A disciplina da vida colonial, os Regimentos da Inquisição

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RruGB a.157

n.392 jul./set. 1996

INSTITUTO IIISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO Avenida Augusto Severo,

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Glória - DIRETORTA - Rio de Janeiro (t996

Pre sidente

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CEP 2002 I -040

-Amore97\ V/chling

Ie l/ice-PresidenÍe: Newton Lins Buarque Sucupira

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Vice-Presidenre: Mário Antônio Barata

3e Vice-Presidente: Joãio Hermes Pereira de Araújo

Ie Secretbio: Clbelle Moreira de lpanema 2o Secretdrio: Gabriel Augusto de

Mello Bittencourt

Tesoureiro: Victorino Chermont de Miranda

Orador: Marcos AlÍnir MadeiÍa CONSELHO FISCAL Membros efetivos: Jonas de Morais ConeiaNeto, MirceaBuescu, Oliver Onody Membros strylentes; Augusto Carlos da Silva Telles, Joaquim Victorino Portella Ferreira Alves, Elysio Custódio Gonçalves de Oliveira Belchior COMISSÕES PERMANENTES Ad,nissão de sdcl'os: Monseúor Guilherme Schuberq Cláudio MoreiraBento, Carlos Wehrs, Francisco Luiz Teixeira Vinhosa

Arqucologia e Flnografa: Lê,da Boechat Rodrigues, Affonso Celso Villela de Carvalho, Aristides Pinto Coelhq Paulo José Pardal, Maria da Conceição de Moraes Coutiúo Beltrão

Cuúq José Gomes Bezena CârnarC Alberto Venancio Filho, Victorino Coutiúo Chermont de Miranda, Geraldo Eulálio Nascimento e Silva

Estatuto: Rui Vieira da

Geogrúta: Max Justo Guedeq Isa Adonias, Waldir da Cunha, Lucinda Coutiúo de Mello Coelho, Sydney Martins Gomes dos Santos Gomes Mathias, Ioão Hermes Pereira de Araújo, Gúriel Augusto de Mello Bittencouú Maria Cccília Ribas Cameirq Eduardo Silva

Histüia: Herculano Púrimônio: Lygia

da Fonseca Fernandes da Cunh4 Antônio Pimentel Winz, José Pedro Pinüo Esposel, Frieda Wolfl Joaquim Vicüorino Portella Ferreira Alves

COMISSÃO DAREVISTA Carlos Wehrs

-

Ester Caldas Bertoletti

CEPHAS (Comissão de Estudos e Pèsquisas Historicas) Falci

-

Homero Senna Secretária: Miridan Britto Knox

REVISTA DO

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GEOGRAFICO BRASILEIRO Hocfrcit, ut longos àrent berc gesta per armos. Et possint serâ postqitateÍrui.

RIHGB, RiodeJaneiro, a. 157, n. 392, p.495-1020, jul./set. 1996.

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REDAçÃO: AvenidaAugusúo Severo, S CEP:20021-040

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Rio de Janeiro, RJ

Fax(021) 252-4430

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Brasil

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Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

Tiragem: 1.000 exemplares Impresso no

Brasil

Printed in Bruil

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

l, N. 14 $an.ldez.1839) -RioAno de Janeiro, Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, 1839.

v.23cm. Trimestral

Título varia ligeiramente. Números de 1-4 formando um volume.

rssN 01014366

l. História Brasileiro.

-

Periódicos. I. Instituto Histórico e Geográfico

Ficha catalográfica preparada pela Bibliotecária Célia da Costa

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-DocuMENTos Os Regimentos da Inquisição

a)Apresentação

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Prof, Amo Wehling

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ó)Introdução

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A disciplina da vida colonial: Os Regime'ntos da Inquisição Prof SôniaAprecidade Srqueira c) Regimento da Santa Inquisição

573

-1552

d) Regimento do Santo Oficio da Inquisigão dos Reinos de Portugal r@opilado por mandado do ilustríssimo e reverendíssimo seúor Dom Pedro de Castilho, Bispo Inquisidor-Geral e Vice-Rei dos Reinos de Portugal

- 1613

615

e) Regimento do Santo Oficio da Inquisição dos Reinos de Portugal, ordenado por mandado do ilustíssimo e reverendíssimo seúor Bispo dom Francisco de Castro, Inquisidor-Geral do Conselho de Estado de Sua Majestade 693

- 1640

.f) Regimento do Santo Oficio da Inquisição dos Reinos de Portugal, ordenado com o real beneplácito e régio auxílio pelo erninentíssimo e reverendíssimo s"nhor cardeaÍda Cuúa.dos Conselhos de Bstado e do Gabinete de Sua Majestade, e Inquisidor-Geral nestes

Reinoseemtodososseusdomínios E85 -1774g) Regimento do Santo Oficio encomendado ao Inquisidor-Geral, D. Frei Ignácio de São Caetano, do Conselho da Raiú4 seu confessor e ministro assistente no despacho 973 h)

Índices

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-DOCI]MENTOS

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REGTMENTOS DA TNQUSTÇÃO

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a) Apresentação A

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro publica neste

número um importante manancial de documentos sobre a sociedade, o poder, as mentalidades e a cultura jurídica do mundo luso-brasileiro entre os Séculos

XVI e XIX. Trata-se dos Regimentos da Inquisição que vigoraram no Brasil colonial. Foram eles os de 1552,1613, 1640,1774 e o projeto redigido sob D. Maria I. Todos foram encomendados pelo Inquisidor-Geral ajuristas do absolutismo; o

último, que não chegou avigorar, foi elaborado porninguém menos que Pascoal José de Mello Freire, o grande jurista identificado com a attrnllização do direito português às correntes doutrinárias da llusfação. a Prof. Dra. Sônia Aparecida Siqueira" sócia-correspondente do IHGB, em São Paulo, e responsável pela presente edigão, localizou a Inquisição e seus sucessivos regimentos nos diferentes momentos históricos, subliúando, inclusive, a progressiva expansão de poder real sobre a instituigão, culminando no regalismo setecentista.

Em importante estudo preliminar,

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Especialista no tema, autora de duas teses sobre a Inquisição, realizadas no decorrer de sua ca:reira docente na Universidade de São Paulo, a Dra. Sônia Aparecida Siqueira é, certamente, a pessoa indicada para colocar em mãos dos pesquisadores da história social, política, das mentalidades e da história do Direito esse precioso instrumento de pesquisa. Ressalte-se, ainda" que, com esta publicação, a Revista do Instituto HistG rico e Geográfico Brasileiro, sob a direção do Sócio Titular Carlos Wehrs,

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cumpre ainda uma vez a obrigação estatutrâria afirmada por nossa Casa desde 1838: a de coligir, preservar e divulgar documentos relativos aos estudos brasileiros. Desta form4 credencia-se a continuar sendo referência indispensável a todas as investigações que tomem o Brasil como tema.

Arno Wehling

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Presidente

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b) Introdução

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A DISCPLINA DA VIDA COLONIAL: os REGTMENTOS DA INQUTSTÇÃOr

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Sônia Aparecida de Siqueira*

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A ação do Santo Oficio no Brasil prende-se à tônica que dominou a vida colonial: a integração da terra ao Império dos Avis, através da implantação nela da cultura portuguesa. Cultura que se transmudou ao longo dos Séculos XVIXVII e do Século XVIII: do Barroco à Ilusüação. Na criação de uma réplica do mundo português, aquém-mar, impôs-se o

Direito, que se converteu, >. No Brasil, vigiram tríplices leis: leis régias, leis eclesiásticas e leis inquisitoriais, que, muitas vezes, se misturaram para atender às exigências de dois planos: o da defesa da ortodoxia da lgreja, e o da defesa da unidade das consciências, do Trono. Interesses e objetivos de ambas as instituições se imbricavam no concreto da vida cotidiana. Reforma Católica e Absolutismo, aliados. Duas realidades metropolitanas projetavam-se sobre o mundo colonial, atenuadas, diversificadas pela distância e pela mentalidade que se ia definindo no mundo novo que se criava. Não obstante a impregnação religiosa da sociedade da colônia, esta, pelos

componentes de sua população, pelas estruturas modernizadas que erigiq acabou desafiando a religião idealizada por Trento, e flexibilizando a autoridade do rei.

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A nova sociedade constituída, burguesa, escravagista, multirracial, era impermeável as radicalizações, pelas tendências inovadas dos membros que a I

Além dos regimentos usados pelo Santò Oficio Português, incluiu-se o Projeto

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Regimento elaborado no Reinado de d. Maria I. Professora Titular da Universidade de São Paulo e da Universidade do Rio de Janeiro (LJNI-Rio).

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Sócia-Conespondente do IHGB.

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I ) Sônía Aparecida de Siqueira

compunhÍÌm, pelos objetivos que perseguiam, pelos imperativos da vida que passavam a levar.

A burguesia foi, no Brasil, a elite desde os primeiros tempos. Era ela que abastecera numericamente as funções de direção espiritual e temporal. A fidalguia metropolitana esvaziada desde Alcácer Quibir não imigrava. Durante dois séculos, promoveu, tibiamente, o transplante do Barroco dominante, do Absolutismo, da reação religiosa. Nesse quadro, afrouxavam-se as leis, não no seu conteúdo mas, sim, na sua aplicagão. Mantinham-se vivas as leis inquisitoriais, porque sustentadas pelo temor residual à heresi4 que viera com os colonos e a implacabilidade do Santo Ofïcio que intermitentemente aqui se fazia presente. Mas, mesmo este exercia a vigilância que o ambiente, o momento e as conveniências permitiram.

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Já no Século

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consolidado o povoamento de algumas áreas, viabili.

zou-se plenamente o fansplante do clima barroco. No Brasil, aumentou a intransigência. Cresceram os quadros do Santo Ofïcio, multiplicaram-se as investigações e os processos. Para definir-se presença do Santo Ofïcio na Colônia, é de mister que se conheça a legislação, a fim de avaliar-se seu impacto na vida dos homens. Essa necessidade se impõe na medida em que há um vazio entre Do Regimento de 1552 >24 D. Sebastião tê-lo-ia aprovado como Tribunal régio Insiste na

sujeição do Tribunal ao Rei r.32

Reformava-se

o Regimento, pois já não correspondia à realidade. O

funcionamento da instituição, com o correr do tempo, frutificava experiências

que tendiam a se cristalizar incorporando-se na legislação. Outras vezes, durante a vida do Tribunal sucedeu o mesmo. Em 1640, outro Regimento foi publicado:33 devia absorver as alterações da instituição naqueles anos de semidependência do confole real. A necessidade da atualização das leis que regiam o Santo Oficio ficou expressa na Provisão com a qual D. Francisco de Castro inicia o volume do novo código: 'Visitando pessoalmente

as

Inquisições do Reino, vimos que o Regimen-

to por que até aqui se governavam, ordenado no ano dc 1613... sendo muito acomodado ao que então conviú4 depois com a variedade do tempo e casos de novo sucedidos, teve grande alteração pelas visitas, provisões e instruções que novamente se ordenaram.'

Em

177434, nova revisão

do Regimento traduzia as modificações da

mentalidade do país, quando nele se insinuaram idéias da llustração, ânsia de renovação do espírito e da vida no plano da religiosidade a florescer em reformas. Reformavam-se as instituições que ainda não se queri4 ou não se podia suprimir. O Despotismo Ilustrado voltou-se também pag o Santo Oficio, rejeitou as radicalizações dos que reclamavÍÌm sua extinção" e encomendou novas leis ao Cardeal da Cunha. A obsessão antijesuítica aflora no Preâmbulo: 'Parecendo-nos imposslvel que os Regimentos e Disposições fundamentais, que tinham dado as normas para o governo do Santo Oflcio se conseryassem na sua primitiva purez4 sem que deixassem de conta-

32

Regimento de 1613.

33

Publicado em 22-10-1640: Regimento de D. Francisco de Casfo.Impresso pela Inquisição por Pedro Craesbeçk. Publicado também por Furtado de Mendonça rn Narrativa da perseguição de Hipólito José Furtado de Mendonça. Londres. l8l l, vol. II. Regimento ordenado pelo Cardeal da Cunh4 conftrmado em l-9-1774 por D. José I em Alvará com força de lei. Impresso no mesmo ano na Oficina de Miguel Menescal da Cost4 Impressor do Santo Oficio. Também publicado por Furtado dc Mcndonç4 op. cit.l,p.l54. D. Luis da Cunha, por exemplo, no seu Testamento Político (Lisboa,l943 p. 82), sugeria que se dessem aos judeus, mesmo depois de batizados, a liberdade de viver a lei judaicaLuis Antonio Vemey, em caÍta de 25-10-1765'ao Minisfo plenipotencituio ern Rom4 Francisco de Almeida e Mendonça referia-se ao Santo Oflcio: ApudMoncad4 L. Cabral: Um iluminista português do Século XVIII: Luis Antonio Verney. Coimbra" l94l,p. 157.

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Sônia Aparecida de

Siqrcira

minar-se pelo decurso do tempo com os malignos influxos da sobredita Soçiedade. Entamos na mais assídua exata e escrupulosa indagação, se

nos ditos Regimentos e Disposições tiúa também entrado o veneÍro jesuítico. E feitas as precisas combinações, mosfou a experiência que não foi infrutuoso o nosso €xame'. Os jesuítas teriam transformado o

Tribunal em eclesiástico. Há uma preocupaem exacerbar a autoridade do rei. ção A época da ï/iradeira, com seu antipombalismo sistemático, pretendeu substitulr o Regimento de Pombal.36 O novo código, porém, perÍnaneceu em projeto, manuscrito. Com o novo clima de idéias, anemizava-se a Inquisição, que não mais se identificava com as preocupações do tempo. Os Regimentos, na medida em que se sucediam, ampliavam-se, ao longo XVI e XVIL sofrendo um sensível encolhimento no século XVm. No entanto, subsistiam, paralelos, os Estilos, e, com eles, uma longa série de consultas aos órgãos superiores da Inquisição, feitas pelos aplicadores das leis do Tribunal, principalmente dos que estavam nas regiões do chamado ultramar. dos Séculos

As alterações regimentais ficaram vicissitudes da instituição.

a indicarmudanças de mentalidade e as

o de 1552, o de 1613 e o de 1640 O confronto dos três Regimentos evidencia as modificações do Santo Oficio fanscorridas nesses 88 anos.

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Diferem os códigos. O segundo tem maior amplitude, maior quantidade de detalhes, revela a ânsia de preservação da autonomia do Santo Oficio, sua burocratização, seu fortalecimento. O terceiro é ainda maior e mais detalhista, expressando a plenitude do Barroco. O Regimento do Cardeal Infante contiúa 141 capítulos, o de D . Pedro de Castilho, 234 agrupados em l7 títulos, revelando maior disciplina na legislação. Após a sua publicação, foram-lhe acrescentadas 25 Adi@es e Declarações.3? O Regimento de 1640 tiúa 3 Liwos: o le com 22titulos, o 2e com 23, e o3e com 27.No de 1774,hâtambém 3 Livros: o le com 9 títulos, o 2e com l5 e o

3eeom23.

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Regimento do Santo OfIçio encomendado ao Inquisidor-Geral, Frei Inácio de S. Caetano, do Conselho da Rainh4 seu confçssor e Minisüo Assistente do Despacho. Ms da Biblioteca Nacional de Lisboa @eservados).FG ne 1537, fóI. 2001. O manuscrito original pertence à Biblioteca da Universidade de Coimbra. Embora não contenha dat4 supomos que tenha sido elaborado antes de 1788, ano em que morreu o Arcebispo de Tessalônic4 Inquisidor-Geral, a pedido de quem foi elaborado o Regimento. Certamente não o foi depois de 1798, quando faleccu Pascoal José de Melo. Andrada e Silv4 op. cit. p.62.

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A disciplina davida colonial

De fato, no segundo Regimento é muito mais nítida a preocupação com a ordem e as prescrições dos procedimentos. Ê,nfase à formalística" indício de progressão do banoquismo em emersão. No terceiro Regimento, essas carac-

terísticas já desabrocharam com plenitude.

Os Regimentos de 1613 e de 1640 eram muito mais minuciosos que o primeiro. Preceituavam, nos mínimos detalhes, as agões dos ministros e oficiais. Assim, o comportaÍnento durante as visitas do Santo Oficio aos diversos lugares do Reino. Especificava-se, porÍnenorizadamente, o modo de proceder e a ordem a ser observada em relagão aos culpados nos crimes de heresia e apostasia. Controlava-se a agão do Visitador, apontando-se-lhe o que podia e o que não podia decidir: 'Os Inquisidores em visita só despacharão os casos leves quc não chegarem a mais que leve suspeita e sendo em parte tão rcmota que não possam consultar os Inqúsidores, sendo tais, que não requeiram prisão, nem pena coÍporal, ainda que se provem plenariamente e tudo o mais se remeteú aos Inquisidores e não prendeÉ culpado algum, salvo quando houver temor de fuga',

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diz o Regimento de 1613.38 Já o de 1640 estreita mais a liberdade de ação do Visitador que (enquanto durar a visita nos iní avisando do que nela suceder e tudo o mais que lhe parecen>.3e Essa preocupação de disciplinar-se cada vez mais a ação dos Inquisidores e seus ofrciais merece reflexão. Sem dúvid4 revela um crescimento contínuo do Tribunal em complexidade e em quadros funcio. nais. Todavia, essa multiplicação de preceitos traduzia uma vontade de jurisdicidade estrita conta o arbÍhio dos júgadores e o desenvolvimento de mecanismos de contole que, em última anrílise, beneficiava a autoridade régia que promulgava essa legislação disciplinadora.

A preocupação com o rigor da hierarquia fansparece com maior nitidez. Embora ambas as legislagões determinassem que as Visitas fossem feitas quando houvesse necessidade, a primeira estipulava que os Inquisidores se apresentassem ao Inquisidor-Geral para pedir-lhe autorização.4o A segunda e a

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Tít. II, cap.6. O Tít. I do Liv. II, $ 3e veta o despacho de processos de >, pudessem semear heterodoxias e difundir livros hereticos. Indagaria da presença de clérigos ou

frades descoúecidos que viessem residir na terra. Estes deviam logo se apresentar à Mesa do Santo Ofïcio, se a cidade fosse sede de Tribunal, ou ao Ordiniário, caso não. Do mesmo modo, informava-se das pessoas que no Reino viessem residir, anotando seus nomes, motivos e residências futuras. De todas essas perguntas e das respostas recebidas, ficava lavrado pelo Escrivão auto, que era remetido aos Inquisidores. Os procedimentos seguintes eram de sua alçada. Visariam evitar a propagação da heresia. Dessas visitas e dos perigos que podiam acanetar para ingleses, holandeses, alemães, huguenotes ou mercadores judeus, resultava um temor, ou pelos menos uma reserva, desses estrangeiros em relação aos portos portugueses. Não é improvável que esses agentes do Santo Oficio teúam, afinal, contribuído

para a intensificação do comércio ilegal nas colônias e da pressão no sentido de um triâÍico direto, eliminando-se a mediação metropolitana.

10. QualiJìcadores

Com o encargo especial da revisão de livros e censura de proposições, estavam os Qualificadores diretamente ligados à Mesa do Conselho Geral, conforme o determinava o Regimento. A origem dos Qualificadores é o Concílio Romano, celebrado no tempo do papa Gekâsio I, em 494, quando um decreto declarou que havia livros que seriam recebidos pela Igreja e livros que seriam recusados.los Qualificá-los passou a ser tarefa de teólogos, recrutados entre os mais sábios e esclarecidos guardiães da ortodoxia. Para evidenciar a heresia contida nas proposições que chegavam à ciência do Santo Ofício, 105 Monteiro, Frei Pedro: Origens dos revedores loc. cit. T IV, p.

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de livros e qualifìcadores do Santo

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recoÍïeu o Tribunal a homens solidamente dotados dos princípios douhinais, que qualificavam pensamentos, fatos e escritos. Condições essenciais para desempeúo de tais atibuições, além das comumente pedidas a todos os oficiais da Inquisição, que fossem pessoas eclesiásticas, de letras e virtudes coúecidas. Membros, portanto, de determinado grupo da sociedade, egressos daUniversidade, cheios de qualidades intelectuais e morais. Tudo para abonar o segredo que deviam guardar sobre as coisas que lhes fossem cometidas e para garantir que fariam de suas pessoÍrs exemplos vivos a serem seguidos e imitados. O primeiro a ocupar tal posto em Portugal foi o pe. Frei Gaspar dos Reis, frade dominicano, licenciado em Artes e Teologia, e doutor nesta matéria pela Universidade de Paris; mestre da Província deìua Ordem em Portugal, teólogo de D. João III em Trentol06, Inquisidor em Évora, Deputado do Conselho em Lisboa" Bispotitularde Trípoli, coadjutor e sufragâneo do Cardeal Infante D. Henrique. Paulo IV Ë-lo Revedor em t7-1 l-1555.107 Buscavam os Qualificadores policiar a integridade da ortodoxia em todas as exteriorizações do pensamento na literatura e na arte, deviam além de censurar e qualificar as proposições, rever livros, fratados e papéis que se houvesse de imprimir ou viessem de fora impressos. Rever, outrossim, as imagens e pinturas de Cristo, de Nossa Seúora e dos santos. Só agiam, no entanto, com ordem expressa do Conselho ou da Mesa. Seus pareceres deviam se ater ao examinado, sem conterem opiniões pessoais sobre as obras e seus autores. Os Qualificadores, muitas vezes, devem ter falhado nos seus julgamentos. Eram homens susceptíveis de fraquezas. Tinham limitações no seu entendimen-

to, irremovidas pela ciência acumulada. Situações houve em que os conhecimentos próprios do tempo foram insuficientes paÍa romper.as trevas do fanüásticò, d-o extranatural. O caso do padre Antôniõ da Fonsõcarot ftcou como exemplo bem característico. Em 14 de fevereiro de 1699 foi lido na Mesa da Inquisição de Coimbra libelo de culpas do réu que há cinco anos preocupava o Tribunal, levando-o à consulta dos melhores e mais reputados teólogos e 106 Casfo, pe. José de: Portugal no Concílio de Trento. Lisboa, 1944, vol. ll passím. 107 Monteiro, frei Pedro: Católogo dos revedores de livros.loc. cit., p. 7. Sobre a importáìncia da colaboração prestada por frei Gaspar dos Reis, V. , publicadapor Antonio Baião inArquivo Histórico Portuguás, T IV, p. 236. 108 Natural de AmaÍante, morador na vila de Micões, bispado de Coimbra. Teólogo confessor e pregador, de 40 anos mais ou menos. Remedios, Mendes dos:. Um processo sensacional da Inquisiçao de Coimbra.lz Biblos. Coimbra" 1925. vol. I, fasc. II.

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Rìo de

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Sônia Áparecida de Siqueira

doutores da nação. Denunciado ao Juízo Eclesiástico, mandado para o cárcere da custódia de Santa Cruz, em maio de 1695, espontaneamente comparecera ao Santo Ofïcio. Seu caso: possuía força superior, oculta. Praticava atos de taumaturgo, de feiticeiro, servindo-se de Arcangela do Sacramento como seu instrumento. Fortalecia suas próprias forças, beijando a moça quando soavÍìm as Ave-Marias, três vezes em honra da SS. Trindade e sete em honra dos dons do Espírito Santo. Sem malícia neúuma, declarava, pois beijá-la ou beijar a terra era a mesma coisa. Conveúamos que diante da alternativa escolhera judiciosamente. Recolhendo flores do altar em que se celebrava miss4 reduzipó de Nossa Seúora com que curava aflitos e amargurados. ra-as a pó aos Inquisidores sereno, como que convicto de sua justiça e Apresentara-se Felipe de Néri e escudava-se em a S. razlo. Modestamente, comparava-se passagens das Sagradas Escrituras e de Santo Tomás. Cinco anos levou o Santo Ofïcio em dúvidas e consultas. Finalmente, manifestaram-se os Qualificadores, padres mestres Domingos Leitão, prepósito da Casa Professa de S. Roque, padre mestre Sebastião de Magalhães, confessor de Sua Majestade, ambos lentes de Prima de Teologia ejesuítas. Subscreveram seu parecer o padre mestre Ayres de Almeida, também jesuíta, padre mestre Francisco de Santa Mariq

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-

reitor do mosteiro de Santo Eloy, de Lisboa" padre mestre frei Julião de Ascensão, lente de Prima e Teologia do Colégio dos Marianos de Coimbr4 padre mestre frei Manoel Leit2Ío, provincial da Ordem dos Pregadores, padre mestre Joseph de Murcia" lente de Prima e Teologia do Colégio da Compaúia de Jesus, padre mestre Domingos Nunes, do Colégio de Santo Antão, frei Domingos Barata, do Colégio da SS. Trindade de Coimbra e o dr. João Duarte Ribeiro, da Universidade de Coimbra e Inquisidor da mesma cidade. Rigorosamente escolhidos os Qualificadores enfre os homens de mais sólida posição no campo da inteligência e do espírito. Trabalharam arduamente, examinando mais de cem proposigões. Desnorteava-os as afirmações do réu de que tudo fazia obedecendo a uma vontade superior, divina, manifestada nas revelações, nos êxtases, nos de Arcangela pelos anjos. Dividiram-se os Qualificadores: uns entenderam que se devia distinguir entre a multidão das culpas as que pertenciam as ações exfraordiniárias, à ordem comum danaínezae que se não podiam fazer sem o poder divino ou com cooperação diabólica. Neste caso, teria havido o pacto çom o diabo, expresso ou tácito. Como teria sido o pacto feito pelo padre Fonseca? Pergunta a que não encontravam solução. Declararam: > de ligações suspeitas. Algum parente penitenciado ou incurso em infâmia ou pena vil, inutilizaria todas as pretensões. Seleção de reputações para além dos arquivos do próprio Tribunal. E, afinal, coúecida a ascendência, indagava-se sobre o próprio habilitando, sua vida e seus costumes, sua discrição e prudência para julgar, sua capacidade de ler e escrever, a fim de que pudesse se inteirar das ordens que se lhe dessem através de cartas ou de, evenfualmente, em caso de inexistirem Comissários na localidade, exercer essa função em alguma diligência. Mas também era de mister indagar-se à sua pessoa e estado>> se era ou

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