A DOENÇA COMO PROCESSO DE CONSCIÊNCIA

June 2, 2017 | Autor: Abdul Cadre | Categoria: Esotericism
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A DOENÇA
COMO PROCESSO DE CONSCIÊNCIA
Abdul Cadre

«El todo es Mente; el universo es mental».
El Kybalion


Há muitos anos, vi uma peça de teatro, que mal recordo, mas cuja mensagem – vá lá saber-se porquê? – me ficou de recordação.
Tratava-se da substituição, numa pequena aldeia, de um médico que se reformava por um jovem em início de carreira.
– As pessoas aqui são muito saudáveis, de modo que vai ter muita dificuldade em ganhar a vida com a nossa arte – dizia o mais velho.
– Engano o seu – retorquiu o jovem –, todas as pessoas são doentes, mas nem sempre sabem que estão doentes, é preciso dizer-lhes.
Pois bem, o certo é que, passado pouco tempo, a sala de espera do consultório abarrotava de pacientes.
Isto vem a propósito de quê?
Veja-se como a publicidade faz vender produtos "medicinais" a milhares de pessoas que não têm qualquer necessidade real dos mesmos. Eis que o médico jovem fica cabalmente justificado.
A pergunta que de aqui resulta é a seguinte: as pessoas que consomem aqueles produtos, que podemos suspeitar de serem inúteis, são saudáveis?
É evidente que não são!
Todavia, não sofrem de nenhuma das maleitas que julgam ter e tratar. Do que elas sofrem é de ansiedade e vazio. A ansiedade é boa, não para elas, mas para o comércio: fá-las boas consumidoras; o vazio é mau, porque nada de material o pode preencher.
Também o sofrimento da solidão, que é a incapacidade de nos aceitarmos e de sabermos interiorizar o silêncio, torna-nos sombrios e ansiosos. Nestes casos, as doenças podem ser a companhia poss vel. «Então, você julga que tem mais doenças do que eu?» Perguntava, na sala de espera do Centro de Saúde, uma velhota para outra. Eis a doença como um modo enviesado de enfrentar a solidão; a doença como companhia
Posto isto, distingamos doença, como processo energético, de doença ou doenças distinguíveis pela variedade dos sintomas. Na primeira concepção, o problema é global, isto é, respeita à humanidade como um todo, prende-se com o princípio evolucionário, produz variantes de acordo com as culturas e as circunstâncias sociais e geográficas e introduz registos no ADN. Funciona ao nível do inconsciente colectivo.
Na segunda concepção, que é complementar e consequente da primeira, a circunstância, o modo de vida e o inconsciente individual e de grupo determinam os aspectos de manifestação das doenças, isto é, dos sintomas.
Dizia Sócrates que «se alguém procura a saúde, pergunta-lhe primeiro se está disposto a evitar no futuro as causas da doença; em caso contrário, abstém-te de o ajudar». Francisco de Quevedo era mais suave: «Quem quiser ter saúde no corpo, procure tê-la na alma». Fernando Pessoa entendia o fenómeno com a naturalidade de um mestre: «Uma das formas de saúde é a doença. Um homem perfeito, se existisse, seria o ser mais anormal que se poderia encontrar».
Pensar na cura que não se limite à simples repressão dos sintomas, é tomar consciência total das implicações patológicas, sabendo-se que aceder aos processos de cura de uma forma holística facilita, inclusive, a acção dos fármacos e mesmo a eficácia das técnicas invasivas.
Poderá dizer-se que as doenças (os sintomas) se manifestam por duas ordens de razões: ou porque nos falta algo, ou porque temos algo a mais. Isto é válido tanto para o que nos pareça preponderantemente físico quanto para o que se considere psicossomático. Bem vistas as coisas, abstraindo-nos das consequências, só os traumas físicos não são psicossomáticos.
Perante a doença, podemos olhá-la como um inimigo que urge exterminar ou como um sinal do painel de instrumentos do veículo desta vida no Aquém a que devemos prestar toda a atenção.
No primeiro caso, usando meios de repressão, essa acção pouco inteligente fará com que o "inimigo" se esconda, mas não impede que ele volte mais tarde, do mesmo modo ou com um novo disfarce…
Se olharmos a doença como um aviso, procurarmos as causas e corrigirmos a navegação, podemos aceitá-la até como um mestre que nos faz entender a saúde e a vida.
Antes de mais, é preciso indagar sobre o que se sente no corpo; depois, ver as consequências a nível emocional, as reacções. Seguidamente, perguntar qual a carência ou qual o excesso provocador da desarmonia. Depois, saber que hábito mental, que rotina, que crença desadequada contribui para tal ou qual resposta somática.
Há uma outra forma de encarar a doença como um mestre de iluminação da sombra – os sintomas têm sempre uma parte de sombra – que é, verificando o estado de fragilidade e dependência que ela nos provoca, como se quebram as defesas dos nossos ocultamentos, aprendermos da sinceridade consequente, à semelhança do que se diz em relação ao álcool: in vino veritas.
A este propósito, há um poema de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) muito significativo, quer no título – Tenho uma grande Constipação – quer no conteúdo. Poema que reproduzimos no fim.
De qualquer forma, quanto digamos a propósito da saúde e da doença deve ter em conta aquilo em que acreditamos e que pode, de algum modo, condicionar o que queremos saber.
As crenças têm-se por conforto, por inércia e por indolência mental. Uma mente ágil não se deixa dominar pela crença, apenas a usa por economia de esforços; critica-a e recicla-a por racionalidade, abandona-a por inteligência.
Blavatsky tinha razão e não tinha quando entendia que a mente deturpa o entendimento do real. É verdade que sim – não a mente, mas o que nela circula – mas também nos permite o contrário, porque todas as coisas são o que são mas contêm em si o seu contrário. É por isso que podemos reciclar e reformular tudo: os objectos, as coisas, os pensamentos; reciclarmos as crenças gastas e a ideia que temos de nós próprios. É preciso que nos livremos de dizer «sou como sou», pois não somos assim nem assado, vamo-nos fazendo, isto é, a vida vai-nos fazendo. Se dela entendermos os sinais, caminhamos no sentido do ser, se nos desentendemos, então desencaminhamo-nos.
O nosso equilíbrio é o do artista circense que caminha sobre uma corda e numa mão leva os prós e na outra leva os contras.




TENHO UMA GRANDE CONSTIPAÇÃO

Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.

Poemas / Álvaro de Campos




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