A difícil arte de entender o que o outro quer dizer

June 5, 2017 | Autor: Luiz Eduardo Abreu | Categoria: Languages and Linguistics, Wittgenstein, Mercosur/Mercosul, Identity and Alterity
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CAMILO NEGRI E ELISA DE SOUSA RIBEIRO (COORDENADORES)

RETRATOS SUL-AMERICANOS: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS SOBRE HISTÓRIA E POLÍTICA EXTERNA – VOLUME II

N386r Negri, Camilo. Retratos sul-americanos [livro eletrônico]: perspectivas brasileiras sobre história e política externa / Coordenadores Camilo Negri, Elisa de Sousa Ribeiro. – Brasília (DF): [s. n.], 2015. – (Retratos sul-americanos: perspectivas brasileiras sobre história e política externa; v.2). Bookess ISBN 978-85-448-0269-4 1. Brasil – Relações exteriores – América do Sul - História. I. Ribeiro, Elisa de Sousa. II. Título. III. Série

RETRATOS SUL-AMERICANOS: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS SOBRE HISTÓRIA E POLÍTICA EXTERNA – VOLUME II

A DIFÍCIL ARTE DE ENTENDER O QUE O OUTRO QUER DIZER Luiz Eduardo Abreu Doutor em Antropologia. Foi professor do programa de mestrado em doutorado em direito do UniCEUB desde a sua fundação até 2013. Atualmente é professor do Programa de Pós Graduação em Antropologia Social no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (PPGAS/DAN/UnB). Entre os seus interesses de pesquisa está a relação entre o direito e a política no caso brasileiro.

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INTRODUÇÃO Este artigo pretende contribuir para o debate sobre o Mercosul a partir de uma perspectiva que é, para mim

pelo

menos,

interdisciplinar, necessariamente.

Explico a necessidade: eu acredito que o Mercosul (como qualquer outra instituição internacional) seja um objeto que está às beiradas de várias disciplinas: direito, relações internacionais, ciência política, sociologia, linguística etc. Provavelmente, poucos concordarão comigo. Mas isso faz parte das suas respectivas perspectivas disciplinares. Assim, por exemplo, o direito (um exemplo menos óbvio que o das relações internacionais) acredita subsumir o Mercosul a uma sub-especialidade sua, o direito internacional. É bem verdade que esta ação de englobamento, a depender do fenômeno, é mais fácil para algumas disciplinas. E digo ação pois, suponho, como não poderia deixar de ser, que uma proposição classificatória, neste plano, é também e fundamentalmente uma ação que tem desdobramentos cognitivos (obviamente), políticos (a luta pela competência para falar do assunto), institucionais (os limites da atuação de uma instituição) entre outros. Sem querer participar do velho e bom esporte de criar jurisdições

disciplinares,

afirmo

apenas

que,

com

antropólogo e da perspectiva que pretendo adotar aqui, 193

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construir o Mercosul como um objeto para o pensamento implica fazer caminhar junto algumas destas perspectivas. E espero que o resultado desta breve investigação me ajude a mostrar a importância e validade da abordagem que proponho. O objetivo deste trabalho é ligar linguagem, direito internacional e comunidade, por um lado, e, por outro, identidade e direito brasileiro. Estes são assuntos com os quais venho lidando há algum tempo. Fazem parte das minhas preocupações de pesquisa. E acredito que estas relações poderiam dizer algo ao debate. A melhor maneira de explicitá-lo é listar o que eu quero dizer com isso. Assim, vou defender que, se examinarmos o direito internacional como uma forma muito particular de linguagem, necessariamente teríamos de pensar a questão da comunidade; e, quando o fazemos, nos deparamos com o fato de que o Mercosul não está baseado em um sentido forte de pertencimento. As consequências disso são centrais, mas as veremos a seu tempo. Num plano mais próximo a nós, afirmo que, se pensarmos o direito brasileiro como uma linguagem, perceberemos que a sua pretensão de falar uma linguagem universal é, na realidade, uma forma de lidar com o seu próprio contexto sociológico, sua relação com as demais aspectos da 194

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sociedade nacional. Neste plano, é preciso substituir a ideia de pertencimento a uma comunidade pela ideia de identidade. As razões não são difíceis de apontar. A ideia de comunidade nos põe todos juntos; a de identidade traz para primeiro plano aquilo que nos diferencia. E, por esse caminho, vou apresentar algumas reflexões sobre a incapacidade estrutural de o direito brasileiro trabalhar a questão da supranacionalidade e, por conseguinte, dar uma contribuição mais pertinente ao debate. 1. AS LINGUAGENS DA MODERNIDADE E O PERTENCIMENTO Vou defender três ideias sobre o direito internacional e, mais adiante, vou utilizá-las para compará-lo com o direito brasileiro. Elas são as seguintes: i) que o direito pode ser considerado uma forma de linguagem. Com isso quero dizer que o uso das palavras, no direito internacional, está submetido a regras muito próprias que, em muitos sentidos, se opõem não apenas à linguagem ordinária, mas também ao nosso direito nacional, brasileiro; ii) que é possível associar linguagem à comunidade, quer dizer, uma linguagem representa uma forma de estar e se relacionar com o mundo que pressupõe que algo seja compartilhado; e iii) que o direito

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internacional e as relações internacionais (vou entender o direito internacional como parte desta última ou, talvez, como uma forma desta última) são formas de linguagem que

poderíamos

considerar

como

linguagens

da

modernidade, ou seja, linguagens que tem uma relação fraca com uma comunidade e que são imaginadas como se fossem acessíveis a todos e pudessem se traduzidas por todos. Estas ideias me parecem importantes porque elas contrastam com o que vou defender sobre o direito brasileiro. i) A ideia de que o direito é uma forma de linguagem não está muito distante da maneira como o próprio direito se imagina. Há argumentos de autores importantes que, se não chegam a afirmar com todas as letras que o direito é linguagem, utilizam instrumentos da linguagem para pensar o direito, como Dworkin (1986) e Habermas (1996). O que me proponho aqui é levar este argumento um pouco mais longe e utilizar os instrumentos de uma certa teoria da linguagem para estabelecer as relações que interessam ao meu argumento. O problema é que há várias maneiras de pensar a linguagem e, cada uma delas, estabelece um caminho diferente das outras. Por isso, é necessário, antes de entrar em detalhes mais substantivos, explicitar qual teoria da linguagem iremos 196

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subscrever neste artigo e de que maneira isso constrange o que podemos perceber no mundo. Para tanto e seguindo as pesquisas que tenho realizado nos últimos anos, vou

me utilizar de

Wittgenstein (2001), particularmente a ideia de que o significado de uma palavra equivale ao seu uso. Afirmar que a linguagem tem um uso é banal; dizer que o significado equivale ao uso não é. A perspectiva inverte os supostos

das

abordagens

baseadas

na

linguística

saussuriana. Em outras palavras, a perspectiva que eu estou adotando abandona a ideia de que a linguagem é composta

basicamente

de

signos

(relações

entre

significante e significado) e que o sentido, o valor de um signo resulta da sua relação com os outros signos (vide Saussure 1995). No lugar, proponho ver o sentido como resultado radical do contexto. Assim, em um determinado contexto, um jogo de linguagem, para utilizar o termo que emprega Wittgenstein, a palavra está submetida a regras. A mesma palavra em um outro contexto é utilizada segundo outras regras. Ora, um conjunto de contextos paradigmáticos (a referência a Kuhn 1996 não é aleatória) que estão relacionados uns com os outros de uma maneira consistente ou recorrente (o que não significa coerente) poderia ser considerado uma linguagem. 197

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O leitor deve ter em mente que não pretendo que esta caracterização, reconhecidamente frouxa, sirva como uma “definição” do que seja linguagem. Nada está mais distante das minhas pretensões. Seguindo a doutrina que pretendo empregar, não acredito na possibilidade de uma frase esgotar a natureza da linguagem e apropriar-se do seu sentido mais profundo. Minha pretensão é tão somente utilizar a frase para conseguir dizer algo que seja aplicável ao meu problema. Esta questão não é banal. Wittgenstein gastou muito do seu tempo e da sua doutrina sobre a linguagem (refiro-me ao que se costuma chamar “segundo Wittgenstein”,

das

Investigações

Filosóficas)

(WITTGENSTEIN, 2001) para justamente dividir grandes problemas em pedaços menores. A ideia de que os vários significados de uma palavra correspondem a vários jogos de linguagem faz exatamente isso. Agora, uma percepção fragmentada da linguagem não nos serve. É preciso colocar os vários usos juntos de alguma forma. O problema passa a ser, então, como fazê-lo. É onde tem um uso ideia de linguagem que propus acima. Permitam-me dizê-lo de outra maneira, usando um aforismo que não discute propriamente a, por assim dizer, “natureza” do significado, mas propõe uma

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“representação perspícua” do que seja a linguagem. Segundo Wittgenstein, “Nossa linguagem pode ser vista como uma cidade antiga, um labirinto de pequenas ruas e praças, de novas e velhas casas, e casas com adições de vários períodos, e isso cercado por uma multidão de novos bairros com ruas retas e regulares e casas uniformes.” (WITTGENSTEIN, 2001, para. 18)71

O uso que estou dando a este trecho é bem diferente daquele em que Wittgenstein o emprega. Ele utiliza o trecho para discutir a partir de que ponto é possível considerar um conjunto de usos como uma linguagem completa. Para o meu argumento, permitam-me enumerar algumas das consequências que, acredito, podemos retirar do trecho acima. Uma das ideias que, me parece, lhe são centrais é a de que vive-se pelos caminhos da cidade e, inversamente, conhece-se a cidade por caminhar pelas suas ruas. Ou seja, conhecer uma linguagem exige que se viva durante algum tempo na cidade. Outra é que as partes de uma cidade vão ganhando 71 Na versão em inglês: “Our language can be seen as an ancient city: a maze of little streets and squares, of old and new houses, and of houses with additions from various periods; and this surrounded by a multitude of new boroughs with straight regular streets and uniform houses.”

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novos sentidos conforme passa o tempo. Assim, uma casa na esquina pode abrigar uma família de classe média, ser um consultório médico, uma padaria, uma loja de produtos diversos, um café ou um restaurante, ou pode ser cada uma destas coisas em momentos diferentes. Como uma casa, a palavra pode ter diferentes significados conforme aquilo ao que se presta. O mesmo pode ser dito de uma praça, uma rua, um bairro etc. Além disso, falar uma linguagem equivale a conhecer os caminhos da cidade e dar-lhes serventias diversas conforme as circunstâncias, os objetivos ou, mesmo, as exigências alheias. Em resumo, a ideia central que quero retirar da metáfora é que, como a linguagem, a cidade constrange e, num certo sentido, impõe uma forma de vida ao seus habitantes e, ao mesmo tempo, é o resultado da maneira como os seus habitantes percorrem os seus caminhos. Quero propor que o direito internacional pode ser percebido como parte de uma tal cidade, um bairro talvez. Ele seria fundamentalmente uma forma de vida que se desenvolve em lugares muito específicos: documentos oficiais,

instituições

supranacionais,

ministério

das

relações exteriores (ou equivalente), livros sobre direito internacional, programas de pós graduação em direito internacional etc. Ele, por evidente, não está em todo 200

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lugar. Mas os lugares onde ele está são suficientemente importantes para que prestemos muita atenção ao que ali se diz. Mais ainda, ele faz parte de uma outra linguagem que é a linguagem das relações internacionais. Reparem que esta última parte de um conjunto de pressupostos muito diferentes da nossa linguagem ordinária. Um exemplo banal: na linguagem das relações internacionais os países são Estados que têm vontades, defendem interesses razoavelmente homogêneos, são pensados como unidades; com isso, toda a pluralidade que os constitui é excluída da linguagem. Num outro plano, é possível avançar um pouco mais na metáfora da cidade para relacioná-la com a ideia de comunidade. Há vários tipos de cidades. Em algumas delas, podemos com certeza afirmar que a cidade, um bairro ou mesmo um conjunto residencial forma uma comunidade. Não quero fazer uso da ideia sociológica de comunidade que se aproximaria da visão, um tanto idílica, de que uma aldeia europeia seria uma comunidade (os pais fundadores da sociologia eram todos europeus, não esqueçamos). Prefiro utilizar a maneira como nós, sulamericanos (palavra difícil, já digo o porquê), pensamos uma comunidade. A condição central é que as pessoas que participam de uma comunidade acreditem pertencer a ela e 201

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compartilhar de algo em comum. Mas isso não é suficiente. Há um conjunto de práticas que estão associados à ideia de comunidade. Para nós, ela envolve relações de vizinhança, no sentido de uma convivialidade difusa e permanente. Você não precisa ver o seu vizinho todos os dias, mas quando o encontra não pode deixar de cumprimentá-lo, nem de perguntar pela família, mesmo que essa pergunta não represente uma vontade muito grande de saber, de fato, como eles vão. Envolve uma mutualidade provável e acionável, a depender do problema, nas horas mais incertas. Mas isso não nos obriga a prestações que exijam uma intimidade maior ou uma confiança muito grande. Talvez se o seu vizinho lhe pedir dinheiro emprestado para um negócio ou que você seja o seu fiador, você, com toda razão, irá desconfiar do pedido e encontrar formas de se livrar dele, de preferência sem ofendê-lo ou criar constrangimentos que possam atrapalhar os cumprimentos que vocês trocam pelas manhãs quando eventualmente se encontram. Mas você não pode negar auxílio numa emergência médica, quando o marido está indo para o hospital e a mulher lhe pede para ficar com as crianças ou quando ela lhe pede uma xícara de açúcar para terminar um bolo. A comunidade também envolve frequentação. Pessoas que pertencem a 202

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uma comunidade se visitam, fazem coisas juntas. Não é preciso que todos aqueles que pertençam a uma mesma comunidade se visitem. Uma comunidade também tem seus conflitos, suas histórias mal resolvidas, suas fofocas insidiosas, invejas e tudo aquilo que não gostamos de mencionar, porque acreditamos que, de alguma forma, nos faz moralmente menores. Há aí diferentes redes que se cruzam

e

se

perpassaram,

se

entremeiam.

Uma

comunidade precisa que existam relações de troca, no sentido da dádiva, e que estas relações estejam, de alguma forma, relacionadas. Elas não precisam formar um sistema de trocas como os que Lévi-Strauss descreve nas Estruturas elementares (LÉVI-STRAUSS, 1967). Mas as trocas têm de se comunicar entre elas. Uma maneira muito comum de isso acontecer é, por exemplo, quando alguém mais próximo tem uma relação importante com um médico cuja especialidade sua saúde exige e pode agenciar uma consulta. Comunidade também envolve uma história que, às vezes, tem a profundidade de várias gerações (nossas famílias brigam desde o tempo dos nossos avós) e pessoas próximas cuja opinião você valoriza. Do jeito como nós pensamos comunidade, ela não precisa envolver grandes rituais que congreguem todos os seus membros ou que representem uma catarse coletiva. Pode ser que assim 203

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o seja, mas não é necessário. Há, claro, outros aspectos que caracterizam uma comunidade, mas creio que os que já mencionei são suficientes para o meu argumento. Há duas possíveis objeções à caracterização do parágrafo anterior. Uma é que ela seria uma descrição apropriada, talvez, da ideia de comunidade prevalente na sociedade brasileira, mas não teria grande generalidade nos países de língua espanhola; ou, que uma adaptação para o sentido de comunidade em espanhol (a fórmula é imprecisa, mas a utilizo pelo bem da frase) exigiria modificações que, no seu conjunto, implicariam um distanciamento importante do sentido descrito acima. Não tenho um grande problema com a crítica. E, se for verdadeira, ela serve para corroborar o argumento deste texto. Não vou adiantá-lo por inteiro agora, mas posso formulá-lo provisoriamente da seguinte maneira: se não nos entendemos em algo tão fundamental como o sentido de comunidade, em que mais nos equivocamos? A outra objeção é que minha descrição é bem diferente daquela que se faria a partir do senso comum. Isso quer dizer que, se perguntarmos o que é uma comunidade para alguém que, de fato, viva numa comunidade, nosso interlocutor faria uma descrição bem diferente. Não vejo nisso grande problema. O leitor pode imaginar que é a maneira como 204

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um antropólogo traduziria aquilo que o senso comum enunciaria. E quando digo isso, não quero dizer que a minha tradução seja a exata representação daquilo que vai à mente de um outro. Em meu entendimento, nenhuma tradução é a fotografia de uma realidade que se encontra alhures; mas toda a tradução é o resultado de um encontro que se conforma enquanto diálogo. Defendo apenas que a minha descrição do sentido de comunidade é razoável para os propósitos deste texto. Não tenho dúvida de que ela poderia ser muito melhorada. Seria difícil defender que o direito internacional como linguagem (o argumento não se altera se, ao invés de direito, disséssemos “relações internacionais”) se baseia numa ideia de comunidade equivalente ao sentido, digamos, “forte” da descrição acima. E se pensarmos que, por detrás do direito e das relações internacionais, esteja presente, para os atores ou, pelo menos, para alguns deles, a ideia de uma “comunidade internacional”, seria preciso admitir que esta comunidade não tem o mesmo sentido. Tratar-se-ia de algo completamente diverso. É por essa razão que vou afirmar que o direito internacional e as relações

internacionais

compõem-se

naquilo

que

poderíamos chamar de “linguagens da modernidade”. Passo então a explicar o que isso quer dizer. 205

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ii) A ideia de uma “linguagem da modernidade” retiro de MacIntyre (1988) e vou adaptá-la à necessidade do meu argumento. Ela se constrói em contraste com as propriedades que MacIntyre advoga para as outras linguagens. Esta últimas estariam vinculadas a, em primeiro lugar, uma tradição e, em segundo, a uma experiência cotidiana compartilhada. Por certo isso não é mesmo que uma “comunidade”, mas também não é menos verdadeiro que esta tem com o sentido de comunidade enunciado atrás um certo ar de família. “Ar de família” é uma expressão que Wittgenstein utiliza para substituir a ideia de que o significado de uma palavra tem uma núcleo comum, uma espécie de fundação última cuja solidez garantiria, em algum lugar, a unidade do seu sentido. Wittgenstein argumenta que os diversos usos de uma palavras se relacionam por uma teia de semelhanças, como as semelhanças que encontramos em uma família: alguns se assemelham pela conformação do rosto, outros pelo nariz, outros, ainda, pelo formato do queixo etc. (WITTGENSTEIN, 2001, para. 67). Seja como for, a ideia é que as linguagens naturais exigiriam, para serem compreendidas, que as palavras sejam relacionadas com a forma de vida na qual elas estão inseridas. E isso não se refere apenas ao significado mais imediato das palavras, 206

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mas ao conjunto de relações que, embora não seja explicitamente mencionado, compõe o seu sentido. Para prosseguir o argumento, vou dar um exemplo à brasileira. Certa vez me contaram a seguinte anedota. Um estrangeiro (vamos supô-lo europeu) almoçava na casa de um vizinho. Estavam no interior do Brasil. A certa altura, o nosso bravo forasteiro anunciou sua intenção de ir embora, ao que os seus anfitriões disseram “não vá ainda, está cedo”. Ele então esperou mais um pouco. E tentou várias vezes despedir-se, com a mesma resposta. E assim a noite foi seguindo, cada vez mais insuportável até que, vendo seus anfitriões bocejarem, ele, sob os protestos veementes dos seus vizinhos, foi-se embora. A história é estranhamente verossímil. O meu ponto com ela é justamente o significado do que seja hospitalidade. A ideia de hospitalidade é um valor importante, talvez central para nossa prática social. Todavia, mesmo sendo algo desejável, não é praticada da mesma forma em todo lugar e, mesmo, dir-se-ia que, para regiões inteiras da sociabilidade brasileira, não é mais praticada como, nestas mesmas regiões, se acreditaria serem suas formas ideais. Uma das obrigações do anfitrião é acolher seus hóspedes de uma maneira familiar, quase como se eles ocupassem, 207

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pelo menos provisoriamente, o lugar na intimidade da casa devido a um parente — o que, por sua vez, lhe permite e, mesmo, lhe obriga a certa insistência no acolhimento, insistência impensável de dirigir a um estranho. Ela faz parte do papel e das obrigações do anfitrião. Como faz parte das obrigações do hóspede, desculpar-se pela necessidade de recusá-la. Dito de outro jeito, o estrangeiro da história traduziu perfeitamente as palavras do seu anfitrião. Não é possível dizer que ele as entendeu mal. Mas, ao mesmo tempo, ele perdeu o sentido do que estava em jogo. A dificuldade do estrangeiro com nossa ideia de hospitalidade é uma metáfora para o problema da tradução. Algumas palavras podem ser traduzidas, digamos, “corretamente” e, mesmo assim, o seu sentido escapar completamente ao tradutor. Isso porque a linguagem utiliza referências contextuais e supõe a transparência de uma tradição que dificilmente um não “nativo” consegue dominar. Assim, não é possível entender a situação do parágrafo anterior se não se perceber que os anfitriões estão moralmente obrigados a agir daquela forma, porque isso remete ao uso de uma série de outras ideias que fazem parte integrante daquilo que eles acreditam ser uma boa sociedade, como a ideia de 208

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comunidade que me referi acima. Todavia, há uma solução para isso. O nosso estrangeiro, agora mais sábio e experiente, estabelece para si mesmo a seguinte regra (que ele comenta com outros estrangeiros para, por exemplo, mostrar como ele conhece os costumes locais ou como os brasileiros são exóticos): “mesmo quando o anfitrião insistir para você ficar, você deve ser firme e recusar”. É claro que a regra é, como nós brasileiros podemos facilmente concordar, ruim. Ela deixa de lado as situações nas quais o hóspede deve levar a serio o que lhe diz o anfitrião. Isso não significa que ela seja de todo inútil. A regra

está

correta

para

algumas

situações

muito

específicas, como o caso do jantar. Mas, mesmo neste caso, ela é inapropriada, porque despedir-se exige certa negociação, como aceitar o convite para ficar mais um pouco, tomar mais um café (por exemplo) para, em seguida (não convém esperar muito), desculpar-se por ter de ir embora, apesar das admoestações do anfitrião. É também verdade que, conforme o nosso bravo estrangeiro fica mais sabido, ele pode melhorar a regra, estabelecer exceções, variações etc. Eu não preciso avançar muito mais no exemplo para enunciar o meu ponto: é bem evidente que, mesmo supondo que a regra lhe sirva bem (segundo sua 209

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perspectiva, bem entendido), ela não é o mesmo que compreender o que realmente, da perspectiva do anfitrião, é importante ou está em jogo. Seria até mesmo possível dizer que o estrangeiro do nosso exemplo conseguiu criar mecanismos, a seu jeito, para lidar com a situação, mas lhe falta uma compreensão mais substantiva. E isso em dois níveis diferentes: o primeiro seria a relação da frase “fique mais um pouco, ainda está cedo” (ou similares) com as ideias de hospitalidade, vizinhança, troca, comunidade, mutualidade etc. Foi o que defendi acima. Num

segundo

considerações

nível, que

são



todo

também

um

conjunto

importantes

de para

compreender e navegar por situações com as acima que estão relacionadas com uma atitude mais geral face à regra. Tudo se passa no Brasil, como se o comportamento se fundasse no descompromisso com a aplicação universal da regra e, por oposição, a predominância do contingente e do circunstante: vive-se muito mais de considerações estratégicas e táticas que se referem à situação particular de cada um, do que da defesa de convicções ideológicas que

fossem

generalizáveis

para

o

conjunto;

simultaneamente, ritualizam-se as situações as mais cotidianas (ARAGÃO, 2015). Daí podemos perceber que a incompreensão é muito mais profunda que pareceria à 210

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primeira vista. A própria formulação de uma regra para lidar com a situação implica descompreender a própria relação entre as regras e os comportamentos, entre as palavras e as coisas, que constitui o mundo no qual as atitudes do anfitrião tem, para ele, sentido. Eu acredito que o exemplo mostra o suposto do qual parte MacIntyre: que a tradução é problemática, mesmo quando ignoramos as suas dificuldades mais evidentes. E a sua banalidade sugere que os problemas de tradução não se limitam às palavras difíceis ou aos contextos mais esotéricos de outra cultura. Ao contrário, elas se espalham no entremeio das interações e relações mais cotidianas. E o ponto para o qual o suposto chama a atenção é a existência de linguagens, que MacIntyre chama de linguagens da modernidade, que, segundo a crença dos que nelas habitam, seriam capazes de traduzir não importa qual outra língua e serem, por sua vez, compreendidas por todos (MacIntyre cita, como exemplo, o inglês, o francês e o alemão modernos). Para elas, o problema de tradução que acabei de apontar acima é uma ilusão. Dentro do horizonte deste modo de vida, ele simplesmente não existe. Entre a crença e a alteridade, fica-se com a primeira. Assim é perfeitamente possível e verossímil que o estrangeiro do nosso exemplo permaneça 211

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muito satisfeito com sua regra e acredite que tenha conseguido, enfim, “traduzir” corretamente as palavras e atitudes do seu vizinho. E se, num momento em que estivesse sem fazer nada, olhasse à distância pensando no assunto, ele talvez se espantasse com suas habilidades de compreender os costumes mais esquisitos, habilidade que ele nem sabia que tinha. A minha hipótese é que o direito internacional pode ser pensado como uma linguagem da modernidade. Com efeito, ele reproduz à sua maneira as consequências da descrição acima: a crença na sua capacidade de compreender e ser compreendido pelos direitos nacionais; a crença de que as dificuldades de tradução são uma ilusão; a incapacidade de estabelecer relações que lhe permitissem elaborar o que realmente está em jogo do ponto de vista das diversas culturas; a satisfação com seus poderes de tradução e sua capacidade de enquadrar a diversidade nos seus esquemas classificatórios; a crença na sua capacidade de adjudicar apropriadamente casos vindos não importa de onde; etc. Tudo isso me leva a sugerir o seguinte: para além das óbvias dificuldades que encontramos hoje com o Mercosul (diferentes interesses econômicos, estágios diferentes de desenvolvimento social, graus diversos de 212

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consolidação institucional, para citar três dos mais evidentes), temos de somar a eles a dificuldade de nos entendermos. Dito deste jeito, parece simples de resolver. Mas o meu argumento é que a sua aparente simplicidade é ilusória; ou, a tradução pode parecer simples para alguém que fale a partir de uma das linguagens da modernidade, mas a aparência apenas reflete os pressupostos nos quais estas linguagens se baseiam e, como vimos acima, as tornam, no limite, surdas para aquilo que os outros dizem. É preciso, talvez, qualificar a afirmação anterior. É sempre possível comunicar alguma coisa, como o intrépido estrangeiro do nosso exemplo provavelmente continuará sendo convidado para jantar na casa dos seus vizinhos e, diligente seguidor da regra que inventou para si mesmo, pensará talvez ter-se imerso na cultura local, embora os seus

vizinhos

excentricidade

talvez

vejam

próprio

das

nisso gentes

um do

toque norte

de que

sabidamente tem dificuldade com as regras da boa educação e, seguindo as imemoriais (para eles) obrigações dos bons vizinhos, se acostumem com ela. A questão é saber se uma comunicação, nestes termos, superficial é suficiente para formar um bloco com as pretensões que tem o Mercosul. Eu acredito que não. É preciso admitir que os nossos instrumentos jurídicos, as frases de 213

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voluntarismo oficial que os nossos presidentes enunciam publicamente todas as vezes que se encontram para falar no assunto talvez não sejam mais do que formas muito sofisticadas de falar coisas diferentes usando as mesmas palavras. Não vou examinar todos os desdobramentos possíveis das ideias acima. Dois, no entanto, quero mencionar. O primeiro é que uma base comum (no sentido apontado acima de uma tradição e uma prática comum e cotidiana compartilhadas) seria importante não apenas para concordar com os assuntos, mas, da mesma forma, para discordar deles. Essa é, acredito, a intuição central de Rawls (1999) em sua Teoria da Justiça: mesmo para discordar de forma consistente é preciso que, antes, nós concordemos com o sentido do que seja justiça e que isso esteja claro para todos os participantes do debate. Acredito que argumento semelhante serve para nós, enquanto um bloco regional. Pode ser que a justiça não seja uma base sólida para as relações entre países. Mas há de haver outros

conceitos

(comunidade,

hospitalidade,

colonialismo, por exemplo) com os quais podemos concordar

e

a

partir

dos

quais

possamos,

consistentemente, construir belas divergências. E, talvez, seja a capacidade de divergir, mas, ainda assim, 214

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reconhecer que todos estão, por isso mesmo, juntos em algum lugar, o sentido mais maduro de uma unidade. O segundo é voltar à observação que fiz no começo deste artigo. Nós, brasileiros, não nos sentimos latinoamericanos. Nós não nos percebemos assim. E essa não é uma observação muito profunda. A Cordilheira dos Andes e o rio Uruguay são uma metáfora para aquilo que realmente nos separa: a diferença entre nossas respectivas civilizações. Mas, mais do que a diferença entre nossos modos de vida (que não é, por evidente, sinônimo de civilização), não temos a perspectiva de pertencer a algo em comum. E não me refiro, por evidente, a um bloco supranacional, por mais importante que ele possa ser. Refiro-me a ideia de uma tradição, uma civilização, uma comunidade ou, mesmo, um projeto. Podemos ver agora que a diferença e o não pertencimento colocam igualmente uma barreira naquilo que podemos, com sentido, dizer uns aos outros. Mas construir um bloco supranacional não seria uma maneira de provocar o surgimento do sentido de pertencimento ao qual me referi no parágrafo anterior? É, reconheço, um bom argumento que, certamente, a se tomar pelo exemplo europeu, exigiria um longo período de maturação onde a criação de instituições e o 215

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aprofundamento das relações levasse, quase como que por contágio, à discussão destes problemas e à conformação das

convicções.

Mas,

pessoalmente,

não

o

vejo

acontecendo com nosso bloco, tampouco percebo, nas nossas instituições, a inteligência necessária para guiarnos nesta direção. Tal projeto teria de ser necessariamente coletivo e, portanto, exigira, no mínimo, um certo consenso difuso entre a sociedade e as várias correntes políticas de que este seria o caminho a seguir. Um tal consenso, acredito, não existe. Para além destas, quero argumentar que há dificuldades de outra ordem que estariam relacionadas ao modo de ser dos direitos internos e das instituições dos países que compõem o bloco. Uma das consequências das linguagens

da

modernidade

é,

como

vimos,

sua

capacidade de ignorar as especificidades locais, ao mesmo tempo em que acredita ter dado conta delas. O meu ponto é o seguinte: a melhor maneira de constituir o Mercosul como projeto — e não me parece possível pensá-lo como algo mais do que isso — não seria trilhar o caminho em direção às linguagens da modernidade, quer dizer, o caminho no qual nossas diferenças, metaforicamente, perdem sua cor local, viva e alegre, vibrante nas particularidades que as conformam; mais apropriado, 216

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penso, seria recuperar a substância do debate, o que significa

recuperar

a

densa

teia

de

significados,

instituições, pretensões, dramas que constituem nossa diversidade. Ou seja, a alternativa seria começar por aquilo que nos faz diferentes, por aquilo que nos constitui enquanto identidade. Quero usar como exemplo o caso brasileiro com o qual estou mais familiarizado. E minha investigação vai trilhar o caminho proposto pela seguinte pergunta: quais as relações que o direito brasileiro estabelece com a tradição à qual pertence? Provavelmente, a pergunta não teria o mesmo rendimento analítico em outras culturas. Para elas, talvez fosse preciso elaborar outras questões. 2. DIREITO BRASILEIRO E IDENTIDADE As hipóteses que

passo a

defender são,

provavelmente, para um leitor do campo do direito, de tal forma estrangeiras ao seu modo de pensar que ele possivelmente irá descartá-las como um daqueles sem sentidos que somente alguém de fora do direito poderia elaborar. Mas, veremos adiante, esta atitude faz parte do complexo de ideias, práticas, das palavras e dos seus usos que pretendo, em pinceladas um tanto expressionistas, descrever. Infelizmente, não temos tempo para fazer mais

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RETRATOS SUL-AMERICANOS: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS SOBRE HISTÓRIA E POLÍTICA EXTERNA – VOLUME II

do que isso (o assunto, entretanto, já foi objeto de outras publicações, vide ABREU, 2013; ABREU; 2015). A hipótese central é a seguinte: que o Estado brasileiro se constrói contra sociedade. Com a fórmula eu não quero dizer, seguindo a tradição marxiana, que o Estado brasileiro tem por finalidade a manutenção de um estado de dominação onde a classe que se beneficia da distribuição desigual dos bens materiais e simbólicos considerados mais importante tem todo o interesse de manter o estado de coisas que lhe beneficia e, neste sentido, utiliza os mecanismos de decisão política, os aparelhos ideológicos do Estado (lembremos-nos do bom e velho Althusser 2004) para perpetuar a desigualdade social. Deixo a fórmula propositalmente muito geral e, por isso mesmo, esquemática. Não há aí a intenção, de minha parte, de sugeri-la falsa; utilizo-o como um recurso retórico para deixar mais evidente o contraste que me interessa. O meu ponto é que, mesmo reconhecendo-o, isso não esgota aquilo que podemos dizer sobre o Estado. No caso acima, ao afirmar que o Estado brasileiro se constrói contra a sociedade não quero me referir a uma constante sociológica que, até onde sabemos, teria grande generalidade nas sociedades com Estado. Com a frase, quero apontar para algumas características que fazem 218

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parte da maneira como nós brasileiros (há, acredito, uma certa generalidade nisso tudo) percebemos o mundo, algumas ideias e conceitos que dão um sentido mais geral a um conjunto muito heterogêneo de jogos de linguagem, de palavras e seus usos. Dito de outro jeito, reivindico que a ideia de que o Estado se constrói contra a sociedade faça parte de uma identidade social que é a nossa e que, por hipótese, nos diferencia

de

outros países, outras

sociedades e outras culturas. Com a fórmula, quero dizer que o Estado, no Brasil, se constrói propositadamente contra as formas espontâneas de sociabilidade e organização social. É possível deixar mais claro o que quero dizer com isso, comparando a fórmula com um outro modelo de sociedade para a qual o direito deveria, idealmente, representar e encarnar os valores mais centrais da prática e da identidade social. Neste último modelo, mesmo quando o direito se afasta da realidade social, seja criando ficções, seja construindo um “outro mundo”, ele o faz em nome da integridade (para utilizar o termo de Dworkin, 1986). Ou seja, o estranhamento que o direito cria entre si mesmo e a realidade social é, nestas sociedades, uma maneira de o direito melhor representar aquilo que há de mais essencial na tradição à qual pertence. O estranhamento deriva da 219

RETRATOS SUL-AMERICANOS: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS SOBRE HISTÓRIA E POLÍTICA EXTERNA – VOLUME II

crença da unidade e do pertencimento, portanto. A minha hipótese de pesquisa é que, no caso brasileiro, o estranhamento tem o uso contrário: o de opor-se ao seu contexto social. O Estado como crítica ou oposição à sociedade pertence a uma narrativa que está presente no direito brasileiro desde o começo e, entre os seus próceres, posso mencionar, por exemplo, o Visconde do Uruguai e Oliveira Vianna. Vou utilizar como exemplo as ideias do primeiro. O que está em jogo, para ele, é a incompatibilidade entre o modelo de Estado e a realidade social brasileira. As nossas instituições políticas seriam “um arremedo imperfeitíssimo e manco das instituições dos Estados Unidos”, diria o velho e bom Visconde (SOARES DE SOUZA 2002, p. 497). E, para piorar, no nosso país, “os hábitos de ordem e legalidade, o respeito ao direito, a obediência ao dever e o senso prático dos negócios não penetraram ainda geralmente nas diversas classes sociais” (Soares de Souza 2002, 495). O Visconde era um homem prático. Ele se referia à autonomia das assembleias provinciais para nomear os ocupantes dos cargos públicos. Ao invés de a autonomia garantir a generalização das oportunidades (entre, claro, os homens de mesmo valor), ela servia como instrumento para uma 220

CAMILO NEGRI E ELISA DE SOUSA RIBEIRO (COORDENADORES)

das “parcialidades em que estavam divididas nossas províncias” (SOARES DE SOUZA, 2002, p. 465) oprimir a facção ou facções opostas. Assim, a parcialidade nomeava “homens seus” para os cargos provinciais, guarda nacional, juízes de paz, câmaras municipais etc. e “edificava-se assim um castelo inexpugnável, não só para o lado oprimido, como ainda mesmo para o governo central” (SOARES DE SOUZA, 2002, p. 465). Contra isso, o Visconde propôs duas mudanças na organização do Estado. A primeira foi a introdução da hierarquia administrativa; ela incluiria a subordinação, a tutela e diferentes graus de jurisdição. A segunda mudança seria passar o direito de nomear os ocupantes dos cargos públicos das províncias para o poder central. Se a ocupação dos cargos era um instrumentos a favor da opressão, melhor seria que a responsabilidade pela sua nomeação passasse para as “mãos de um poder mais distante, mais imparcial, por não estar tão de perto envolvido e interessado nas lutas e paixões pessoais e locais” (SOARES DE SOUZA, 2002, p. 464). É fácil perceber, na narrativa do Visconde, os problemas que encontraríamos mais tarde como o peso do poder privado e o faccionalismo político, interlocutores de boa parte do

221

RETRATOS SUL-AMERICANOS: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS SOBRE HISTÓRIA E POLÍTICA EXTERNA – VOLUME II

pensamento

social

brasileiro.

Alguns

poderiam

argumentar que estes são nossos problemas até hoje. O que quero sugerir é que, para além das evidentes questões de engenharia institucional, há nisso uma relação entre ideias que transborda os problemas aos quais a narrativa, explicitamente, se refere. Posso elaborála a partir dos seguintes pontos: (a) Há diferenças entre a nossa realidade social e a dos países de onde vem o modelo de Estado que adotamos, mas o interessante é que isso não nos leva a questionar o modelo de Estado e procurar outro que representasse os valores mais fundantes

da

nossa

sociabilidade

(hospitalidade,

reciprocidade, adaptabilidade etc.). Ao contrário, a sociedade, de um modo geral, é considerada aquilo que é preciso modificar em nome de valores que retiramos d’alhures. E a tradução para nossas instituições inverte o sentido daqueles. Assim, valores como igualdade e liberdade, nas sociedades individualistas europeias, são predicados e o indivíduo é o seu sujeito, quer dizer, ele compõe direitos cujo principal objetivo é salvaguardar os indivíduos,

seja

dos

outros

indivíduos,

seja

das

corporações, seja das ideias, seja do próprio Estado. No Brasil, ao contrário, os valores assumem o papel de sujeitos em nome dos quais, muitas vezes, sacrificam-se 222

CAMILO NEGRI E ELISA DE SOUSA RIBEIRO (COORDENADORES)

os indivíduos (ARAGÃO, 2015). (b) Fundamentalmente, o nosso sistema simbólico ou social é baseado no distanciamento e no estranhamento enquanto ruptura, oposição, crítica. O distanciamento e o estranhamento se desdobram em vários planos. Assim, no plano das justificativas conscientes, imagina-se que sociedade deixada à sua própria sorte não é capaz de se regular de forma razoável, e, portanto, o Estado precisa intervir para modificar-lhe a natureza ou, no mínimo, limitar a possibilidade do mal que ela pode causar a si própria. Em outro plano, isso reflete a distância, social e simbólica, entre partes do nosso país. Esquematicamente, teríamos, de um lado, a parte do Brasil historicamente vinculada ao litoral que se constituiu, no nosso imaginário social, como um centro irradiador de cultura, desenvolvimento social e econômico, que serviria de modelo para o resto. De outra parte, teríamos o resto do país, que, durante boa parte da nossa história, ficou largado à sua própria sorte. De maneira análoga, as regras do nosso direito precisam se constituir em oposição a parcelas significativas e centrais da nossa sociabilidade; isso quer dizer que o direito assume, em parte, o papel de “crítica cultural”, claro uma crítica

que

expressa,

no

fundo,

valores

muito

conservadores de uma das partes do nosso país. (c) É 223

RETRATOS SUL-AMERICANOS: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS SOBRE HISTÓRIA E POLÍTICA EXTERNA – VOLUME II

preciso adaptar o modelo do Estado que adotamos à nossa realidade social. E isto, por sua vez, não obedece a uma regra. A adaptação resulta, em grande parte, de um processo de tentativa e erro, da negociação com a circunstância. No plano simbólico, isso ressoa o descompromisso com a aplicação universal da regra que mencionei acima. O resultado são combinações entre ideias e práticas que, da perspectiva de outras civilizações, seriam incompatíveis ou contraditórias entre si (por exemplo: é a tutela do poder central sobre as localidades que garante, nestas últimas, a liberdade). (d) Somente à distância seria possível ao Estado exercer o seu papel civilizador. Isso, por sua vez, ganha sentidos diferentes conforme as circunstâncias e o momento histórico. E os desdobramentos mais recentes da distância como valor, me permitem introduzir aquilo que nos interessa mais de perto, a saber, a relação disso tudo com o que podemos enunciar, no plano das relações internacionais, com nossos vizinhos sul-americanos. À época que escreveu o bom Visconde (meados do século XIX), a distância do centro civilizador — o Rio de Janeiro — e a “periferia selvagem” era, se tomarmos como régua a métrica dos quilômetros, a mesma de hoje. No entanto, é fácil ver que ela tinha um significado muito diferente. A distância geográfica entre o 224

CAMILO NEGRI E ELISA DE SOUSA RIBEIRO (COORDENADORES)

centro e as províncias significava, para o tempo do Visconde, a lonjura das notícias vagas de alguns dias atrás,

e,

simultaneamente,

uma

metáfora

para

o

estranhamento. Hoje ela encurtou: chega-se mais rápido, sabe-se mais depressa, conversa-se de longe como se o interlocutor estivesse aqui ao lado. Como resultado, o espaço não se presta mais como uma metáfora para construção do distanciamento; ela não consegue cumprir um papel estruturador. O interessante para o nosso argumento — e que traz para a questão da identidade complexidades inusitadas, como argumentarei adiante — é que o discurso jurídico, em algum momento em meados do século XX, aparentemente pelo menos, rompe com aquilo que, do ponto de vista da literatura anterior, era o pressuposto central: o direito servia para pensar a relação entre o Estado e a sociedade. As narrativas mais recentes começam assim: o direito que hoje temos é o herdeiro da tradição romano germânica, uma tradição milenar, dizem. É na história desta tradição que se encontra o sentido dos instrumentos jurídicos. O caminho que passa pelos grandes períodos históricos (basicamente, a sociedade primitiva, Grécia, Roma, a idade média, a revolução industrial, a idade moderna) esclarece o seu melhor 225

RETRATOS SUL-AMERICANOS: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS SOBRE HISTÓRIA E POLÍTICA EXTERNA – VOLUME II

sentido. Nele a essência vai progressivamente emergindo, delineando-se. O que o nosso direito afirma com esta narrativa é que ele não pertence à sociedade brasileira. Não é à toa que a história que hoje praticam a imensa maioria dos nossos juristas seja, no fundo, a rejeição daquilo que ciências mais razoáveis percebem como a própria natureza do fenômeno histórico: mudança, ruptura, diferença, pluralidade, identidade. Dizendo de outro jeito, o direito brasileiro advoga para si mesmo características semelhantes às das linguagens da modernidade, entre as mais evidentes: ser capaz de traduzir não importa qual outro instituto ou norma jurídica nos seus próprios termos; conhecer o sentido que os institutos ou normas têm nos países dos quais são originários; enunciar um discurso universal e universalizante; saber falar o direito como se fala em toda tradição romano-germânica. Esta é uma ficção que tem, talvez, bons e razoáveis motivos. A minha hipótese é que o discurso “somos uma tradição milenar” é, na realidade, a continuação da mesma síndrome de ideias que enunciei acima. Não custa repetir ao leitor que

o estranhamento, distanciamento e

diferenciação são fundamentalmente ideias. O fato de haver, à época do Visconde, uma distância maior entre o centro e as antigas províncias é uma conveniência 226

CAMILO NEGRI E ELISA DE SOUSA RIBEIRO (COORDENADORES)

histórica. Conveniência à qual o direito não pode mais recorrer. O clássico de Victor Nunes Leal (ele também um jurista), Coronelismo, enxada e voto (LEAL, 1948), é, neste sentido, um momento intermediário entre o direito do início que se propunha a ser, a seu jeito, pensamento social e a doutrina jurídica contemporânea da ciência do direito. Em Leal, a nomeação dos cargos pelo governo central, que, na percepção do Visconde, serviria para minorar e conter o faccionalismo e o modo de fazer política local, passa a ser um mecanismo de aliança do governo federal com a situação estadual, e desta com o município — o que Leal chamou de compromisso coronelista: de parte do município, apoio incondicional aos candidatos do oficialismo; de parte da situação estadual, carta branca para o chefe local. Dito de outro jeito, a política da província à época do império encontrou, na república, o seu caminho para a capital. Mas o que interessa ao meu argumento é o seguinte: se o espaço não serve

mais

como

metáfora

e

encarnação

do

distanciamento, isso significa que o direito precisaria recriá-lo em um outro plano. Ele, portanto, precisa advogar seu pertencimento a uma tradição estrangeira, para se constituir como estrangeiro face à sociedade brasileira. Paradoxalmente, todavia, esta é a maneira pela 227

RETRATOS SUL-AMERICANOS: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS SOBRE HISTÓRIA E POLÍTICA EXTERNA – VOLUME II

qual o direito brasileiro reproduz a sua tradição que lhe é própria. O direito brasileiro contemporâneo também não perdeu a adaptabilidade como valor. Ela simplesmente mudou de lugar. Ela não faz mais parte do argumento explícito que justifica a norma, mas recolheu-se ao silêncio que é, agora, o seu lugar. Ela está na prática, na jurisprudência, mas, nesta, também não está enunciada como tal. Em termos gerais, ela se apresenta na aparente criatividade pela qual as decisões judiciais aplicam os seus institutos, nas interpretações díspares de um mesmo problema dentro das turmas de um mesmo tribunal, na dificuldade de criar decisões que se baseiem em uma racionalidade generalizante dentro do próprio judiciário, na combinação de institutos diferentes para um mesmo caso, na importância da ideia de justiça que, apesar de não fazer

parte,

estritamente

falando,

de

sistemas

juspositivistas, está, como atesta o depoimento de um ministro da suprema corte brasileira, no impulso de todo juiz. E é interessante que o mesmo ministro avisava da dificuldade de enunciar a justiça. E essa dificuldade de enunciação,

com

a

qual

todos

nós,

brasileiros,

possivelmente concordaríamos, tampouco é universal. Com ela não estariam de acordo, por exemplo, os 228

CAMILO NEGRI E ELISA DE SOUSA RIBEIRO (COORDENADORES)

utilitaristas de antiga reflexão que acreditam saber, há muito, do que se trata, no que, aliás, têm razão: o conceito de justiça que advogam é perfeitamente consistente com suas tradições e o seu contexto. A justiça para nós não pode estar no universo daquilo que podemos enunciar, pela simples razão de que ela repete, no contexto atual, ao mesmo tempo, coisas que não gostaríamos de saber que pensamos (como ideia de que a desigualdade é justa) ou coisas que precisamos ignorar que fazemos (como decidir um

caso

judicial

a

partir

dos

seus

possíveis

desdobramentos políticos). Ora, não é difícil de ver que se está defronte de um sistema que institucionaliza a ignorância sistemática sobre aquilo que ele realmente faz, sobre sua prática. Mas, mais importante para o argumente deste texto, isso acaba impondo-lhe uma dificuldade adicional para conversar com aqueles que são diferentes dele. Assim, o direito brasileiro, ao mesmo tempo que se diz herdeiro de uma tradição que nos é estrangeira, adapta as normas e os instrumentos jurídicos ao nosso uso e lhes dá, dessa maneira, um sentido local muito particular. No entanto, nega-se a reconhecer que o faz e permanece certo de seu discurso universalizante. E, como não se acredita particular, ao dialogar com outros países ou com o direito 229

RETRATOS SUL-AMERICANOS: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS SOBRE HISTÓRIA E POLÍTICA EXTERNA – VOLUME II

internacional, ele acredita saber falar a língua na qual estes debates acontecem. As palavras podem ser as mesmas, mas a hipótese deste texto é que o seu sentido é bem diferente. Talvez seja possível estender o argumento para abarcar não apenas o direito, mas também outras regiões da nossa experiência social. Também em outros lugares (saberes, culturas regionais, ideologia de certos grupos etc.) poderíamos encontrar uma ignorância semelhante e proposital de nossa tradição mais local. A hipótese que requereria, por certo, mais pesquisa. Fica, para o presente texto, somente a possibilidade de enunciá-la. 3. DIFICULDADE E IMPOSSIBILIDADE O argumento deste texto não me leva a adotar a atitude pessimista de que a comunicação com nossos vizinhos sul-americanos (o que quer que isso signifique ou venha a significar um dia) seja impossível. É verdade que o argumento se concentrou nas dificuldades. Mas difícil não é o mesmo que impossível. De todo jeito, seria preciso mudar as bases do diálogo. Ao invés das mesmas palavras repetidas por todos e usadas em sentidos muito diferentes por cada um, o primeiro passo seria talvez reconhecer dificuldade da empreitada, admitir que falamos coisas

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CAMILO NEGRI E ELISA DE SOUSA RIBEIRO (COORDENADORES)

diferentes e, em certos casos, não somos capazes de perceber que pouco nos entendemos. Todavia, o presente texto se baseia em uma avaliação bastante pessimista em relação aos caminhos do Mercosul e ao diálogo que hoje entabulam nossos países. Para mim pelo menos, o caminho que até agora trilhamos não me parece capaz de nos levar muito longe. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Luiz Eduardo. 2013. “L’Etat Contre La Société. La Norme Juridique et Le Don Au Brésil .” Droit et Société 83. Paris: 137–54. ———. 2015. “Tradição, Direito e Política.” Dados no prelo. Rio de Janeiro. ALTHUSSER, Louis. 2004. Idéologie et Appareils Idéologiques d’État. (Notes Pour Une Recherche). Eletrônica. Chicoutimi: Classiques des sciences sociales. http://classiques.uqac.ca/contemporains/althusser_louis/id eologie_et_AIE/ideologie_et_AIE.pdf. ARAGÃO, Luiz Tarlei. 2015. Coronéis, Candangos e Doutores. Por uma Antropologia dos Valores. Editado por Luiz Eduardo Abreu. Brasília: No prelo. DWORKIN, Ronald M. 1986. Law’s Empire. Cambridge, MA: Harvard University Press.

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