A dinâmica de aula e sua relação com o livro didático segundo professores de física do ensino médio

August 29, 2017 | Autor: Alysson Artuso | Categoria: Education, Textbook Research
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XXI Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2015

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A DINÂMICA DE AULA E SUA RELAÇÃO COM O LIVRO DIDÁTICO SEGUNDO PROFESSORES DE FÍSICA DO ENSINO MÉDIO Alysson Ramos Artuso1, Jeferson Luiz Appel2 1

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iEA Soluções Educacionais, [email protected]; Editora Positivo, [email protected]

Resumo Esta investigação é uma análise estatística exploratória envolvendo professores brasileiros de física de ensino médio. Nela, utilizou-se questionários de respostas abertas para: a) identificar como os professores tipicamente estruturam suas aulas; b) relacionar o papel do livro didático com a aula. Para tal, optou-se pelo método survey de desenho interseccional com os dados coletados por meio de questionários aplicados a 359 professores das cinco regiões do país, principalmente entre novembro/2011 e dezembro/2012. As respostas das perguntas abertas: “Como é normalmente a sula aula?” e “Como que o livro didático de física se relaciona com a aula?” foram avaliadas por meio da análise de conteúdo pela técnica de análise categorial. A descrição estatística das respostas mostra que a principal função observada para o livro didático é como fonte de exercícios, as aulas são estruturadas de modo equilibrado entre o que chamamos de “aulas descontextualizadas” e “aulas diferenciadas”, as ações dos alunos nas aulas se dividem, principalmente, entre a cópia e a resolução de exercícios e outras atividades, sendo a principal função do livro didático justamente servir como fonte de atividades.

Palavras-chave: Ensino de física; Manuais escolares; Livros didáticos de física. 1. Introdução e fundamentação teórica A partir de 1980, o Brasil estruturou um amplo programa de aquisição de livros didáticos atualmente denominado PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). Gradualmente, ele universalizou a avaliação, aquisição e distribuição de livros escolares para os diversos níveis de ensino e áreas de conhecimento, o que, aliado aos altos recursos públicos gastos nesse programa, ajudam a justificar o interesse de pesquisa sobre o papel do livro didático na educação e seu uso por parte de professores e alunos. De modo geral, o livro didático é tomado como o principal apoio do trabalho didático de muitos professores e, como tal, espera-se que traga informações e conhecimentos para auxiliar na aquisição, ampliação e construção de novas linguagens (escrita, gráfica, algébrica...) e saberes, abarque dados e interpretações sobre culturas locais e universais e aproxime do aluno o saber científico. Tomando-o como artefato da cultura, o livro didático está sujeito a influências de diversas ordens: políticas, econômicas, sociais e pessoais – exemplificadas pela legislação e ações governamentais, as variáveis de mercado e a indústria cultural, a localidade e as condições em que ele está inserido, a formação do autor e assim por diante. Desse modo, o artefato que chega a alunos e professores é resultado de um conjunto de escolhas e processos que privilegiam determinados aspectos e conhecimentos em detrimento a outros. Em razão do escasso espaço para maiores explanações dessa natureza no presente trabalho, embora sejam fundamentais para se discutir o papel do livro didático na cultura escolar, apenas se indica as obras presentes nas referências bibliográficas para maiores aprofundamentos, em especial Apple (2001). Diante dessa complexidade do livro didático e das diferentes perspectivas sob as quais ele pode ser analisado (CHOPIN, 2004; GARCIA, 2009; CHAVES e ____________________________________________________________________________________________________ 26 a 30 de janeiro de 2015

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GARCIA, 2011), cabe situar brevemente alguns elementos embasadores da pesquisa proposta. O primeiro é tomar o livro didático como integrante da cultura escolar. Entendido como o “conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, ‘normalizados’, ‘rotinizados’, sob o efeito dos imperativos da didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas” (FORQUIM, 1993, p. 167). Nessa perspectiva, não se imagina que a escolarização simplesmente se subordina ao conjunto descrito, ela também inclui um conjunto de práticas e comportamentos que permitem e permeiam a circulação desses conhecimentos e a assimilação desses comportamentos. Sendo assim, pesquisas na área podem investigar não somente os conhecimentos científicos presentes no livro didático, mas, entre outros, os usos e relações que professores e alunos fazem ou tem com ele. O segundo é reconhecê-lo como multifacetado em relação às ações de professores, alunos e demais sujeitos escolares. Isto é, reconhecer a existência de inúmeras faces de acordo com sua inserção na cultura da escola e do valor, importância e relações que são estabelecidas entre o livro didático e os sujeitos. Embora sejam frequentes os estudos que tratem de incorreções nos conceitos científicos ou equívocos na transposição didática e no uso de determinadas estratégias de ensino (como a História da Ciência) presente nos manuais didáticos, ainda são poucos os que buscam compreender o que alunos e professores pensam sobre os livros ou como os usam no processo de ensino-aprendizagem (SOUZA e GARCIA, 2013). Também são raros os casos que buscam uma compreensão por meio de métodos também quantitativos. De forma a preencher essa lacuna, ao menos no que se refere ao livro didático de física no Ensino Médio, foi tomada iniciativa de se coletar dados e opiniões de professores e alunos das cinco regiões do país sobre os usos, as preferências e o papel do livro didático no processo de ensino-aprendizagem. Integrante de um projeto maior, que envolveu cerca de 700 participantes entre professores e alunos, aqui é apresentado apenas um recorte. Neste recorte, se traz os resultados no que tange, segundo as respostas dos professores, à maneira como estruturam suas aulas e como o livro didático se relaciona com elas. 2. Metodologia A presente pesquisa tem como objetivos, por meio da análise das respostas escritas dos professores: a) identificar como eles tipicamente estruturam suas aulas; b) observar o papel do livro didático na aula; Para dar conta de tais objetivos, uma análise estatística exploratória foi realizada. Sua função foi descrever e categorizar as respostas, fornecendo elementos para estudos posteriores. Tal análise se realizou a partir de um survey de desenho interseccional, que compreende a coleta de dados por meio de questionários de uma amostra representativa da população naquele momento. Na falta de um censo oficial, a listagem e o acesso aos professores foram obtidos por meio do contato direto dos pesquisadores com professores e instituições de ensino, mas também com o auxílio de sindicatos, programas de pós-graduação, secretarias estaduais de educação, organizadores de eventos e professores parceiros. Ao final do levantamento, foram obtidas 359 respostas válidas. ____________________________________________________________________________________________________ 26 a 30 de janeiro de 2015

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Os questionários foram aplicados presencialmente ou por meio eletrônico nas cinco regiões do país principalmente entre novembro de 2011 e dezembro de 2012, no entanto, para obter mais dados em alguns estratos, foram aplicados alguns questionários também em 2013 e 2014. Os professores que responderam ao questionário foram voluntários e, como tais, talvez tenham opiniões mais favoráveis ao livro didático e ao ensino de física do que os professores que não aceitaram participar da pesquisa, o que pode limitar a generalização dos resultados. A construção do questionário se deu a partir dos estudos qualitativos feitos por Baganha e Garcia (2009), Carneiro e Santos (2005), Choppin (2004), Garcia (2009), Garcia, Garcia e Pivovar (2007), Silva e Garcia (2010) e Wuo (2002). Desses estudos, foram retiradas as variáveis para os diferentes usos do livro didático de física incorporados nesta pesquisa. Tal procedimento está de acordo com o proposto por Sztajn, Bonamino e Franco (2003, p. 12), que defendem que: Os grandes levantamentos, apesar de sua natureza quantitativa, não podem prescindir de estreita articulação com a pesquisa qualitativa. Parte da definição do que deve ser medido e de quais fatores são importantes em avaliação educacional advém de conhecimento gerado a partir de estudos qualitativos.

No recorte desse artigo, exploram-se as respostas dadas para as questões abertas Como é normalmente a sua aula? e Como que o livro didático de física se relaciona com a aula?. Nesse momento da pesquisa, os professores não foram motivados a responder sobre aspectos muito específicos. A intenção foi que eles expressassem seus julgamentos sem a indução de respostas. A análise das respostas se deu por meio da técnica de análise categorial (Bardin, 2009) e serviu para classificar as respostas de quatro maneiras, em relação à: 1) função do livro didático na aula; 2) dinâmica da aula; 3) participação dos alunos; 4) elementos que dizem respeito a formas de abordagem, de organização/atividades, meios utilizados e recursos multimídias, numa classificação que se constitui de elementos físicos, metodológicos e didáticos utilizados na aula. Na primeira classificação – função do livro didático –, as categorias, não exclusivas, utilizadas foram: sem função/não usa livro (SF); preparação da aula/fonte para resumo do professor (PR); sequência para os alunos acompanharem a aula (SE); para alunos fazerem leitura (AL); como fonte de exercícios/tarefa (FE); e uso diversificado (pesquisa, fonte de experimentos, de atividades em grupo...) (UD). Na segunda classificação – dinâmica da aula –, as categorias, exclusivas, utilizadas foram: relato sem menção à contextualização, motivação inicial ou estratégia de ensino (A1); menção apenas à contextualização ou motivação inicial (A2); menção a um elemento entre experimentos, história da ciência, interdisciplinaridade, abordagem CTS ou apresentação de situação problema que vai além da contextualização ou motivação inicial e possui fechamento (A3); e menção a dois ou mais dos elementos anteriores (A4). Na terceira classificação – participação dos alunos –, as categorias, não exclusivas, utilizadas foram: copiam a aula (AC); fazem exercícios na aula (AE); participam com frequência da aula por meio de diálogos, debates ou seminários (AD); fazem leituras (AL); fazem atividades além de exercícios e leitura, como construir modelos, escrever relatórios, fazer experimentos, pesquisas, saídas de campo e outros (AV). Para essas três classificações, quando não foi possível inferir uma categoria a partir da resposta, foi utilizado o código NF. Os nomes de tais classificações são mais ilustrativos e visam facilitar a identificação do leitor, sem querer definir com ____________________________________________________________________________________________________ 26 a 30 de janeiro de 2015

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rigor o que seria uma aula AD (aula dialogada). Tomando-a como exemplo, uma observação obteve essa classificação se, por exemplo, houve menção a palavras como diálogo, conversa, debate, discussão ou seminário na resposta explicativa de como os alunos participam da aula. A quarta classificação – formas de abordagem, de organização/atividades, meios utilizados e recursos multimídias – computa a frequência de aparecimento de palavras relacionadas aos seguintes elementos nas respostas dos professores: abordagem CTS (CTS), exemplos/contextos de situações cotidianas (COT), experimento feito pelos alunos (PRA), experimento demonstrativo (DEM), história da ciência (HC), interdisciplinaridade (INT) e problematização/situação-problema (PRO) no que chamamos “Formas de abordagens”; atividade em grupo (AG); debates (DE); esquemas e gráficos (EG), exercícios/atividades/problemas (EXERC), laboratório (LAB), leitura (LE), pesquisa (PE), resumo/síntese (RE), seminários (SE) e textos (fora do livro didático)/xerox/fotocópia/material extra (XE) no que chamamos de “Formas de organização/atividades”; artigos de jornais/revistas (AR), computador (CO), livro (LI), material próprio (MM), obras de arte e de literatura (ART) e quadro/lousa (QD) no que chamamos de “Meios”; slides/retroprojetor/projetor de slides/datashow (DS), livro digital/virtual/portal de editoras (LV), recursos multimídia (MULT), simulação/animação (SIM), sites/textos da internet (SIT) e vídeo/filmes (VD) no que chamamos de “Recursos Multimídia”. Também foram levantadas as palavras de sentido completo mais frequentes nas respostas. Essa análise da frequência das palavras também foi feita para as junções duas a duas, três a três e assim por diante. Por fim, foram analisadas as correlações entre as respostas. Estatisticamente, um coeficiente de correlação igual a +1 mostra que há uma relação direta entre as variáveis, isto é, se uma aumenta, a outra também aumenta proporcionalmente. Por outro lado, um coeficiente de correlação igual a –1 indica uma que se uma aumenta, a outra diminui, também de maneira perfeitamente proporcional. Uma correlação nula significa que não há relação entre a variação de uma variável com a variação de outra. Seu cálculo envolve a covariância entre as variáveis dividida pelo produto dos desvios padrões (MORETTIN, 2009). 3. Resultados e discussões A tabela 1 sintetiza os resultados das três primeiras classificações. Nela, observa-se que a função mais comum do livro didático, presente em 58,5% dos casos (excluindo-se os casos em que não foi possível inferir uma categoria a partir da resposta, essa porcentagem aumenta para 78,8%), é como fonte de exercícios. A segunda função mais frequente, mas com uma ocorrência cinco vezes menor, é para alunos o lerem (11,7%). As demais funções são apenas marginais, mas, por outro lado, apenas 4,5% das respostas não atribuem nenhuma função ao livro. Tabela 1: Resultados das três primeiras classificações Classificação 1 PR FE SF SE AL UD

N % 10 2,8% 210 58,5% 16 4,5% 10 2,8% 42 11,7% 19 5,3%

Classificação 2 A1 A2 A3 A4 NF

N % 109 30,4% 47 13,1% 112 31,2% 36 10,0% 55 15,3%

Classificação 3 AC AE AD AV NF

N % 148 41,2% 150 41,8% 10 2,8% 142 39,6% 55 15,3%

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NF

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68 18,9%

Esse é um resultado que suscita questões em vários âmbitos. Do ponto de vista da formação dos professores, cabe questionar se o livro didático não poderia ser explorado de outras maneiras além de como fonte de atividades. Por outro lado, no mercado editorial, pensa-se na discussão de como estruturar uma obra, se priorizando suas atividades ou as demais partes que a compõem (o texto didático, as seções, o manual do professor…). Seria essa resposta dos professores um reflexo de suas expectativas pedagógicas ou justamente uma forma de se trabalhar com o livro didático criado, ao menos em parte, pelo próprio mercado editorial? Dito de outro modo, a comparação da qualidade de livros didáticos em termos da quantidade de atividades que trazem é uma comparação que atende a interesses pedagógicos, pessoais ou comerciais? E são fruto primordialmente da formação dos professores, de ações de marketing ou de uma posição autônoma dos docentes? No que se refere a políticas públicas, em especial o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), há um claro desacordo entre as diretrizes governamentais e a função percebida pelos professores para o livro didático. No último edital do PNLD do Ensino Médio, exigiu-se livros que contribuam para a formação docente e que apresentem múltiplas abordagens e estratégias de ensino em um número limitado de páginas. Como os livros são comprados em função do número de páginas que contêm, o governo se posicionou contrário à prática editorial de enumerar dezenas, quando não centenas, de exercícios de vestibular e ENEM ao final dos capítulos. Nesse posicionamento, há um complexo contrassenso entre a função do livro didático como fonte de exercícios, posição da maioria dos professores, e a política estatal de redução na quantidade de atividades. Há aqui uma teia de influências que perpassa pela formação do professor, suas condições de trabalho e remuneração, interesses editoriais, pesquisas científicas da área de educação, políticas públicas e questões econômicas. Sobre como os professores estruturam suas aulas, há um equilíbrio entre duas categorias de respostas. Os que não fazem menção a contextualizações, motivações iniciais ou estratégias de ensino (A1) somam 30,4% dos casos e os que mencionam um elemento entre experimentos, história da ciência, interdisciplinaridade, abordagem CTS ou apresentação de situação problema que vão além da contextualização ou motivação inicial e possuem fechamento (A3) totalizam 31,2%. De modo a comentar com maior facilidade essas situações, chamemos o primeiro caso de “aulas descontextualizadas” (A1) e o segundo de “aulas diferenciadas” (A3). Essa substituição dos nomes foi feita arbitrariamente pelos pesquisadores e visa apenas uma ilustração para o leitor, sem se tratar de uma definição rigorosa dos termos; sem prejuízo à pesquisa, os nomes poderiam ser mantidos como respostas A1 e A3. Entre os dois, as “aulas motivadas” (A2), categoria de respostas nas quais há menção apenas à contextualização ou motivação inicial, soma 13,1% dos casos. O 10,0% restantes são de respostas em que há menção a pelo menos dois elementos presentes na categoria A3, caracterizando “aulas variadas” (A4). Se fosse o caso de estarmos vivenciando uma mudança gradual de paradigma nas estratégias utilizadas nas aulas de física do Ensino Médio, se esperaria um contínuo mais equilibrado entre as categorias, com alterações graduais entre as categorias de A1 a A4. No entanto, o que os dados parecem indicar é a coexistência de dois grupos de professores, os das “aulas descontextualizadas” e os das “aulas diferenciadas”. O meio termo entre essas duas situações é relativamente raro, bem ____________________________________________________________________________________________________ 26 a 30 de janeiro de 2015

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como a expansão no uso de múltiplas estratégias na direção de uma “aula problematizada”. Uma hipótese é de que há uma incorporação apenas parcial das pesquisas científicas da área de didática na prática do professor que, ao dominar uma estratégia de ensino, a aplica de maneira preponderante em suas aulas, possivelmente como uma extensão ou complemento das “aulas descontextualizadas” ou das “aulas motivadas” e não como uma reformulação estrutural de sua prática pedagógica. A terceira classificação, que diz respeito à forma de participação dos alunos nas aulas mostra a raridade do que denominamos “aulas dialogadas” (AD), nas quais os alunos participam com frequência das discussões (2,8% das respostas). Mas são frequentes, as “aulas copiadas” (AC), em que os alunos devem copiar o dito ou escrito pelo professor (41,2%), as “aulas com exercícios” (AE), nas quais os estudantes devem fazer atividades tradicionais (41,8%) e as “aulas variadas” (AV) (39,6%), em que, além de exercícios, há outras atividades a serem realizadas pelos alunos. Além disso, a quase totalidade de respostas “aulas copiadas” (AC) implica também em a aula ser “com exercícios” (AE). Esse resultado, em certa medida, fortalece a hipótese levantada de que não há um grupo numeroso de professores que modificaram de modo mais profundo a natureza de suas aulas, sendo mais frequentes os dois grupos de: ou as aulas próximas ao que se toma como tradicional – “aulas descontextualizadas” com base na cópia e na resolução de exercícios; ou “aulas diferenciadas” que incorporaram um número limitado de alternativas didático-metodológicas. Novamente, cabe uma profunda reflexão e análise sobre a formação dos professores e suas condições de trabalho a fim de se investigar possíveis causas para os resultados encontrados. Um dado que ajuda a compreender a questão é a correlação positiva entre a dinâmica de aula classificada como “descontextualizada” (A1) na segunda categoria e a prática de cópia (correlação igual a 0,555) e a resolução de exercícios (0,571), indicadas pelo tipo de participação dos alunos na terceira categoria analisada. Ou seja, relatos que não fazem menção à contextualização, motivação inicial ou estratégia de ensino tendem a ser relatos que apresentam mais entradas relacionadas com a cópia e com a resolução de exercícios por parte dos alunos. Além disso, a categoria “aulas descontextualizadas” (A1) praticamente não apresenta correlação com a participação de alunos em diálogos (-0,075) e tem correlação negativa com a prática de atividades variadas (-0,410). A situação praticamente se inverte ao se considerar as “aulas diferenciadas” (A3), nesse caso a correlação com a prática de cópia e de resolução de exercícios é negativa (-0,344 e -0,351, respectivamente), com aulas dialogadas permanece nula (-0,004) e é positiva com atividades variadas (0,574). Ou seja, quantifica-se que cópias e exercícios tradicionais estão diretamente ligados a “aulas descontextualizadas”, enquanto atividades variadas estão diretamente ligadas a “aulas variadas”, no entanto, a participação dos alunos dialogando não possui correlação significativa com nenhuma dinâmica de aula. Na quarta classificação, foram citados, em média, 4,28 elementos por resposta. A categoria mais comum foram as “formas de organização/atividade”, que estiveram presentes em 88,9% das respostas – com 2,34 itens citados em média. As “formas de abordagem” utilizadas em aula apareceram em 41,5% das respostas (0,52 itens citados em média por resposta) e os “meios” e “recursos multimídias” utilizados ocorreram em 37,6% das respostas (0,45 itens citados em cada caso). Isoladamente, os casos mais citados foram os de textos fora do livro didático/xerox/fotocópia/material extra (82,2%), exercícios/atividades/problemas (79,7%), ____________________________________________________________________________________________________ 26 a 30 de janeiro de 2015

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livro (42,9%), quadro/lousa (39,6%) e debate (31,8%). A tabela 2 contém o número de aparições de todos os elementos levantados. Tabela 2: Resultados da quarta classificação Elemento N % XE 295 82,2% EXERC 286 79,7% LI 154 42,9% QD 142 39,6% DE 114 31,8% DEM 92 25,6% LE 86 24,0% VD 69 19,2% DS 48 13,4% COT 35 9,7%

Elemento N % CO 35 9,7% MULT 34 9,5% RE 33 9,2% PRA 30 8,4% MM 17 4,7% PRO 14 3,9% HC 13 3,6% AG 12 3,3% PE 12 3,3% SIT 2,2%

Elemento N % AR 3 0,8% CTS 2 0,6% INT 1 0,3% SE 1 0,3% SIM 1 0,3% EG 0 0,0% LAB 0 0,0% ART 0 0,0% LV 0 0,0% 8

A princípio, esse resultado mostra uma preocupação dos professores maior com a forma das atividades realizadas do que com das formas de abordagem, dos meios ou recursos multimídias utilizados. Também minimiza o papel do livro didático na estruturação da aula, visto que materiais extras são mais preponderantes. De modo geral, chama a atenção também a presença marcante dos textos, exercícios, livros e quadro – confirmando a conhecida trinca de quadro-caderno-exercícios na qual o professor escreve o conteúdo no quadro, os alunos o copiam em seus cadernos e depois fazem exercícios do livro na aula e como tarefa de casa. Todavia, a presença também frequente de debates, ressalta, se não uma mudança estrutural nas aulas, ao menos a inserção gradual de novos elementos. A contagem das palavras mais frequentes nas respostas, também aponta para a predominância da citada trinca, além da forte presença da cópia como estratégia de ensino. As dez mais frequentes são: livro (397 ocorrências), exercícios (315), aula (197), quadro (146), conteúdo (124), aulas (81), vídeos (64), experimentos (64), casa (63) e leitura (62). Contudo, novamente há alguns elementos menos tradicionais, como vídeos e experimentos. Agrupando-se as palavras duas a duas, as ocorrências mais frequentes são: no quadro (117), o conteúdo (69), de exercícios (67), os exercícios (59), exercícios do (56). Três a três: exercícios do livro (48), escrevo no quadro (32), resolução de exercícios (23), os alunos copiam (18), alunos copiam e (12). Quatro a quatro: os exercícios do livro (15), o livro é utilizado (10), fazem exercícios do livro (10), quadro os alunos copiam (8), os alunos copiam e (8). Cinco a cinco: no quadro os alunos copiam (8), escrevo no quadro, os alunos (6), e fazem exercícios do livro (6). 4. Considerações finais Como análise exploratória, após descrever os resultados do levantamento estatístico, esse trabalho suscita questionamentos para estudos posteriores. Nesse sentido, as respostas dos professores apontam para a coexistência de duas dinâmicas principais de aula no que se refere à física do Ensino Médio brasileiro: o que chamamos de “aulas descontextualizadas”, nas quais não há menção a motivação inicial, contextualização ou estratégias de ensino, e as “aulas diferenciadas”, nas quais à a presença de um elemento entre experimentos, história da ciência, interdisciplinaridade, abordagem CTS ou apresentação de situação problema que vai além da contextualização ou motivação inicial e possui fechamento. ____________________________________________________________________________________________________ 26 a 30 de janeiro de 2015

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Todavia, os resultados também indicam que não há uma mudança profunda na estrutura das aulas, baseadas preponderantemente na dinâmica de o professor escrever o conteúdo no quadro, os alunos o copiarem em seus cadernos e posteriormente resolverem exercícios do livro. Inclusive, a função do livro didático segundo 72,2% das respostas válidas, é justamente a de ser uma fonte de exercícios, uma divergência com a política pública do PNLD de diminuir a quantidade de atividades dos livros didáticos. Referências APPLE, Michael W. Política cultural e educação. São Paulo: Cortez, 2001. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009 BAGANHA, Denise E.; GARCIA, Nilson M. D. Estudos sobre o uso e o papel do livro didático de ciências no ensino fundamental. In: VII ENPEC - Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2009, Florianópolis, SC. Atas... Belo Horizonte, MG: ABRAPEC, 2009. CARNEIRO, Maria H. S.; SANTOS, Wildson L. P.; MÓL, G. S. Livro didático inovador e professores: uma tensão a ser vencida. ENSAIO – Pesquisa em Educação em Ciências, v. 7, n. 2, dez. 2005. CHAVES, Edilson; GARCIA, Tânia M. F. B. Critérios de escolha dos livros didáticos de história: o ponto de vista dos jovens. In: X Congresso Nacional de Educação, 2011, Curitiba, PR. Anais... Curitiba, PR: PUC-PR, 2011. CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n.3, p. 549- 566, set./dez. 2004, FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura. Porto Alegre: Artmed, 1993. GARCIA, Tânia M. F. B. Relações de professores e alunos com os livros didáticos de física, In: XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física, 2009, Vitória, ES. Atas... Vitória, ES: SBF, 2009. GARCIA, Tânia M. F. B; GARCIA, Nilson M. D; PIVOVAR, Luiz E. O uso do livro didático de física: estudo sobre a relação dos professores com as orientações metodológicas. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciência, 6, Florianópolis, 2007. Anais... Florianópolis, UFSC, 2007. MORETTIN, Luiz G. Estatística básica – probabilidade e inferência. São Paulo: Pearson, 2009. SILVA, Eder F.; GARCIA, Tânia M. F. B. O livro didático de física e seu uso nas aulas: o ponto de vista de alunos do Ensino Médio. In: VIII Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sul, 2010, Londrina, PR. Anais... Londrina, PR: UEL, 2010. SOUZA, Edna L.; GARCIA, Nilson M. D. As pesquisas sobre o livro didático de física e ciências: temas e perspectivas presentes nos SNEFs. In: XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física, 2013, São Paulo, SP. Atas... São Paulo: SBF, 2013. SZTAJN, Paola; BONAMINO, Alicia; FRANCO, Creso. Formação docente nos surveys de avaliação educacional. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 11-39, mar. 2003. WUO, Wagner. O ensino de física: saber científico, livros e prática docente. In: BUENO, José Geraldo Silveira (org). Escolarização, práticas didáticas, controle e organização do ensino. 1ª ed., Araraquara: J. M. Editores, 2002. ____________________________________________________________________________________________________ 26 a 30 de janeiro de 2015

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