vez, essas concepções condicionam ações vinculadas à degradação, conservação ou preservação de ecossistemas e de seus elementos constituintes. É no decorrer dos mais variados processos de territorialização que se estabelece a relação natureza-sociedade. As diversas formas de se utilizar os elementos naturais - em processos que envolvem a produção de mercadorias (objetos materiais) ou de desejos, sonhos (do imaterial) que também estão ligados ao mundo da mercadoria – indicam intencionalidades e territorialidades dos sujeitos sociais perante a natureza.

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4 - Indicativos da dimensão territorial no contexto da questão ambiental Acreditamos que a dinâmica do espaço geográfico é regida por fenômenos que ocorrem concomitantemente em múltiplas escalas geográficas, conforme apontado por Santos (1996); Candiotto (2008); Alves, Candiotto e Saquet (2010); e Saquet (2011). Assim, há uma ampla diversidade de questões relacionadas à utilização de recursos naturais ou à degradação ambiental, que apesar de poderem ter uma origem global, macrorregional ou nacional, levam a conflitos que vão se manifestar, sobretudo nos lugares. Entendendo o lugar como receptor de ações e objetos, e como emissor de valores e intencionalidades, Santos (1996) procura demonstrar a atuação de forças exógenas e endógenas no lugar, destacando o papel da sociedade local na produção do espaço geográfico. As abordagens que buscam inter-relacionar aspectos exógenos e endógenos são bastante peculiares para as pesquisas em Geografia, pois o espaço é decorrente de objetos e ações, e que, apesar de estarem materializados em localidades específicas (no lugar), são influenciados por lógicas macroestruturais do modo de produção capitalista, e por outras lógicas (nacionais, estaduais, regionais, etc.). Essas lógicas, por sua vez, estão condicionadas à racionalidade hegemônica do capitalismo global. Tanto as ações no plano/escala local, tratadas por Santos (1996) a partir do conceito de horizontalidades, quanto às ações regidas por uma lógica global, chamadas pelo autor de verticalidades, estão fundamentadas em diferentes intencionalidades. Nesse sentido, o conceito de intencionalidades é fundamental para apreender as ações presentes no espaço geográfico, bem como a formação de territórios e a constituição de territorialidades a partir de uma perspectiva dialética. O poder diferenciado dos atores influencia na aceitação e na materialização das intencionalidades, pois, geralmente, as intencionalidades da maioria da população não conseguem predominar sobre as intencionalidades dos atores dominantes. Porto-Gonçalves (2006) demonstra bem como essas intencionalidades dos atores hegemônicos globais são predominantes no processo de globalização da natureza. Ao ressaltar o predomínio da técnica e a concentração do poder, o autor

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enfatiza o meio ambiente enquanto mercadoria, direcionando várias críticas à perspectiva de uma economia verde e às suas consequências já materializadas, como o mercado de carbono, de certificação florestal, a privatização da água, da biodiversidade e de outros recursos naturais. Ademais, Porto-Gonçalves utiliza diversos dados para enfatizar a concentração de poder por parte das grandes corporações/empresas/firmas transnacionais. Seja no setor de agroquímicos, produtos farmacêuticos, alimentos e bebidas, ou de sementes, poucas empresas detém o controle do mercado mundial. Assim, há um domínio da própria concepção ambientalista por parte dessas corporações e de seus principais organismos de sustentação, como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo Porto-Gonçalves (2006), os principais problemas ambientais são, sobretudo, problemas políticos. Esses problemas estão ligados à concentração da população urbana; distribuição desigual dos recursos e rejeitos; e aos novos tipos de rejeitos (nanoquímicos e OGMs). Não obstante, os problemas estruturais estão vinculados aos seguintes fatos: quem produz não é proprietário do que produz (separa-se quem produz de quem consome); a produção não se destina ao consumo direto dos produtores; o lugar que produz não é o destino da produção. A abordagem de Porto-Gonçalves (2006) destaca a dimensão política e, portanto, a relevância do conceito de território para a análise de questões ambientais. Acreditamos que essa dimensão política da questão ambiental se dá desde escalas macroterritoriais, envolvendo territorialidades de grandes firmas, até escalas microterritoriais, ligadas a territorialidades vividas no cotidiano de pessoas e grupos sociais. Contudo, essa relação é multiescalar, pois o global, o local e outras escalas possíveis, coexistem nos lugares. Da mesma forma, há uma coexistência mútua e dialética entre as dimensões tradicionalmente separadas nos processos de análise (econômica, política, cultural, ambiental, entre outras). Apesar da dificuldade metodológica de integrar essas dimensões, acreditamos que a Geografia tem um papel fundamental em buscar essa integração. 5 - Exemplos da dimensão territorial em questões ambientais

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Recentemente, um território (imaterial) criado em torno da problemática ambiental, refere-se ao aquecimento global e à polêmica acerca das mudanças climáticas. De um lado está o grupo de pesquisadores que compõem o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que tem alertado para a tendência de aquecimento do planeta, em virtude da emissão de gases que vêm intensificando o efeito estufa, provenientes de ações humanas como o uso de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural), desflorestamento, emissão de poluentes industriais, entre outras. De outro, estão os pesquisadores céticos das mudanças climáticas, que entendem que não é necessariamente a ação humana que vem levando ao processo de aquecimento do planeta Terra. Sabe-se que existem diversas interpretações científicas nesse contexto, porém tais interpretações, assim como os interesses/intencionalidades ligados ao debate sobre aquecimento global e mudanças climáticas possuem um forte viés político, sendo, portanto, questões territoriais. A posição dos Estados Unidos em relação aos acordos propostos para a redução da emissão de gases estufa, conservação da biodiversidade, entre outros, demonstra que as relações de poder permeiam o uso da natureza e a transformação do espaço geográfico. A título de exemplos de outros elementos que denotam a dimensão territorial da questão ambiental, achamos pertinente destacar duas questões polêmicas presentes no Brasil. Uma delas diz respeito à liberação dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), ou seja, dos transgênicos. Apesar de o governo federal ter criado uma comissão específica para esse debate, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a liberação dos transgênicos no Brasil indica a conhecida força política que o setor do agronegócio, composto pelos chamados ruralistas e pela empresas do setor de biotecnologia, possui. Enquanto diversos países vêm proibindo o plantio e a comercialização de produtos transgênicos, o Brasil liberou e não tem conseguido controlar a utilização desses produtos, sobretudo de sementes. O caso mais recente está na liberação do eucalipto transgênico. Assim, a própria CTNBio se constitui em um território, onde as intencionalidades das empresas do setor vêm prevalecendo.

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Outro exemplo dessa dimensão política e dialética da questão ambiental está nas alterações da legislação florestal no Brasil, ocorrida em 2012. Novamente, o setor ruralista mostrou sua força, aprovando modificações na legislação referente à proteção de florestas no país. Houve uma flexibilização da legislação de 1965, que certamente irá comprometer a preservação de remanescentes florestais e principalmente e regeneração de florestas nas Áreas de Preservação Permanentes (margens de rios, entorno de nascentes e encostas com alta declividade). Além desses aspectos, fica o questionamento sobre o efetivo cumprimento da lei, haja vista que o Código Florestal de 1965 nunca foi devidamente cumprido. Nesses dois exemplos brasileiros, as disputas têm sido polarizadas entre ruralistas e ambientalistas. No entanto, existem outros grupos interessados nessa questão – sobretudo as empresas que dominam esses setores - que muitas vezes ficam ocultados propositalmente. Assim, os conflitos ambientais/territoriais não demonstram as várias intencionalidades presentes nas ações e manifestações contra ou a favor de determinado tema. Apreender essas intencionalidades não é uma tarefa fácil, porém extremamente pertinente para o desvendamento das relações de poder existentes na dinâmica do espaço geográfico. 6 - Considerações finais Procuramos demonstrar nesse artigo, a pertinência da abordagem dialética para apreender a relação natureza-sociedade e a relevância de conceitos geográficos que podem contribuir nessa tarefa de integração das dimensões econômica, política, sociocultural e ambiental, destacando os conceitos de território, territorialização, lugar, multiescalaridade, intencionalidades, entre outros. As questões ambientais estão intimamente ligadas à dimensão política e territorial. Elas manifestam-se a partir de um desenvolvimento produtivista e consumista, marcado, sobretudo pelo predomínio do Modo de Produção Capitalista. Ao entender que a maior parte dos ambientalistas acreditou, erroneamente, na ideia de que seria possível combater a crise ambiental sem questionar a lógica de crescimento ilimitado presente nas relações capitalistas, Magdoff e Foster (2010)

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alertam que dentro do capitalismo, a problemática ambiental não será solucionada. “The ecological crisis cannot be solved within the logic of the present system” (p. 14). Considerando que a Geografia pode contribuir nessa superação para um novo sistema, acreditamos que isso deve se dar inicialmente a partir de análises comprometidas com a apreensão integrada das dimensões econômica, política, cultural e ambiental. Nesse sentido, apreender as questões ambientais a partir de uma perspectiva dialética, territorial e multiescalar, considerando as relações sociais que permeiam a apropriação, o uso e a degradação dos recursos naturais e das paisagens nos lugares, pode ser útil no desvendamento de processos que estão carregados por intencionalidades, sobretudo econômicas e políticas. 7 - Referências ALVES, Adilson F.; CANDIOTTO, Luciano Z. P.; SAQUET, Marcos A. Construindo uma concepção reticular e histórica para estudos territoriais. In: PEREIRA, Silvia R; COSTA, Benhur P.; SOUZA, Edson B. C. (Org.). Teorias e práticas territoriais: análises espaço-temporais. São Paulo: Expressão Popular, 2010, v. 1, p. 53-70. BOOKCHIN, Murray. La Ecología de la Libertad: el surgimiento y la disolución de la jerarquía. Madrid: Nossa y Jara Editores, 1999. CANDIOTTO, Luciano Z. P. A relevância do lugar na interpretação geográfica em tempos de globalização. Terra Livre. São Paulo, v. 2, p. 75-91, 2008. FOSTER, John B. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. HERNÁNDEZ, Efraín L. La espacialidade social y el uso de la libertad: hacia una teoría de la praxis espacial revolucionaria. In: SAQUET, Marcos (Org.). Estudos territoriais na ciência geográfica. São Paulo: Outas Expressões, 2013. LOUREIRO, Carlos F. B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política. Rio de Janeiro: Quartet, 2003. MAGDOFF, F. Ecological Civilization. Monthly Review. 2011, p. 1-17. http://monthlyreview.org/2011/01/01/ecological-civilization, acesso em 13 de abril de 2013.

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