A DISTRIBUIÇÃO LOCACIONAL DOS RESÍDUOS NA SOCIEDADE DE RISCO: INTERFACE ENTRE A INJUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL E A POLÍTICA URBANA DE CONSTRUÇÃO ESPACIAL DAS CIDADES

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Coordenadores Científicos / Scientific Coordinators Antonio Herman Benjamin José Rubens Morato Leite Comissão de Organização do 20º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental e do 10º Congresso de Direito Ambiental dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola e 10º Congresso de Estudantes de Direito Ambiental Ana Maria Nusdeo, Annelise Monteiro Steigleder, Danielle de Andrade Moreira, Eladio Lecey, Flávia França Dinnebier , Heline Sivini Ferreira, José Eduardo Ismael Lutti, José Rubens Morato Leite, Márcia Dieguez Leuzinguer, Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira, Patrícia Faga Iglecias Lemos, Patryck de Araujo Ayala, Paula Lavratti, Sílvia Cappell, Solange Teles da Silva, Tatiana Barreto Serra e Kamila Guimarães de Moraes Colaboradores Técnicos Ana Paula Rengel, Fernando Augusto Martins, Flávia França Dinnebier, Kamila Guimarães de Moraes, Marina Demaria Venâncio e Paula Galbiatti da Silveira. Criação da Capa Daniela Cristina Zatti

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C749a Congresso Brasileiro de Direito Ambiental (20. : 2015 : São Paulo, SP) Ambiente, sociedade e consumo sustentável [recurso eletrônico] / 20. Congresso Brasileiro de Direito Ambiental, 10. Congresso de Direito Ambiental dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola, 10. Congresso de Estudantes de Direito Ambiental ; org. Antonio Herman Benjamin, José Rubens Morato Leite. – São Paulo : Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2015. 2v. Conteúdo: v. 1. Conferencistas e Teses de Profissionais – v. 2. Estudantes de Graduação e de Pós-graduação. Modo de Acesso: Evento realizado em São Paulo, de 23 a 27 de maio de 2015. ISBN 978-85-63522-26-9 (v. 1) – 978-85-63522-27-6 (v. 2) – 978-85-63522-25-2 (Coleção). 1. Direito Ambiental – Congressos. I. Benjamin, Antonio Herman. II. Leite, José Rubens Morato. III. Congresso de Direito Ambiental dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola (10. : 2015 : São Paulo, SP). IV. Congresso de Estudantes de Direito Ambiental (10. 2015 : São Paulo, SP). V. Título. CDD 341.347

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30. A DISTRIBUIÇÃO LOCACIONAL DOS RESÍDUOS NA SOCIEDADE DE RISCO: INTERFACE ENTRE A INJUSTUÇA SOCIOAMBIENTAL E A POLÍTICA URBANA DE CONSTRUÇÃO ESPACIAL DAS CIDADES HELENA CARVALHO COELHO Mestranda em Direito/UFMG DANIEL GAIO Professor de Direito Urbanístico e Ambiental/UFMG FÁBIA REGINA ROCHA MARTINS Promotora de Justiça no Estado do Amapá

1. INTRODUÇÃO A (re)produção do espaço na sociedade capitalista e, em especial, na fase de globalização tem-se apresentado como ferramenta do mercado para a multiplicação de desigualdades e injustiças. A relação/controle da população com o meio ambiente é um reflexo direto dessa desigualdade. O nível de risco ambiental é inter-relacionado por meio de políticas públicas e industriais, por força do poder econômico, e como a exclusão é imposta a determinados grupos sociais, com destaque para aqueles classificados como de cor e de baixa renda, nesse contexto identificamos a injustiça ambiental1759. Para evitar tais práticas discriminatórias por parte do governo e de setores econômicos, foi criado o Movimento de Justiça Ambiental nos Estados Unidos que posteriormente, difundiu-se para outros países. Por meio de pesquisas realizadas com base no relatório “Toxic Wastes and Race”1760 foi encontrada uma coincidência entre os locais que se encontram os lixos tóxicos e residências de populações menos abastadas. O presente trabalho visa analisar, a partir do movimento de justiça ambiental, a disposição dos resíduos como questionamento da política urbana de construção espacial das cidades, relacionando, de certa forma, os movimentos urbanos e 1759 RHODES, Edwardo Lao. Environmental justice in America a new paradigm. Bloomington: Indiana University Press, 2003, p. 06. 1760 UNITED CHURCH OF CHRIST - COMMISSION FOR RACIAL JUSTICE. Toxic wastes and race in The United States. A National Report on the Racial and Socio-Economic Characteristics of Communities with Harzardous Waste Sites. 1987. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2014.

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os movimentos ambientais como consequência das injustiças reproduzidas no contexto brasileiro. 2. Da sociedade de risco e da produção dE INJUSTIÇA socioAMBIENTAL A formação das cidades e sua respectiva apresentação sofreram mudanças influenciadas pelo modo de produção em vigor em cada era. Assim, nas Eras Antiga e Medieval, os limites das cidades eram bem definidos em relação ao espaço rural — seja por aspectos geográficos do locus, seja em razão da criação de limites artificiais criados pelo homem —, de forma que os ambientes urbano e rural não se confundiam1761. A Revolução Industrial e o desenvolvimento de um novo modo de produção — o capitalista — remodelaram as fronteiras entre o urbano e o rural, impulsionando o crescimento das cidades para além das antigas fronteiras geográficas ou mesmo daquelas engendradas pela ação humana, por uma necessidade própria do desenvolvimento econômico que se propunha, “(...) a cidade deixa de ter uma forma definida e marcada, evoluindo para um conjunto de formas inter-relacionadas entre si e o seu território-suporte”1762. A busca de matérias-primas para o desempenho da produção de bens também passou a se dar em maior escala, demandando, então, uma maior procura de recursos naturais. Em relação de causa e consequência, o meio ambiente passou a sofrer maiores degradações, para satisfazer as necessidades do novo e mais complexo mercado que estava se construindo1763. A expansão industrial e comercial também repercutiu nos séculos 19 e 20, em escala mundial, em um forte movimento migratório do campo rumo às cidades, este impulsionado pelas demandas de expansão do capitalismo que se instaurara como modo de produção econômica e que reclamava pela presença de mão-de-obra no meio urbano para o desempenho de atividades operárias. O crescimento e a ocupação das cidades ocorreram de maneira desordenada: as elites dominantes, utilizando-se do poder econômico que detinham, concentraram-se nas regiões centrais, dispondo de infraestrutura e condições — ainda que diminutas frente aos atuais padrões — de habitabilidade, enquanto que às classes operárias foram relegados os espaços periféricos ou, se centrais, aqueles desprovidos de infraestrutura, serviços, e no mais das vezes inadequados para a fixação do homem. Neste cenário, pode-se observar claramente que essa apropriação e ocupação heterônoma do espaço resultaram em uma maior degradação 1761 LAMAS, José Manuel Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: F.G.C., 1993, p. 66. 1762 Ibidem, p. 66. 1763 BECK, Ulrich. Risque et societé. In: MESURE, Sylvie; SAVIDAN, Patrick (Org.). Le dictionnaire dos sciences humaines. Paris: Presses universitaires de France (PUC), 2006, p. 23.

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ambiental, em especial nas cidades, onde os que antes se encontravam no campo e passaram a formar classe operária, a quem foram relegados os subúrbios, os cortiços, as favelas, gerando uma crise habitacional na Europa do século 19, onde se observou importante fluxo migratório, o qual não encontrou estrutura de moradias dignas para atendê-las1764. Assim, o meio ambiente sofre degradações diretamente ligadas à expansão industrial e comercial, seja referente à extração famigerada de matérias primas a serem beneficiadas pela indústria, seja pela ocupação desordenada do meio urbano, em que há a apropriação e ocupação de áreas frágeis, passíveis da ocorrência de desastre, resultando a criação de áreas de risco. Para Beck1765: (...) na modernidade tardia, a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos. Consequentemente, aos problemas e conflitos distributivos da sociedade e da escassez sobrepõem-se os problemas e conflitos surgidos a partir da produção, definição e distribuição de riscos científico-tecnologicamente produzidos. 

Reconhecendo-se que os problemas de ordem ambiental são entendidos também como problemas sociais, e tendo-se em conta as desordens ambientais resultantes da sociedade industrial, formulou-se a Teoria da Sociedade de Risco, por meio da qual se tornou evidente que as atividades decorrentes dessa mesma sociedade representavam ameaças ao meio ambiente e à qualidade de vida do homem, mediante a “(...) tomada de consciência do esgotamento do modelo de produção, sendo esta marcada pelo risco permanente de desastres e catástrofes”1766. Aliás, e por óbvio, a desconsideração dos riscos e o interesse seletivo em gerenciá-los é, de antemão, não só um incremento ao risco, mas também a geração de um novo risco que desenha novas situações de perigo e que robustecem esse modelo de sociedade. A tomada de decisões, portanto, para estabelecimento de uma política pública que ignore os riscos, ou mesmo a falta de qualquer política pública para a ordenação da ocupação e uso do solo urbano cria e (re)distribui injustiças. Tem-se, de forma ilustrativa a negligência do Poder Público em adotar medidas de prevenção e de gerenciamento dos riscos. A atuação, na maioria das vezes, conforma-se em restringir-se a reparação dos danos (na maioria das vezes monetária, pela impossibilidade de reparação in loco), a questão ganha contornos mais alarmantes quando os danos provocados se mostrarem de caráter irreversível e hábeis a impactar a presente e as futuras gerações1767. 1764 ENGELS, Friedrich. A questão da habitação. São Paulo: Acadêmica, 1988, p. 38-39. 1765 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2011, p. 23. 1766 ARAGÃO, Alexandra. Direito Constitucional do Ambiente na União Européia. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 11-55, p. 151-152. 1767 DIAS, Daniela Maria dos Santos. Democracia urbana: é possível coadunar desenvolvimento

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É impossível negar a íntima relação havida entre a ocupação e uso do solo e a produção de riscos urbanos, sendo estes os problemas socioambientais mais difíceis de serem enfrentados1768. Percebe-se, então, que o processo de construção das cidades na sociedade de risco foi impulsionado pela ordem capitalista e pela sociedade industrial e relegou, como dito alhures, às classes subalternas as áreas periféricas, vulneráveis do ponto de vista ambiental e desprovidas dos equipamentos urbanos que permitam o acesso aos direitos e políticas públicas mais elementares tais como saúde, mobilidade urbana, educação, lazer, dentre outros. Verifica-se que aqueles que possuem o controle sobre os meios de produção, que detém a força do capital e são os maiores beneficiários do modo de produção capitalista são os menos atingidos pelos impactos socioambientais, em detrimento das camadas que habitam as regiões periféricas, as quais terminam por suportar com maior vigor esses impactos caracterizando, portanto, um verdadeiro apartheid ambiental1769. Evidencia-se, então, o fenômeno da injustiça ambiental, segundo o qual determinados atores sociais acumulam benefícios da exploração dos recursos naturais, enquanto que grupos desfavorecidos terminam por suportar de modo desproporcional as consequências ambientais negativas das relações socioespaciais1770. A Teoria da Injustiça Ambiental tem como marco teórico as décadas de 1970/1980 nos Estados Unidos, período em que se constatou que existiria uma coincidência entre a disposição de resíduos perigosos inerentes de lixos tóxicos e os grupos vulneráveis ambientais1771. Contudo, ganhou relevância com o protesto de afro-americanos contra um despejamento tóxico em Warren Country, na Carolina do Norte em 1982, culminando em uma campanha de desobediência civil não violenta e em mais de 500 prisões1772.

sustentável e práticas democráticas nos espaços urbanos no Brasil. Curitiba: Juruá, 2010, p. 55. 1768 JACOBI, Pedro. Impactos socioambientais urbanos – do risco à busca da sustentabilidade. In: MENDONÇA, Francisco (Org.). Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: UFPR, 2004, p. 169-184. p. 170. 1769 FARIAS, Talden; ALVARENGA, Luciano J. A (in)justiça ambiental e o ideário constitucional de transformação da realidade: o direito em face da iníqua distribuição socioespacial de riscos e danos ecológicos. In: PERALTA, Carlos E.; ALVARENGA, Luciano J.; AUGUSTIN, Sérgio. Direito e justiça ambiental: diálogos interdisciplinares sobre a crise ecológica. Caxias do Sul: Educs, 2014, p. 30-52, p. 37. 1770 ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, 1771 COLE, Luke W.; FOSTER, Sheila R. From the ground up: environmental racism and the rise of The Environmental Justice Movement. New York: NYU Press, 2000, p. 19. 1772 UNITED CHURCH OF CHRIST - COMMISSION FOR RACIAL JUSTICE. Toxic wastes and race in The United States. A National Report on the Racial and Socio-Economic Characteristics of Communities with Harzardous Waste Sites. 1987. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2014.

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Chavis1773 demonstra como ocorreu a disseminação das lutas por justiça ambiental no Mundo, com destaque àqueles maiores atingidos por danos ambientais, indo além das fronteiras dos Estados Unidos “(...) uma vez que as ameaças se multiplicam no Terceiro Mundo. Muitos dessas ameaças estão além do controle das nações mais pobres do mundo. Resíduos tóxicos, pesticidas banidos, baterias “recicladas”, sucatas são rotineiramente enviadas para as nações de Terceiro Mundo”, destacando também que muito do que tem ocorrido em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento não possui nem ao menos registro. Nesse sentido, surgiu no Brasil a Declaração de Lançamento da Rede Brasileira de Justiça Ambiental que conceituou a Teoria da Injustiça Ambiental como “(...) o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a [...] grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis”1774. Herculano1775 defende a necessidade de aplicação desta teoria ao contexto brasileiro, em razão das desigualdades inerentes a esta sociedade, pois: (...) os casos de exposição aos riscos químicos são pouco conhecidos e divulgados, à exceção do estado de São Paulo, tendendo a se tornarem problemas crônicos, sem solução. Acrescente-se também que, dado o nosso amplo leque de agudas desigualdades sociais, a exposição desigual aos riscos químicos fica aparentemente obscurecida e dissimulada pela extrema pobreza e pelas péssimas condições gerais de vida a ela associadas. Assim, ironicamente, as gigantescas injustiças sociais brasileiras encobrem e naturalizam a exposição desigual à poluição e o ônus desigual dos custos do desenvolvimento.

É com o intuito de dar uma maior visibilidade a estas ocorrências e coincidências — entre o local de disposição de resíduos e residência de pessoas menos abastadas, que faremos no tópico a seguir a análise comparativa do relatório “Toxic Wastes and Race”1776 com alguns casos brasileiros.

1773 CHAVIS, Benjamin. Prefácio. In: BULLARD, Robert (Org.). Confronting Environmental Racism: Voices from the Grassroots. Boston: South End Press, 1993, p. 03-05, p. 04. 1774 Declaração de Lançamento da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, 2001, Niterói. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2014. 1775 HERCULANO, Selene. O clamor por justiça ambiental e contra o racismo ambiental. Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente, v.3, n.1, p. 01-20, jan.-abr. 2008, p. 05. 1776 UNITED CHURCH OF CHRIST - COMMISSION FOR RACIAL JUSTICE. Toxic wastes and race in The United States. A National Report on the Racial and Socio-Economic Characteristics of Communities with Harzardous Waste Sites. 1987. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2014.

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3. A DISTRIBUIÇÃO LOCACIONAL DOS RESÍDUOS: ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS A PARTIR DO RELATÓRIO “TOXIC WASTES AND RACE” O Relatório “Toxic Wastes and Race”1777 foi um marco nos Estados Unidos por apresentar pela primeira vez mapas em que são identificadas as coincidências entre o local de depósito dos resíduos tóxicos e a moradia de populações menos abastadas e de cor, em especial, negros1778. A “Comission for Racial Justice” concluiu que a raça seria o fator determinante para a localização dos lixos perigosos em áreas urbanas, devendo, portanto, ser uma prioridade máxima a limpeza desses resíduos1779. Uma característica importante encontrada entre os relatos foi a evidência de como o setor econômico influencia na escolha dos locais e como isso evidencia uma institucionalização do racismo, desnudou-se a política do “not in my backyard - NIMB” ou não no meu quintal e sim no quintal dos pobres1780. Esse primeiro estudo realizado foi determinante para a construção e aplicação das mesmas hipóteses como paradigmas para outras pesquisas, o estudo usou como metodologia a comparação entre características de pequenas áreas geográficas com potencial para as instalações comerciais1781, já o segundo estudo tinha como propósito documentar a presença incontrolável de depósitos de lixos tóxicos em comunidades de características essencialmente étnicas (hispânicos, asiáticos, etc.) e raciais1782. “As comunidades não são, todas elas, criadas de forma igual (...) algumas comunidades são rotineiramente intoxicadas enquanto o governo finge ignorar. A legislação ambiental não tem beneficiado de maneira uniforme todos os segmentos da sociedade1783”, essas conclusões derivadas de um estudo empírico realizado levaram a produção de outros estudos que se utilizando do relatório “Toxic Wastes and Race” como paradigma, aplicavam tal metodologia para o contexto estudado. Serão aqui analisadas algumas cidades brasileiras, a inter-relação entre a ausência de políticas públicas adequadas, simbolizada pelo depósito de lixo em áreas periféricas, e o processo de urbanização desordenada das cidades. É importante deixar claro que os estudos realizados no Brasil são recentes. 1777 Ibidem. 1778 Tradução livre. It is the first national report to comprehensively document the presence of hazardous wastes in racial and ethnic communities throughout the United States (…) to examine the relationship between the treatment, storage and disposal of hazardous wastes and issue of race. Preface p. IX. 1779 UNITED CHURCH OF CHRIST - COMMISSION FOR RACIAL JUSTICE. Toxic wastes and race in The United States. A National Report on the Racial and Socio-Economic Characteristics of Communities with Harzardous Waste Sites. 1987. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2014. 1780 Ibidem. p. 07. 1781 Ibidem. p. 10. 1782 Ibidem. p. 12. 1783 BULLARD, Robert. Confronting environmental racism – voices from the grassroot. Trad. Regina Domingues. Boston: South End Press, 1996, p. 01.

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No Brasil, a territorialidade se desenvolveu no capitalismo em dois principais processos o primeiro denominado de “acumulação extensiva” caracterizado pela concentração de riqueza e poder nas mãos de poucos, em especial, do controle dos recursos naturais e o segundo “acumulação intensiva” marcado pela privatização dos recursos naturais, esses processos culminaram em uma primeira agenda ambiental governamental no Brasil – ainda incipiente1784. Antes de adentrar nos próximos estudos convém trazer a reflexão de que “(...) o risco, como emergência, é considerado pelas instâncias públicas enquanto o tipo de “risco” que a periferia proporciona às classes mais altas, e não sob os quais vivem os moradores e moradoras destas periferias”1785, há um processo de naturalização dos riscos em zonas estrategicamente localizadas e isoladas da cidade visível. Temos na primeira análise o Município de São Paulo cuja finalidade foi “examinar, na forma de indicadores, a coincidência entre áreas de degradação ambiental e locais de moradia de populações despossuídas”1786. O estudo realizado apropriou-se do Índice de Exclusão Social que é “composto a partir de sete outros sub-índices, que incorporam as seguintes variáveis: pobreza, emprego, desigualdade, alfabetização, escolaridade, presença juvenil e violência”1787. Através dos dados apresentados comprovou-se um processo de urbanização desordenado e seletivo em que o fator cor/raça também é uma determinante no processo de acesso às políticas públicas, ou seja, “(...) conclui-se, assim que existe na cidade de São Paulo uma relação direta entre áreas dotadas de alto índice de exclusão social e áreas de risco de acidentes em encostas”1788. É possível identificar por meio do Mapa de Injustiça Ambiental1789 mais alguns casos de municípios brasileiros que de acordo com os critérios já apontados demonstram a reiteração deste comportamento e a aplicação/ da teoria da injustiça ambiental na sociedade brasileira interligando com as situações de injustiças urbanísticas. Cita-se de modo exemplificativo o caso ocorrido no Estado do Espírito Santo, especificamente na Região de Paul em Vila Velha1790. Localizada em zona periférica em que o conflito funda-se na instalação de tanques próximos a residência dos 1784 ACSELRAD, Henri. Políticas Ambientais e Construção Democrática. In: VIANA, Gilney; SILVA, Marina; DINIZ, Nilo; FALEIRO, Airton (Org.). O desafio da sustentabilidade: um debate sócio-ambiental no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 75-96, p. 76-77. 1785 VICENTE, Iara. A cor do risco: O racismo ambiental como categoria de estratificação social. GT15. Disponível em: http://actacientifica.servicioit.cl/biblioteca/gt/GT15/GT15_VicenteI. pdf. Acesso em: 20 abr. 2014. p. 2. 1786 ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 47. 1787 Ibidem. p. 51. 1788 Ibidem. p. 51. 1789 FIOCRUZ; FASE. Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Disponível em: Acesso em: 30 mar. 2015. 1790 Ibidem.

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moradores, segundo o Ministério Público do Espírito Santo1791 serão construídos 3 tanques para armazenamento de óleo diesel, 2 tanques de gasolina, 1 tanque de etanol, 2 tanques de álcool anidro e um tanque de resíduos, totalizando um volume de mais de 30.000 m³, e 2 tanques de soda caustica de 5.000m³ cada. Anteriormente a instalação de combustíveis na região citada, situação parecida ocorreu no Estado do Rio de Janeiro, no Município de Duque de Caxias1792, contudo a instalação ocasionou um incêndio no início de 2013 atingindo casas e moradores. Outra situação relacionada à moradia e depósito de lixo/ resíduos tóxicos é a região da “baixada fluminense que ainda recebe lixo tóxico do Município de Cubatão/SP. A inter-relação entre os casos escolhidos encontra-se no local de depósito de lixos/resíduos tóxicos e a moradia de populações menos abastadas, da relação de interferência do poder econômico nessa lógica locacional do espaço e da imposição do poder público de ausências em determinadas regiões, a produção do perigo em zonas periféricas em prol da segurança da população mais abastada. Pelo exposto há que se observar, no sentido da análise acima, a junção existente entre as demandas das lutas por justiça ambiental e aquelas por direito à moradia, conforme destacou Acselrad1793 que “(...) as lutas dos chamados movimentos de moradia têm clara relação com a solução das questões ambientais”, assim, embora apresentem diversos vieses distintos, possuem claro lugar comum — a melhoria de (acesso aos) serviços públicos associada à eliminação das mazelas decorrentes de riscos ambientais. 4. O PAPEL DA POLÍTICA URBANA NA TERRITORIALIZAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal 12.305/10 PNRS) vem traçar diretrizes e estabelecer prazos e responsabilidades ao Poder Público e a todos aqueles potenciais geradores de resíduos sólidos, tratando-se de uma responsabilidade compartilhada1794. A PNRS vem para apresentar respostas a grandes problemas sociais gerados pelo acumulo de lixo, dos quais se destacam os lixões, por muitos anos fonte de doenças, alimento e renda para parcela considerável da população marginalizada economicamente e espacialmente. 1791 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO - CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE, DE BENS E DIREITOS DE VALOR ARTÍSTICO, ESTÉTICO, HISTÓRICO, TURÍSTICO, PAISAGÍSTICO E URBANÍSTICO. Relatório Técnico 024/2013. set. 2013, p. 01-16. 1792 FIOCRUZ; FASE. Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Disponível em: Acesso em: 30 mar. 2015. 1793 ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 68. 1794 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 22ª ed. rev. Atualizada. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 646.

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Tal política tem a preocupação de estabelecer a obrigação aos entes federativos de implementação de planos de resíduos sólidos com objetivo de gerenciar a produção e depósito dos resíduos e, de certa forma, buscar a inclusão social daquelas minorias dependentes dos “lixões”, propondo a inserção destes em cooperativas de reciclagem. Ocorre que os prazos estabelecidos na Lei já expiraram e a maioria dos municípios brasileiros não foram capaz de implementar seus planos, cerca de 40% dos resíduos do Brasil ainda possuem destinação inadequada1795, configurandose uma “(...) lei extremamente avançada frente à realidade periférica de grande parte dos brasileiros”1796. O que se busca aqui é fugir da dissociação realizada entre o direito ambiental e o direito urbanístico, de forma a propor uma interlocução dessas duas áreas para que se possa avançar eficientemente no quadro da produção, depósito seletivo de resíduos e reprodução de mazelas socioambientais. Embora a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal 6.939/81) não tenha estabelecido expressamente qualquer distinção acerca da natureza espacial de sua incidência, são mais lentos os reflexos do princípio do desenvolvimento sustentável em relação às cidades1797. A associação da noção de sustentabilidade ao debate sobre desenvolvimento das cidades tem origem na Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, notadamente em decorrência dos princípios da Agenda 211798, e em seguida com a construção da Agenda 21 brasileira, cujo processo ocorreu entre 1996 e 20021799. Do ponto de vista constitucional, o dever de proteção ambiental é compartilhado entre a União, os Estados e os Municípios (art. 225, caput, e art. 23, VI, CF/88), enquanto a execução da política de desenvolvimento urbano é atribuída ao Poder Público Municipal, com o objetivo de concretizar as funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, caput, CF/88). Ainda que os temas urbanismo e meio ambiente não estejam expressamente integrados no texto constitucional1800, é inegável que o equilíbrio 1795 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS - ABRELPE. Lançado Panorama 2013. Disponível em: . Acesso em: 01 abr. 2015. 1796 GONÇALVES, Luísa Cortat Simonetti; COELHO, Helena Carvalho. Lixo, velho problema. A Gazeta, 04 jun. 2014. 1797 MORAND-DEVILLER, Jacqueline. A cidade sustentável, sujeito de direito e de deveres. In: D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo [et. all.](Org.). Políticas públicas ambientais: estudos em homenagem ao Professor Michel Prieur. São Paulo: RT, 2009, p. 346-356, p. 351. 1798 ACSERALD, Henri. Discursos da sustentabilidade. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, nº 01, p. 79-90, mai. 1999, p. 81. 1799 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21 Brasileira. s.d. Disponível em: . Acesso em: 04 mar. 2015. 1800 REZENDE, Vera F. Política urbana ou política ambiental, da Constituição de 88 ao Estatuto

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ambiental e o usufruto equitativo das cidades dependem preponderantemente do conteúdo elaborado pelo Plano Diretor. Isso porque, tendo como objetivo realizar as funções sociais da cidade, compete ao Plano atribuir de forma objetiva as destinações para cada parcela do território municipal, ainda que esteja sujeito a sobreposições de outras normativas relacionadas à proteção do meio ambiente. Portanto, o equilíbrio ambiental urbano depende substancialmente do modelo de planejamento adotado, que pode ser objetivamente aferido em quesitos como: padrões de adensamento, níveis de poluição, proporção de áreas verdes por habitante, temperatura, ventilação, espaços destinos ao lazer e demais terrenos livres. Em suma, a incorporação da temática ambiental na política urbana vai além da delimitação espacial de áreas protegidas, mas abrange a totalidade do seu território1801. Nesta função de planejamento da cidade ganha relevo a tarefa de espacializar por meio do zoneamento os diferentes riscos ambientais, estabelecendo uma política de prevenção de danos1802, os quais tradicionalmente incidem sobre a população mais pobre1803. Ou seja, a função normativa do uso e ocupação do solo guarda uma estreita relação com os riscos urbanos1804. Embora a Constituição Federal atribua ao município o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CF/88), em se tratando de matéria ambiental — como é o caso da localização dos resíduos sólidos —, compete igualmente ao legislador estadual utilizar o instrumento do zoneamento para proteger determinado bem caso demonstrada a transcendência do interesse local1805. da Cidade. In: RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; CARDOSO, Adauto (Org.) Reforma urbana e gestão democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 139-152, p. 143. 1801 GAIO, Daniel. A interpretação do direito de propriedade em face da proteção constitucional do meio ambiente urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 42. 1802 VEYRET, Yvette; RICHEMOND, Nancy Meschinet de. Representação, gestão e expressão espacial do risco. In: VEYRET, Yvette (Org.). Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2007, p. 47-61, p. 60. 1803 Como afirma Jacobi, “(...) cotidianamente a população em geral a de mais baixa renda está sujeita a riscos de enchentes, escorregamentos de encostas, contaminação de solo e de águas pela disposição clandestina de resíduos tóxicos industriais, acidentes com cargas perigosas, vazamentos em postos de gasolina, convivência perigosa com minerações, por meio do ultralançamento de fragmentos rochosos e vibrações provenientes da detonação etc. Cf. JACOBI, Pedro. Impactos socioambientais urbanos – do risco à busca da sustentabilidade. In: MENDONÇA, Francisco (Org.). Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: UFPR, 2004, p. 169184, p. 170. 1804 JACOBI, Pedro. Impactos socioambientais urbanos – do risco à busca da sustentabilidade. In: MENDONÇA, Francisco (Org.). Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: UFPR, 2004, p. 169-184, p. 170-171. 1805 Esse entendimento encontra acolhida em julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Para mais detalhes, ver GAIO, Daniel. A efetividade do patrimônio cultural e o conflito de interesses entre os entes federativos. In: Congresso Luso-Brasileiro

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Outra possibilidade de norma supramunicipal regular a localização dos resíduos é a edição do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado nas regiões metropolitanas, conforme dispõe a Lei Federal 13.089/151806. Inclusive, essa configuração se torna ainda mais adequada em decorrência da inexistência de áreas próprias para a destinação dos resíduos em determinados municípios — ora devido ao grau de adensamento urbano ou mesmo por causa das fragilidades ambientais —, sem prejuízo da compensação ambiental por serviços ambientais prestados pelo(s) município(s) que instalam o aterro sanitário (art. 9º, IX, Lei Federal 13.089/15). Exceto nos casos em que a legislação estadual e/ou metropolitana vede expressamente, subsiste aos municípios o dever de identificar áreas favoráveis para disposição final ambientalmente adequada de rejeitos, observado o Plano Diretor Municipal (art. 19, II, Lei Federal 12.305/10). Ou seja, ainda que a referida exigência deva ser cumprida por meio do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos1807 — ou inserido no Plano de Saneamento Básico1808 — cabe ao Plano Diretor Municipal verificar as vocações urbanísticas e ambientais do seu território1809, incluindo os locais propícios para os aterros sanitários1810 e a definição de medidas para eliminar ou reduzir as situações de vulnerabilidade ambiental, como é o caso da proximidade de núcleos residenciais de lixões. Nesse sentido, a ordenação e controle do uso do solo devem evitar: a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; a exposição da população a riscos de desastres (art. 2º, VI, “b” e “g”, Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade)1811. Não é o que vem ocorrendo nas cidades brasileiras, conforme demonstrando no item anterior deste trabalho, e que também se confirma na extensa pesquisa sobre a efetividade do Plano Diretor, publicada em 20111812. Neste levantamento de Direito do Patrimônio Cultural. Ouro Preto: DEDIR/UFOP, 2011, p. 463-476. Igualmente na Colômbia se concretizou a aplicação da normativa hierárquica superior de matriz ambiental. Cf. MALDONADO COPELLO, María Mercedes. El proceso de construcción del sistema urbanístico colombiano: entre reforma urbana y ordenamento territorial. In: ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (Org.). Direito urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 25-58, p. 43. 1806 Ver em especial o art. 10, § 3º, e o art. 12, §1º, II e III. 1807 Cf. o art. 19, caput, Lei Federal 12.305/10. 1808 Cf. o art. 19, § 1º, Lei Federal 12.305/10. 1809 De acordo com Correia: “(...) é certo que, em alguns casos, o plano consagra para os terrenos um modo de utilização que está intimamente ligado à sua especial situação factual. Mas esta não é a regra. Em geral, os destinos ou modos de utilização dos terrenos são acidentais em relação à sua qualidade e situação concreta e resultam de opções conscientes do plano” (grifos do autor). Cf. CORREIA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina, 1997, p. 330. 1810 Essa definição territorial vincula o licenciamento ambiental de aterros sanitários, conforme prevê o art. 4º, V, Resolução 404/08 – CONAMA. 1811 Ressalta-se que essa diretriz/princípio tem natureza vinculante. Cf. MEDAUAR, Odete. A força vinculante das diretrizes da política urbana. Temas de Direito Urbanístico 4. São Paulo, 2005, p. 15-23. 1812 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves; MONTANDON, Daniel Todtmann (Org.). Os planos

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concluiu-se que não há vinculação de estratégias de ordenamento territorial fundamentadas em princípios de sustentabilidade ambiental; o macrozoneamento restringe-se, na maior parte do caso, à definição de unidades de conservação de proteção integral; são negligenciados os conflitos de uso e ocupação do solo; e a figura da bacia hidrográfica é raramente evocada como unidade de planejamento e gestão do uso do solo e de recursos hídricos em áreas de mananciais1813. Como afirma Rezende1814, “(...) as normas para o uso e a ocupação do solo correm em geral de forma paralela às normas sobre o meio ambiente, constituindo políticas diversas”. Essa ausência de integração1815 produz efeitos concretos negativos, sobretudo para a dimensão social da sustentabilidade, pois além de corroborar para a consolidação de situações de vulnerabilidade ambiental já existentes, não estabelece limites para a ocorrência de situações futuras. Além do descumprimento do Estatuto da Cidade e da Lei Federal 12.305/10, a omissão do Plano Diretor Municipal em regular a localização dos resíduos sólidos pode igualmente ferir o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) — incorporado ao ordenamento pátrio pelo Decreto Federal 591/92 —, que reconhece o direito à moradia adequada e impõem a sua efetivação de modo progressivo, inclusive vinculando todas as unidades federativas (art. 11, item 1, c/c o art. 2º, item 1, c/c o art. 28). 5. CONCLUSÕES ARTICULADAS 5.1 O desigual processo de urbanização acelerado e desordenado tem impactado negativamente os processos ecológicos que nele se desenvolvem, relegando aos pobres espaços ambientais vulneráveis e desprovidos de condições básicas de habitabilidade; 5.2 O Movimento por Justiça Ambiental surgiu nos Estados Unidos nas décadas de 1970/1980, período em que se constatou que existiria uma coincidência diretores municipais pós-estatuto da cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles: IPPUR/UFRJ, 2011. 1813 COSTA, Heloisa Soares de Moura; CAMPANTE, Ana Lúcia Goyatá; ARAÚJO, Rogério Palhares Zschaber de. A dimensão ambiental nos planos diretores de municípios brasileiros: um olhar panorâmico sobre a experiência recente. In: SANTOS JUNIOR, Orlando Alves; MONTANDON, Daniel Todtmann (Org.). Os planos diretores municipais pós-estatuto da cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles: IPPUR/UFRJ, 2011, p. 173-217, p. 176, 179 e 181. 1814 REZENDE, Vera F. Política urbana ou política ambiental, da Constituição de 88 ao Estatuto da Cidade. In: RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; CARDOSO, Adauto (Org.) Reforma urbana e gestão democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 139-152, p. 146. 1815 Villaça relata que embora ações do governo federal nas décadas de 1970 e 1980 tenham afetado substancialmente o espaço urbano das grandes e médias cidades, tais medidas não se inseriram no planejamento urbano. Cf. VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In: DEÁK, Csaba e SCHIFFER, Sueli Ramos (Org.). O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1999, p. 169-243, p. 172.

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entre a disposição de resíduos perigosos inerentes de lixos tóxicos e os grupos vulneráveis ambientais; 5.3 O Relatório “Toxic Wastes and Race” — produzido pelo Movimento por Justiça Ambiental nos Estados Unidos — influenciou decisivamente a construção, no Brasil, da Teoria da Injustiça Ambiental, tendo demonstrado que os pobres terminam por suportar de modo desproporcional as consequências ambientais negativas das relações socioespaciais; 5.4 A tentativa de separar as políticas ambientais e urbanas tem dificultado nesse processo a superação das injustiças socioambientais. Defende-se, portanto, a incorporação da temática ambiental na política urbana para que haja um controle espacial da produção de danos e riscos ambientais/sociais por meio de instrumentos urbanísticos.

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