A Disfuncionalidade do Sistema PROCON

Share Embed


Descrição do Produto

Dado advindo da experiência prática – não há dados sistematizados em relação a isto, tendo em vista a não filiação da maior parte dos PROCONs ao SINDEC – Sistema Nacional de Informações em Defesa do Consumidor.
A Disfuncionalidade do Sistema PROCON Atual.

A ex-primeira ministra da Inglaterra, Margaret Tatcher, afirmou em certo momento que "nenhuma nação jamais se tornou próspera por tributar seus cidadãos além de sua capacidade de pagar tais tributos". No Brasil contemporâneo, constatamos a existência de um autêntico Estado Fiscal ou o que Raul Haidar chama de inferno fiscal. Em suas palavras:

Os empresários vivem há muito tempo no inferno, por enfrentarem as dificuldades que aqui já citamos várias vezes: carga tributária elevada, burocracia infernal, insegurança jurídica e todas aquelas outras coisas que nos permitem definir que, se existem paraísos fiscais no mundo, todos os infernos estão aqui mesmo.

Em que pese a impropriedade de, em trabalho científico – ainda que realizado sem maiores pretensões que não o compartilhamento da experiência pessoal - utilizar-se de fala na primeira pessoa, no presente caso é indispensável, e o faço. Isto porque é necessário afirmar que sou um defensor incansável do consumidor e especialmente do Código de Defesa do Consumidor, porém a minha experiência pessoal no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), após 3 anos, me leva a acrescentar ao rol de padecimentos de uma parcela do empresariado mais uma, de natureza não tributária porém igualmente gerada pelos órgãos de fiscalização do Estado: a má aplicação do Código de Defesa do Consumidor (doravante denominado CDC) por uma parcela dos órgãos integrantes do SNDC – especificamente, grande parte dos PROCONs. Passo a explicar os porquês desta visão pessimista na atualidade e extremamente otimista para o futuro: pessimista pelo que vejo e otimista pelo duplo motivo, que é a paixão pessoal pela defesa do consumidor e a esperança permanente como meio de atuação, meio de vida, meio de sucesso e de objetivos.

A FALTA DE UMA EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO.

Falta, nestes órgãos, a cultura de proporcionar ao consumidor e aos fornecedores uma educação para o consumo – direito à educação, diga-se, que está previsto como direito tanto dos consumidores quanto dos fornecedores no próprio CDC, em seus arts. 4º, inc. IV, e art. 6º, inc. II – na atuação de tais órgãos. Esta educação para o consumo, ainda mais em uma lei que reconhecidamente "pegou" como é o caso do CDC, seria de extrema importância para o avanço do mercado de consumo, porém tal direito não é efetivado.
Isto é realmente lamentável, pois sabe-se que a ideia original do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor é que o mesmo eduque a massa de consumidores para que, futuramente, venha a não ser mais necessário. Nesse sentido, Luiz Amaral, apud MIRAGEM (2003), afirma que

"gradativamente, o exercício da atividade de informação e conscientização do consumidor pelo Estado, sobre seus direitos e garantias, fará com que a própria estrutura estatal reduza sua intervenção, sendo substituída pela atuação direta dos consumidores na defesa de seus próprios interesses."

É nesse sentido que critica-se aqueles órgãos de defesa do consumidor que não levam a cabo a sua obrigação de atuar de maneira preventiva, através da educação e da informação, bem como atuando com critérios não-punitivos, tais como a visita de orientação, ao invés da pura e simples fiscalização.

A FALTA DE UMA CULTURA DE INFORMAÇÃO.

Em muitos destes órgãos verifica-se também a falta da cultura de proporcionar uma informação adequada aos consumidores. Exemplo disto é a falta, em muitos deles, na absoluta maioria deles, do único instrumento previsto nos instrumentos de defesa do consumidor como sendo essencial à defesa do consumidor, que é o Cadastro de Reclamações Fundamentadas, previsto no art. 44 do CDC e no art. 57 de seu regulamento (Decreto Federal 2.181/1997).
Vale dizer: tal Cadastro não poderá jamais deixar de ser divulgado, ele é essencial. No entanto, na maior parte dos PROCONs, este Cadastro não é realizado.
Qual a razão para o desinteresse neste Cadastro? A razão é simples: a inserção neste Cadastro não tem o condão de gerar multas. Desta maneira, observe-se a disfuncionalidade: o que é essencial, mas não gera multas, não é realizado; e o que não é essencial, mas gera multas (fiscalização) é realizado de maneira muitas vezes até mesmo exacerbada, em face de infrações que muitas vezes será verificado, ao final, serem inexistentes, gerando custos a todos: fornecedores, órgãos administrativos e principalmente o Poder Judiciário.

A FALTA DE UMA CULTURA DE CONCILIAÇÃO.

Observações muito semelhantes às suprapostas poderiam ser realizadas em relação à falta de uma cultura de conciliação. De fato, o comparecimento a uma audiência de conciliação nos órgãos de defesa do consumidor é obrigatório para o fornecedor, quando devidamente convocado, constituindo crime de desobediência o seu não comparecimento. No entanto, parte significativa dos PROCONs, muitas vezes assoberbados de trabalho e alegando falta de servidores, não as realizam. O resultado é que a absoluta maioria das autuações e posteriores sanções pecuniárias impostas aos fornecedores são realizadas tendo em vista exclusivamente as informações dispostas na Carta de Informações Preliminares ou Reclamação e a resposta à mesma, sem que se chegue a um consenso acerca de como os fatos realmente ocorreram.
A solução para tais problemas seria razoavelmente simples, sendo perfeitamente cabível que tais conciliações fossem realizadas por estagiários, devidamente assistidos por um servidor técnico responsável quando o seu desenrolar se tornasse mais complexo do que a capacidade do estagiário de resolvê-las.

A CONDENAÇÃO MIDIÁTICA PRÉVIA.

Em grande parte dos órgãos de defesa do consumidor, particularmente aqueles dirigidos por pessoas mais afetas à mídia televisiva e impressa, a atuação na mídia é francamente deletéria à defesa do consumidor, levando à difusão de informações francamente incorretas; à divulgação em caráter privilegiado à imprensa das operações de fiscalizações a serem efetuadas, gerando prejuízos tanto à imagem dos fornecedores quanto à própria efetividade da fiscalização.
Em minha atividade profissional, tive a oportunidade de verificar episódios como estes um número incontável de vezes, particularmente no que se refere ao vazamento privilegiado de informações, muitas vezes prejudicando sobremaneira a imagem de uma empresa que estava simplesmente sofrendo uma fiscalização de rotina na qual não se veio a verificar a existência de qualquer infração.
Considerando o caráter dos PROCONs, que são órgãos extremamente peculiares, possuindo normas de atuação próprias e mesmo perfis de dirigentes extremamente heterogêneos, seria extremamente salutar a formulação de um guia de midia training para orientar a atuação de tais dirigentes neste sentido. Fica a sugestão à Secretaria de Direito Econômico, órgão federal coordenador e orientador do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

A FALTA DE CLAREZA E DE SEGURANÇA JURÍDICA.

A Secretaria de Direito Econômico, órgão integrante do Ministério da Justiça, disponibiliza aos PROCONs estaduais e municipais o SINDEC – Sistema de Informações em Defesa do Consumidor, tendo como objetivo principal uma orientação dos PROCONs, de maneira que estes passem a atuar de maneira coerente e coordenada, ainda que não deixem de ter autonomia. Infelizmente, não há um esforço dos órgãos no sentido de integrarem-se ao SINDEC, de maneira que a atuação é descoordenada, causando prejuízos imensos ao sistema, principalmente no que diz respeito à efetividade.
Considerando-se a existência, já há dois anos, do Plano Nacional de Consumo e Cidadania, que tem como eixos: (art. 4º, inc. III do Decreto Federal 7.963/2013) o fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, espera-se que tal plano venha a ser efetivamente levado a cabo. Seria um enorme avanço aos órgãos integrantes do SNDC e uma maneira de coibir amplamente um certo discricionarismo que se verifica nestes órgãos, onde muitos dirigentes atuam de uma maneira francamente voluntarista, visando exclusivamente o fim imediato e sem refletir de maneira mais profunda nas consequências a médio e longo prazo de suas atuações.

O EXCESSO SANCIONATÓRIO.

O efeito de todos os fatores visto acima é a existência de um autêntico excesso sancionatório por parte de determinados órgãos de defesa do consumidor. O que os integrantes do sistema não notam, contudo, é que tal excesso ocorre em detrimento do consumidor, contra o consumidor, e não em favor dele. De fato, cria-se um círculo vicioso onde:

A Carta de Informações Preliminares ou Reclamação é realizada sem maior cuidado, muitas vezes sem ser seguida de uma audiência ou outra maneira de procurar resolver o problema do consumidor;
Chega-se à autuação, ainda que sem um fundamento fático mais forte, até mesmo porque as questões de fato não são dirimidas, de maneira que normalmente o auto de infração leva em conta apenas a reclamação, vale dizer, apenas a palavra do consumidor, que, no momento de natural stress, nem sempre corresponde à realidade;
A autuação leva à multa e a uma evidente animosidade na relação entre o fornecedor e o órgão de defesa do consumidor;
Uma das técnicas mais utilizada que tenho verificado, particularmente em relação a fornecedores de serviços de massa como telefonia e TV a cabo, e considerando que a falta de resposta no processo administrativo não pode gerar a revelia, é a pura e simples falta de resposta, ou a simples resposta-padrão, sem esclarecimento dos fatos;
As multas geradas pelas decisões decorrentes de autos de infração pura e simplesmente não são pagas. Não há outra constatação a ser feita senão esta: tais multas não são pagas, tendo em vista que a postura empresarial adotada é a tentativa de anulação judicial das multas após o exaurimento dos recursos administrativos, os quais, por si só, costumam demorar um tempo significativo.
Por que afirmo que tais multas vêm em detrimento do consumidor? Ora, porquê tais multas têm o efeito quase que exclusivo de gerar um encarecimento do sistema, encarecimento este gerado por todo o contencioso administrativo e judiciário existente. Desta maneira, é necessário um urgente redirecionamento das forças destes órgãos administrativos para possibilitar que tais autuações sejam realizadas com mais critério, com mais fundamento, com mais efetividade, o que, inclusive, é uma das propostas do Plano supracitado (art. 6º, inc. V do mesmo Decreto).
Exemplifico, a título de excesso sancionatório, acórdão do TJSP que veio a anular auto de infração lavrado pela Fundação PROCON-SP (disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/5/art20150506-10.pdf, noticiado na coluna Migalhas): tendo verificado a existência de defeito de fabricação em 3250 veículos, o fabricante realizou procedimento de recall. Posteriormente, foi autuado e multado pelo órgão com fundamento no art. 10 do CDC, pelo qual veda-se ao fornecedor que insira no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. Ora, a dicção da lei é clara, no § 1o, no sentido de obrigar ao procedimento do recall; o fabricante assim o fez; e foi autuado por isto! Qual é o estímulo, qual é o didatismo de uma decisão destas, senão o de esconder futuros problemas, já que, entre corrigir e não corrigir o defeito, o resultado será exatamente o mesmo - ou eventualmente pior, tendo em vista que o recall é a confissão do defeito?

A EXPERIÊNCIA PESSOAL DO AUTOR.

Conforme já delineado no início, o autor trabalhou durante os últimos 3 anos como fiscal do PROCON de Londrina, tendo, em 2 destes anos, atuado como Gerente de Fiscalização. Trata-se de uma experiência pessoal absolutamente fantástica e que me levou a desejar intensamente uma melhora do sistema, porém tal desejo é obstado por inúmeros fatores, o principal dos quais é o conservadorismo e a falta de ousadia da Administração Pública, no sentido de atuar sempre da mesma maneira, sempre com a mesma idéia: à semelhança do apresentador de programas de venda de produtos, Ciro Bottini, com o seu bordão "COMPRE, COMPRE, COMPRE!", pude verificar a existência do bordão "AUTUE, AUTUE, AUTUE!" Lavrei, nestes 3 anos, aproximadamente 700 autos de infração, tendo procurado fundamentar, com todo o carinho e cuidado, cada um deles; verifico, porém, que a efetividade é baixíssima, por inúmeros fatores, porém o principal deles é a falta de uma uniformidade a nível nacional, a qual, no órgão onde trabalho, é causada principalmente pela falta de filiação ao SINDEC, pela falta de normas processuais claras e seguras, pela falta de efetividade na cobrança de multas, entre tantos outros fatores.
Desta maneira, registro a minha tristeza pessoal: em que pese todo o esforço, tanto meu quanto dos colegas de trabalho, não há efetividade. Urge que esta efetividade surja, seja implementada, seja capaz de diminuir a litigiosidade judicial, seja capaz de punir exclusivamente o mau fornecedor, e não apenas o fornecedor (particularmente os menores) que não se defende adequadamente em sede administrativa mas que irá, após autuado, entulhar ainda mais as prateleiras do Poder Judiciário com ações anulatórias dos atos sancionatórios.
Que a Presidência da República, através de sua competente e aguerrida Secretaria de Direito Econômico, seja capaz de implementar o Plano Nacional de Consumo e Cidadania. Faço votos neste sentido e, mais que isto, ponho-me à disposição para esta luta.

Referências.
HAIDAR, Raul. Corregedoria da Receita vai corrigir inferno fiscal. Disponível em http://www.conjur.com.br/2011-ago-15/justica-tributaria-corregedoria-receita-corrigir-inferno-fiscal. Acesso em 18/03/2015.
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. A Defesa Administrativa do Consumidor no Brasil. Revista de Direito do Consumidor, Vol. 46, abril de 2003.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.