A disputa por vagas na Corte Suprema da Argentina: a dinâmica política recente (2015) Jota, Brasil

June 13, 2017 | Autor: Andres del Rio | Categoria: Argentina, Direito, Direito Constitucional, Ciencia Politica, Ciência Política, Historia Argentina
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A disputa por vagas na Corte Suprema da Argentina: a dinâmica política recente Publicado 30 de Dezembro, 2015

Foto: Elza Fiuza/ Agência Brasil

Por Andres Del Rio Roldan

Professor Adjunto de Ciência Política do Bacharelado em Políticas Públicas da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Instituto de Educação de Angra dos Reis (IEAR). É pesquisador do Instituto de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento INCTPPED

A

s duas indicações para a Corte Suprema, via Decreto, pelo presidente Mauricio Macri colocaram tribunal no centro do

debate político nacional. Mas é importante olhar a trajetória institucional na história recente para compreender um pouco mais da dinâmica contemporânea das indicações na Argentina. A redemocratização: a política e o poder judiciário. Desde o retorno à democracia em 1983, a Corte Suprema de Justiça Nacional (CSJN) sofreu impactos pelos altos e baixos políticos e econômicos de cada conjuntura. Assumindo a presidência em dezembro de 1983, Raul Alfonsín teve a oportunidade de designar todos os membros da Alta Corte. Essa oportunidade foi criada pela renúncia

coletiva de todos ministros que vinham da ditadura, deixando assim espaço para um recomeço institucional democrático. A Corte de Alfonsín foi conhecida pela pluralidade e progressismo dos seus integrantes. Não eram poucos os desafios do tribunal: tentar reestabelecer o estado de direito e restaurar os direitos humanos aniquilados no último governo autoritário. Os cinco juízes escolhidos foram: Genaro Carrió, Carlos Fayt, Augusto Belluscio, José Severo Caballero e Enrique Petracchi. Em 1989, Alfonsín, depois de várias derrotas nas tentativas de estabilizar a economia, muito enfraquecido politicamente, teve que deixar o mandato antecipadamente. O presidente Carlos Saul Menem assumiu o governo da Argentina em 8 de julho de 1989, seis meses antes do término legal do mandato de Alfonsín. Pouco tempo depois de assumir o cargo e de começar o programa de reformas estruturais de perfil neoliberal, Carlos Menem compreendeu que seu êxito se encontrava ameaçado pelas sentenças de uma Corte não alinhada às suas pretensões. Com reformas estruturais em marcha, o Poder Executivo começou a cooptar o Judiciário em geral e a Corte Suprema em particular. De um lado, reduziu a capacidade do Poder Judiciário operar como limitador do poder presidencial, principalmente no âmbito da implementação das reformas econômicas. Ao mesmo tempo, apoiou-se no Poder Judiciário para confirmar sua capacidade de emitir “decretos de necessidade e urgência” (uma espécie de equivalente funcional das medidas provisórias no Brasil). Também tentou aumentar sua influência na Corte, articulando a renúncia de alguns dos membros. Frustrado este intuito, o Executivo enviou ao Senado um projeto de lei ampliando o número de membros da Corte de cinco para nove, apoiando-se na justificativa de uma maior eficiência judicial. Desta maneira, Menem buscava, por via da ampliação da Corte, garantir o respaldo da Justiça à sua política econômica, bem como a não-intervenção da Corte nas ações do Executivo. O Senado, no qual o Partido Justicialista (PJ) tinha maioria, aprovaria a iniciativa em setembro de 1989, remetendo-a à Câmara de Deputados. Na Câmara, onde o PJ não possuía maioria absoluta, a lei foi aprovada graças ao apoio de diferentes siglas, tais como a União do Centro Democrático (UCD) e outros partidos estaduais. Em 5 de abril de 1990 foi sancionada a lei 23.774, que finalmente garantiu à Menem a ampliação do número de vagas e de seus interesses na Corte Suprema. A medida provocou o afastamento do dr. Bacqué, que em sua renúncia manifestou a impossibilidade de continuar ocupando um cargo em um tribunal que tinha uma tendência alinhada ao poder que o tinha designado. Pouco depois, o magistrado Severo Caballero também deixou o cargo. A primeira conformação da Corte desta época, conhecida como a “maioria automática”, era formada por Augusto César Belluscio, Julio Oyhanarte, Ricardo Levene (filho), Carlos Fayt, Enrique Petracchi,

Mariano Cavagna Martínez, Rodolfo Barra, Julio Nazareno y Eduardo Moliné O’Connor. A maioria dos novos ministros indicados tinham importantes ligações pessoais com o mandatário peronista. Talvez o maior o exemplo foi do presidente da Corte Suprema durante a maior parte da era menemista, Julio Nazareno era o sócio no escritório jurídico do irmão de Carlos Menem. Em menos de nove meses, a Corte Suprema passou de uma instituição sem juízes designados por Menem a uma que tinha seis fiéis membros nomeados pelo presidente. A nova Corte Suprema não foi completamente submissa, mas na grande maioria dos casos se posicionaria a favor do governo, sendo uma garantia de última instância sobre a legalidade de suas mais arbitrárias decisões. Em fevereiro de 1999, Fernando de la Rúa foi eleito presidente, com o apoio da coalizão política Aliança (Frente País Solidário – FREPASO e União Cívica Radical – UCR). Ele derrotou o candidato peronista Eduardo Duhalde com uma diferença de 10.4% dos votos. (48,5% versus 38,1%). Em dois anos, a Argentina se submergiu numa profunda crise econômica, com amplas convulsões sociais. A crise econômica de 2001 criou dúvidas sobre a instabilidade e o rumo econômico do país, mas não oferecia nenhuma ameaça em relação ao regime democrático. O presidente de la Rúa foi o único que em seu mandato de dois anos não propôs mudanças na Corte Suprema. De la Rúa ratificou a estabilidade da totalidade dos membros da Corte, emitindo claros sinais de continuidade e demonstrando que não existia maiores conflitos entre a Corte Suprema e o Executivo. Os membros da Corte mostraram uma clara disposição em responder às necessidades do Executivo, mantendo o norte econômico empreendido pelo governo de Menem. Em fins de dezembro de 2001, entre uma chuva de panelaços (e muitas outras manifestações), de la Rúa apresentou sua renúncia indeclinável. Nesta profunda crise político-institucional, pela primeira vez na história do país, a remoção dos membros da Corte Suprema de Justiça se colocaria como uns dos pontos mais importantes nas demandas e mobilizações populares. Depois de cinco presidentes em menos de duas semanas, o Congresso, de acordo com os procedimentos constitucionais, elegeu a Eduardo Duhalde como presidente interino em janeiro de 2002. Mesmo breve, a administração de Duhalde trouxe mudanças à Corte Suprema de Justiça Nacional. Nos primeiros dias de sua administração, o Congresso começou a análise de juízo político de todos os membros da Corte. Neste contexto, existiram vários documentos e propostas gerados por diferentes setores de organizações não governamentais sugerindo pautas para a reconstrução do Poder Judiciário ante a profunda crise que vivia a CSJN. A única nomeação que teve lugar no mandato de Duhalde se tratou da vaga deixada por Gustavo Bossert, justificada por “cansaço moral”. Desta maneira o presidente Duhalde, com intensas negociações entre o PJ e a UCR, nomeou o então presidente provisional do Senado, Juan Carlos Maqueda, como candidato a ministro do CSJN. Depois disso, com

os constantes conflitos sociais, políticos e econômicos, o presidente interino decidiu antecipar as eleições presidenciais para abril de 2003. Em 27 de abril de 2003, a Frente para a Vitória (Nestor Kirchner) obteria 22% dos votos, colocando-se em segundo lugar atrás de Menem, que receberia 24,3% dos votos. Deste modo, ambos deviam ir a um segundo turno, mas Menem renunciaria, tornando Nestor Kirchner presidente, o mandatário Argentino com a menor quantidade de votos ao ser eleito. Kirchner tinha dois grandes dilemas com relação à Corte. Por um lado, devia renovar os membros porque o descrédito e o reclamo popular eram enormes. Por outro lado, não deveria utilizar os mesmos meios que tinha utilizado seu antecessor peronista, Menem, porque se arriscaria a perder o objetivo final: reconstruir a credibilidade do Alto Tribunal. Deste modo, Kirchner devia designar novos ministros e remover outros. Como isso seria executado faria toda a diferença. Tentando criar um procedimento mais transparente, público e deliberativo, assinou um decreto presidencial (n.222/03), que limitava a discricionariedade no processo de designação. O processo de remoção de membros da CSJN foi executado tentando não cair na prática comum argentina de que a cada novo presidente cria-se uma nova Corte. Assim, o reclamo social de transformação da Corte foi apoiado por Nestor Kichrner. Em um discurso transmitido em cadeia nacional, em 4 de junho de 2003, o presidente pediu ao Parlamento que colocasse em marcha o instituto do impeachment contra os integrantes da conhecida “maioria automática” menemista. Em 27 de junho, com o processo de destituição em andamento no Congresso, o presidente da Corte Suprema Julio Nazareno renunciou ao seu cargo. Poucos meses depois, em 23 de outubro, o ministro Guillermo López também renunciava. Sua renúncia coincidiu com o dia em que a Câmara de Deputados ia votar a abertura de seu impeachment. O polêmico ministro Eduardo Moliné O’Connor foi destituído pelo parlamento em 4 de dezembro de 2003. Essa foi primeira remoção do máximo tribunal do país feita pela via institucional desde 1947, quando o Congresso destituiu a quatro magistrados da Corte Suprema. O ministro Adolfo Vázquez renunciou ao cargo em setembro de 2004, com o seu processo de destituição na Câmara de deputados. Em junho de 2005, Augusto Belluscio, renunciou ao alcançar os 75 anos, idade que a Constituição estabeleceu como limite obrigatório. Bellucio tinha sido designado por Alfonsín em 1983. Finalmente, o Parlamento destituiu a Antônio Boggiano, em setembro de 2005, via juízo político por mal desempenho nas suas funções. Os quatro juízes propostos ao Senado demoraram muito tempo para serem confirmados por conta das novas regras instauradas pelo Decreto, mostrando que as regras incorporadas por Kirchner em 2003 tiveram claro impacto na transformação da Corte. Kirchner também tentou dar certo prestígio à CSJN escolhendo candidatos de ampla experiência e sólida reputação. A Corte, na composição inicial, não só tem recuperado

um papel institucional de contrapeso em relação a outros poderes políticos, como também tem fixado linhas de jurisprudência muito mais liberais e garantistas que em sua composição anterior. No ano de 2006 se aprovou a lei 26.183 que reduziu a cinco o número de integrantes da CSJN, deixando sem efeito a controvertida reforma de ampliação feita por Menem. No final de 2014, a Corte já não contava com três dos seus integrantes: Petrachi e Argibay faleceram no cargo, e Zaffaroni apresentou a sua demissão por limite da idade constitucional. Com a liderança do magistrado Lorenzetti, a Corte começou a ganhar inimigos dos setores Kirchnerista e ganhar apoios de setores opositores. No final de 2015, a Corte Suprema se encontra no meio do debate político a partir da indicação por decreto de dois ministros para a Corte Suprema na presidência de Mauricio Macri. O horizonte A história política recente nos mostrou que nas últimas três décadas novas cortes foram ciclos coincidentes com novos momentos econômicos e políticos do país. Na última década, o Poder Judiciário em geral e a Corte Suprema em especial foram alvos de profundas lutas políticas. As reformas propostas pelo governo da presidenta Cristina Fernandez de Kirchner, promulgadas pelo Parlamento, criticadas pela oposição e rejeitadas parcialmente pela Corte Suprema, são uma clara mostra da dinâmica interinstitucional atual e dos desafios que ainda existem. Ao analisar rapidamente a atual composição da Corte podemos observar um horizonte próximo de novas vagas: Ricardo Luís Lorenzetti de 60 anos de idade e onze anos na Corte, Elena I. Highton de Nolasco de 73 e onze anos na Corte; e Juan Carlos Maqueda de 66 e treze anos na Corte. Com a chegada do novo presidente Macri, os papéis se inverteram: o Kirchnerismo na oposição vai reclamar do processo escolhido para designar os novos ministros da Alta Corte. E esse reclamo pode se traduzir em uma dura negociação no Senado, onde eles têm a maioria necessária para aceitar os novos candidatos. O irônico é que o respeito às instituições foi a crítica constante ao Kirchnerismo quando eles estavam no poder e é atualmente a principal crítica feita ao governo de Macri. A decisão gerou conflitos nos três poderes e atualmente está num processo de judicialização. Além disso, novos desafios estão no horizonte: a postergação da implementação do novo código processual penal; o destino da Procuradora Geral da Nación, Alejandra Gils Carbó, integrante da associação Justiça Legitima; o traspasso à Corte Suprema do controle das escutas telefônicas judiciais e a criação dentro na orbita da Corte de novas secretarias, aumentando o poder do supremo. Agora é tempo da luta política nas diferentes arenas institucionais de nossa República. O novo presidente está aproveitando a lua de mel que o novo mandato lhe outorga. Mas que pelas escolhas realizadas ela pode terminar rapidamente.

Parte 1 – A disputa por vagas na Corte Suprema da Argentina: as indicações do novo presidente Macri Parte 2 – A disputa por vagas na Corte Suprema da Argentina: quem é quem e o Kirchnerismo

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