A ditadura militar como tema: uma radiografia da produção acadêmica sobre a ditadura militar brasileira

June 1, 2017 | Autor: Alejandra Estevez | Categoria: História do Tempo Presente, Ditadura Militar, História do brasil república
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THIESEN, Icleia (org.) Documentos Sensíveis: informação, arquivo e verdade na ditadura de 1964. RJ: 7Letras, 2014.

A ditadura militar como tema: uma radiografia da produção acadêmica sobre a ditadura militar brasileira Alejandra Estevez Fabiana Bandeira

Introdução Às vésperas do 50º aniversário do Golpe de 1964, em meio a grandes transformações urbanas para sediar a Copa do Mundo da FIFA, o Brasil vive hoje um momento de intensas transformações políticas. À medida que se configura um novo cenário político brasileiro, de multidões de manifestantes nos grandes centros urbanos 1, de ciberativismo 2 e da ampliação da discussão pública e da ação do Estado a respeito de temas como os direitos humanos no país, as contradições do estabelecimento do Estado democrático parecem mais evidentes. Há, nesse sentido, uma crescente polarização política, evidente nos debates públicos, na imprensa e nas respostas do Estado às ações da sociedade civil. Em meio aos preparativos para receber dois dos maiores eventos do calendário esportivo mundial, parte da população protesta contra a ação do Estado nas transformações urbanas e contra a repressão policial às manifestações, comparando a ação das instituições policiais à repressão dos tempos ditatoriais, empunhando cartazes de ―Ditadura nunca mais‖, entre outros. Outra parcela da população entende a efervescência política como caos social e reedita valores e práticas de meio século atrás, com seus cartazes de ―Intervenção militar já‖ e suas convocatórias de ―Marchas com Deus pela família‖.

1 Estima-se que mais de 1 milhão de pessoas tenham comparecido à manifestação da Avenida Presidente Vargas, que saiu da Igreja da Candelária em direção à sede da Prefeitura do Rio de Janeiro, em 20 de junho de 2013. Neste mesmo dia, 388 cidades também se manifestaram. Desde meados daquele ano, centenas de eventos públicos de protesto foram realizados nas principais cidades do país. O aumento das passagens de ônibus na maioria das capitais e os gastos públicos com a Copa do Mundo da FIFA 2014 foram os primeiros temas das grandes manifestações. Ao longo de algumas semanas, uma miríade de pautas políticas mobilizaram eventos de repúdio, não apenas nas capitais. Ver http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/20/em-dia-demaior-mobilizacao-protestos-levam-centenas-de-milhares-as-ruas-no-brasil.htm . 2 Entendemos por ciberativismo a forma de participação política realizada por indivíduos através de ações em ambientes virtuais, suportados via Internet, como os seguintes exemplos: as organizações de petições públicas ou abaixo-assinados; o envio de informações, notícias e debates realizados via listas de e-mail, redes sociais (como Orkut, Facebook e outros); os "twitaços" (envio massivo de mensagens através de uma grande quantidade de usuários da rede social Twitter a uma pessoa ou organização, como forma de protesto); organização coletiva de eventos fora das redes sociais, com data e local de encontro, com o objetivo de manifestação política, utilizandose dos recursos disponíveis no aplicativo de Internet. Para saber mais sobre ciberativismo e sua relação com as jornadas de manifestações políticas, cabe a leitura de MALINI, Fábio; ANTOUN, Henrique. A internet e a rua: ciberativismo e a mobilização nas redes sociais. Porto Alegre: Sulina, 2013.

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Há apenas algumas semanas antes do 31 de março, data oficial de aniversário do golpe, percebemos o retorno (ressignificado ou apenas repetido) de argumentos presentes na crise política dos últimos meses do governo João Goulart, evidenciando semelhanças entre o contexto pré-golpe e o atual3. Soma-se a isso a votação do Projeto de Lei nº 499/2013, que define e tipifica o crime de terrorismo 4. Surgido no contexto das manifestações políticas e votado a poucos meses da realização do campeonato mundial de futebol, o mesmo pode ser interpretado como uma atualização ou substituição da Lei de Segurança Nacional, a n° 7170/19835, medida de recrudescimento repressivo frente aos protestos populares. Tanto a polarização ideológica quanto a retomada de instrumentos do passado ditatorial – sejam dispositivos legais, conceitos ressignificados, ―palavras de ordem‖ – para as manifestações populares, nos indicam que a ―guerra pela memória‖ está nas ruas. O campo de disputas em relação ao passado recente do Brasil, principalmente no que diz respeito à ditadura militar, está aquecido e vem sendo abastecido por uma grande quantidade de documentos sensíveis: relatos de memória, relatórios, matérias jornalísticas, documentários e produção de pesquisa acadêmica. Como já chamaram a atenção os historiadores do tempo presente nos anos 1980, os eventos traumáticos possuem um caráter ―interminável‖, isto é, revivem constantemente um ―passado que não passa‖ devido à permanente reelaboração das memórias. Sendo assim, a memória transformada em trauma serve de matéria-prima, em última instância, para a construção do conhecimento histórico sobre tais acontecimentos e períodos de exceção, deixando evidente a interligação entre História e Memória, sobretudo no caso da História do Tempo Presente. Este artigo se propõe, através de um levantamento de teses e dissertações brasileiras, a pensar o campo de estudos sobre ditadura militar na sua trajetória temporal, distribuição regional, produção temática e área disciplinar, com destaque para a História. Tomando como referência o ano de 2004 e os debates então realizados por ocasião dos 40 anos do Golpe,

3 A tentativa frustrada de ressignificar as marchas da família com Deus – reunindo não mais de 700 manifestantes em São Paulo e um número ainda menos expressivo em outras capitais – mostra que a intervenção das Forças Armadas não possui capilaridade social. Em pleno ano eleitoral, estas iniciativas visam atacar diretamente o governo petista. Chama igualmente a atenção o alto número de policiais que estiveram presentes na manifestação em São Paulo: 900 policiais para 700 manifestantes, segundo dados publicados pela Folha de São Paulo. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1429580-marcha-da-familia-com-deusreune-cerca-de-500-pessoas-no-centro-de-sp.shtml (Acessado em 22/03/2014). 4 Retirado de http://oglobo.globo.com/opiniao/conceito-de-terrorismo-11887565 (Acessado em 18/03/2014). 5 Em outubro de 2013, dois jovens paulistas, supostos envolvidos na depredação de uma viatura policial foram presos com base na LSN, tendo a prisão relaxada dias depois pela Justiça. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-10-09/justica-paulista-manda-soltar-ativistas-detidos-combase-na-lei-de-seguranca-nacional. (Acessado em 17 /03/2014).

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quais foram as mudanças e continuidades ocorridas no espaço de uma década? No contexto de abundância documental e aceleração do ritmo de produção e circulação da informação sobre ditadura militar, quais as transformações no interesse acadêmico? Vivemos atualmente um contexto altamente favorável para a pesquisa sobre o regime repressivo instaurado no Brasil entre 1964 e 1985. Do ponto de vista político, as experiências de outros países do Cone Sul como a Argentina e o Chile 6, somada à pressão internacional da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2010, contribuíram para o avanço das investigações sobre acontecimentos e períodos obscuros da recente história nacional. O esclarecimento da ―verdade‖ vem sendo perseguido por um número cada vez maior de atores sociais envolvidos com a temática: advogados, políticos, jornalistas, historiadores, cientistas políticos, sociólogos etc. Nas universidades e centros de pesquisa do país, observamos um aumento significativo na produção acadêmica em geral7, destacando-se algumas áreas do conhecimento no que diz respeito ao tema ―ditadura militar‖. Após a abertura de parte importante dos arquivos da repressão, como é o caso da documentação produzida pelos Departamentos de Ordem e Política Social (DOPS) do Rio de Janeiro e de São Paulo, depositadas e disponibilizadas pelos respectivos arquivos públicos estaduais, as possibilidades de pesquisa se expandiram significativamente. Após um longo embate travado por historiadores e sobretudo pelo CONARQ, documentos antes considerados sigilosos deixaram de ser restritos ao público, beneficiando, entre outros interessados, os historiadores. O Brasil torna-se, após 2011 com o coroamento dessa disputa materializada na Lei de Acesso à Informação, um dos maiores acervos públicos de documentos anteriormente classificados como sigilosos produzidos durante o regime militar (FICO, 2012). Esse ―terreno fértil‖ para a produção acadêmica na última década propiciou o incremento na produção universitária (aqui

6 Na Argentina, apesar dos militares terem garantido a autoanistia pouco antes de devolverem o poder aos civis, em 1983, tal ―perdão‖ foi imediatamente revogado pelo presidente civil Raúl Alfonsín. Este processo foi marcado por uma série de retrocessos e avanços na legislação e nas punições aos violadores dos direitos humanos, porém sem dúvida representou avanços muito mais significativo que no caso brasileiro: mais de 800 pessoas enfrentaram processos por violações aos direitos humanos. No Chile, mesmo durante a vigência da Lei de Anistia, imposta pela ditadura de Pinochet em 1978, foi possível que vários crimes cometidos durante a ditadura fossem transferidos de tribunais militares para tribunais civis, a fim de garantir maior transparência e imparcialidade no julgamento. Mesmo não sendo criada no imediato pós-golpe, como aconteceu na Argentina, o Chile gestou a sua Comissão da Verdade e Reconciliação em 1990 por decreto presidencial, logo após a saída de Pinochet do governo. Tal como no Brasil, recentemente a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA declarou a lei de anistia do governo Pinochet sem validade, baseado no princípio do direito internacional que diz que os Estados não podem utilizar sua legislação interna como desculpa para descumprir obrigações internacionais. 7 De acordo com nosso levantamento, identificamos 360 D&T produzidas após o ano 2000 em um total de 405 D&T produzidas desde os anos 1980, ou seja, cerca de 90% da produção acadêmica sobre o tema.

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considerada a partir das teses e dissertações), principalmente na área de História 8. Somado a isso, os pesquisadores de ―ditadura militar‖ contam hoje com abundante e variada literatura sobre o tema, tendo sido boa parte dela produzida nos últimos 15 anos, ainda que apenas muito mais recentemente alguns ―mitos‖ e interpretações venham sendo descontruídos a partir de pesquisas empíricas realizadas em sua maioria por historiadores. Ao longo da última década acompanhamos, enquanto estudantes e pesquisadoras da História do Tempo Presente, o tema ―ditadura militar‖ no Brasil se reposicionar no campo, passando a ser um tema célebre, aguçando a curiosidade dos jovens pesquisadores e servindo como fator de atração para estudantes comparecerem a palestras e cursos, seja no cotidiano das graduações em História, seja nos eventos acadêmicos. Embora esse processo interno do meio acadêmico dos historiadores tenha contribuído para aumentar significativamente a quantidade de trabalhos e, logo, de conhecimento sobre o assunto, não logrou o mesmo êxito com outros setores da sociedade. O trinômio verdade-justiça-reparação, mobilizado no processo de superação das violências ditatoriais e seus crimes contra a humanidade, adquiriu uma particularidade no caso brasileiro: as políticas de reparação receberam uma atenção especial por parte do Estado, enquanto os princípios de verdade e justiça ficaram em segundo plano, sob a justificativa da garantia da coesão nacional. Desde 1995, iniciado no governo Fernando Henrique Cardoso, teve início um longo processo de indenização material às vítimas ou familiares das vítimas do regime militar, sem que o Estado se preocupasse, em contrapartida, em apurar os responsáveis por tais atos de violência e desrespeito às liberdades civis (NAPOLITANO, 2011). Além disso, podemos notar que a verdade enquanto conceito utilizado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) e pelos discursos midiáticos diz respeito ao jargão jurídico. Não se trata de afirmar uma verdade histórica propriamente, mas, antes, defender o direito à verdade. Apesar disso, o incremento ocorrido mais recentemente na produção acadêmica tem feito dos historiadores, cada vez mais, autoridades reconhecidas socialmente para falar sobre o assunto, ocupando assim um lugar estratégico na ―guerra pela memória‖. A ocupação deste espaço por historiadores faz-se importante na medida em que, como bem observou Foucault (2002), a ―vontade de verdade‖ de uma sociedade exerce sobre os demais discursos poder de

8 Embora um número crescente de pesquisadores da área de História recorra à metodologia da História Oral e se aproximem de conceitos e referências da área da Memória Social na produção de conhecimento sobre a ditadura militar, entendemos que esta metodologia não é aplicável a qualquer objeto de estudo, mas sim aqueles que tomam como fonte a memória. Em outros casos, documentos escritos, em suas múltiplas possibilidades de apresentação e formato, como relatórios, correspondências, etc. ainda constituem as fontes principais ou desejáveis de muitas pesquisas produzidas no país.

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coerção. Nessa arena, as falas buscam afirmar-se através do discurso de verdade, ofuscando ou invisibilizando grupos e experiências, orientados por suas convicções políticas no presente. Trata-se de arena das mais instáveis aos historiadores brasileiros que muitas vezes se veem coagidos pela ―verdade‖, confrontados pelas versões de seus contemporâneos, testemunhas que viveram os fenômenos que estes se propõem a explicar. Ainda atual, François Bédarida (2003) lembrou a função crítica, cívica e ética do historiador do tempo presente, que tem como missão, de um lado, desmistificar ―verdades‖ veiculadas pela memória coletiva ou pela ―história oficial‖ e, de outro, é chamado a tomar parte na construção da consciência histórica e da memória de seus contemporâneos. Do ponto de vista acadêmico, a questão da ―verdade‖ assume caráter mais polêmico. Para os historiadores, sobretudo, as formas de conhecer e representar o passado se defrontam com as memórias e a possibilidade de se chegar à verdade. Além disso, pensando o campo acadêmico de forma integrada com o campo político, acreditamos que as interpretações e interesses dos pesquisadores podem servir para legitimar ou desconstruir imagens públicas, bem como defender modelos políticos como a democracia, o socialismo, o liberalismo, dependendo do uso que delas se faça (MOTTA, 2013). Poderíamos dizer que a maioria dos trabalhos acadêmicos produzidos sobre o tema traz, de maneira tácita, a defesa do ideal da democracia enquanto sistema político a ser resguardado. Passados 50 anos do Golpe de 1964 e quase 30 anos do retorno ao sistema democrático, pelo menos constitucionalmente, nos interessa investigar como se configurou o interesse acadêmico pelo período – e as possibilidades de investigação dentro da História do Tempo Presente – no interior dos centros de pesquisa ao longo dos anos. Procuramos refletir sobre a produção acadêmica sobre ditadura militar, com ênfase nas décadas de 2000 e 2010, no que diz respeito às temáticas, à distribuição da produção por área do conhecimento e por região do país. Pretendemos, ainda, levantar questões acerca do papel do historiador no debate político sobre a ―verdade‖ e ―memória‖ travado hoje no país. Marcos Napolitano (2011) afirmou que as disciplinas de Sociologia e Ciência Política pautaram a construção dos problemas e abordagens sobre o tema, privilegiando temáticas específicas durante os anos 1980 e 1990. Interessa-nos, nesse sentido, verificar se sua constatação continua válida para os últimos 15 anos. Com maior oferta documental, que temas são privilegiados hoje? Qual a importância da produção historiográfica dentro da ―guerra pela memória‖ do período militar travada no cenário nacional atualmente? Na tentativa de responder estas e outras questões, realizamos um levantamento das dissertações e teses (a partir de agora D&T) defendidas entre 1982 e 2013 em 34

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universidades9, a partir da base de dados disponibilizada pelos programas de pós-graduação10, conforme a tabela 1. Os dados que serão apresentados ao longo deste trabalho foram produzidos com base na busca pela palavra-chave ―ditadura militar‖ ou ―regime militar‖. Cientes da limitação deste levantamento, que fatalmente deixou de fora parte da produção universitária, pretendemos levantar algumas questões e apontar tendências dentro da produção acadêmica. Acreditamos que, ainda que parcial, este levantamento é capaz de 1) verificar como a publicização da documentação produzida pelo Estado autoritário depositada em arquivos, a transformação na legislação, a instalação da CNV, a própria ampliação dos programas de pósgraduação, entre outros, influenciaram e contribuíram para o aumento do interesse pela ditadura militar.; 2) refletir sobre o salto quantitativo da produção acadêmica especificamente na área da História, que totaliza 181 D&T, quase quatro vezes mais que Ciências Sociais, disciplina que aparece em segundo lugar e que concentrou os estudos nas primeiras décadas como assinalou Napolitano; 3) verificar a distribuição regional da produção acadêmica com base na identificação de centros de pesquisa/grupos de pesquisa do CNPq.

Regiões

Programas antigos ou

Programas novos

conceituados Sul

Sudeste

PUC-RS UFPR UFRGS UFSC UNISINOS UFF Unicamp USP UFMG

UDESC UEL UNIOESTE

UERJ FFP UFOP UFRRJ UFSJ

9 As universidades foram escolhidas com base em dois critérios, conforme exposto na tabela 1: de um lado, encontram-se as universidades cujos programas de História datam das décadas de 1970 e 1980 e, portanto, contam hoje com corpo docente mais numeroso e profissionais mais experientes, ou que possuem nota entre 5 e 7 de acordo com a avaliação da Capes. Ver http://www.capes.gov.br/avaliacao/resultados-da-avaliacao-deprogramas.Visando fugir da centralização regional apontada mais a frente, selecionamos universidades cujos programas de História foram criados após 2006, quando observamos uma ampliação significativa da estrutura universitária, seja através da criação de programas de mestrado e doutorado, seja a partir da criação de novas universidades fora dos grandes centros urbanos do país. Vale destacar que optamos por um levantamento que incluísse todas as áreas disciplinares, apesar da nossa maior reflexão estar voltada para o campo da História em especial. 10 Infelizmente durante o período de realização deste levantamento, o banco de teses da Capes esteve fora de serviço devido a problemas na reformulação da base de dados, o que nos permitiria uma maior abrangência na amostragem.

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Centro-Oeste Nordeste

Norte

UFRJ FGV PUC-Rio PUC-SP UNESP Assis UNESP Franca UnB UFG UFBA UFPE

Nenhum

UNIRIO

PUC-GO UECE UEFS UFCG UFRPE UNEB UFAM UFPA11

Tabela 1: Universidades analisadas, divididas entre programas antigos e novos

O desenvolvimento da produção acadêmica ao longo dos anos No Brasil, a Lei de Anistia de 1979, como observa Glenda Mezzaroba (2007), serviu para neutralizar campos políticos opostos e garantir a coesão social com base no esquecimento. Esta lei inaugura, coincidentemente, um período em que começam a surgir as primeiras memórias de ex-prisioneiros políticos alvos de tortura e violência do aparato repressivo. Em início da década de 1980 são elaborados os primeiros trabalhos acadêmicos sobre o período militar cujos temas são pautados em alguma medida pelos relatos de exmilitantes, principal fonte disponível naquele momento. O que a lei exigia era subvertido de certa forma através dos trabalhos acadêmicos, contribuindo para a publicização dos ―horrores‖ dos governos militares. Juridicamente optou-se pela via do silenciamento, academicamente elegeu-se a do ―justiçamento‖. Passados 35 anos da Lei de Anistia, o Brasil experimentou um avanço no que se refere às reparações materiais das vítimas ou seus familiares por parte do Estado, sem uma contrapartida com relação à punição dos agentes públicos envolvidos. Prova disso é que em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a Lei de Anistia de 1979 que garante o ―perdão‖ aos crimes contra a humanidade cometidos pelos torturadores 12. Nesse

11 A UFPA teve seu programa de pós-graduação em História criado em 2004, mas foi incluída neste levantamento para fins de representatividade regional. 12 Com o intuito de que o STF anulasse o perdão concedido aos policiais e militares a serviço do Estado acusados de praticar atos de tortura durante o regime militar, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou

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jogo de forças, a via conciliatória tem se mostrado vitoriosa e os trabalhos acadêmicos permanecem restritos ao meio universitário, sem travar um diálogo mais amplo com a sociedade brasileira. A criação, em 2012, de uma Comissão Nacional da Verdade (CNV) – que não prevê como seu escopo de ação a punição dos crimes praticados contra os direitos humanos – e pouco antes, a promulgação da Lei 12.527/2011 que garante o acesso às informações públicas, animou aqueles mais comprometidos com a consolidação da democracia e encorajou o desenvolvimento de políticas de não-repetição. A nosso ver, a criação da CNV representou um avanço do ponto de vista da elucidação do passado recente autoritário no Brasil. No entanto, não se pode confundir a ―verdade histórica‖ propalada no texto da Comissão, que terá como resultado de seu trabalho a construção de uma ―história oficial‖, realizada pelas mãos do Estado, com o trabalho metodologicamente conduzido pelo historiador. Não se trata de hierarquizar os papeis de historiadores e advogados – estes últimos maioria entre os comissionados da CNV – mas antes chamar a atenção para esta diferença. Desde o início da década de 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil foi uma das instituições mais atuantes, do ponto de vista político e jurídico, através do questionamento da constitucionalidade da Lei de Anistia 13, contestando a Lei de Arquivos, de 1991 e exigindo a abertura dos documentos militares relativos ao julgamento de presos políticos. A forte atuação da instituição ajuda a explicar a intensa presença desses profissionais tanto nos grupos de trabalho da Comissão quanto na divulgação a respeito desses processos e da luta política da instituição para o ―grande público‖. Este conjunto de transformações em curso desde fins da década de 1970, mas sobretudo nos anos 2000, colaboraram, sem dúvida, para o avanço das pesquisas acadêmicas na área, como podemos observar no gráfico abaixo. As dissertações superam em muito o número de teses defendidas no mesmo período, além de evidenciar um ―boom‖ dos estudos sobre ditadura militar pós-anos 2000, como iremos discutir com mais calma pouco adiante.

com um pedido de revisão da Lei de Anistia (Lei nº 6683/79). Em abril de 2010, a maioria dos ministros do STF votou contra a revisão da lei. Foram 7 votos contra e apenas 2 a favor. A continuidade da lei é justificada pelos ministros com base em uma alegação covarde: não caberia ao Poder Judiciário a revisão de tal acordo político feita pela sociedade civil naquele momento. Os únicos ministros que usaram argumentos dos direitos humanos foram Ricardo Lewandowski e Ayres Britto, ambos nomeados pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva e os únicos votos dissonante em meio a Judiciário conservador. 13 Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153. Lei da Anistia (Lei Federal nº 6.683/1979).

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Gráfico 1: Divisão da produção de D&T por décadas para todas as áreas. Março 2014.

De acordo com levantamento realizado pelo Grupo de Estudos sobre a Ditadura Militar da UFRJ, entre os anos de 1971 e 2000 foram produzidas 214 D&T sobre a história da ditadura militar, sendo que destas, nove foram desenvolvidas no exterior. Em artigo, o professor Carlos Fico (2004), coordenador do referido grupo de estudos, apresenta os dados que organizamos na tabela abaixo:

Período

Número de defesas

1971-75

2

1986-90

47

1996-2000

74

Retirada de FICO, Carlos. ―Versões e Controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar― in Rev. Bras. Hist. vol.24 no.47 São Paulo, 2004.

O levantamento, no entanto, não nos informa sobre as áreas que concentraram o maior número de estudos, mas corrobora com os nossos dados que demonstram uma curva quase sempre ascendente nos estudos sobre o tema. O gráfico 2 detalha a produção acadêmica ano a ano. Nele, o ano de 2007 aparece como o de maior produtividade na década de 2000, sendo superado entre 2009 e 2012. Apesar do leve declínio notado no ano de 2013 no levantamento realizado para todas as áreas, no campo de produção historiográfica, verificamos um aumento contínuo e crescente das D&T. Alguns fatores podem ter contribuído para esse fenômeno. Em 2004, os 40 anos do Golpe de 1964 aquece o mercado editorial com a publicação de pesquisas acadêmicas, relatos de

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memória, matérias jornalísticas que dão maior visibilidade ao tema, fomentando novas versões e caminhos de investigação. Gráfico 2

Gráfico 2: Produção de D&T para todas as áreas. Março 2014.

A alta quantidade de trabalhos produzidos após 2010 pode ser resultado da Lei de Acesso à Informação, que garante a consulta documental irrestrita aos pesquisadores, ao lado da criação do projeto Memórias Reveladas, com sede no Arquivo Nacional. Este projeto, criado em 2009, hoje conta com 55 instituições e entidades parceiras e vem fazendo, após 2012, um trabalho extraordinário de digitalização da documentação produzida pelos DOPS estaduais, Assessorias de Segurança e Informação (ASI), SNI, dentre outros. Somado a isso, após 2007 os programas de pós-graduação experimentaram uma ampliação de sua estrutura e corpo discente após o recebimento de verbas do Programa de Apoio à Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído pelo Decreto presidencial nº 6069/07. Ainda está para ser dimensionado o impacto que o programa do REUNI teve para o desenvolvimento científico brasileiro, mas sem dúvida ele é responsável por parte deste aumento, que não é exclusivo dos estudos sobre ditadura militar. Marcos Napolitano (2011), analisando a literatura acadêmica sobre o Golpe de 1964 e o regime militar, aponta que a perspectiva histórica construída no meio acadêmico desde os anos 1970 é derivada, essencialmente, do trabalho de sociólogos e cientistas políticos e não fruto do ofício do historiador, como assinalamos pouco antes. Ou seja, a história desse período é uma arena de disputas diversas e não exclusivas ao campo acadêmico, muito menos da disciplina de História.

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A reforma universitária de 1968, instituída através da Lei n° 5.540/68, além de introduzir uma série de mudanças na organização estrutural dos cursos, teve como objetivo central a geração de mão de obra técnica capaz de suprir as demandas do mercado de trabalho. Visando conter a movimentação estudantil, esta reforma defendeu o fortalecimento do princípio de autoridade e disciplina nas universidades, bem como privilegiou os aspectos técnicos e administrativos, em detrimento do senso crítico. Esta reorientação vivida pelas instituições de ensino superior deixará marcas na produção acadêmica. Além da reforma de 1968, a instituição do decreto 477, de 26 de fevereiro de 1969, também conhecido como o AI das universidades, dá início a uma onda de demissões e aposentadorias compulsórias, afastando o corpo docente considerado subversivo da prática do magistério e da pesquisa acadêmica. Os estudantes, por sua parte, são expulsos e ficam proibidos de cursarem qualquer outra universidade pelo espaço de três anos. O rearranjo de forças no meio universitário terá impactos significativos para a produção histórica como um todo e afastará de cena o interesse pela história do tempo presente, fazendo com que muitos professores optem por temas mais afastados no tempo e, portanto, menos polêmicos. Dez anos de extremo controle no meio universitário se fará sentir, mesmo após a abertura política. Serão nesse sentido os sociólogos e cientistas políticos os primeiros do meio universitário a eleger a ditadura militar brasileira como tema de investigação científica, enquanto os historiadores continuarão a desenvolver pesquisas num tempo histórico mais pretérito. Posto isto, a questão que se apresenta diz respeito às causas para este crescimento acelerado pós anos 2000, e a maior concentração na área da História, como mostra o gráfico abaixo:

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Gráfico 3

Observamos no gráfico 4 um crescimento significativo das dissertações, em comparação com as teses, e uma concentração maior após o ano de 2005, no caso específico das pesquisas em História. A partir desta data, os estudos sobre ditadura militar ganham novo alento e passam a hegemonizar a produção acadêmica como um todo, conforme demonstra o gráfico 5. Gráfico 4: Produção de D&T de História

(1982-2013). Março 2014.

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Apesar da disciplina de História ser responsável pelo maior número de D&T defendidas, como demonstrou o gráfico 3, esta realidade é bastante recente. De acordo com nosso levantamento, identificamos apenas 9 D&T em História defendidas entre 1984 e 2000, contra 18 em Sociologia e 3 em Ciência Política no mesmo período. É a partir do ano 2000 que ocorre um verdadeiro boom na produção acadêmica como um todo, e quando a disciplina de História destaca-se significativamente: 183 D&T de um total de 370 entre todas as áreas. De 2001 a 2010 foram defendidas 110 D&T de História, em um universo de 227 D&T levantadas entre todas as áreas disciplinares. A década de 2010 apresenta um aumento ainda mais considerável: 67 D&T no espaço de apenas três anos. A produção em Ciência Política e Sociologia não acompanhou o aumento experimentado pelo campo da História, chegando a produzir apenas 28 e 33 trabalhos, respectivamente, após o ano 2000. Gráfico 5: Produção de D&T de História, Ciência Política e Ciências Sociais

5: Comparativo do número de D&T/ano das áreas mais produtivas (1982-2013). Março 2014.

Apesar do aumento da produtividade acadêmica sobre os estudos de ditadura militar no Brasil, a repercussão que o tema adquire nos debates mais amplos da sociedade civil – pautados em grande medida pela grande imprensa – ainda permanece muito tímida. Grande parte da produção acadêmica, bem como os cursos e eventos sobre a ditadura militar, não alcançam o chamado ―grande público‖, isto é, pessoas que não são estudantes, pesquisadores ou professores ligados às universidades e outros centros de pesquisa. De maneira geral, o conhecimento produzido pela prática da pesquisa e sua consequente divulgação (defesas de teses e dissertações, eventos, cursos, revistas científicas, etc.) parece circular entre os membros da mesma comunidade acadêmica, perpetrando a divisão entre a vida acadêmica e a

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vida extramuros universitários14. Isso implica, muitas vezes, em não ocupar o espaço público enquanto autoridade legítima para discutir e levantar questões, tal qual o fazem os jornalistas e advogados por exemplo. Mais recentemente estamos assistindo a transformação desta realidade, provavelmente como resultado da quantidade de historiadores que têm se dedicado ao tema e têm sido chamados a emitir suas opiniões sobre diferentes temáticas relativas a este período. Este é o caso, por exemplo, das diversas matérias jornalísticas assinadas por historiadores como Carlos Fico e Daniel Aarão Reis Filho, sobretudo este ano por ocasião dos 50 anos do Golpe de 1964. No entanto, suas análises aparecem em meio a uma miríade de outras opiniões de personagens conhecidos do grande público que viveram este momento histórico. Ou seja, na grande mídia as análises dos historiadores assumem o mesmo estatuto de autoridade que as opiniões individuais. Memória e História não aparecem apenas intimamente imbricadas, mas são apresentadas praticamente como se fossem a mesma coisa. Entendemos que a produção acadêmica — mesmo quando realizada sob as regras metodológicas exigidas pelo campo científico — por se tratar de um discurso fabricado a partir de determinado ponto de observação, carrega também sentidos políticos que se delineiam na própria construção do conhecimento. Com acadêmicos distantes do ―grande público‖, o hiato entre o ―conhecimento acadêmico‖ e as informações que circulam nos meios de comunicação aumenta. Isso se dá à medida que os meios de comunicação aos quais o público geral tem amplo acesso, como os grandes jornais impressos, portais e redes sociais de Internet, programas de TV ou filmes do grande circuito, veiculam informações que não se comunicam necessariamente com a produção universitária. Ou seja, a lacuna informacional que parece ter sido deixada pelos historiadores é geralmente preenchida pelo trabalho de jornalistas, realizadores culturais (curadores de exposições, diretores de filmes, teatro, programas de TV, etc.) e outros profissionais que, respondendo ao ―desejo de memória‖ 15 da sociedade brasileira, produzem conhecimento sobre ―ditadura militar‖ para o ―grande público‖16.

14 Ponderamos se essa divisão não seria motivada pela dificuldade dos acadêmicos em estabelecer canais de comunicação mais fluidos e de produzir em linguagem mais acessível (sejam textos, vídeos ou outros suportes). Se não nos cabe aqui esgotar as motivações para essa distância, podemos ao menos constatá-la e debater seus efeitos. 15 GONDAR, Jô. "Lembrar e esquecer: desejo de memória". In: COSTA, Icléia Thiesen Magalhães e GONDAR, Jô (org.). Memória e Espaço. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2000. 16 Como exemplo de resposta ao ―desejo de memória‖, podemos citar a novela ―Amor e revolução‖, exibida pelo canal aberto SBT entre abril de 2011 e janeiro de 2012. Apontada como a primeira novela a se passar inteiramente na ditadura e tendo o regime autoritário em posição de destaque na trama, a história narra o ―amor impossível‖ entre um filho de militar e uma líder do movimento estudantil. Outra inovação foi a exibição de

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Por muitas vezes isolados intramuros, os historiadores acadêmicos perdem importantes oportunidades de ―falar ao público‖ e fazer de seu ofício também um campo de atuação política, no sentido de participação enquanto cidadãos, conforme recomendava Bédarida (2003). Observando os temas dos trabalhos apresentados nas últimas edições dos simpósios nacionais de História organizados pela Associação Nacional de História (ANPUH), percebemos o aumento do interesse pelo tema ―ditadura militar‖, em conformidade com os dados que levantamos. No entanto, percebemos um contraste entre o aumento do interesse pela ditadura militar como tema de pesquisa e a atuação dos historiadores brasileiros, enquanto classe profissional, frente à referida ―guerra pela memória‖. Diferentemente dos debates acadêmicos sobre ditadura, movimentando disputados simpósios temáticos e aquecendo o mercado editorial especializado, houve pouca mobilização da entidade junto aos seus filiados no tocante ao debate público do ―direito à verdade‖, da memória e da justiça. Ainda que os historiadores se interessem cada vez mais pelo tema ―ditadura militar‖, esse interesse não se reflete em ações políticas concretas17. Os historiadores devem, nesse sentido, estar atentos aos riscos e consequências que o relatório final da CNV pode gerar. Não há dúvidas da utilidade do legado documental da CNV, que beneficiará o trabalho de pesquisa de um sem número de historiadores. No entanto, ao estarem desarticulados do processo político de reconstituir o passado, não participam da elaboração da ―verdade‖ que está sendo divulgada sem ter passado pelo escrutínio da crítica histórica, antes de ser reproduzido nos bancos escolares e na grande imprensa.

depoimentos de pessoas vítimas de tortura e perseguição política, contribuindo para a percepção dos fatos históricos representados na trama. Conforme noticiado no site da novela, a fim de ser melhor preparado para a interpretação, o elenco participou de um ―workshop‖ com pessoas que foram presas durante a ditadura. Apesar do empenho da emissora em preparar seu elenco, não há notícia sobre a presença de historiadores neste ―workshop‖ ou prestando qualquer outro tipo de consultoria. Disponível em http://www.sbt.com.br/amorerevolucao/bastidores/?c=54, acessado em 18 de março de 2014. 17 Ao ler os informes mensais da ANPUH dos primeiros anos desta década, enviados eletronicamente aos seus associados, observamos que a votação da regulamentação da profissão do historiador é o tema com maior destaque da ação da entidade, com poucas referências ao processo de criação do projeto Memórias Reveladas ou da Comissão Nacional da Verdade. Entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012, a ANPUH reivindica a participação na CNV através de membros representantes. No informe de junho de 2012, ―saúda com entusiasmo essa empreitada, embora lamente a ausência, em seus quadros, de historiadores profissionais, que poderiam, em função de sua capacitação, auxiliar sobremaneira na consecução dos objetivos da Comissão‖. A diminuta presença de historiadores na CNV é um reflexo da pouca influência dos mesmos no ―extramuros‖ das instituições de ensino e pesquisa.

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Polos de produção do conhecimento sobre ditadura militar A primeira constatação que fizemos a este respeito não é novidade: as universidades com maior produtividade sobre a temática da ditadura militar estão concentradas no eixo SulSudeste. Este fenômeno encontra explicação no fato de que esta região reúne as universidades mais antigas do país, a maioria delas criadas nos anos 1970 e 1980. Consequentemente, no Sul-Sudeste localizam-se as instituições mais estruturadas, com amplo corpo docente, centros de pesquisa com visibilidade internacional e maior tradição em suas áreas disciplinares. Estas universidades, portanto, apresentam de maneira geral alta produtividade, não apenas nos estudos sobre ditadura militar, daí o grande número de pesquisas também sobre o tema em tela. No entanto, como já observamos, houve um aumento considerável de programas de pósgraduação após o ano de 2006, sobretudo na área de História, obedecendo a um processo de descentralização das universidades. Estes novos programas interferem sensivelmente na produção acadêmica sobre o tema, participando do aumento das D&T após 2007, além de estarem distribuídas, em sua maioria, fora do eixo Sul-Sudeste. Considerando o caso específico da criação de programas de pós-graduação em História, verificamos nos dois períodos uma forte concentração na região Sudeste. Após 2006, assiste-se um aumento considerável dos programas do Nordeste, equiparando-se à região Sul. No caso da região Norte, a situação é ainda mais recente: a UFPA tem seu mestrado em História Social da Amazônia criado em 2004, e a UFAM em 2006. Nos gráficos abaixo, observamos a concentração massiva de teses e dissertações na região Sudeste, acompanhada pela presença significativa da região Sul. No caso das dissertações, nota-se que as regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte apresentam certo equilíbrio na quantidade de trabalhos produzidos entre si. Considerando que este gráfico foi criado a partir da produção total de pesquisas defendidas, ao longo de todos os anos da amostragem, e que os programas destas regiões são mais recentes, podemos concluir por um aceleramento do ritmo de produção acadêmica de dissertações nestas regiões.

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Gráfico 6: Distribuição das dissertações por região do país.

Gráfico 7: Distribuição das teses por região do país.

No caso das teses, a produção da região Sudeste apresenta um predomínio ainda maior. A região Nordeste indica produção na área bastante reduzida e a região Norte nem chega a ser notada no gráfico. A baixa produtividade deve-se, principalmente, à inexistência de programas de doutorado nestas universidades. Esta realidade termina por reforçar, por outro lado, a concentração das universidades dos centros Sul-Sudeste, na medida em que, além de exercerem forte poder de atração devido ao corpo docente ter maior visibilidade em nível nacional, ainda se veem obrigados a saírem de suas universidades de origem se quiserem continuar os estudos acadêmicos. Uma radiografia mais precisa desse fenômeno pode ser obtida a partir da subdivisão das D&T por universidades. A partir dos dados apresentados no gráfico a seguir, podemos ver que, embora apresente a região Sul como a que concentra programas mais antigos ou bem conceituados e que aparece como a segunda maior região de concentração de trabalhos defendidos, tem sua produção concentrada majoritariamente na UFRGS. Na verdade, as demais universidades da região Sul apresentam produção semelhante à região Nordeste e Centro-Oeste. A UFRGS, universidade com maior número de dissertações sobre ditadura militar em todo o país, é responsável pela grande maioria dos trabalhos da região Sul e funciona, consequentemente, como polo de atração, absorvendo a demanda de candidatos a doutorado de outras localidades. Das dez primeiras universidades no ranking de produtividade, todas se concentram na região Sul-Sudeste, à exceção da UFPE, que aparece em oitavo lugar. As cinco universidades

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com maior produção encontram-se nos estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. As dissertações defendidas nas cinco primeiras universidades somam mais do que as 24 últimas universidades (114 dissertações das cinco primeiras contra 98). Analisando a produção de D&T, chama nossa atenção o fato de a USP ser a única a apresentar um maior número de teses em relação às dissertações defendidas. Isso demonstra o argumento que vimos defendendo que as universidades mais antigas do eixo Sul-Sudeste funcionam como polos de atração para estudantes de diversas regiões do Brasil, criando assim verdadeiras escolas interpretativas, sobretudo no campo da História.

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Gráfico 8: Levantamento de D&T sobre ditadura militar, por universidades. Março de 2014.

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As particularidades regionais e sua relação com os temas de investigação Uma vez realizada a análise mais quantitativa da produção acadêmica sobre ditadura militar, faremos alguns apontamentos com relação aos conteúdos das D&T. Para isso, agrupamos os trabalhos acadêmicos em 29 temas, selecionados com base nas palavras-chaves e nos temas identificados por Fico, em sua revisão historiográfica por ocasião dos 40 anos do Golpe, conforme aparecerá em seguida. As tabelas abaixo mostram esta divisão. À esquerda temos os temas mais pesquisados no conjunto das áreas disciplinares. À direita, especificamente o levantamento feito com base na produção de História.

D&T/temas, todas as áreas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

Cultura Imprensa Trabalhadores Militares Igrejas Abertura Política Movimento Estudantil

8. Economia 9. Estrutura Repressiva 10. Luta Armada 11. Educação 12. Memória 13. Esquerda 14. Exílio 15. Censura 16. Golpe de 1964 17. Política Reparatória 18. Desaparecidos 19. Intelectuais 20. Literatura 21. Movimentos Sociais 22. Justiça Civil 23. Justiça Militar

D&T/temas, área de História 57 41 32 26 22 21

1. 2. 3. 4. 5. 6.

20

7. Esquerda

19 18 18 17 17 16 8 7 7

Cultura Militares Igrejas Luta Armada Trabalhadores Imprensa

8. Movimento Estudantil 9. Estrutura Repressiva 10. Abertura Política 11. Memória 12. Economia 13. Golpe de 1964 14. Exílio 15. Educação 16. Movimentos Sociais

26 19 14 14 13 12 11 10 10 10 8 7 5 5 4 4

7

17. Intelectuais

3

6 6

18. Censura 19. Justiça Militar 20. Política Reparatória 21. Relações Internacionais 22. Justiça Civil 23. Anistia

3 3

6 6 5 5

2 2 2 1

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24. Relações Internacionais 25. Política Partidária 26. Anistia 27. Arquivos 28. Justiça de Transição 29. Gênero 30. História Regional

5

24. Desaparecidos

1

4 3 3

25. Literatura 26. Política Partidária 27. Arquivos 28. Justiça de Transição 29. Gênero 30. História Regional

0 0 0

3 2 2

0 0 2

O levantamento elaborado pelo professor Carlos Fico, demonstra, em termos gerais, um maior interesse pelos temas relacionados à cultura (música, teatro, literatura etc). Entre os cinco temas mais pesquisados, aparecem ainda a imprensa (os discursos veiculados sobretudo nos jornais), Trabalhadores (com destaque para os trabalhos que tratam do Novo Sindicalismo dos anos 1980), Militares (desde a clássica abordagem dos governos militares até análises da ideologia da ESG e do sistema repressivo), Igrejas (de um lado, as experiências das Comunidades Eclesiais de Base e da Teologia da Libertação, de outro, reflexões sobre os setores conservadores católicos e suas expressões). Napolitano sugere quatro grandes temáticas que comportam todas as demais subdivisões, são elas: o golpe, a guerrilha, a repressão e a transição. A temática do Golpe de 1964, tanto no levantamento realizado há 10 anos por Fico, como na coleta que efetuamos, não foi até o momento muito investigada. Apenas mais recentemente este assunto vem gerando maior interesse da parte dos pós-graduandos, que resolvem se dedicar à investigação do complexo IPES/IBAD pretendendo em geral uma continuação do trabalho de René Dreifuss (1981), ou buscando entender as razões para a deposição do presidente civil João Goulart, contribuindo para renovadas interpretações sobre o último presidente civil antes do regime militar. Em torno do tema da guerrilha, podemos reunir três categorias da tabela acima: luta armada, esquerdas e desaparecidos. Mais especificamente os trabalhos sobre luta armada foram realizados por historiadores e configuram um ramo importante das pesquisas sobre o período. Vale destacar que dentre as pesquisas desta categoria, é notável a quantidade de investigações feitas sobre a Ação Libertadora Nacional (ALN), a organização guerrilheira de Carlos Marighella. Os trabalhos elaborados que versam sobre a repressão têm buscado compreender o funcionamento do aparato repressivo, do sistema nacional de informações e as polícias políticas estaduais. São comuns as D&T que abordam a questão da tortura e enfocam o

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cotidiano prisional. Há ainda outra parcela de investigações que tratam dos DOPS, as polícias estaduais que atuavam em parceria com a estrutura de segurança dos militares. As pesquisas que elegeram a fase de transição como seu objeto de análise estão preocupadas em entender o período da anistia, o processo histórico da constituinte e, de maneira nem sempre direta, discutir a questão da democracia enquanto sistema político a ser defendido. A partir da leitura dos resumos das D&T da área de História, verificamos o predomínio, nos programas de pós-graduação de maior envergadura, de pesquisas cujos temas tratam, em sua maioria, de questões com abrangência nacional, enquanto nos centros de pesquisa das universidades de menor monta, observamos uma ênfase em estudos que privilegiam a História Regional. Polos como UFRJ, UFRGS, UFF, USP, Unicamp, entre outros, aprovam projetos de pesquisa sobre temas de alcance nacional, sem trazerem a marca de suas regiões de origem. Já os programas criados mais recentemente, principalmente aqueles situados fora do eixo Sul-Sudeste, investem, acima de tudo, em pesquisas que ajudem na compreensão de suas realidades locais. Segundo aponta o relatório trienal da Capes de 2010, 59, 4% dos programas de pósgraduação implantados em diversas regiões do Brasil nas últimas duas décadas (1990 e 2000) nascem com propostas específicas regionalizadas, ―atendendo às necessidades de conhecimento histórico específico em cada espaço geográfico, em cada temporalidade, e em cada formação social‖ (CAPES, 2010). Aponta ainda uma tendência monográfica para estas pesquisas regionais. Esta tendência traz algumas consequências. Os polos de pesquisa na área de História das universidades mais produtivas do país caracterizam-se como centros irradiadores de interpretações historiográficas para todo o Brasil. Ou seja, inseridas em um sistema meritocrático, ao integrarem instituições de maior estrutura e receberem mais verbas das instituições de fomento à pesquisa, delas consequentemente emanam as principais correntes historiográficas que serão ensinadas nos cursos de graduação dos menores centros, onde seu corpo docente apresenta menor ossatura. Além disso, a máxima ―antiguidade é posto‖ parece ser válida para a compreensão da lógica que impera no campo acadêmico de maneira geral, isto é, os programas de pósgraduação mais antigos, situados nas maiores universidades brasileiras, pautam a maioria das discussões travadas pelos historiadores e cientistas sociais em âmbito nacional. Pela própria prática da pesquisa em História, assim como em outras ciências humanas, a necessidade de filiação teórica corrobora para a legitimação de certos pesquisadores como referências para

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todos os outros centros. Ou seja, a participação nos debates historiográficos daqueles que se situam nas instituições mais recentes está condicionada ao diálogo com esta literatura, seja para comprovar suas teses, seja para refutá-las. Dessa maneira, os ―grandes‖ nomes do meio universitário exercem uma atração significativa, estimulando o desejo dos estudantes se tornarem seus orientandos e com isso migrarem para os grandes centros de investigação. Com base na análise dos resumos das D&T em História, notamos que os trabalhos sobre ditadura dos programas de pós-graduação criados após 2000, ao privilegiarem o estudo de acontecimentos locais, fortalecem os núcleos de História Regional. O estímulo à História Regional pode ser um caminho para a produção de análises mais originais ou mais aprofundadas das especificidades locais. O fenômeno de atração exercido pelos grandes centros universitários muitas vezes limita o desenvolvimento do conhecimento regional. É comum nos depararmos com análises que se contentam em verificar determinada tese, formulada a partir da realidade dos centros de pesquisa de maior renome. Nesse sentido, a História Regional pode iluminar aquilo que renomados estudiosos do tema não tem se preocupado ou não puderam constatar devido às especificidades locais. Apesar de se tratarem de programas muito recentes, a maioria data dos anos 2000, como vimos anteriormente, constatamos a predominância de estudos de história local sobre ditadura militar.

Programas de Pós-Graduação em História (PPGH)

Ano de fundação D 1971

T 1971

História Social da Cultura PUC-Rio

1971

1971

História Social das Relações Políticas UFES

1971

1985

História Social UFRJ História Social Unicamp História Social USP História UERJ História UFAM História UFBA História UFC História UFF História UFJF História UFMG

1976 1976 1980 1982 1986 1987 1990 1990 2000 2003

1984 1994 1989 1992 1995 1998 2002 2000 -

História Econômica USP

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História UFPA História UFRGS História UnB História UNESP História UNIOESTE

2004 2004 2006 2006 2006

-

História, Política e Bens Culturais CPDOC/FGV

2007

2007

História e Culturas UECE

2006

-

História UDESC

2007

-

História UEFS

2007

-

História UFRPE

2006

-

História UFRRJ

2008

-

História UNIRIO

2007

2012

História Regional e Local UNEB

2006

-

História do Brasil UNIVERSO

2006

-

História UFSJ

2008

-

Tabela 5: Datas de fundação dos PPGH pesquisados

Conforme havíamos apontado anteriormente, os anos 2000 oferecem novo alento à produção sobre ditadura militar devido à abertura ou maior facilidade de acesso à documentação disponível ao público. O acervo do DEOPS-SP e DOPS-RJ, por exemplo, depositados respectivamente no APESP e no APERJ, foram disponibilizados ao público apenas em 1994 por meio de decretos estaduais 18 . Antes disso, apenas os familiares das vítimas ou as próprias vítimas do regime podiam ter acesso ao seu conteúdo. Esta decisão, obviamente, oferece a oportunidade de elucidação de diversos assuntos até então obscuros sobre o período. Além disso, o Rio de Janeiro, e em menor medida Brasília, atraíram e continuam atraindo muitos pesquisadores de todo o Brasil, não apenas por concentrar alguns

18 De acordo com a Resolução nº.38, de 27 de dezembro de 1994, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, o Fundo DEOPS-SP foi aberto ao público mediante a assinatura de termo de responsabilidade individual sobre o uso e veiculação da informação á coletada. Para maiores informações, consultar: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/permanente/deops_pesquisa.php. Recentemente, em 1° de abril de 2013, o APESP foi o primeiro arquivo público brasileiro a disponibilizar cerca de 1 milhão de imagens para consulta via internet. Ver BORIN, Monique e SOARES, Sheila A. R. ―Abrindo os arquivos do Deops/SP: a experiência da livre disponibilização na internet dos acervos da repressão‖ in Arquivos da Repressão e da Ditadura. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional – Centro de Referência Memórias Reveladas, 2013, pp. 32-39. Processo semelhante experimentou o APERJ no tocante ao acesso aos documentos públicos do Fundo Polícia Política através do Projeto de Lei n° 1819/94. Ver APERJ. Os Arquivos das Polícias Políticas: reflexos de nossa história contemporânea. Rio de Janeiro, 1994.

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dos centros de maior produtividade, mas também por abrigar os arquivos do Serviço Nacional de Informações (SNI), sob a guarda do Arquivo Nacional.

Considerações Finais ―Ciência sem consciência é somente ruína da alma‖. A frase pertence a Rabelais e foi lembrada por Bèdarida para discutir o papel social dos historiadores. Para o autor francês, como vimos, o historiador não pode esquivar-se de sua função social e moral como cidadão. Nesse sentido, em se tratando de um tema tão sensível como a recente ditadura militar brasileira, é compreensível que os primeiros acadêmicos, não apenas os historiadores, tenham optado pelo estudo de temáticas relativas às vítimas dos agentes do Estado. Isso, em certa medida, se explica pelo sentimento coletivo de injustiça social gerado pela Lei de Anistia de 1979 e pela frustração da Constituinte posteriormente, mas também baseados nos meios disponíveis à época para a investigação de certos acontecimentos e grupos sociais. No entanto, é preciso estar atento, como historiador do tempo presente, para os perigos implicados em tais análises. Se de um lado a empatia que as vítimas das violências estatais despertam na sociedade e no meio acadêmico impulsiona a produção nos meios universitários sobre o tema, de outro, corre o risco de formular interpretações baseadas mais em afinidades ideológicas e identificações sociais do que em pesquisa empírica, fundamentada em critérios metodológicos específicos à área disciplinar. A luta pela abertura dos documentos da ditadura militar, embora tenha mobilizado alguns poucos historiadores questionadores da política de sigilo dos arquivos, só adquiriu dimensão mais ampla quando foi assumida por outros setores da sociedade e passou a ter repercussão na imprensa. Nesse sentido, pretendemos neste artigo apontar o significativo aumento da produção historiográfica sobre ditadura militar nos últimos 15 anos e a liderança da disciplina de História nos estudos gerais sobre a temática. Inserida em uma série de transformações conjunturais – que vão desde a transformação na política de acesso à informação até a abertura de novos cursos de pós-graduação em universidades que encontram-se fora do eixo Sul-Sudeste – a produção acadêmica sobre ditadura militar tem ganho novas feições mais recentemente: percebemos uma descentralização da produção de D&T nas universidades mais tradicionais do país – ainda que estas continuem sendo responsável pelo volume de pesquisas na área – acompanhada de uma ênfase em pesquisas que caminham no sentido da História Regional.

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em

Informativo eletrônico da ANPUH, edição 22, ano 3 (29/12/2012), disponível em http://www.anpuh.org/resources/image/informeeletronico22/ (acessado em 25/03/2014)

Outras Fontes: APERJ. Os Arquivos das Polícias Políticas: reflexos de nossa história contemporânea. Rio de Janeiro, 1994. CAPES. Relatório de Avaliação 2007-2009 – Trienal 2010 – História. http://trienal.capes.gov.br/wp-content/uploads/2010/12/HIST%C3%93RIARELAT%C3%93RIO-DE-AVALIA%C3%87%C3%83O-FINAL-dez10.pdf (Acessado em 18/03/2014)

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