A dinâmica dos processos corporais e a construção do olhar clínico.

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A dinâmica dos processos corporais e a construção do olhar clínico * Alberto Sumiya** Resumo: A palavra corpo, apesar de ser usada em diferentes contextos, insere-se no senso comum com um significado singularizado, o que oferece a pretensa condição de que todos o entendem de forma homogênea, sem requerer processos mais sofisticados de reflexão, o que faz com que essa temática seja ainda mais banalizada no contexto biomédico. O objetivo principal desse trabalho é analisar a construção histórica e antropológica do conhecimento sobre o corpo estabelecendo relação com a área da saúde. Realizou-se para tanto, um levantamento bibliográfico de livros e artigos que se reportavam ao assunto direta ou indiretamente, sem período de tempo definido para a seleção dos mesmos. Observou-se que o delineamento histórico confluiu para um tipo de raciocínio clínico extremamente especializado, no qual o corpo como elemento social e suporte da pessoa estão em segundo plano no processo terapêutico. Palavras-chave: Antropologia do corpo; antropologia da saúde; história, educação médica. Abstract: The word body, despite being used in different contexts, is inserted in the common sense with one meaning, which offers the pretense condition that everyone understands it in a homogeneous way, without requiring more sophisticated processes of reflection, which means that this theme is even more trivialized in biomedical context. The main objective of this work is to examine the construction of historical and anthropological knowledge of the body, establishing relation with Health. The study provided a bibliographical survey of books and articles that are reported directly or indirectly to the matter, without a period of definite time of selection. It was observed that the historical delineation showed a type of clinical reasoning extremely specialized clinical reasoning, in which the body as a social element and support of the person are in the background in the therapeutic process. Key words: Anthropology of body; anthropology of health, history, medical education.

Introdução Este trabalho é parte da dissertação de mestrado intitulada “O corpo na história e o paradigma biomédico nas mudanças curriculares da fisioterapia”, estudo desenvolvido junto ao programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL). O objetivo principal do trabalho foi avaliar comparativamente os currículos de 1992 e 2006, assim como as noções sobre o corpo presente entre os professores fisioterapeutas. A intenção era captar a presença dessas noções no novo currículo e quais as medidas as direcionavam para uma mudança paradigmática na biomedicina, tendo em vista a necessidade de uma visão mais humana nessa área de conhecimento. Para o presente artigo tenho como objetivo analisar a construção histórico-antropológica do conhecimento sobre o corpo estabelecendo a relação de importância desse saber para a formação do profissional de saúde. As constatações partem dos resultados encontrados na dissertação, que utilizou pesquisa bibliográfica de livros e artigos, sem um período de *

Agradecimentos a professora doutora Leila Sollberger Jeolás pelo apoio e compreensão. Professor Mestre do Departamento de Fisioterapia da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO/PR).

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tempo definido para seleção dos mesmos, sem pretender uma revisão de literatura completa. Falar do corpo é falar do homem e de suas interações estabelecidas com a cultura ao longo da história; é pensar os valores e as normas sociais vigentes e caracterizar as suas peculiaridades. Pois, o corpo, ao navegar por tempos e lugares diferentes, passa a revelar não apenas aquilo que se mostra material ou biológico no homem (ALMEIDA, 2003). As racionalidades construídas pelas tensões históricas culminaram com a necessidade de entender a corporalidade medicalizada como parte da estrutura social. Representada atualmente por identidades flutuantes de referências diversas (AUGÉ, 1994), por experimentações e maquinações cujo limite é não ter limite (LE BRETON, 2003), no qual as planificações das individualidades pelos conhecimentos técnicos tornam as valorações pessoais esmaecidas (FOUCAULT, 1987). A corporalidade resultante desses fatos provoca preocupações, na medida em que a falta de relativização exacerba as desconfianças sobre as certezas cientificas imediatas e suas verdades facilitadas. O que em outras palavras é a caracterização do distanciamento na relação terapêutica (ALMEIDA, 2003). Assim, o desvelar de um processo histórico, alicerçado em um dualismo ora das atividades mentais ora das atividades corporais, é intrigante do ponto de vista da explicitação da constituição de um pensamento, capaz de fornecer algumas luzes sobre o indivíduo e a sociedade que assim se apresentam. Da Antiguidade à Idade Média: origens da fragmentação do corpo As representações iniciais desse período relacionam-se com os mitos de Hygéia (deusa da saúde) e Asclépius (deus da medicina). Para os adeptos de Hygéia, a saúde dependia primordialmente de como os homens governavam as suas vidas, principalmente, pela adaptação física e social a regras de comportamento. Para os seguidores de Asclépius, a relevância estava em retificar as imperfeições expressadas no nível sintomático (BRANDÃO, 1993). Os tratados hipocráticos subseqüentes a esses entendimentos estabeleceram analogias entre as estruturas orgânicas internas e os elementos da natureza, o que culminaria com a teoria dos humores nas qualidades primordiais do frio, do quente, do seco e do úmido (SANT’ANNA, 2001). A doença era, portanto, um desvio da norma – uma exceção natural, do qual a função do médico não seria propriamente a de curar e sim ajudar a natureza a fazer aquilo que lhe convinha, sem a necessidade de ser dirigida pela inteligência (SANT’ANNA, 2001). O corpo começa assumir uma posição contrária ao da mente como entidades distintas e hierarquizadas. Teoria reforçada pelas idéias de Platão sobre a existência de três almas: duas mortais e uma imortal, sendo a última alojada na cabeça e considerada o centro de comando da alma racional (SANT’ANNA, 2001). Inclusive era possível estabelecer relação entre os elementos que supostamente formavam o corpo humano com a matemática pitagórica (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004). A perfeição e o equilíbrio eram buscados pelo exercício do conhecer, da contemplação do teorético. O intelecto tinha a primazia sobre o operar (PINTO & JESUS, 2000). A realidade física poderia ser supostamente alterada ou tratada, mediante o entendimento que o desequilíbrio evidenciado era um erro de proporção (SANT’ANNA, 2001).

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O corpo na Idade Média abrigava a lógica do corpo revelado e vivido. Transmitia a idéia de território aberto - sem delimitações rígidas que o fizessem definitivamente completo. Sua relação com o entorno social era intensa e postulava uma integridade com o universo, no qual se fundia, sendo o corpo a representação sintética deste (RODRIGUES, 1999). A indissociabilidade advindas dessas percepções atrelava o homem da Idade Média a total mundaneidade, pelo menos por um período, manteve-se a parte das lógicas de dicotomização do ser. A iconográfica mostra que a corporalidade da época não continha os traços conotativos de peso morto. Pelo contrário, era vivenciada com intensidade e empatia, na medida em que os sistemas simbólicos comportavam a liberdade. A vida era circular e ela deveria continuar depois da morte, e a morte já existia mesmo antes da vida (RODRIGUES, 1999). Essa vida aparentemente pagã soava ofensiva e desafiadora aos olhos da igreja. Na época, sua influência sobre a vida das pessoas estava em franca expansão, e como instituição normatizadora começava a incutir a idéia de que o espírito tinha precedência sobre o corpo. A intenção era de romper com essa visão de mundo, segundo a qual tudo se ligava a tudo (RODRIGUES, 1999). Era imperativo discriminar esse corpo que estava suscetível às tentações demoníacas. A degradação total era evitada por meio dos flagelos e das autopunições, que aos poucos foram moldando a moral e ditando as regras do decoro social, segundo as quais exigiam moderação e respeito. Qualquer desvio significaria uma ameaça à vida neste mundo e no outro também, o corporalidade demandava discrição (PINTO; JESUS, 2000). Paradoxalmente em sua fase final, a Idade Média, começa abrir espaço para o mundo das experimentações, na sentido de que o corpo começará a receber um olhar mais objetificante por meio das dissecações públicas e oficiais (RODRIGUES, 1999). Inicia-se, portanto, o estabelecimento de uma linguagem voltada para a classificação e ordenação taxionômica dos seres vivos, sistematização discriminatória que produz novos conhecimentos e representações por meio de nomenclaturas articuladas (FOUCAULT, 1966). A transição para a fase seguinte faz-se sob os resquícios dessa crescente manipulação corporal – do seu interno e de suas camadas, que são desveladas sem cerimônia nem rituais. A dominação imposta marca sua desqualificação e o início do corpo como construção humana. Do renascimento à modernidade: o corpo objeto O racionalismo moderno é marcado pelo pensamento de Descartes, que estabeleceu os métodos para se pensar o corpo humano como máquina. Como Galileu, que dava uma interpretação mecânica do mundo, Descartes não via empecilhos em aplicar os mesmos princípios para o mundo das criaturas vivas. Postulou que a natureza subdividia-se em dois reinos fundamentais e independentes, a saber, o da mente (res cogitans) e o da matéria (res extensa). Descartes reconhecia a existência de um corpo, mas duvidava da sua capacidade de captar do exterior o material de trabalho da res cogitans com refinamento, o que o instigava a pensar na veracidade das informações coletadas. Instaurava-se, consequentemente, a questão de como obter conhecimento real por meio da imparcialidade do sujeito que se diz cognoscente, portanto, a partir de uma dupla visão de si, o ser humano é agora sujeito e objeto dessa racionalidade (ELIAS, 1994).

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O controle comportamental advindo dessa visão casou ao indivíduo uma espécie de autocontrole intensivo e complexo, que se difunde com a pretensa intenção de uma uniformização profunda e abrangente. Instaura-se a necessidade de observar e pensar antes de agir como um muro invisível que separa o interior do exterior – a corporalidade individual ficará esmaecida diante da força da coletividade. Com a Revolução Industrial, a expectativa sobre o corpo está na sua capacidade produtiva de capitalização e na sua inventividade para a sistematização do trabalho. A associação do corpo como ferramenta de rendimento, faz surgir os primeiros programas de prevenção, que inevitavelmente na esperança de evitar afastamentos criam mais mecanismos de controle (RODRIGUES, 1999).

O encadeamento desses fatos todos leva a constatação da supressão da espontaneidade dos movimentos e da expressões corporais, salientando em detrimento, a importância do ver elemento de aprendizado altamente valorizado na educação médica, os quais os novos modelos que pensam a integralidade ou visão sistêmica, tentarão hoje se opor (ELIAS, 1994). A doença torna-se objetivada, ou seja, por meio de um determinismo material separa-se o doente da doença, e o mundo assim começa a obedecer à ordem biológica, sendo a pessoa não mais que um epifenômeno de um evento fisiológico (LE BRETON, 2006). A doença será despersonalizada juntamente com a história individual e será tida como uma falha anônima de uma função ou de um órgão devido a uma série de causalidades mecânicas (LE BRETON, 1992). A centralidade do corpo está nas suas dimensões e disposições funcionais, como ponto de apoio de diversos diagnósticos (SILVEIRA, 2001). O corpo transforma-se gradualmente em um desafio para a área da saúde, na medida em que, como um imperativo categórico, erige-se como uma aposta no corpo perfeito e livre de doenças. Portanto, uma utopia, pois O homem, porém, não está diante do mundo como diante de uma série de parâmetros que armazenaria. Os limites de seu universo são os fornecidos pelos sistemas simbólicos dos quais é tributário. Como a língua, o corpo é uma medida do mundo, uma rede jogada sobre a multidão de estímulos que assaltam o indivíduo ao longo de sua vida cotidiana e que só retém em suas malhas os que lhe parecem mais significativos. A cada instante, o indivíduo interpreta seu meio por intermédio de seu corpo e age sobre ele de acordo com as orientações provenientes de sua educação ou de seus hábitos. A condição humana é corporal. Há uma conceituação do corpo, da mesma maneira que há um arraigamento carnal do pensamento. Qualquer dualismo é eliminado diante dessa constatação fundamentada na experiência cotidiana da vida (LE BRETON, 2003, p. 190).

O corpo como produção de si: indicações contemporâneas O poder manipulativo do conhecimento caracteriza o corpo como fonte de informações praticamente sem fim, que nos orienta a novas técnicas ou a reinvenção de algumas delas. A interferência medicalizante pode ser percebida de forma ampla e em contextos variados, como a espacialização interna por imagens diagnósticas, a busca pela eterna juventude, a regulação do humor pela farmacologia e o controle genético, além do interesse pela sexualidade e a virtualidade. O advento dos exames de imagens trouxe a transparência que dissolvia a opacidade do corpo, retirando sua densidade, oferecendo exclusividade ainda maior ao sentido da visão, como já percebido anteriormente. A pseudo-autonomia de uma imagem isolada gera a idéia errônea de uma imagem com vida própria e com nenhum vínculo contextual. O

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sujeito da experiência é apreendido de forma passiva, sendo pensado por um conjunto de membros (ORTEGA, 2006). A busca pela juventude ou a tentativa obsessiva pelo retardo do envelhecimento, mostra o esforço na alteração dos limites cronológicos e classificatórios da idade real de cada um. Cada tecido pode envelhecer em um ritmo diferente, o que tornaria o avançar da idade um processo de vigilância permanente, na medida em que a velhice parece ser um defeito, no qual saúde é sinônimo de juventude e velhice confundida com doença que finda com a morte (GROISMAN, 2002). As marcas do tempo expressas na aparência do corpo são percebidas como um “enfeiamento” e perda de agilidade, que são mais notados pelos outros do que pelos próprios velhos (MOTTA, 2002). Na tentativa de conter esses efeitos deletérios impõem-se técnicas de como envelhecer melhor. O roteiro vai desde ginásticas da moda, check-ups freqüentes, alimentação hipocalórica, reposições hormonais, atividade sexual ativa, vida social ampla até atividades que exercitem a mente. Sem dúvida nesse campo, o melhoramento estético por meio das cirurgias estéticas ganha vulto cada vez maior. Criou-se uma forte aversão também a gordura e de certa forma ao desleixo. A instrumentalização do corpo pretende o conforto emocional pela não hesitação de um procedimento de risco – hoje quase que banalizado. O que caracteriza uma transitoriedade corporal na medida em que o corpo se torna acessório (LE BRETON, 2003). O controle do humor pela ação medicamentosa busca adaptação social ao meio, na tentativa de se eliminar os conflitos psicológicos causados pela própria sociedade - o esforço de viver pode ser aliviado pela supressão de sensações. Os antidepressivos são campeões de venda, assim como os auxiliadores para as disfunções sexuais tanto entre jovens como idosos (LE BRETON, 2003). O processo de morrer tornou-se um adversário não só durante a vida, mas até mesmo nos momentos críticos e terminais. No espaço hospitalar a medicina moderna é capaz de prolongar a vida por diversas semanas por meio de aparelhos, dando a falsa impressão de que a morte é opcional e que o uso de todo aparato tecnológico disponível é obrigatório, como se os mesmos fossem companheiros sinceros e amigáveis e que sempre dizem a verdade. A despeito da eficácia ou não dessas medidas, tudo isso parece revelar uma obstinação terapêutica, que pode em última instância trazer mais malefícios do que benefícios (SOUZA; ZAKABI, 2005). A corporalidade também tem sido discutida em termos da invenção de novas identidades no espaço da internet como novas fronteiras da produção e percepção de si. Vários estudos perscrutam as novas sociabilidades criadas questionando inclusive a dissolução do corpo nesse meio, devido à mutabilidade do efêmero, do vir a ser (LE BRETON, 2003; DOMINGUES, 2004; DORNELLES, 2005). Considerações finais Ver o corpo como um todo é um dos objetivos da formação generalista, que busca na integralidade contemplar o ser humano em suas variadas dimensões existenciais. Muitos esforços têm sido feitos na tentativa de proporcionar mudanças que sejam efetivas em longo prazo, e eles dizem respeito principalmente a inovadoras metodologias de ensino que privilegiam o aluno como centro da aprendizagem.

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O desenrolar histórico observado nesse estudo evidencia limitações na descentralização do olhar biomédico, na medida em que desvencilhar-se da própria técnica solicita compreendê-la na sua origem, sem os imediatismos intervencionistas da área da saúde, que prejudicam conhecer a história por detrás da história inscrita em corpos e em práticas. A doença tem agenciado a vida da pessoa, transitando intermitentemente em seu lugar e em sua história - alternando papéis dentro de uma indissociabilidade. A doença admite um duplo aspecto que variará do visível ao invisível: A doença escapou da estrutura móvel do visível que a torna invisível e do invisível que a faz ver para se dissipar na multiplicidade visível dos sintomas que significam, sem resíduo, seu sentido. O campo médico não conhecerá mais essas espécies mudas, dadas e retiradas; abrir-se-á sobre alguma coisa que sempre fala uma linguagem solidária em sua existência e seu sentido, do olhar que a decifra (FOUCAULT, 2004, p. 105).

O olhar clínico é um olhar que pensa revelar a extrema verdade pela decomposição e libertação de uma estrutura implícita, que além de ler o visível, tenta descobrir segredos, fazendo a doença deixar de ser fruto da abstração do doente (FOUCAULT, 2004). O encontro terapêutico baseado em práticas de contato físico por meio de palpações perde significativamente seu valor, e a espacialização do mal encontrada no exame substituiu parcialmente a narrativa do itinerário terapêutico da pessoa enferma. Os processos corporais possuem uma dinâmica que coincide com as subjetividades, estabelecem relações complexas com a cultura, e tornam, portanto, incapazes as perspectivas de respostas que sejam definitivas a seu respeito. A noção de corpo medicalizado não se sustenta diante da sociedade de informação, no qual os direitos são mais conhecidos. O reflexo dessas constatações está na insatisfação dos usuários com os serviços de saúde atuais. A formação na área da saúde frente à historicidade corporal encontra subsídios para entender as razões que a movem e propor mudanças mais consistentes, por meio de discussões conceituais que identifiquem os elementos de impregnação permanentes. O acesso a noção de corpo não significa uma aproximação mais humana do doente de forma miraculosa. Significa antes a tentativa de uma reformulação no nível do próprio saber e não no nível dos conhecimentos acumulados ou ajustados (FOUCAULT, 2004). O corpo não é um dado universal e homogêneo, mas particular a cada cultura, particular a cada pessoa. Sempre em movimento, a consciência do corpo invade o próprio corpo, pois o corpo é quem somos, existe comigo e não pode ser desdobrado diante de mim como um objeto. A mente não está em alguma parte do corpo, ela é o próprio corpo, e não existe outra forma de conhecê-lo senão vivê-lo (MERLEAU-PONTY, 1994).

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