A Didática da História orientada pela virada paradigmática alemã dos anos 60 e 70

June 6, 2017 | Autor: M. Martins Pina | Categoria: Didática Da História, Ensino de História, Ensino De História
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A DIDÁTICA DA HISTÓRIA ORIENTADA PELA VIRADA PARADIGMÁTICA ALEMÃ DOS ANOS 60 E 701 Max Lanio Martins Pina 2 1 Resumo Neste artigo apresentaremos a Didática da História com sua conceituação definida na bibliografia alemã referente ao movimento que ficou conhecido como virada paradigmática dos anos 60 e 70, bem como discutiremos as influências desse grupo na ampliação desse conceito no Brasil a partir da última década. Contextualizaremos esse movimento com suas características sociais e históricas peculiares, para mostrar como essa disciplina foi expulsa e reintroduzida no campo da Ciência Histórica. Analisaremos essa disciplina como subdisciplina da Ciência da História com o seu caráter metateórico na reflexão da práxis historiográfica e por fim vamos expor os atuais rumos dessa área no Brasil. Palavras-chave: Didática da História. Virada Paradigmática. Anos 60 e 70.

Abstract In this article we will present the didactics of history with its concept defined in the German literature on the movement that became known as paradigmatic turn of the 60s and 70s, as well as discuss the influence of this group in the expansion of this concept in Brazil in the last decade. Contextualize this movement with its peculiar social and historical characteristics, to show how this discipline was expelled and reintroduced in the field of Historical Science. We will analyze this discipline as a subdiscipline of History of Science with its metatheoretical character in reflection historiographical praxis and finally we will expose the current directions of this area in Brazil. Keywords: Didactics of History. Paradigmatic Turn. Years 60s and 70s.

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Este artigo tem como finalidade sintetizar as ideias e reflexões realizadas nos últimos anos pelo professor Dr. Rafael Saddi, o qual se tornou um dos principais intelectuais no Brasil a discutir e defender a Didática da História como práxis metateórica na função historiográfica. Nesse sentido, consideramos ser necessária a compreensão dessas discussões por parte daqueles que desejam efetuar investigações relacionadas a esse campo, tendo em vista as mudanças ocorridas nessa área que foram provocadas pela literatura alemã especializada. 2 Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Campus Porangatu. Endereço eletrônico: [email protected].

Nos últimos anos a área tradicionalmente conhecida na nação brasileira como ensino de história vem passando por transformações paradigmáticas no seu campo epistemológico. 3

No Brasil, as pesquisas sobre ensino e aprendizagem da História adquiriram grande impulso nas últimas décadas, o que pode ser observado pela expansão das linhas de pesquisa nos cursos de pós-graduação e pelo aumento da produção e da publicação nessa área.4 Essas mudanças estão sendo provocadas pela influência da literatura alemã especializada na Didática da História, a qual tem estimulado a ampliação conceitual dessa disciplina, permitindo assim a ampliação do seu objeto de investigação. Para o historiador Rafael Saddi conceituar a Didática da História não é uma tarefa fácil, uma vez que a definição dessa área está longe de ser consensual entre os intelectuais brasileiros envolvidos com esse campo.5 No entanto, no Brasil

a formulação da didática da história passa pela constituição de um código disciplinar, isto é, de uma tradição configurada historicamente que estabelece um conjunto de 3

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. Cultura histórica e aprendizagem histórica. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 6, n. 10, jan./jun. 2014, p. 32. 4 CAINELLI, Marlene Rosa; SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Desafios teóricos e epistemológicos na pesquisa em educação histórica. Antíteses, v. 5, n. 10, jul./dez. 2012, p. 509. 5 SADDI, Rafael. O parafuso da didática da história: o objeto de pesquisa e o campo de investigação de uma didática da história ampliada. Acta Scientiarum. Education: Maringá, v. 34, n. 2, p. 211-220, JulyDec., 2012, p. 212.

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ideias, valores e rotinas que definem e delineiam a função educativa da história. 6 Através dessa constituição da função educativa da História, que no Brasil passa por um código disciplinar estabelecido tradicionalmente e historicamente Rafael Saddi sustenta que existe a partir daí pelo menos quatro reduções do conceito de Didática da História. Em primeiro lugar verifica-se que a Didática da História esta limitada “à metodologia do ensino de história, e muitas vezes, à técnica de ensino, apresentando, dessa forma, um caráter funcional”, 7 e desta maneira ela é entendida apenas como uma ferramenta que serve para auxiliar na formação de professores de história para o Ensino Fundamental e Médio. Conforme Aline do Carmo Costa Barbosa, a esta área é delegada a tarefa de refletir a respeito dos métodos que serão facilitadores da aprendizagem na sala de aula, nesse sentido, ela limita a própria reflexão, porque os métodos “elaborados ou discutidos sem relação com a ciência histórica, tornam-se diversas vezes recursos didáticos ou meros facilitadores de aprendizagem”. 8 A afirmação de Barbosa só confirma essa visão reducionista da Didática da História no Brasil.

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SCHMIDT, 2006; URBAN, 2009 apud SADDI, 2012, op. cit., p. 212. SADDI, Rafael. O parafuso da didática da história: o objeto de pesquisa e o campo de investigação de uma didática da história ampliada. Acta Scientiarum. Education: Maringá, v. 34, n. 2, p. 211-220, JulyDec., 2012, p. 212. Ver também: SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, p. 133-147 - jul./dez. 2014, p. 140-141. 8 BARBOSA, Aline do Carmo Costa. Didática da História e EJA: investigações da consciência histórica de alunos jovens e adultos. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013, p. 31. 7

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No “segundo lugar, a didática da história reduz-se ao ensino ‘escolar’ da história”. 9 Nesse caso, ela perde todo seu caráter de ampliação, porque não pode ser usada para compreensão da consciência histórica na sociedade, e muito menos para fazer a relação da História com a vida prática humana e por causa disso, a Didática da História deixa de levar em conta e também reduz suas reflexões sobre os vários espaços que a História influencia. De acordo com Barbosa

Se entre o que preocupa a didática da história não estão os elementos que são produzidos fora do ambiente escolar, que se revelam como fundamentais quando, por exemplo, notamos que jornais, revistas, novelas, museus, filmes, etc, produzem concepções acerca do passado quanto emitem interpretações históricas em nossa sociedade, então esta área de investigação acaba por ignorar os mais diversos espaços que fornecem orientação histórica no presente. 10 Em terceiro lugar, “a didática da história aparece como uma área externa à ciência histórica que deve buscar em outras áreas os procedimentos e métodos para definir como ensinar História nas escolas”.11 Nessa situação ela é compreendida como uma disciplina ligada a Ciência da Educação e em específico a Pedagogia, ficando longe de poder estabelecer sua análise pela Ciência Histórica. Para Barbosa esta situação pode ser percebida no Brasil pela divisão ou separação existente 9

SADDI, 2012, op. cit., p. 212. BARBOSA, 2013, op. cit., p. 31. 11 SADDI, Rafael. O parafuso da didática da história: o objeto de pesquisa e o campo de investigação de uma didática da história ampliada. Acta Scientiarum. Education: Maringá, v. 34, n. 2, p. 211-220, JulyDec., 2012, p. 212. 10

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na formação do profissional da Ciência Histórica, entre licenciatura e bacharelado, como ela declara, pressupõe-se uma história a ser ensinada e outra a ser pesquisada, de tal maneira que essas duas esferas não se comunicam. 12 Por último, tem-se a visão de que “o caráter disciplinar e científico da didática da história não é claro, aparecendo, por vezes, meramente como uma área de formação”. 13 Constitui-se aqui um dos grandes problemas dessa área no Brasil, porque ela não é encarada como “um área aprovada cientificamente” 14 e muitas vezes é vista somente como campo de formação técnico e prático que serve apenas como ferramenta para formação de professores de História. Em um artigo publicado em 2008, Oldimar Cardoso buscava uma definição para a Didática da História. Segundo ele, no Brasil essa disciplina era frequentemente compreendida como uma temática que estaria subordinada a área da educação, porque existe uma crença de que a função da Didática da História é a de adaptar para o conhecimento escolar a produção da Ciência Histórica. 15 Essa crença está baseada no código

BARBOSA, Aline do Carmo Costa. Didática da História e EJA: investigações da consciência histórica de alunos jovens e adultos. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013, p. 31. 13 SADDI, 2012, op. cit., p. 212. 14 SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, jul./dez., 2014, p. 141. 15 CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº 55, 2008, p. 154.

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disciplinar que estabeleceu de forma tradicional as normas, as ideias e a rotinas do ensino de História. 16 Ancorado em autores alemães da Didática da História, como Klaus Bergmann, Jörn Rüsen, Bernad Schönemann e Hans Jürgen Pandel, o pesquisador Oldimar Cardoso justifica que a Didática da História (Geschichtsdidaktik) como é expressa em alemão “não é um mero ‘lubrificante’ que se passa sobre a História para que ela possa ser ensinada, e também não se resume ao ensino e à aprendizagem da História no contexto escolar”, 17 e acrescenta que a “didática circunscrita pelo conceito de Geschichtsdidaktik pertence à História, é uma parte indissociável dela. A Geschichtsdidaktik abrange mais do que a realidade escolar, ela estuda a ‘consciência histórica na sociedade’”. 18 Os intelectuais alemães acima citados concluíram nos anos da virada paradigmática das décadas de 60 e 70 que a Didática da História é uma subdisciplina que pertence ao campo da Ciência Histórica, e não uma disciplina que é ligada à área da Educação, deste modo, ela deve constituir seu objeto, sua metodologia e seu campo conceitual a partir da epistemologia da História.

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Como já havia sido citado anteriormente o código disciplinar da História que delineou de forma tradicional e histórica as práticas e funções e também a rotina do ensino dessa disciplina na nação brasileira. In: SCHMIDT, 2006; URBAN, 2009 apud SADDI, 2012, op. cit., p. 212. 17 CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº 55, 2008, p.158. 18 CARDOSO, 2008, op. cit., p. 158.

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Os alemães e a Didática da História Ao discorrer a respeito das influências da literatura alemã sobre a Didática da História no Brasil é necessário primeiro expor uma série de problemas que foram observados pelo professor Rafael Saddi19, o qual percebeu a partir de seus estudos dos principais autores desse campo na Alemanha, quatro incoerências por parte

dos pesquisadores e

historiadores brasileiros envolvidos com esse campo 20. A Primeira incoerência está relacionada a partir da constatação de que muito do que foi produzido pelos alemães em termos de literatura no que se refere à Didática da História, não se tornou conhecido no Brasil.

Com a contribuição especial do professor Estevão Rezende Martins, da professora Maria Auxiliadora Schmidt e de outros colegas, existe um número razoável de traduções de textos e livros de Rüsen para o português. Porém, com exceção deste autor, a literatura alemã disponível em língua portuguesa se reduz a um artigo de Klaus Bergmann (1990) e um artigo do Bodo Von Borries (2012).21 As reflexões ocorridas nesse campo foram debatidas na Alemanha por vários historiadores, no entanto, por causa do pequeno volume 19

Vale ressaltar que o referido historiador, juntamente com outros como Luís Fernando Cerri, Maria Auxiliadora Schimdt e Oldimar Cardoso, influenciados pela bibliografia alemã tem se destacado no Brasil na tentativa de propor a ampliação do campo de investigação da Didática da História. Cf. SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, p. 133-147 - jul./dez. 2014. 20 Esses autores foram lidos por Rafael Saddi na língua original, e a partir de então ele detectou os problemas que envolvem a Didática da História no Brasil que é orientada pela literatura alemã. In: SADDI, 2014, op. cit. 21 SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, jul./dez., 2014, p. 134.

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traduzido para o português, conhece-se pouco do que foi publicado durante os anos que se seguiram as décadas de 60 e 70, momento de ampla produção desses pensadores. Por isso, percebe-se que “o extenso e profundo impacto da historiografia alemã na didática da história do Brasil se contradiz com o baixo e estreito conhecimento sobre a enorme produção didático-histórica alemã”, isto é, as reflexões realizadas no Brasil perdem por não conhecer todas as produções intelectuais desse campo na língua alemã, pois esses autores refletiam a partir de suas carências de orientação que eram específicas, as quais não são as mesmas dos brasileiros, pois pertenciam “a questões próprias de seu tempo e espaço”.22 O segundo problema observado foi o fato de que no Brasil há uma espantosa evidência na ideia que atribui a Jörn Rüsen a concepção do conceito consciência histórica. De acordo com Saddi “a enorme ênfase em Rüsen produz a noção, pouco refinada, de que ele fora formulador de uma concepção única e individual”. 23 Não se credita esse conceito absorvido pelas pesquisas em Didática da História e pela metodologia da Educação Histórica a outros autores alemães, tais como “Schörken, Bergmann, Pandel e, especialmente, Jeismann”. 24 Essa segunda situação é proveniente da primeira, a falta de traduções e o difícil acesso a língua germânica, criam esses equívocos. Entretanto, ainda na opinião de Saddi

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SADDI, 2014, op. cit., p. 134. SADDI, 2014, op. cit., p. 134. 24 Esses autores alemães fazem parte do grupo de pensadores da Didática da História, que foram os responsáveis pela elaboração de uma nova reflexão sobre as influências da História para vida humana prática no momento de crise de legitimação da História e também do ensino de história na Alemanha, permitindo assim a ocorrência virada paradigmática dos anos de 60 e 70. 23

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não se pode desprezar de todo a importância desse intelectual na coautoria desse conceito, pois coube a ele o mérito de desenvolver de uma forma profunda a visão sobre a consciência histórica. 25 Já o terceiro equívoco apontado por Saddi e que também é proveniente do primeiro, é o fato de “pensar que a didática da história alemã é homogênea”. 26 A pouca bibliografia disponível em língua portuguesa sobre esse campo dificulta a percepção das “várias correntes e várias divergências entre os autores alemães dos anos 1970, inclusive entre aqueles que se situavam no interior destas novas abordagens da didática da história”. 27 Por fim, tem-se a confusão criada em torno da Educação Histórica (History Education), porque a mesma é sempre confundida com a Didática da História. Essa primeira pertence à tradição inglesa, embora tenha surgido no mesmo período da mudança de paradigma da Didática da História alemã é entendida como uma metodologia, que visa investigar as “ideias históricas de sujeitos em situação escolar”. 28 O relacionamento entre esses dois campos no Brasil é visto por Saddi como positivo, conforme seus argumentos foram os pesquisadores brasileiros da Educação Histórica que tiveram uma importante função na divulgação “de diferentes conceitos formulados pela didática da história alemã, tais como

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SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, jul./dez., 2014, p. 134. 26 SADDI, 2014, op. cit., p. 135. 27 SADDI, 2014, op. cit., p. 135. 28 SADDI, 2014, op. cit., p. 135.

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os conceitos de consciência histórica, aprendizagem histórica e cultura histórica”. 29 Entretanto, é fundamental para compreensão das mudanças ocorridas na Didática da História nos últimos anos, a análise de dois textos divulgados por esse grupo de pesquisadores alemães que assimilaram e avaliaram aquilo que ficou conhecido como virada paradigmática ocorrida nos anos de 60 e 70 do século XX. 30 O primeiro texto foi publicado no Brasil em 1990, de autoria do historiador Klaus Bergmann com o título “A História na reflexão didática”,31 nele o autor faz uma análise das relações existentes entre a Didática da História com a pesquisa empírica, com a ciência histórica e com o ensino de História. O segundo texto é do historiador e filósofo Jörn Rüsen, publicado dezesseis anos depois intitulado “Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão”, 32 no qual ele descreve a trajetória da Didática da História na Alemanha, dando ênfase as mudanças ocorridas nos anos 60 e 70, e na segunda parte do texto ele apresenta as áreas de atuação dessa disciplina em seus país. Ambas as publicações foram apresentadas ao público especializado pela primeira vez na Alemanha na década de 1980, e fazem parte de uma 29

SADDI, 2014, op. cit., p. 135. Na dissertação de mestrado de Aline do Carmo Costa Barbosa, defendida em 2013, na Universidade Federal de Goiás, na qual faz uma análise da consciência histórica de alunos da EJA, ela afirma que as publicações das obras de Jörn Rüsen e o artigo de Klaus Bergmann, foram importantes para influenciar as mudanças na Didática da História no Brasil. In: BARBOSA, Aline do Carmo Costa. Didática da História e EJA: investigações da consciência histórica de alunos jovens e adultos. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013, p. 33. 31 BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.9, n.9, pp. 29-42, set.89/fev.90. 32 RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa: Ponta Grossa. v. 01, n. 02, jul./dez., 2006, p. 07-16. 30

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discussão/reflexão que visava aproximar e recolocar a Didática da História no campo da Ciência Histórica.33 O historiador Luís Fernando Cerri acredita que do período em que esses textos foram expostos ao público brasileiro até a presente data, já são notórios os avanços nesse campo de conhecimento e não há como negar a importância das reflexões que foram provocadas por eles.34 Nesse sentido, o historiador alemão Klaus Bergmann inicia seu texto chamando a atenção para a necessidade de uma reflexão “históricodidática”, o que para ele ocorre quando

na medida em que investiga seu objeto sob o ponto de vista da prática da vida real, isto é, na medida em que, no que se refere ao ensino e à aprendizagem, se preocupa com o conteúdo que é realmente transmitido, com o que podia e com o que devia ser transmitido. 35 Do ponto de vista do pensamento alemão presente na Didática da História, Bergmann provocou nas discussões brasileiras o empenho de se pensar o ensino de História a partir da vida prática do aluno, do seu cotidiano e de sua realidade vivida. 36 Ele acrescenta que a preocupação dessa disciplina era

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SADDI, Rafael. Didática da História como sub-disciplina da ciência histórica. História & Ensino, Londrina, v. 16, n. 1, 2010, p. 61-80. 34 CERRI, Luís Fernando. O historiador na reflexão didática. História & Ensino, Londrina, v. 19, n. 1, p. 2747, jan./jun. 2013. 35 BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.9, n.9, pp. 29-42, set.89/fev.90, p. 29. 36 BERGMANN, 1990, op. cit., p. 29.

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investigar o que é apreendido no ensino da História (é a tarefa empírica da Didática da História), o que pode ser apreendido (é a tarefa reflexiva da Didática da História) e o que deveria ser apreendido (é a tarefa normativa da Didática da História).37 Para Saddi os diferentes tipos de história, isto é, as histórias assimiladas e experimentadas diretamente todos os dias pelo devir, ou as que são recebidas e também assimiladas pela transmissão da Ciência Histórica devem ser estudadas pela tarefa empírica da Didática da História. Já a tarefa reflexiva, visa, portanto a análise do trabalho do historiador, observando os seus métodos, seus procedimentos, a forma como ele lida com a pesquisa, suas ideias, seus interesses, entre outros. Por último, a tarefa normativa da Didática da História é quem vai “indicar os caminhos para as funções de orientação da história” na vida prática humana.38 Para o pesquisador Klaus Bergmann a Didática da História se definia como “uma disciplina científica que, dirigida por interesses práticos, indaga sobre o caráter efetivo, possível e necessário de processo de ensino e aprendizagem e de processos formativos da História”. 39 Nesse caso, as preocupações dessa disciplina seriam “com a formação, o

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BERGMANN, 1990, op. cit., p. 29. SADDI, Rafael. Reflexões sobre o campo de investigação da didática da história. In: SILVA, Maria da Conceição; MAGALHÃES, Sônia Maria de. O ensino de História: aprendizagens, políticas públicas e materiais didáticos. Goiânia: Editora da PUC Goiás, 2012, p. 92. 39 BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.9, n.9, pp. 29-42, set.89/fev.90, p. 29. 38

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conteúdo e os efeitos da consciência histórica num dado contexto sóciohistórico”.40 Segundo Cerri foi introduzido nas discussões brasileiras “a expressão consciência histórica, que teria um papel decisivo nessa virada paradigmática do da concepção e tratamento do ensino de história”. 41 Todavia, tem que levar em consideração que Bergmann não conceitua nesse texto a consciência histórica, porém, ele acreditava que ela era socialmente regulada, garantia ao indivíduo e a coletividade identidade ou identificação, favorecia “uma práxis social racionalmente organizada” e ainda compreendia a “História como um processo, cujos conteúdos e qualidade humanos podem ser melhorados pela ação e intervenção dos agentes históricos”. 42 Nesse sentido Saddi vai afirmar que “o objetivo da Didática da História é analisar o modo como se dá os processos com os quais os homens produzem uma interpretação do passado humano, que orienta o presente e constitui projeções de futuro”. 43 O historiador alemão Klaus Bergmann avaliou a relação existente entre a Didática da História e a pesquisa empírica, a qual para ele consistia em investigar o “significado da História no contexto social”. 44 Isso estabelece que “a didática se vê obrigada a incluir nos objetos de sua pesquisa empírica também as recepções extra-escolares de História”. 45 40

BERGMANN, 1990, op. cit., p. 9-10. CERRI, Luís Fernando. O historiador na reflexão didática. História & Ensino, Londrina, v. 19, n. 1, p. 2747, jan./jun. 2013, p. 29. 42 BERGMANN, 1990, op. cit., p. 31-32. 43 SADDI, Rafael. A Didática da História como meta-teoria. Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores de História. 18, 19 e 20 de abril de 2011 – Florianópolis/SC. p. 4. Disponível em: . Acesso em: 05 abr. 2013. 44 BERGMANN, 1990, op. cit., p. 31. 45 BERGMANN, 1990, op. cit., p. 32. 41

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Por isso poderiam ser incluídos como objetos da pesquisa da Didática da História, além do contexto escolar, “todos os veículos e meios de comunicação que contribuem na formação da consciência histórica”. 46 Com essa visão a Didática da História trouxe para si um problema metodológico para qual na sua reflexão ela ainda não tinha solução. 47 De acordo com Bergmann há uma estreita relação da Didática da História com a Ciência Histórica porque esta primeira não efetua sua reflexão de forma arbitrária, mas, elas eram resultantes “do próprio processo histórico”.48 Sendo assim, uma era indispensável à outra. A justificativa principal da legitimidade da Didática da história para a Ciência da História seria o fato dela não permitir que, como produção científica a História se afaste das “intensões do mundo vivido”, 49 e perca a sua capacidade

de

apresentar de

maneira compreensível os

“seus

conhecimentos para a sociedade”.50

Justifica-se, ao mesmo tempo, a pretensão da Didática da História de, após o termino da pesquisa, desempenhar uma função reflexiva-seletiva e questionar os resultados da pesquisa por seu significado, refletindo sobre o fato de estes resultados merecerem ser transmitidos.51 Por fim Bergmann analisa a Didática da História e o ensino de História, e conclui que após a virada paradigmática, essa primeira deixou 46

BERGMANN, 1990, op. cit., p. 32. BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.9, n.9, pp. 29-42, set.89/fev.90, p. 33. 48 BERGAMAN, 1990, op. cit., p. 35. 49 BERGAMAN, 1990, op. cit., p. 33. 50 BERGAMAN, 1990, op. cit., p. 34. 51 BERGMAN, 1980 apud BERGMAN, 1990, op. cit., p. 34. 47

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de ser “apenas metodologia e prática do ensino”, e passou a “se dedicar às questões práticas do ensino da História” e também a “preocupar-se com as necessidades, os objetivos e as funções do ensino da História”. 52 Já o historiador Jörn Rüsen inicia seu texto apresentando a opinião padronizada de como Didática da História é percebida e como ela é situada no contexto das ciências humanas

a didática da história é uma abordagem formalizada para ensinar história em escolas primárias e secundárias, que representa uma parte importante da transformação de historiadores profissionais em professores de história nestas escolas.53 Acrescenta que ela também é pensada como “uma disciplina que faz a mediação entre a história como disciplina acadêmica e o aprendizado histórico e a educação escolar”. 54 Dessa forma a “didática da história serve como uma ferramenta que transporta conhecimento histórico dos recipientes cheios de pesquisa acadêmica para as cabeças vazias dos alunos”.55 O historiador Rafael Saddi assegura que essa opinião está totalmente centrada na divisão do trabalho do historiador, pois de um lado tem-se a pesquisa acadêmica e científica que tem o status de produzir conhecimento para o campo da ciência. Já na outra margem o

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BERGAMAN, 1990, op. cit., p. 36. RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa: Ponta Grossa. v. 01, n. 02, jul./dez., 2006, p. 8. 54 RÜSEN, 2006, op. cit., p. 8. 55 RÜSEN, 2006, op. cit., p. 8. 53

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trabalho da Didática da História possui simplesmente a função de traduzir o conhecimento produzido cientificamente para às escolas. 56 Por isso que a Didática da História assume dois caráter, um externo e o outro funcional. 16

Externo, porque se torna algo fora da Ciência da História, uma disciplina afastada da produção do conhecimento histórico. Enquanto o historiador, ao produzir pesquisa empírica, produz o conhecimento histórico, o didático da história cuida exclusivamente de sua transmissão. Caráter funcional, porque se torna uma mera técnica de transmissão de conhecimento. Ora, a Didática se reduz a uma forma de como melhor transformar o conhecimento complexo (científico) em conhecimento esquemático. 57 Para Rüsen essa opinião sobre a Didática da História é falha e enganosa, para isso, ele argumenta que tal situação não é capaz de “confrontar os problemas reais concernentes ao aprendizado e educação histórica”, também não consegue relacionar a “didática da história e pesquisa histórica” e ainda “limita ideologicamente a perspectiva dos historiadores em sua prática e nos princípios de sua disciplina”. 58 Uma Didática da História válida em sua opinião tem que considerar e perguntar

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SADDI, Rafael. Reflexões sobre o campo de investigação da didática da história. In: SILVA, Maria da Conceição; MAGALHÃES, Sônia Maria de. O ensino de História: aprendizagens, políticas públicas e materiais didáticos. Goiânia: Editora da PUC Goiás, 2012, p. 86-87. 57 SADDI, Rafael. A Didática da História como meta-teoria. Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores de História. 18, 19 e 20 de abril de 2011 – Florianópolis/SC. Disponível em: . Acesso em: 05 abr. 2013, p. 1. 58 RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa: Ponta Grossa. v. 01, n. 02, jul./dez., 2006, p. 8.

“como se pensa a história, quais são as origens da história na natureza humana, e quais são seus usos para a vida humana”. 59 Além do mais a Didática da História já foi um dia preocupação dos historiadores 17

Antes que os historiadores viessem a olhar para seu trabalho como uma simples questão de metodologia de pesquisa e antes que se considerassem “cientistas”, eles discutiram as regras e os princípios da composição da história como problemas de ensino e aprendizagem. 60 Um dos melhores exemplos para indicar essa preocupação é o ditado historia magistra vitae, que guiou a historiografia ocidental desde a antiguidade até o século dezoito onde “a escrita da história era orientada pela moral e pelos problemas práticos da vida, e não pelos problemas teóricos ou empíricos da cognição metódica”. 61 No Iluminismo os “historiadores profissionais ainda discutiam os princípios didáticos da escrita histórica como sendo fundamentais para seu trabalho”. 62 Mas foi no século XIX que os historiadores “começaram a perder de vista um importante princípio, a saber, que a história é enraizada nas necessidades sociais para orientar a vida dentro da estrutura tempo”. 63 Nesse contexto “a didática da história não era mais o centro da reflexão dos historiadores sobre sua própria profissão”,64 ela então “foi substituída pela metodologia 59

RÜSEN, 2006, op. cit., p. 8. RÜSEN, 2006, op. cit., p. 8. 61 RÜSEN, 2006, op. cit., p. 8. 62 RÜSEN, 2006, op. cit., p. 8. 63 RÜSEN, 2006, op. cit., p. 8. 64 RÜSEN, 2006, op. cit., p. 8. 60

da pesquisa histórica”.65 Esse processo permitiu que “a cientifização da história excluí[sse] da competência da reflexão histórica racional aquelas dimensões do pensamento histórico inseparavelmente combinadas com a vida prática”. 66 Para Saddi o processo de cientifização e especialização da História a partir do século XIX, acarretou a Ciência História o sinônimo de método, o qual está sujeito às regras da pesquisa científica e histórica. 67 Isso fez com que a Ciência Histórica fosse reduzida unicamente a produção metódica, esquecendo ou deixando de lado os fatores apresentados por Rüsen na matriz disciplinar 68 como: as carências de orientação (interesses); as perspectivas orientadoras da experiência do passado (ideias); as formas de apresentação da História; suas funções orientadoras da existência humana. Na Alemanha como em todos os lugares essa disciplina era percebida como “uma aplicação externa da escrita profissional da história” e era condicionada “pelas necessidades práticas de treinamento de professores de história”. 69 Conforme Jörn Rüsen esse treinamento possuía dois níveis: 65

RÜSEN, 2006, op. cit., p. 8-9. RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa: Ponta Grossa. v. 01, n. 02, jul./dez., 2006, p. 9. 67 SADDI, Rafael. A Didática da História como meta-teoria. Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores de História. 18, 19 e 20 de abril de 2011 – Florianópolis/SC. Disponível em: . Acesso em: 05 abr. 2013, p. 2. 68 A matriz disciplina é uma expressão que Jörn Rüsen tomou emprestado de Thomas Kuhn, na qual ele afirma não possuir “a intensão de meramente transpor as teses de Kuhn sobre a evolução histórica das ciências naturais para a ciência da história e apenas aplicá-la a teoria da história. Meu objetivo consiste em, com ajuda de sua concepção de paradigma ou de matriz, descrever o objeto específico da reflexão de uma teoria da história”. Ver nota 5. In: RÜSEN, Jörn. Razão histórica - Teoria da História: fundamentos da ciência histórica. Trad. Estevão de Rezende Martins. Brasília: UnB, 2001, p. 29-35. 69 RÜSEN, 2006, op. cit., p. 9. 66

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Um era puramente pragmático e relacionava-se com os métodos de ensino de história em sala de aula. O segundo era teórico: ele se concentrava nas condições e nos propósitos básicos do ensinar e aprender história. 70 19

Por isso “na melhor das hipóteses, a didática da história provia os estatutos fundamentais da função educacional do conhecimento histórico e dos objetivos correspondentes para o ensino de história nas escolas”. 71 Conforme os autores Rafael Saddi 72 e Jörn Rüsen73 esse cenário descrito mudará nos anos de 1960 e 1970, motivados por novas demandas de carências de orientação pelas quais os alemães irão passar e que darão lugar a “uma grande reorientação cultural”. 74 Essa reorientação levou a “uma crise de legitimidade no ensino de história”. 75 E isso provocou a necessidade de mudança na Didática da História, que passou a refletir essa reorientação da cultura geral e também as mudanças no sistema de ensino.

Essa mudança coincidiu com a necessidade urgente de auto-representação e legitimidade dos historiadores preocupados com o campo da educação. Juntos, ambos os momentos contribuíram para a formação de um novo movimento histórico comprometido com uma reflexão 70

RÜSEN, 2006, op. cit., p. 9. RÜSEN, 2006, op. cit., p. 10. 72 SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, p. 133-147 - jul./dez. 2014. 73 RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa: Ponta Grossa. v. 01, n. 02, jul./dez., 2006, p. 10. 74 RÜSEN, 2006, op. cit., p. 10. 75 RÜSEN, 2006, op. cit., p. 11. 71

mais profunda e ampla sobre os fundamentos dos estudos históricos e sua inter-relação com a vida prática em geral e com a educação em particular. 76 Sendo assim, durante os anos de 1970 na Alemanha a Didática da História se estabeleceu como uma disciplina específica que tinha como abordagem principal “o uso da história na vida prática”, constituindo a partir de então “suas próprias questões, concepções teóricas e operações metodológicas”. 77 Segundo Jörn Rüsen, isso permitiu a expansão das perspectivas da Didática da História que deixou de considerar somente os problemas do ensino e da aprendizagem escolar, e passou a analisar todas as “formas e funções do raciocínio e conhecimento histórico na vida cotidiana, prática”. 78 A última parte do texto de Rüsen ficou reservada para apresentação e análise dos quatro assuntos que dominavam as discussões da Didática da história na Alemanha nas décadas de 1970 e 1980. Chamados por Rüsen de itens, ele enumera o primeiro como “metodologia de instrução na sala de aula”, o segundo “a análise da função do conhecimento e da explicação histórica na vida pública”, já o terceiro era “estabelecer os objetivos da educação histórica e descobrir como estes objetivos têm sido alcançados”, e por último e considerado pelo pesquisador o mais importe é “a análise da natureza, função e importância da consciência histórica”. 79 76

RÜSEN, 2006, op. cit., p. 11. RÜSEN, 2006, op. cit., p. 11. 78 RÜSEN, 2006, op. cit., p. 11. 79 RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa: Ponta Grossa. v. 01, n. 02, jul./dez., 2006, p. 13-16. 77

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Esses são os dois principais textos que de uma maneira peculiar contribuíram para despertar as transformações da Didática da História no Brasil, provocando reflexões sobre as normas e funções do ensino de história, e também permitindo aos historiadores brasileiros pensar sobre as implicações da Ciência Histórica na vida humana prática, tanto individual como coletiva.

O contexto da virada paradigmática As mudanças ocorridas na Didática da História na Alemanha eram “uma resposta à crise de legitimação da ciência histórica”, 80 e também por carência de orientação temporal específicas de problemas com o passado que o alemães precisavam resolver, todavia, nem a História e muito menos o ensino de história tinham respostas a esses problemas da sociedade alemã no pós-guerra.81 Durante os anos dourados havia um problema de orientação temporal geral, isso provocava um verdadeiro conflito de gerações. 82

Aqueles que nasceram durante ou após a segunda guerra mundial experimentaram um mundo muito distinto da geração de seus pais. Um homem que vivenciou a experiência da primeira guerra, a árdua crise do período entre guerras e a segunda guerra mundial (tempos de grande desemprego e de penúria), não poderia admitir, por exemplo, que seu filho, criado em uma era de ouro, de 80

SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, jul./dez. 2014, p. 136. 81 SADDI, 2014, op. cit., p. 136. 82 HOBSBAWN, 2003 apud SADDI, 2014, op. cit., p. 136.

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quase pleno emprego, tivesse uma atitude tão descompromissada com o trabalho, estando disposto a abandoná-lo para acompanhar turnês de bandas de rock ou para fazer viagens ao universo místico do oriente. Tampouco a juventude dos anos 1960, os chamados SixtyEighters (geração de 68), poderia admitir os valores e as condutas rígidas expressas pela geração de seus pais. 83 Essa demanda fez surgir uma juventude completamente diferente da geração de seus pais, com hábitos peculiares que estão expressos em seus cabelos grandes, no jeans, no uso da maconha, no rockn’roll, no LSD, entre outros.84

[...] tudo isto formava parte da criação de um estilo de vida distinto dos pais: “não confio em ninguém com mais de 30”, dizia o lema de 1968, “Eu não serei o que o meu velho é” (Ich will nicht werden was mein Alter ist), dizia uma das letras da banda de rock alemã Stone Steine Scherben.85 A geração nova se desenvolvia sob o peso de ser uma Alemanha “ocupada, dividida em duas, e, ao mesmo tempo, era obrigada a carregar o fardo de ser alemão depois de Hitler”. 86 Segundo Barbosa essa geração de jovens não havia

presenciado Hitler no poder, buscavam, de modo distinto que seus pais ou avós buscaram, resolver a questão 83

SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, jul./dez. 2014, p. 136. 84 SADDI, 2014, op. cit., p. 136. 85 SADDI, 2014, op. cit., p. 136. 86 SADDI, 2014, op. cit., p. 136.

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refletindo sobre as origens do nazismo, de como tal acontecimento foi possível. Queriam, portanto, resolver ou aliviar de alguma forma o peso do passado e da memória que o a nação alemã carregava consigo no presente. 87 No entanto, essa situação com o passado ressente era tratada pelo governo alemão como algo que deveria ficar no esquecimento, pois já se encontrava resolvida. 88 O governo não levava em consideração que “A sociedade alemã havia mudado, a nova geração exigia um debate sobre o passado recente, mas, a ciência histórica e o ensino da história não haviam acompanhado esta transformação”.89 De acordo com Barbosa na crise de reorientação que os alemães viviam a História não tinha muito que dizer sobre seu passado e muito menos sobre o futuro. Como a História não servia para orientar a vida prática na Alemanha nesse período, porque suas reflexões estavam atadas e atreladas à ordem vigente do presente, ela vai passar por uma crise de legitimação. Foi nessa situação de incertezas que se formaram os principais autores que se responsabilizaram em refletir sobre as novas concepções da Didática da História e a vida prática: Karl Ernst Jeismann, Annete Kuhn, Joachim Rolfs, Rols Schöerken, Klaus Bergmann, Hans Jürgen Pandel, Jörn Rüsen. 90

87

BARBOSA, Aline do Carmo Costa. Didática da História e EJA: investigações da consciência histórica de alunos jovens e adultos. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013, p. 20. 88 BORRIES, 2001; SYWOTTEK, 1974; ELIAS, 1997 apud SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, jul./dez. 2014, p.136-137. 89 SADDI, 2014, op. cit., p. 137. 90 BARBOSA, Aline do Carmo Costa. Didática da História e EJA: investigações da consciência histórica de alunos jovens e adultos. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013, p. 21.

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O pesquisador Rafael Saddi também chega a conclusão que foi a partir desse contexto sócio histórico de crise de legitimação da Ciência Histórica e também do Ensino de História, que os historiadores alemães resolveram se lançar sobre o seu déficit teórico para fazer as pazes com o seu passado recente, em específico o nazismo e assim demonstrar a relevância da História para vida humana prática, e nesse sentido foi a Didática da História que melhor ofereceu o aporte para ligar o passado, presente e futuro. 91

Subdisciplina da Ciência Histórica A Didática da História já ocupou um lugar privilegiado na Ciência Histórica, entretanto, o desenvolvimento desta última no século XIX acarretou a expulsão desse campo relegando-o e deixando-o próximo à Pedagogia, privilegiou-se a Metodologia da História em detrimento a Didática, mas após a segunda metade do século XX, os alemães na tentativa de encontrar respostas para problemas do seu passado recente, trouxe de volta, ou melhor, atribuiu a Didática da História um lugar privilegiado e de destaque junto a História. O argumento que se deseja desenvolver comunga com Rafael Saddi porque pretende apresentar a formulação estabelecida na historiografia alemã dos anos 60 e 70 de que a Didática da História possui um vínculo indissociável da Ciência Histórica.

91

SADDI, 2014, op. cit., p. 137.

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Gostaríamos quanto a esta questão, de resgatar a tese formulada na Alemanha em meados dos anos 70, segundo a qual a Didática da História é uma “sub-disciplina da Ciência Histórica” (Unterdisziplin der Geschichtswissenchaft) ou ainda uma “disciplina-parte da Ciência Histórica” (Teildisziplin der 92 Geschichtswissenschaft). Ainda de acordo com Saddi a visão que permanece nos dias atuais é contrária a que prevaleceu até o século XVIII,

de que a didática ocupava um papel central na formulação de qualquer história. (...). Ensinava-se e escrevia-se a história ‘a fim de que seus destinatários aprendessem alguma coisa para a vida’. (...). Mesmo a noção de um “Método” da história era tido como uma questão didática”.93 Para fortalecer seu argumento Saddi faz menção do famoso artigo do Koselleck “História Magistral Vitae”, no qual o historiógrafo Von Raumer defende a impressão de papel moeda para sanar as dívidas do governo prussiano:

Durante uma reunião, Oelsen, chefe de departamento no Ministério das Finanças, defendia vivamente a impressão de grande papel-moeda para pagar dívidas. Uma vez esgotados os argumentos contrários, eu (conhecendo meu homem) disse com demasiada ousadia. “Mas senhor Conselheiro Privado, o senhor certamente se lembra que já 92

SADDI, Rafael. Didática da História como sub-disciplina da ciência histórica. História & Ensino, Londrina, v. 16, n. 1, 2010, p. 66. 93 RÜSEN, 2007, p. 88 apud SADDI, 2010, op. cit., p. 67.

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Tucídides falava do mal que sucedeu quando, em Atenas, decidiu-se imprimir papel-moeda em grande quantidade”. “Essa é uma experiência de grande importância”, ele retrucou em tom conciliador, deixando-se assim convencer, para manter a aparência de erudição. 94 De acordo com Saddi “parecia ser, segundo Koselleck, desde a antiguidade clássica, quando servia-se da ‘história como coleção de exemplos’ a fim de que fosse possível ‘instruir por meio dela’”. 95 Nesse caso, essa mentira interessada deixa claro que o historiógrafo sabia os efeitos que uma história tinha sobre o presente. Essa situação mudou ao longo dos anos nos quais a História foi compreendia como mestra da vida, “dotada de uma essência didática fundamental, escrita para ensinar os homens do presente e do futuro”. 96 Foi a partir do final do século XVIII, que se esvaziou o velho topos, e iniciava-se a ideia de que a História não ensinava mais pelos exemplos, porque passou-se a acreditar que os modelos e padrões do passado só serviriam para aquele período, não sendo possível ou válido para os dias atuais. O século XIX, considerado o período de consolidação das ciências, processou de uma forma mais violenta “as barreiras que separavam a História da vida prática”,97 tudo isso ocorreu por causa do processo de 94

KOSELLEK, 2006, p. 41 apud SADDI, Rafael. Didática da História como sub-disciplina da ciência histórica. História & Ensino, Londrina, v. 16, n. 1, 2010, p. 67. 95 KOSELLEK, 2006, p. 43 apud SADDI, 2010, op. cit., p. 67. Ver também: SADDI, Rafael. Reflexões sobre o campo de investigação da didática da história. In: SILVA, Maria da Conceição; MAGALHÃES, Sônia Maria de. O ensino de História: aprendizagens, políticas públicas e materiais didáticos. Goiânia: Editora da PUC Goiás, 2012, p. 84. 96 SADDI, 2010, op. cit., p. 68. 97 SADDI, 2010, op. cit., p. 69.

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cientifização da História. Esse processo reduziu a Didática expulsando-a da Ciência Histórica, no seu lugar ascendeu a metodologia da pesquisa histórica.98 Conforme Saddi “*...+ a História deixou de responder às necessidades práticas dos homens, perdendo a sua tarefa de ensino e aprendizado, para se dirigir exclusivamente ao grupo de pesquisadores especializados”. 99 Mas foi com a virada paradigmática dos anos de 60 e 70 que os alemães começaram a questionar a separação entre a Didática da História e a Ciência Histórica, tudo isso como já foi afirmado, deveu-se a crise de legitimidade da História e do ensino de história. Nesse contexto a História “precisava proporcionar à sociedade e aos homens que nela viviam ‘uma identidade na mudança temporal e uma auto-compreensão orientadora da ação dentro da sociedade’, mas estava abaixo destas tarefas”. 100 Porém, o caráter disciplinar da Didática da História não era consensual na Alemanha. De um lado, era vista como subdisciplina da Ciência Histórica e do outro, como subdisciplina das Ciências da Educação.101 Foi a partir do final dos anos de 70 que essa primeira compreensão passou a prevalecer e se tornar predominante entre os alemães.102 De acordo com Saddi os historiadores Bergmann e Rüsen demonstraram a fragilidade dessa concepção. Os que entendiam a

98

SADDI, 2010, op. cit., p. 69. SADDI, 2010, op. cit., p. 70. 100 BERGMANN, 1998, p. 33, apud SADDI, Rafael. Didática da História como sub-disciplina da ciência histórica. História & Ensino, Londrina, v. 16, n. 1, 2010, p. 71. 101 BERGMANN e RÜSEN, 1978, p. 07 apud SADDI, 2010, op. cit., p. 72. 102 SCHÖNEMANN, 2009; SÜSSMUTH, 1980 apud SADDI, 2010, op. cit., p. 72. 99

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Didática como subdisciplina da Ciência Histórica eram tendenciosos “a ver todos os problemas didáticos gerais do ensino e da aprendizagem da História como resolvidos pela práxis da pesquisa histórica e da especificidade científica da escrita da História”.103 Em contrapartida também viam com desconfiança a Didática da História como subdisciplina da Educação, porque os que assim procediam ignoravam completamente a importância da Ciência Histórica nas situações que envolvem a vida prática humana. 104 Para compreender a reinclusão da Didática da História na Ciência Histórica Saddi afirma que é necessário considerar duas questões fundamentais. A primeira é a Função Didática Básica da História, termo cunhado por Jeismann em 1977, e segunda é a definição de que o objeto central da Didática da História é a Consciência Histórica. 105 A expressão Função Didática Básica da História pode ser entendida a partir da ideia de que “qualquer afirmação sobre o passado tem um elemento didático inerente”. 106 Por isso,

toda História, metodicamente regulada (científica) ou não, “nos diz alguma coisa”, ou “significa alguma coisa para nós”, no presente. Isto porque uma afirmação sobre o passado sempre conduz a “um processo de comunicação atual de compreensão sobre o passado” e se submete a uma “vontade de orientação presente”. 107 103

BERGMANN e RÜSEN 1978, p. 07 apud SADDI, 2010, op. cit., p. 72. SADDI, 2010, op. cit., p. 73. 105 SADDI, 2010, op. cit., p. 74. 106 JEISMANN, 1977 apud SADDI, Rafael. Didática da História como sub-disciplina da ciência histórica. História & Ensino, Londrina, v. 16, n. 1, 2010, p. 74. 107 SADDI, 2010, op. cit., p. 74. 104

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Os elementos didáticos estão presente na própria composição da produção pensamento histórico. Por isso Saddi defende que é preciso entender a Didática da História a partir da função acima descrita, porque “a Didática da História lida com a orientação produzida pelas histórias, e a Ciência Histórica é uma forma específica de produção do pensamento histórico, a Didática da História é uma disciplina inerente à Ciência Histórica”.108 Portanto, de acordo com esse autor para desenvolver a Didática da História como disciplina própria da Ciência Histórica deve-se incentivar pesquisas que em primeiro lugar vão aprofundar e ampliar o campo do ensino de história por meio da metodologia da Educação Histórica. Em seguida deve-se reconhecer que o ensino escolar de história é apenas um dos temas que fazem parte do objeto de investigação da Didática da História. Acrescenta que por causa disso, não se deve reduzi-la ou tão pouco desprezá-la como é habitual nas pesquisas em História. Nesse sentido, “devemos incentivar pesquisas voltadas para uma análise das ideias históricas produzidas por Igrejas, movimentos sociais, pelo Estado, pela família, pelos meios de comunicação etc”. 109 Por último, ressalta que se deve também reconhecer que as narrativas históricas realizadas de

108

SADDI, 2010, op. cit., p. 74-75. SADDI, Rafael. Reflexões sobre o campo de investigação da didática da história. In: SILVA, Maria da Conceição; MAGALHÃES, Sônia Maria de. O ensino de História: aprendizagens, políticas públicas e materiais didáticos. Goiânia: Editora da PUC Goiás, 2012, p. 99. 109

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uma forma empírica pelos indivíduos fazem parte de estudos que pertencem ao campo da Didática da História. 110

A metateoria Com a recolocação da Didática da História no interior da Ciência Histórica a partir da virada paradigmática, ela superou o seu processo de externalização e funcionalização. Deixando “de ser uma mera técnica de transmissão do conhecimento e se tornava uma área da Ciência Histórica produtora de conhecimento histórico”. 111 Nesse sentido, o professor Rafael Saddi acredita que é necessário traçar um paralelo entre a Teoria da História com a Didática da História para que haja um esclarecimento dos aspectos que aproximam e que também afastam essas duas áreas Ciência da História. 112 A Teoria da História é comumente entendida na historiografia alemã como uma metateoria, porque representa uma reflexão teórica da historiografia, isto é, uma análise teórica da teoria. 113 Neste sentido,

a teoria da história reflete teoricamente sobre a práxis historiográfica, visando fundamentar racionalmente o pensamento histórico. O objetivo da teoria da história, enquanto meta-teoria, é prestar contas da cientificidade do pensamento histórico.114 110

SADDI, Rafael. Didática da História como sub-disciplina da ciência histórica. História & Ensino, Londrina, v. 16, n. 1, 2010, p. 74. 111 SADDI, Rafael. A Didática da História como meta-teoria. Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores de História. 18, 19 e 20 de abril de 2011 – Florianópolis/SC. Disponível em: . Acesso em: 05 abr. 2013, p. 2. 112 SADDI, 2011, op. cit., p. 2. 113 RÜSEN, 2001 apud SADDI, 2011, op. cit., p. 3. 114 SADDI, 2011, op. cit., p. 3.

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Seguindo os argumentos Saddi vai afirmar que a Didática da História também é uma reflexão sobre a práxis historiográfica, porque ela visa encontrar ou explicitar os pressupostos didáticos do fazer do historiador com a intenção de que a Ciência da História torne isso aplicável ao aprendizado histórico.

Sua função meta-teórica é a de encontrar, na práxis do historiador, os elementos que tornam a Ciência Histórica útil para o desenvolvimento de orientação temporal na vida prática, ao mesmo tempo em que reconhece os elementos com os quais a práxis do historiador se especializa, se fragmenta, e desenvolve barreiras para tornar as histórias narradas metodicamente um fator de orientação cultural na vida prática. 115 Portanto, para esse autor Teoria e Didática da História se aproximam enquanto autorreflexão da produção historiográfica, porém elas se distanciam nesta mesma autorreflexão por buscarem questões diferentes e relevantes para cada uma delas. Neste caso, “o objetivo da Didática da História é analisar o modo como se dá os processos com os quais os homens produzem uma interpretação do passado humano, que orienta o presente e constitui projeções de futuro”. 116 Neste sentido é 115

SADDI, Rafael. A Didática da História como meta-teoria. Anais Eletrônicos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores de História. 18, 19 e 20 de abril de 2011 – Florianópolis/SC. Disponível em: . Acesso em: 05 abr. 2013, p. 4-5. 116 Esta reflexão está ancorada na teoria de Jörn Rüsen sobre o conceito de consciência histórica, no qual os indivíduos para se situarem no tempo precisam constantemente interpretar o passado, com intensão de compreender o presente para então projetar um futuro. Ver. RÜSEN, Jörn. Razão histórica Teoria da História: fundamentos da ciência histórica. Trad. Estevão de Rezende Martins. Brasília: UnB, 2001, p. 57-59.

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tarefa da Didática da História a compreensão da consciência histórica em todos os seus aspectos, porque é por meio dela que os indivíduos fazem sua interpretação do tempo.

A Didática da História no Brasil Além das reduções que foram apresentadas neste artigo, o pesquisador Rafael Saddi garante que a influência da literatura alemã vem contribuindo para mudar esse cenário e afirma que a partir da última década podem ser percebidas até quatro ampliações desse campo. 117 Contudo, segundo Barbosa essa ampliações não tem implicações de uma definição consensual de Didática da História no Brasil, e os motivos são devidos a essa discussão ainda ser algo recente, mas que foram originadas a partir da primeira publicação de Jörn Rüsen em 2001 do livro “Razão histórica - Teoria da História: fundamentos da ciência histórica”.118 Em primeiro lugar a Didática da História “tem, paulatinamente, deixado de ser compreendida como uma mera metodologia do ensino de História”;119 gradativamente percebe-se que ela tem concentrado todas as formas de História presente na vida humana, seja ela científica ou não.

117

SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, p. 133-147 - jul./dez., 2014, p. 141. 118 BARBOSA, Aline do Carmo Costa. Didática da História e EJA: investigações da consciência histórica de alunos jovens e adultos. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013, p. 34. 119 SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, p. 133-147 - jul./dez., 2014, p. 141.

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Para o segundo momento, “e decorrente da primeira, ela deixa de estar centrada exclusivamente no ensino escolar da história”; 120 aprendese história em todas as esferas da sociedade e não apenas na escola. Pode-se aprender história com o cinema, com a política, com a mídia, com a internet e todos os outros veículos do mass media. Nos últimos anos tem-se feito um largo uso público da História, e essa forma não científica, mas presente na vida humana prática também ensina. Em terceiro lugar “ocorre um questionamento da separação entre didática da história e ciência histórica”; 121 como já foi afirmado anteriormente existe uma compreensão na atualidade de que a Didática da história é uma subdisciplina da Ciência Histórica, vinculada a ela de uma forma visceral. Por fim, “a didática da história tem se fortalecido como uma disciplina científica específica, com objeto e campo de investigação próprio”;122 este último tem permitido o desenvolvimento de um campo abrangente no Brasil, admitindo aos cursos de pós-graduação a aceitarem trabalhos sobre o Ensino de História e também sobre a Consciência Histórica, como é o caso da Universidade Estadual de Goiás, que em seu mestrado e doutorado em História possui uma linha de investigação destinada a abrigar pesquisas na área da Didática da História e também de Educação Histórica. 123 120

SADDI, 2014, op. cit., p. 141. SADDI, 2014, op. cit., p. 141. 122 SADDI, 2014, op. cit., p. 141. 123 Conforme Linha de Pesquisa 2 - Fronteiras, Interculturalidades e Ensino de História. “Seus campos: estudos de educação histórica e ensino de história em perspectiva intercultural, produção e aprendizado histórico, metodologias de ensino em história da arte e imagem, etnohistórias e identidades, relações étnicorraciais e história ambiental”. In: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM 121

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Apesar das mudanças e ampliações nesse campo no Brasil, os principais pesquisadores dessa área ainda se deparam com algumas indefinições. Segundo Saddi pode ser detectado três problemas com relação às definições para a Didática da História. 124 A primeira imprecisão está relacionada ao conceito que define caráter desse campo. De acordo com ele as pesquisadoras Schmidt e Urban percebem a Didática da História “como uma disciplina escolar”, 125 já os pesquisadores Cerri, Cardoso e o próprio Saddi compreendem que “ela vai além do espaço da escola para discutir a consciência histórica na sociedade”.126 Na primeira definição encontra-se uma visão reduzida dos avanços da Didática da História, pois como disciplina escolar ela não pode ir além dos muros da escola para investigar a vida prática na sociedade. O grupo de autores que se filiam ao segundo conceito consegue ter uma visão mais ampla dessa área, porque ao caracterizá-la de uma forma mais dilatada, permitem possibilidades de investigações que abrangem todas as esferas da vida humana prática e a sua relação com a História. A segunda indefinição se refere ao caráter disciplinar da Didática da História. Cerri defini a Didática da História “como uma área interdisciplinar entre a história e a educação”. 127 Porém, Cardoso e Saddi “defendem a necessidade de pensarmos a didática da história como uma

HISTÓRIA – PPGH. Linhas de Pesquisas. Universidade Federal de Goiás. Disponível em: . Acesso em: 05 abr. 2014. 124 SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, p. 133-147 - jul./dez., 2014, p. 141. 125 SCHMIDIDT, 2006; URBAN, 2009 apud SADDI, 2014, op. cit., p. 141. 126 CERRI, 2001; CARDOSO, 2008; SADDI, 2012 apud SADDI, 2014, op. cit., p 141. 127 CERRI, 2004 apud SADDI, 2014, op. cit., p. 141.

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subdisciplina da ciência histórica, o que não implica em ignorar a importante relação desta disciplina histórica com as outras ciências”. 128 Por fim, existe um impasse relacionado ao campo de investigação dessa área. Para o pesquisador Oldimar Cardoso a Didática da História lida com “todas as elaborações da história sem forma científica”. 129 Todavia, Saddi não concorda com essa definição, porque a história científica ficaria de fora desse conceito, o que para ele significa impossibilidade de investigar também essa forma do pensamento histórico

As narrativas históricas produzidas no âmbito da ciência histórica (história dos historiadores) também devem ser objeto de reflexão da didática (função meta-teórica da didática da história), pois, só assim, poderemos compreender os pressupostos didáticos da própria ciência histórica.130 Essa heterogeneidade na forma como se compreende a Didática da História no Brasil, não afeta o seu desenvolvimento, pelo contrário, indica a construção de “um caminho próprio na definição desta disciplina em nosso país”.131 As influências sofridas pela literatura alemã nesse campo, não significou mera transposição para a realidade brasileira, “mas deve ser considerada como uma apropriação, que implica em uma ressignificação a partir da inserção específica dos didáticos em nossa

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CARDOSO, 2008; SADDI, 2010 apud SADDI, 2014, op. cit., p. 141. CARDOSO, 2008, p. 158 apud SADDI, 2014, op. cit., p. 141. 130 SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da neu geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova didática da história no Brasil. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, p. 133-147 - jul./dez., 2014, p. 141-142. 131 SADDI, 2014, op. cit., p. 142. 129

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realidade”.132 A prova disso são os trabalhos desenvolvidos na Universidade Federal do Paraná, na Universidade Estadual de Ponta Grassa e na Universidade Estadual de Londrina onde os pensadores alemães estão sendo dialogados com autores de outras nacionalidades, como por exemplo, Paulo Freire, István Mészáros, e Raimundo Cuesta Fernandez. Sendo assim, a Didática da História precisa resolver os problemas de carências de orientação temporal específicos do contexto brasileiro, da mesma forma com que fizeram os didáticos dessa área na Alemanha com o seu passado recente. Existem muitos problemas sociais no Brasil que são de ordem histórica, negá-los ou evita-los não irá resolver as demandas das novas gerações que buscam uma compreensão das realidades atuais na perspectiva da relação existente entre passado, presente e futuro. Essa lacuna só a Didática pode preencher.

Referências Bibliográficas BARBOSA, Aline do Carmo Costa. Didática da História e EJA: investigações da consciência histórica de alunos jovens e adultos. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013.

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SADDI, 2014, op. cit., 142-143.

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