A Dramaturgia da Monarquia Faraônica: O Festival de Osíris durante o Reino Médio Tardio (c. 1976 – 1709 a.C) - (The Pharaonic monarchy\'s dramaturgy: The Osiris Festival during the Late Middle Kingdom (c 1976-1709 BC.)

June 15, 2017 | Autor: Beatriz da Costa | Categoria: Ancient Egypt, Abydos, Egito Antigo, Osiris cult, Osiris Festival
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Beatriz Moreira da Costa

A Dramaturgia da Monarquia Faraônica: O Festival de Osíris durante o Reino Médio Tardio (c. 1976 – 1709 a.C)

Rio de Janeiro

2015

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A DRAMATURGIA DA MONARQUIA FARAÔNICA: O Festival de Osíris durante o Reino Médio Tardio (c. 1976 – 1709 a.C)

Beatriz Moreira da Costa

Instituto de História / CFCH Bacharelado em História

Professora Doutora Regina Maria da Cunha Bustamante Professora Doutora Liliane Cristina Coelho

Rio de Janeiro

2015

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A DRAMATURGIA DA MONARQUIA FARAÔNICA: O Festival de Osíris durante o Reino Médio Tardio (c. 1976 – 1709 a.C)

Beatriz Moreira da Costa

Monografia submetida ao corpo docente do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Bacharel.

Aprovada por: Profª Drª Regina Maria da Cunha Bustamante - Orientadora (Instituto de História / UFRJ) Profª Drª Liliane Cristina Coelho – Coorientadora (Departamento de História / UNIANDRADE) Prof.ª Dr.ª Márcia Severina Vasques (Departamento de História / UFRN)

Rio de Janeiro

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Costa, Beatriz Moreira da. A Dramaturgia da Monarquia Faraônica: O Festival de Osíris durante o Reino Médio Tardio (c. 1976 – 1709 a.C). – Rio de Janeiro, 2015. LXXV f.: il. Monografia (Bacharelado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto de História – IH, 2015. Orientadora: Regina Maria da Cunha Bustamante Coorientadora: Liliane Cristina Coelho 1. Egito Antigo. 2. Festival de Osíris. 3. Reino Médio Tardio. I. Bustamante, Regina Maria da Cunha (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro - Instituto de História. III. Título.

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À Prof.ª Regina Bustamante, que me acolheu com sua bondade e generosidade.

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer à minha mãe, Célia Moreira, pelo zelo sem precedentes, assim como pelo amor e carinho que dedicou a mim desde meu primeiro segundo de vida. Sem seu exemplo como pessoa, profissional da educação, mulher e mãe, eu não seria nem metade do que sou hoje. Ao Pierre Fernandes, pelo companheirismo, paciência e amor. Agradeço à minha orientadora, Prof.ª Regina Bustamante pela generosidade e carinho que, definitivamente, me prestou desde o nosso primeiro contato. Costumo dizer aos amigos que a Prof.ª Regina sempre consegue ver o lado bom das pessoas e distribui simpatia sem pedir nada em troca. É o seu exemplo que levarei para toda a minha carreira acadêmica e profissional. Espero ser metade do que és. Agradeço à minha coorientadora, Prof.ª Liliane Cristina Coelho pelo incentivo que, direta ou indiretamente, me forneceu para superar todas as adversidades que enfrentei durante minha curta trajetória acadêmica. Agradeço ainda pelo carinho e confiança. Agradeço aos membros do Grupo de Estudos Kemet que me ajudam a não perder o amor e o prazer em estudar o Egito Antigo. Diariamente vejo o quanto crescemos em tão pouco tempo, mesmo com tantas complicações. É esse fôlego que manterei enquanto viver. Obrigada, Ana Luiza Duarte, Érica Calil, Jorge Luiz e Maria Luisa Freire. Agradeço ainda ao Prof. Manuel Rolph que acolheu o Grupo de Estudos Kemet e nos proporcionou maravilhosas oportunidades em prol de nosso aprimoramento enquanto grupo. Ao Prof. Wagner Pinheiro pelo valor e reconhecimento do meu esforço incansável. Ao Prof. André Chevitarese que é exemplo para todos com sua humildade e benevolência. Ao Prof. Moacir Elias Santos pela ajuda e carinho. À Prof.ª Margaret Bakos, pelo apoio afetivo e pelo incentivo. Ao Prof. Júlio Gralha pelo apoio que me proporcionou para continuar estudando o Egito Antigo. À Prof.ª Evelyne Azevedo pela simpatia. A todos os professores do Instituto de História que contribuíram cada um de sua forma. Aos membros e professores do Laboratório de História Antiga (LHIA-UFRJ), do Centro de Estudos Interdisciplinares da Antiguidade (CEIA-UFF) e do Núcleo de Estudos da

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Antiguidade (NEA-UERJ) que forneceram diversos cursos de extensões e eventos acadêmicos que contribuíram imensamente para a minha formação. Agradeço à Thais Rocha pelo apoio. À Szuzsanna Végh pela simpatia e gentileza em me enviar seus trabalhos apresentados em congressos na Europa sobre o culto de Rá em Abidos. Ao amigo Ahmed Amer II por ser um grande companheiro nessa jornada. Aos bibliotecários do Institut français d'Archéologie Orientale que digitalizaram um artigo de importância crucial para o andamento da minha monografia. Aos amigos e companheiros, que longe ou perto, forneceram seu carinho e paciência. Gostaria de agradecer especialmente à Valéria Marques e Natália Seixas que sempre se mostraram preocupadas com o andamento da minha pesquisa. Ao Prof. Ciro Flamarion Cardoso que nunca tive a honra de conhecer pessoalmente, mas que sempre será meu exemplo como egiptólogo.

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Não te envaideças de teu conhecimento, toma o conselho tanto do ignorante quanto do instruído, pois os limites da arte não podem ser alcançados e a destreza de nenhum artista é perfeita. Ensinamentos de Ptah-Hotep

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RESUMO

COSTA, Beatriz Moreira da. A Dramaturgia da Monarquia Faraônica: O Festival de Osíris durante o Reino Médio Tardio (c. 1976 – 1709 a.C). Orientadora: Professora Doutora Regina Maria da Cunha Bustamante. Coorientadora: Professora Doutora Liliane Cristina Coelho. Rio de Janeiro: UFRJ / IH, 2015. Monografia (Bacharelado em História).

Em nosso trabalho, estudamos O Festival de Osíris que consiste em uma das principais evidências da importância de Osíris e de Abidos no Reino Médio, o qual foi alvo de atenção da maioria dos faraós reinantes durante o período. O festival traz em si elementos que relembram a origem mítica da realeza egípcia e que reafirmam a posição do faraó como força de equilíbrio do cosmos. Peregrinos vinham de todo o Egito para acompanharem a procissão e erigiam estelas em capelas votivas voltadas para a via em que ocorria, para que pudessem se beneficiar da festividade. Através de Estelas provenientes do acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, analisamos a participação de particulares no festival, buscando identificar os meios pelos quais a festividade legitimava a norma social e de que forma criava espaços para tensionamentos e desejos individuais.

Palavras-Chaves: Egito Antigo; Festival de Osíris; Abidos.

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ABSTRACT

COSTA, Beatriz Moreira da. A Dramaturgia da Monarquia Faraônica: O Festival de Osíris durante o Reino Médio Tardio (c. 1976 – 1709 a.C). Orientadora: Professora Doutora Regina Maria da Cunha Bustamante. Coorientadora: Professora Doutora Liliane Cristina Coelho. Rio de Janeiro: UFRJ / IH, 2015. Monografia (Bacharelado em História).

In our work, we study the The Osiris Festival, which is one of the main evidence of the importance of Osiris and Abydos in the Middle Kingdom. The festival received attention of most ruling pharaohs during the period. The festival includes elements reminiscent of the mythical origin of Egyptian royalty, which reaffirm the position of pharaoh like Cosmos balancing force. Pilgrims came from all over Egypt to accompany the procession and they erected stelae in votive chapels focused on the way in what happened, so they could benefit from the festival. Through stelae from the collection of the National Museum of Rio de Janeiro, we analyzed the individuals' participation in the festival, seeking to identify the means by which the festival legitimized the social norm and through which means creating spaces for tensions and individual desires.

Keywords: Ancient Egypt; Osiris Festival; Abydos.

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Lista de Figuras Figura 1. Pedra de Palermo. ________________________________________________ p.12 Figura 2. Lista Real do Templo de Seti I em Abidos. ____________________________ p.13 Tabela 1. Cronologia do Egito Antigo por Wolfram Grajetzki.________________ p.14 e 15 Figura 3. Festival de Opet. Relevo proveniente do Templo de Hatshepsut. ___________ p.26 Figura 4. Estela de Ikhernofret. _____________________________________________ p.27 Figura 5. Planta Arqueológica de Abidos. _____________________________________ p.32 Figura 6. Reconstrução de Capelas Votivas. ___________________________________ p.32

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Mapa do Egito Antigo

DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Egito Antigo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 23

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Sumário Introdução ................................................................................................................................. 1 Capítulo 1. História e Sociologia: um diálogo profícuo. ...................................................... 5 Capítulo 2. O Egito Antigo durante o Reino Médio (c. 2008 – 1685 a.C.). ....................... 11 2.1. Periodização da História do Egito Antigo. ............................................................... 11 2.2. O Reino Médio e as estratégias do poder real. . ........................................................ 16

Capítulo 3. O poder simbólico do Festival de Osíris: habitus e estratégia. ........................ 21 3.1. A associação entre Osíris e Abidos: estratégia. ......................................................... 21 3.2. A Estrutura ritual do Festival de Osíris e a construção de um habitus. ................ 24 3.3. As Estelas do Museu Nacional do Rio de Janeiro: redes de interdependência. ...... 33

Considerações Finais ............................................................................................................. 37 Referências Bibliográficas .................................................................................................... 40 Pranchas Analíticas ............................................................................................................... 43

Introdução O Egito Antigo é comumente conhecido por ser uma sociedade centrada em si mesma e com uma monarquia forte e centralizada. Aspectos esses que ajudaram na manutenção de sua estrutura político-econômica durante milênios de História. Entretanto, há de se fazer ressalvas sobre essas afirmações, não só buscando relativizá-las, mas também traçando um quadro teórico que demonstre as relações que se estabeleceram no interior da sociedade egípcia para que tais formulações tenham chegado até nossos dias. A monarquia egípcia possui conceitos internos, tais como a divindade do governante até teorias pós-morte, que a legitima. A presença de um governante forte, na antiguidade egípcia, é requisito para uma monarquia centralizada, para isso, há a presença de elementos míticos e religiosos que reforçaram não só a legitimidade do governante, mas também proveram meios para a manutenção de seu poder. Dois dos conceitos que se associam ao papel do faraó no mundo são o de estabilidade e harmonia, ou seja, o faraó é o principal provedor da estabilidade cósmica e do afastamento do caos. Ao longo da história egípcia, foram construídos monumentos, templos voltados ao culto dos deuses ou do faraó, estátuas e textos literários que buscavam a autopromoção do governante. A formação de mitos e rituais performáticos funcionava com a mesma lógica. O Mito de Osíris1, por exemplo, é entendido por estudiosos como o principal mito legitimador da monarquia faraônica: o deus Osíris é traído e morto por seu irmão Seth, mas a harmonia e a justiça prevalecem, e Hórus, filho de Osíris, consegue retomar o trono e a estabilidade que haviam sido corrompidas por Seth. Ao nos depararmos com os festivais em honra de Osíris e sua estrutura ritual, a qual encena as etapas principais do Mito de Osíris, nos perguntamos qual o papel que ele teria desempenhado na antiguidade egípcia. Sabe-se que os funcionários ou o próprio faraó deveriam comandar os festivais no Egito Antigo, tendo, também, a evidência de participação

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De acordo com o mito na versão de Plutarco (45 – 120 d. C): Osíris, faraó do Egito, é traído e assassinado por seu irmão Seth, tendo seu trono usurpado. Seth, com a intenção de impedir a mumificação do irmão, espalha seus restos mortais em todo o Egito. A deusa Ísis, esposa de Osíris, consegue juntar todos os pedaços, exceto o seu órgão reprodutor, que durante o ritual de mumificação feito por Anúbis, surge em forma de madeira e fecunda Ísis que mais tarde dará à luz Hórus. Hórus, representado com corpo de homem e cabeça de falcão, perdeu o olho direito na batalha contra seu tio Seth, aonde vingou seu pai e retomou o trono do Egito. Ver discussão na página 21.

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de indivíduos que não eram da realeza durante o ritual, uma vez que a peregrinação de pessoas de todo o Egito é fato concebido pelos estudiosos. Nesse sentido, partindo da premissa que o poder é relacional, nos questionamos sobre a esfera de ação dessa ideologia real. Sabemos que a grande maioria dos textos e fontes que possuímos para o estudo do Egito Antigo, contribui para a imagem do faraó como divindade. Entretanto, tais fontes são porta-vozes da realeza e da elite egípcia. O estudo das camadas sociais menos abastadas é dificultado pela reduzida quantidade de fonte que possuímos. Entendemos, por meio do presente trabalho, a possibilidade em lançar mão de hipóteses mais gerais sobre a estrutura da sociedade egípcia e as relações que nela se desenhavam. Dessa forma, nosso trabalho busca trazer elementos que contribuam para a compreensão da sociedade egípcia durante o Reino Médio Tardio (c. 1976 – 1709 a.C.) tomando como ponto de partida um festival que ocorria em Abidos durante o período. O Festival de Osíris, objeto de estudo, é um grande festival o qual recebia peregrinos todos os anos. Nele são realizados ritos performáticos que simulam passagens do Mito de Osíris. Pretendemos demonstrar pontualmente como esse festival – O Festival de Osíris realizado extensivamente durante o Reino Médio (c. 2008 - 1685 a.C.), contribuiu para a manutenção da monarquia faraônica e, principalmente, para a figura do soberano enquanto herdeiro legítimo do trono. Procuramos analisar ainda a participação de oficiais da corte egípcia durante esse festival, no contexto específico das estelas erigidas em capelas votivas na rota processional, visando identificar uma rede de interdependência, assim como compreender como se deram as relações entre os que recebiam as mensagens e os que as transmitiam durante o festival. No que concerne às fontes que usamos para fundamentar nossas hipóteses elencamos estelas as quais achamos prudente realizar análise epigráfica de forma simplificada. São onze estelas provenientes de Abidos, produzidas durante o Reino Médio (c. 2008 - 1685 a.C.), as quais tinham como objetivo compor de alguma forma o Festival de Osíris. São elas: a estela encomendada por Senusret III (c. 1872 – 1834 a.C.) à Ikhernofret com as etapas do festival e dez estelas votivas provenientes do acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, as quais pertenciam a cenotáfios construídos na via processional do festival.

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Decidimos não realizar análise iconográfica das estelas neste trabalho, pois para o objetivo específico não foi condizente com a necessidade. Afirmamos que as iconografias das estelas possuem elementos mágicos e simbólicos a serem estudados posteriormente. Entretanto, em nosso recorte, estudamos o próprio festival como o grande porta-voz da mensagem simbólica, o qual, na sua grande parte, todos podiam ter acesso. Sendo assim, as estelas dizem muito sobre os particulares que as construíram e sobre a função do festival em si, e foi por esse viés que decidimos analisá-las. Em nosso trabalho, optamos por utilizar a cronologia desenvolvida por Wolfram Grajetzki2, pois se trata de um especialista no período que estamos estudando, além de incluir uma excelente discussão sobre periodização nos livros de sua autoria consultados durante a pesquisa. Dividimos a explanação da nossa pesquisa em três capítulos que dialogam entre si e se complementam. O primeiro capítulo consiste na explicação do quadro teórico utilizado como chave interpretativa do nosso objeto de estudo. Analisamos conceitos de sociólogos e sua devida aplicabilidade nos estudos históricos. Os conceitos abordados foram habitus, campo, capital e poder simbólico do francês Pierre Bourdieu, assim como os conceitos de rede de interdependência e figuração do sociólogo alemão Norbert Elias. Abordamos ainda teóricos sobre poder e ritual tais como Bourdieu e Elias, e ainda Ciro Flamarion Cardoso, Georges Balandier e Martine Segalen. Tais conceitos foram cruciais para compreendermos a estrutura do Festival de Osíris e seu papel na sociedade egípcia. No segundo capítulo procuramos trazer a discussão sobre como se construiu historicamente a periodização das dinastias egípcias, assim como procuramos traçar as contribuições das fontes de origem egípcia para a elaboração das datações e a compreensão delas pelos primeiros autores que se preocuparam em escrever uma história do Egito. Abordamos ainda o enquadramento histórico do Reino Médio, procurando elencar os principais acontecimentos conhecidos. Entretanto, tomamos como prioridade demonstrar a preocupação da realeza faraônica em relação à construção e manutenção de templos em Abidos.

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GRAJETZKI, Wolfram. The Middle Kingdom of Ancient Egypt: History, Archaeology And Society. London: Duckworth, 2006.

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O terceiro capítulo conta com a historicização do objeto de estudo, ou seja, colocamos o Festival de Osíris e o próprio culto de Osíris em Abidos em perspectiva histórica. Versamos sobre as diferentes perspectivas e teorias que associam historicamente Osíris e Abidos, trazendo a explicação de cada egiptólogo que se preocupou em entender essa relação. Nesse capítulo, elaboramos uma discussão sobre o que se entende por ritual e quais são os tipos mais recorrentes no Egito Antigo. Após tal explanação, focalizamos a estrutura do Festival de Osíris em si, trazendo a estela de Ikhernofret e sua interpretação pela egiptóloga MarieChristine Lavier3. Por fim, problematizamos a utilização da cultura material como fonte e seus desafios para o historiador, para enfim, apresentarmos um panorama sobre as estelas erigidas em capelas para o Festival de Osíris e a esfera de ação dos particulares no festival.

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LAVIER, Marie-Christine. Les Mystères d'Osiris à Abydos d'après les stèles du Moyen Empire et du Nouvel Empire. Hamburg: Helmut Buske Verlag, 1989.

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Capítulo 1. História e Sociologia: um diálogo profícuo. A pesquisa histórica está em constante transformação, uma vez que não existe verdade absoluta na História. Por isso, pode-se afirmar que os objetos de estudo da pesquisa histórica são compostos pela dinamicidade que lhes é característica. Para auxiliar na reflexão do nosso objeto, dialogamos com a Sociologia. A aproximação entre a Sociologia e a História é defendida pelos autores mobilizados em nossa pesquisa. A tentativa de compreender as relações sociais que compõem a estruturação de uma hierarquia, demanda também o estudo das relações entre indivíduo e sociedade. E pensar essa relação, nos fez recorrer aos estudos de Pierre Bourdieu e Norbert Elias. Sociólogos do século XX, ambos são pioneiros em diversas formulações teóricas e dedicaram escritos aos estudos da interação entre indivíduo e sociedade. A obra sociológica de Bourdieu procura superar a oposição clássica entre a Sociologia estruturalista objetivista e a subjetivista. Isto é, os escritos de Bourdieu contribuem para o entendimento das articulações sociais, reconhecendo a função das estruturas na mobilização teórica para os estudos sociológicos, além de salientar o lugar dos agentes (indivíduos e grupos). Condizente com essa diretriz de Bourdieu, encontra-se o “estruturalismo genético” que analisa o objeto sem retirá-lo da sua condição de produção. Nesse caso, a formação das ideias é tributária da sua condição de produção.4 O resultado dessa atribuição da condição de produção às ideias colabora para que os principais conceitos formulados por Bourdieu, tais como habitus e campo sejam inerentemente históricos. Bourdieu afirma que os agentes estão inseridos em campos sociais específicos, que são determinados de acordo com o capital (cultural, econômico, político, social etc.) que possuem. E é o habitus de cada indivíduo ou grupo que determina sua disposição espacial dentro do campo. Ambos os conceitos serão necessários para compreendermos o nosso objeto de estudo: o Festival de Osíris. Dessa forma, procuramos mobilizá-los de maneira condizente com a temporalidade estudada.

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THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Rev. Adm. Pública. 2006, vol.40, n.1, p. 30.

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Bourdieu define o conceito de campo como “espaço estruturado de posições (ou de postos) onde as propriedades dependem de sua posição dentro destes espaços e que podem ser analisados independentemente das características de seus ocupantes (em parte determinado por elas).”5 Ou mesmo “como um sistema de desvio de níveis diferentes e nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem nos atos ou nos discursos que eles produzem,

têm

sentido

senão

relacionalmente,

por

meio

do

jogo das oposições e das distinções”6. Dessa forma, o campo se define através das tensões entre agentes e a sociedade. São espaços estruturados onde os agentes se tensionam visando manter ou adquirir um lugar na hierarquia vigente. O campo é resultante de um processo de distinção social e todo campo é composto por indivíduos que possuem o mesmo habitus. Cada campo é composto de acordo com as relações vigentes em cada especificidade espaço-temporal. Diretamente interligado com o conceito de campo, temos o conceito de habitus, que segundo Bourdieu pode ser definido como sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes.7

Sendo assim, habitus consiste na estrutura pela qual os agentes apreendem o mundo social e se posicionam no campo. Bourdieu afirma que o habitus dos atores sociais não é estático. Ao contrário disso, o habitus é composto por estratégias individuais pelas quais o indivíduo que toma consciência da disputa social dentro de seu campo pode manipular mais capital e estrategicamente posicionar-se com maior prestígio dentro do campo. A necessidade de Bourdieu traçar o conceito de habitus surge de seus estudos sobre as relações entre os agentes (os indivíduos e grupos) e as estruturas sociais (e sociedade). A interação entre as duas esferas resulta em espaços de ação e adaptação por parte dos agentes. Dessa forma, Bourdieu rompe com o estruturalismo e com a dicotomia objetividade e subjetividade. O autor defende que não há de se defender o objetivo nem o subjetivo, pois as relações sociais se dão das duas formas. 5

BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 89. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 60 7 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 191. 6

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O conceito de campo de Bourdieu se aproxima consideravelmente do conceito de (con)figuração do sociólogo Norbert Elias. Elias evidencia o aspecto inter-relacional de qualquer exercício de poder. O conceito de interdependência é chave no livro A Sociedade de Corte8, pois mostra que os indivíduos, independente da condição social que possuem, dependem um do outro, ou seja, os indivíduos não podem ser entendidos separadamente. Os indivíduos devem ser entendidos nas relações sociais que se estabelecem de dependência mútua, como, por exemplo, a relação do Rei com seus súditos. Os súditos dependem do Rei, mas o Rei também depende dos seus súditos. Elias define a ideia de figuração basicamente no entendimento das organizações sociais compostas pelas relações de interdependência entre os indivíduos. Ou seja, a interdependência e o conceito de figuração não são dissociados: Quanto mais intimamente integrados forem os componentes de uma unidade compósita ou, por outras palavras, quanto mais alto for o grau da sua interdependência funcional, menos possível será explicar as propriedades dos últimos apenas em função das propriedades da primeira. Torna-se necessário não só explorar uma unidade compósita em termos das suas partes componentes, como também explorar o modo como esses componentes individuais se ligam uns aos outros, de modo a formarem uma unidade. O estudo da configuração das partes unitárias ou, por outras palavras, a estrutura da unidade compósita, torna-se um estudo de direito próprio. Essa é a razão pela qual a sociologia não se pode reduzir à psicologia, à biologia ou à física: o seu campo de estudo – as configurações de seres humanos interdependentes – não se pode explicar se estudarmos os seres humanos isoladamente. Em muitos casos é aconselhável um procedimento contrário – só podemos compreender muitos aspectos do comportamento ou das ações das pessoas individuais se começarmos pelo estudo do tipo da sua interdependência, da estrutura das suas sociedades, em resumo, das configurações que formam

uns com os outros.9 Tanto Pierre Bourdieu quanto Norbert Elias estudam as relações entre indivíduos e sociedade, mas também as formas de poder presentes nessa relação. Os conceitos de habitus e campo de Bourdieu e o conceito de interdependência de Elias contribuem para o estudo das relações de poder no interior da sociedade. O poder seria facilmente dissipado se quem o possui fizesse somente por meio da força física para mantê-lo, nos lembra Pierre Bourdieu. Como e através de quais mecanismos 8

ELIAS, Norbert. A Sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 9 ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. Lisboa: Edições 70, 1970, p. 78 - 79

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nossos governantes se mantêm no poder? Como poucos homens conseguem comandar uma nação tão numerosa por tanto tempo? Não utilizam apenas artifícios visíveis, mas também invisíveis. Para Bourdieu, o poder simbólico é esse poder invisível que só é exercido se for invisível, pois quem está sujeito a ele, não se dá conta. Transforma-se os subjugados em cúmplices inerentes. Georges Balandier, em concordância com essa ideia, reforça que nenhum poder pode ser mantido somente pela violência e força. Para isso, governantes fazem uso de mecanismos simbólicos para construírem a efetividade de seu poder. Dessa forma, o poder só se realiza e se conserva, através da “transposição, pela produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua organização em um quadro cerimonial”10. Tais operações, afirma Balandier, são transmitidas de diversas formas, combináveis ou não, mas sempre apresentando um ideal de sociedade e legitimando as hierarquias governamentais estabelecidas. O autor afirma “logo que a dramaturgia política traduz a formulação religiosa, ela faz uma réplica da cena do poder ou uma manifestação do outro mundo. A hierarquia é sagrada - como diz a etimologia – e o soberano depende da ordem divina.” Nenhum dos dois autores citados tem como objeto de estudo o Egito Antigo, porém estudam o poder. E o poder simbólico, a manutenção de uma posição hierarquicamente privilegiada através de mecanismos simbólicos, pode se fazer presente em todas as formações sociais, em diversos tempos históricos. Não por acaso os trechos de Georges Balandier citados acima podem parecer familiares para um estudioso do Egito Antigo, como se fizessem referência direta à monarquia egípcia e aos meios de manutenção do poder faraônico. Podemos afirmar que a manutenção do status divino do faraó no Egito Antigo sempre foi de grande importância para a ideologia real. A divindade do faraó e a manutenção do cosmos eram essenciais para o equilíbrio do Egito. Para não perder o status de divindade, o faraó participava de numerosos rituais e festivais destinados a reforçar seu poder divino e a sua relação com o ka real ao longo do tempo. Um festival é, acima de tudo, um ritual. Em todas as sociedades há ritos e rituais, os quais são utilizados de diversas formas. É de grande relevo o caráter estratégico do processo

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BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: Editora UnB, 1982, p. 7.

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ritualístico por meio da consolidação de imagens, levando à aceitação social. Segundo Segalen11, O rito ou ritual é um conjunto de atos formalizados, expressivos, portadores de uma dimensão simbólica. O rito é caracterizado por uma configuração espaço-temporal específica, pelo recurso a uma série de objetos, por sistemas de linguagens e comportamentos específicos e por signos emblemáticos cujo sentido codificado constitui um dos bens comuns do grupo. O uso do ritual é paralelo ao aparecimento da humanidade.

A eficácia dos rituais se dá nas demonstrações de sentimentos coletivos, de símbolos que portam diversos significados e que são recepcionados pela coletividade participante. Corroborando com a definição de Segalen, Ciro Flamarion Cardoso 12 afirma que muito mais do que instrumento de legitimação ou de poder, a ação ritual é poder. O autor ainda considera que o poder é relacional, ou seja, não é exercido somente por um governante, mas também é significado por quem o recepciona. Dessa forma, uma das funções importantes do ritual é a legitimação da hierarquia social, ressaltando as diferenças e os privilégios. Entretanto também é espaço de negociação e mudança social. Considerando-se o poder como uma relação, e não como algo que se exerce unilateralmente, a ação ritual é poder, mais do que simples instrumento de poder e controle. Uma das funções que exerce é, sem dúvida, legitimar a hierarquia social, com suas diferenças e privilégios. Sendo o poder uma relação, o poder que se exerce num ritual tanto pode, eventualmente, ser fator de conformidade (talvez mais frequentemente) quanto de mudança social. O funcionamento de um sistema ritual exige a presença de elementos de constrangimento, mas também de possibilidade, abertura, pelo menos, relativa e negociação, para que sua eficácia possa se manifestar. Em certos casos, o ritual improvisa, e ele pode ser um locus em que a tradição é revisada mais do que simplesmente reafirmada.13

O poder é relacional e isso é apreendido tanto por Ciro Flamarion Cardoso quanto por Pierre Bourdieu e Norbert Elias. Logo, entendemos que estudar a monarquia faraônica e um ritual específico que a legitimou, não é só analisar a mensagem passada por si mesma, mas também procurar preencher as lacunas e entender sua recepção. Para Elias, a disposição espacial que os indivíduos preenchem na estrutura social e o posto que ocupam, visando alcançar prestígio, vai se dar de acordo com a localização que

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SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002, p. 31. CARDOSO, Ciro Flamarion. Os festivais como encenação da sociedade. Phoinix, Ano 18, v. 18, n. 1. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012, p. 12-26. 13 Ibidem, p. 14. 12

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ocupam na rede de interdependência. E essa visão vai de encontro com o conceito de campo e habitus de Bourdieu, onde os indivíduos buscam através de um determinado tipo de capital, tensionar o habitus individual com o do grupo e, assim, ocupar um local privilegiado no campo. Dessa forma, a maneira que o poder há de se estabelecer, depende dos tensionamentos e das disputas internas estabelecidas dentro do campo ou das redes de interdependência. Vimos que a ação ritual é considerada diretamente poder, como dito anteriormente, consideramos o poder como relacional e simbólico, sendo “o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo.”14. Nesse caso, as produções simbólicas atuam como forma de dominação e de diferenciação entre o setor dominante da sociedade e o dominado. Mas, como foi dito anteriormente, por mais que haja mecanismos simbólicos que inculcam a aceitação social da dominação, também há espaço para negociação, pois, no tensionamento das relações de poder, são levados a cabo as estratégias. Segundo Janet Richards, os faraós da XII dinastia (c. 1938 -1759 a.C.) manipularam o sítio arqueológico de Abidos ao seu favor, reescavando e ressignificando o local15. A região associada à tumba de Osíris foi um dos objetos da estratégia real visando à legitimação, resultando na manipulação da memória, fazendo com que a região virasse um imenso foco de festivais e peregrinação. Nessas festividades, há a divulgação de mensagens, símbolos que auxiliam na manutenção da ordem. A efetiva presença de setores reais e não reais em Abidos durante as festividades dedicadas a Osíris significa que houve receptividade da mensagem passada e possível brecha para negociação, estratégia, mudança e tensionamento.

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BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. 6. RICHARDS, Janet. Society and Death in Ancient Egypt: Mortuary Landscapes of the Middle Kingdom. Cambridge: Cambridge University Express, 2005. 15

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Capítulo 2. O Egito Antigo durante o Reino Médio (c. 2008 – 1685 a.C.) 2.1. Periodização da História do Egito Antigo A periodização da história do Egito Antigo se deve a um sacerdote egípcio chamado Manethon que viveu durante o período ptolomaico. Manethon escreveu a obra denominada Aegyptiaka em 3 volumes, em grego, a qual continha uma listagem de faraós reinantes. Entretanto, sua obra não chegou até nós. Flávio Josefo (século I d.C.), Júlio Africano (século III d.C.), Eusébio de Cesarea (no século IV d.C.) e Jorge Cincelo (monge bizantino do século VIII d.C.), personagens da Antiguidade Tardia e da Alta Idade Média, tiveram acesso à listagem de Manethon e redigiram suas versões. Parte dos fragmentos da Aegyptiaka que temos acesso provêm desses autores. Manethon produziu suas hipóteses cronológicas a partir de Listas Reais que podem ser encontradas em templos ou em monumentos antigos. As grandes maiorias das Listas Reais templárias não tinham o propósito de registrar a história do Egito Antigo, mas sim prestar culto aos antepassados. Mesmo possuindo o caráter ritualístico e não historiográfico, podemos usar esses registros como fontes para a datação da história egípcia, como Manethon o fez. O sacerdote egípcio baseou-se principalmente na Pedra de Palermo – também conhecida como Anais Reais de Memphis -, no Papiro Real de Turim e nas Listas Reais dos Templos de Seti I e Ramses II em Abidos. O que nomeamos de Pedra de Palermo é um fragmento de uma pedra de basalto que se encontra exposto no Museu Arqueológico de Palermo. Outros fragmentos da pedra encontram-se em outros museus no Cairo e em Londres. A Pedra de Palermo possui inscrições em ambos os lados e contém uma listagem de faraós do período pré-dinástico até o terceiro faraó da V Dinastia. A Pedra de Palermo contém informações sobre o ano de reinado de cada faraó citado. Como se pode observar na Figura 1, cada espaço retangular corresponde a um evento real.

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Figura 1. Linha 1 e Linha 2 da Pedra de Palermo. (Verso). O desenho pertence à obra de HORNUNG, Erik. KRAUSS, Rolf. WARBURTON, David A. (eds). Ancient Egypt Chronology. Leiden: Brill, 2006, p. 19.

Outra fonte utilizada por Manethon foi o Papiro Real de Turim. O papiro encontra-se exposto no Museu Egípcio de Turim, provavelmente foi escrito durante o reinado de Ramses II e menciona os faraós reinantes anteriores a Ramsés II. Entretanto, inicia sua contagem de faraós de forma mitológica, ou seja, os primeiros faraós reinantes são deuses. Kim Ryholt16 afirma que esse é o único documento que se pode considerar como uma “listagem de reis de verdade”, pois o principal propósito foi de fato o registro da sucessão dos faraós e não o caráter ritualístico. O papiro assinala sequencialmente o reinado dos faraós, assim como contribui com eventos importantes. Podemos citar ainda as Listas Reais de Seti I e Ramses II. Essas listas estão presentes no interior dos templos construído pelos faraós em Abidos. Como dito anteriormente, essas listas possuem caráter ritualístico e por isso devemos tomar cuidado ao utilizá-la para o estudo das sucessões de reinado. Elas não citam os faraós que se distanciaram do papel que oficialmente tinham que cumprir, ou seja, faraós ilegítimos, tais como Hatshepsut e Akhenaten. Na Figura 2 aparecem à esquerda, o faraó Seti I e seu filho Ramses II prestando culto aos antepassados listados à sua frente.

16

RYHOLHT, Kim. The Turin King-List or So-Called Turin Canon (TC) as a Source for Chronology. IN:HORNUNG, Erik. KRAUSS, Rolf. WARBURTON, David A. (eds). Ancient Egypt Chronology. Leiden: Brill, 2006.

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Figura 2. Lista Real do Templo de Seti I em Abidos. A figura pertence à obra de WENGROW, David. The Archeology of Early Egypt: Social Transformations in North-East Africa, C.10,000 to 2,650 BC. Crambidge: Cambridge University Press, 2006, p. 130.

De acordo com Erik Hornung17, a obra Aigyptiaka comporta muita similaridade com o Papiro Real de Turim, pois existe a inclusão de grande parte dos faraós, incluindo os ilegítimos, possuindo seus nomes e duração de reinado, estão ainda distribuídos em grupos e listados sequencialmente. Baseando-se nesses documentos listados acima, o sacerdote Manethon dividiu a história do Egito Antigo em 31 dinastias. Iniciando com o governo do faraó Menés (Narmer) e finalizando com a conquista de Alexandre, O Grande em 332 a.C. A divisão em 31 dinastias de Manethon comporta divergência com a realidade. O sacerdote utilizou as fontes de origem egípcia antiga de forma muito direta, dessa forma, incluiu reinados sempre subsequentes uns aos outros. Entretanto, sabemos que houve governos com regência conjunta, assim como dinastias simultâneas. Isso quer dizer que em períodos de instabilidade política, alguns faraós governaram certas localidades do Egito Antigo durante o mesmo período. Assim como, a partir do Reino Médio (c. 2008-1685 a.C.), instaurou-se a corregência, onde o faraó sucessor reinava por um período juntamente ao faraó governante.

17

HORNUNG, Erik. et all. Op. Cit. 10, p. 34.

13

É importante salientar e explicar alguns termos característicos sobre o assunto, visando à continuação do debate. Em primeiro lugar, ressaltamos o significado do termo “dinastia”. É comum ligarmos diretamente o termo dinastia ao fato de uma família suceder ao trono, como acontece na Idade Moderna. Entretanto, no Egito Antigo, dinastia não está ligada ao laço consanguíneo entre os governantes que se sucedem ao longo do tempo. O pertencimento de um faraó a uma determinada dinastia egípcia significa que um preciso grupo de governantes, incluindo ele, eram provenientes de uma localidade específica e/ou mudaram a capital do Egito para alguma localidade e/ou tinham como espaço de enterramento um nomo determinado. Contudo, isso foi uma forma de agrupamento realizada por Manethon. Os egípcios antigos não contavam o tempo dessa maneira. Para um funcionário real prestando serviço durante o primeiro ano de governo de Senusret III, ele estava vivendo sob o “Ano 1 do Reinado de Senusret III”. Ou seja, os anos, para os egípcios, eram dados conforme o reinado do faraó. Assim que um faraó sucedia o outro, a contagem dos anos era zerada. Os egiptólogos permanecem em discussão sobre a questão da cronologia do Egito Antigo. Até a atualidade, existem divergências sobre o ano de reinado de cada faraó e a duração de seu governo. As fontes egípcias, assim como a obra de Manethon servem como importante subsídio para tais discussões. Entretanto, a interpretação de cada fonte se difere para cada escola egiptológica. Sabemos que, de acordo com o calendário solar egípcio18, havia 12 meses de 30 dias no calendário egípcio, com o adicional de mais 5 dias, completando, assim, 365 dias. O mais problemático é transpor esse calendário para o calendário ocidental. A cronologia a ser utilizada em nosso trabalho é a do egiptólogo Wolfram Grajetzki. O autor, em seu livro intitulado The Middle Kingdom of Ancient Egypt, propõe as seguintes datas:

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É importante citar a existência de outros calendários no Egito Antigo, tais como o Calendário Lunar, o qual determinava as festividades.

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Tabela 1. Cronologia do Egito Antigo para Wolfram Grajetzki

Período

Dinastias

Datas

Nagada

---------------------

(c. 4000-3000 a.C.)

Período Dinástico Primitivo

Dinastia I e a Dinastia II

(c. 3000 - 2700 a.C.)

Reino Antigo

Dinastia III até a Dinastia VI

(c. 2700 - 2150 a.C.)

Dinastia VII até a Dinastia XI

(c. 2150 - 2008 a.C.)

Reino Médio

Dinastia XI até a Dinastia XIII

(c. 2008 - 1685 a.C.)

Segundo Período

Dinastia XIV até a Dinastia

Intermediário

XVII

Primeiro Período Intermediário

Reino Novo

Dinastia XVIII até a Dinastia XX

(c. 1685 - 1550 a.C.)

(c. 1550 - 1069 a.C.)

Terceiro Período

Dinastias XXI até a Dinastia

Intermediário

XXV

Período Tardio

Dinastia XVI

(664 - 525 a.C.)

Primeiro Período Persa

Dinastia XVII

(525 – 404 a.C.)

Período Dinástico Tardio

Dinastia XVIII até a Dinastia XXX

(c. 1069 - 664 a.C.)

(404 – 343 a.C.)

Segundo Período Persa

Dinastia XXXI

(343 – 332 a.C.)

Período Ptolomaico

-----------------------

(332 – 30 a.C.)

Período Romano e Bizantino

-----------------------

(30 a.C. – 640 d.C.)

Como dito anteriormente, a cronologia do Egito Antigo é alvo de inúmeros debates. Outros egiptólogos seguem e propõem outras interpretações para os vestígios materiais achados e fundamentam suas hipóteses a partir deles. Dessa forma, existem diversas 15

cronologias para cada período, às vezes divergindo umas entre as outras cerca de décadas. Na nossa pesquisa, escolhemos utilizar a proposta cronológica do egiptólogo Wolfram Grajetzki, pois o autor é especialista do período abordado, além de ser um dos principais referenciais para a construção da parte histórica do Reino Médio em nossa pesquisa. Tomando a tabela acima como parâmetro, todas as terminologias de periodização egípcia trazidas nesse trabalho irão seguir tais datações. 2.2. O Reino Médio e as estratégias do poder real O Primeiro Período Intermediário (c. 2150 – 2008 a.C.) consiste em um momento de instabilidade política, onde o Egito estava dividido em várias unidades políticas que possuíam governantes quase independentes, e de certo pessimismo expressado, principalmente, através da abundante literatura. Segundo Rosalie David19, a situação interna do país estava em crise. O colapso da monarquia em Mênfis conduziu um período de caos e desordem, resultando em problemas tais como ausência de uma administração central forte, fome e irregularidade no sistema de irrigação. Já a situação externa lidava com a ausência de atividade comercial, ou de qualquer outra função com os povos anteriormente próximos – sírio-palestina, Biblos, Mediterrâneo, Sinai, Núbia –. E, além disso, os Beduínos, “habitantes da areia”, invadiram o Delta por volta do fim da VIII dinastia (c. 2150 a.C.) agravando o colapso político e social. O período compreendido historiograficamente como Reino Médio (c. 2008-1685 a.C.) é uma fase caracterizada pela unidade política no Egito Antigo. Os faraós reinantes durante o ínterim são retomados com glorificação durante o Reino Novo, por exemplificarem a maneira mais indicada de ser um monarca egípcio. Os próprios egípcios chamavam de período “clássico”. Wolfram Grajetzki elucida que é importante estudarmos o Reino Médio, tomando o Primeiro Período Intermediário como plano de fundo. Isso quer dizer que a estrutura política e econômica estabelecida pelo Egito durante a XI até a XIII dinastia (c. 2008-1685 a.C.) está diretamente ligada às mudanças ocorridas durante o período de caos. Uma das consequências do Primeiro Período Intermediário vai ser nomeada de “democratização da vida pós-morte” 20 por alguns egiptólogos. Esse fenômeno é amplamente discutido, uma vez que durante o período de instabilidade, as dinastias locais acabam por ganhar certo espaço de autonomia. A questão que nos interessa é que o papel funerário do 19

DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Egito Antigo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. Para discussão aprofundada em língua portuguesa, vide JOÃO, Maria Thereza David. Dos Textos das Pirâmides aos Textos dos Sarcófagos: considerações sobre a democratização da imortalidade no Egito antigo. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, 2008. 20

16

deus Osíris ganhará impulso, uma vez que a pulverização do poder menfita conduz à “democratização” dos privilégios reais, influenciando diretamente no aumento do poder de dinastias locais sendo conduzida também a certa autonomia funerária. Portanto, as próprias dinastias locais assumiam seus destinos no além apoiando-se em deuses locais. A egiptóloga Janet Richards atesta que o Reino Médio foi um importante período para a trajetória da história Egípcia antiga, visto que resultou em uma transformação social, política e ideológica que havia se iniciado no final do Reino Antigo21. A XI dinastia (c. 2103 – 1976 a.C.) foi marcada pela crescente anexação de territórios visando à reunificação do Egito. Já Antef II (c. 2103 – 2054 a.C.), segundo faraó desta dinastia22, reinou do sul de Elefantina até Abidos. Seu reinado é contemplado pela renovação de vários templos ligados à “deificação” da realeza, como os de Abidos, Heliópolis e Hieracômpolis, templos de OsírisKhenty-Amentiu, Rá e Hórus, respectivamente. A reunificação do Egito veio do Sul e definiu-se sob o reinado de Nebhepetre Mentuhotep II, filho de Antef III. O governo de Mentuhotep II (c. 2046 – 1995 a.C.) foi marcado pela visível preocupação em transmitir uma imagem de estabilidade através da propaganda real23: mudou seu Nome de Hórus24 duas vezes, tendo sua forma final no 39º ano de reinado como Hórus Sematawy - Aquele que uniu as Duas Terras -. Promoveu uma campanha militar para a Palestina e para Núbia, visando à tentativa de retomar os contatos com ambas as localidades. Iniciou um programa real de construção em larga escala, construindo em diversos sítios no Alto Egito. Mentuhotep II, ao reorganizar a administração da corte real, acabou por criar condições de estabilidade para que os governadores provinciais devessem fidelidade a ele, mesmo conservando alguma independência, sendo possível construir suas próprias tumbas como vinham fazendo. A XII dinastia (c. 1976 – 1794 a.C.) é inaugurada com o faraó Sehetepibre Amenemhat I, (c. 1976 – 1947 a.C.), portando o nome de Hórus Wehem-mesut – Renascimento -. Amenemhat I é conhecido pela crescente política de defesa, promovendo campanhas militares contra a Núbia, Ásia e Líbia visando à proteção do Egito, além do sistema de defesa nomeado “Muro do Príncipe”. O faraó continuou o programa de

21

RICHARDS, Janet. Op. Cit. 15. Segundo cronologia seguida por Wolfram Grajetzski. 23 Segundo Wolfram Grajetzki: “Nomes reais são sempre parte da propaganda real”. In: GRAJETZKI, Wolfram. Op. Cit. 2, p. 19. 24 Parte da titulatura real. 22

17

reconstrução e renovação dos templos e também implementou a política de corregência, governando conjuntamente com Kheperkare Senusret I (c. 1956 – 1911 a.C.). Segundo Wolfram Grajetzki25, a posição de Senusret I não estava muito estável e por isso o faraó voltou à atenção para a renovação em larga escala de templos importantes em todo Egito para poder se fazer presente no país inteiro. Uma importante renovação feita por Senusret I foi no templo de Osíris em Abidos, além de provavelmente ter iniciado o costume de erigir estelas e/ou cenotáfios nessa localidade, já que a primeira estela de Abidos possui o nome do faraó. Ainda sob o governo de Senusret I, houve a total conquista da Núbia, indicada por fortalezas fundadas sob o território demonstrando que o faraó foi aonde nunca outro havia ido anteriormente, além de ter sido a primeira vez que o Egito conquistou uma área fora de seu país e a manteve sob controle. Os faraós da XII dinastia tiveram políticas internas e externas muito parecidas, consistindo em campanhas militares em territórios estrangeiros, inicialmente objetivando a defesa do Egito e posteriormente controlando tais territórios, como dito anteriormente. Senusret III (c. 1872 – 1834 a.C.), por exemplo, no 8º ano de seu reinado, conquistou a Núbia até a região de Semna, já no 19º ano o faraó atravessou Kush, além de ter sido cultuado como deus local núbio. Já sua política interna é marcada pela constante renovação e construção de templos com a finalidade de legitimar sua posição enquanto faraó, assim como alteração da administração da corte real e reorganização das administrações locais a fim de minar possíveis perigos. O reinado de Senusret III foi marcado por diversas mudanças, é o que nos evidencia Grajetzski. O autor cita o aparecimento de novos títulos administrativos, o que parece indicar uma reorganização do Egito. Os principais centros que receberam construções reais foram Dahshur, Lisht, Fayum, Tebas e Abidos. Enquanto no inicio do Reino Médio, a decoração de tumbas da classe dirigente incluía modelos de madeira, já no Reino Médio tardio isso tendeu a se modificar. Em concordância com Grajetzski, Janet Richards argumenta que parte dos fenômenos de mudança atribuídos ao reinado de Senusret III, pode ser resultado de um processo gradual que teve início em tempos anteriores. Tanto o aparecimento de novos títulos burocráticos

25

GRAJETZKI, Wolfram. Op. Cit. 2, p. 38 - 40.

18

como a extinção da nobreza provincial parece ter sido mais uma extinção gradual do que uma decisão violenta de repressão. A sucessão de reinados durante a XIII dinastia (c. 1794 - 1685 a.C.) não é conhecida inteiramente. Sabe-se que ao longo de cerca de 150 anos, reinaram por volta de 50 a 60 faraós. Para Grajetzki, a XIII dinastia poder ser dividida em três períodos principais: o período inicial, no qual diversos faraós reinaram por períodos curtos; um período que corresponde à metade da XIII dinastia, no qual os faraós reinaram por mais tempo, uma boa quantidade de monumentos privados e reais datam desse período; a faixa temporal final, na qual houve uma imensa quantidade de faraós que pouco conhecemos. Há diversas razões para essa dificuldade de centralização do poder por um tempo longo durante a XIII dinastia. Entretanto, a explicação mais provável provém do fato de alguns faraós terem se casado com mulheres de origem não-real, assim como aparentemente suas filhas casaram com homens fora da realeza. Alguns eram oficiais. Grajetzki alerta que há evidência de que os faraós dessa dinastia tiveram relações próximas com a elite administrativa do Egito. Embora situação parecida tenha ocorrido durante o Reino Antigo, pode-se elencar tal atividade como uma pulverização da linhagem real. O período que corresponde à metade da XIII dinastia, cerca de 1744 – 1685 a.C., pode ser considerado como um momento mais estável do que o início. Após a fase inicial da XIII dinastia ter passado pelas mãos de governantes pouco duradouros e minimamente conhecidos, temos uma segunda fase de maior estabilidade. Devido à prática de estabelecimento de casamento com a elite administrativa do Egito, os faraós da XIII dinastia parecem ter sido gerados através desses casamentos. Muitos faraós desse período em questão são conhecidos por capelas votivas em Abidos. O faraó Userkare Khendjer (c. 1779 – 1775 a.C.), filho de Sobekhotep II, provavelmente foi 21º faraó da XIII dinastia. Khendjer possui uma estela com seu nome em Abidos e também realizou empreendimentos de renovação no templo na localidade construído por Senusret I. O faraó Sobekhotep IV (c. 1756 – 1746 a.C.) também tem uma estela com seu nome em Abidos a qual Wolfram Grajetzki afirma ser a mais importante do seu reinado. O autor fornece a informação que a estela é datada do segundo ano de seu reinado e possui inscrições

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mostrando o faraó em seu palácio conversando com nobres e funcionários, e solicitando que pudesse ver os escritos do velho Atum para saber como criar uma imagem de Osíris. Durante o final da XIII dinastia e início do Segundo Período Intermediário, cada vez menos é atestada a presença dos faraós controlando territórios estrangeiros. Por exemplo, sabe-se que as fortalezas na Núbia foram abandonadas. Entretanto, como dito acima, ainda havia uma imensa preocupação da realeza para com a renovação dos templos dedicados a Osíris em Abidos e a contínua prática de erigir estelas e capelas votivas. Dessa forma, constata-se que após o turbulento Primeiro Período Intermediário, foi necessária uma política de centralização do Estado, assim como estratégias de cooptação de ideologias que favorecessem tanto a reputação quanto a autopromoção do faraó. A associação do faraó morto com Osíris e do faraó vivo com Hórus trata-se de uma peça chave para a “deificação” do faraó reinante e de seu antecessor falecido. No Reino Médio, Osíris e seu culto irão ganhar papel de destaque, assim como Abidos estará cada vez mais centrado como espaço de relevância religiosa, além de receber diversas construções reais, seja um novo projeto ou uma reconstrução nas estruturas existentes. Além da preocupação da realeza, há de se mencionar a crescente participação de setores não-reais no local, a qual é um dos focos da presente pesquisa.

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Capítulo 3. O poder simbólico do Festival de Osíris: habitus e estratégia. 3.1. A associação entre Osíris e Abidos: estratégia. O faraó, enquanto provedor da manutenção da estabilidade no Egito Antigo, tinha deveres para com os deuses, como, por exemplo, o permanente culto divino nos templos respectivos de cada deus ou deusa. Cardoso26 atenta que durante a história do Egito, houve diferentes formas de monolatria – quando há a atenção individual pelo culto de um deus, sem negar o politeísmo -, sendo composta pelo henoteísmo, quando há politeísmo oficialmente aceito, mas no momento do culto, há a atenção específica para um único deus; o kathenoteísmo acontece quando em um templo, há mais de um deus a ser cultuado, dessa forma, o sacerdote cultua um deus de cada vez, sem haver a negação dos outros. Osíris é um dos principais deuses do Egito Antigo e seu culto localizado em Abidos, especificamente, pode ser caracterizado como monolatria. Entretanto, o deus foi cultuado em todo território egípcio desde o período pré-dinástico até o período greco-romano. É importante citar o quão difícil é – talvez impossível - traçar um panorama do surgimento de alguns deuses no Egito Antigo e de suas permanências na teologia, uma vez que há poucos indícios com que possamos trabalhar nos períodos iniciais. Ao longo da história egípcia, evidencia-se uma fluidez, principalmente nos períodos mais avançados, onde definitivamente os conceitos iniciais se modificam. O Mito de Osíris como se concebe nos dias atuais – em narrativa – é obra de Plutarco (45 – 120 d. C), historiador grego, que escreveu Os Mistérios de Ísis e de Osíris. Porém o Mito de Osíris não está originalmente em forma narrativa e sim em fragmentos de passagens – sejam nos textos das pirâmides ou em papiros –. Não há evidências que o Mito de Osíris era entendido no período faraônico como um todo narrativo e sequencial, como aparece em Plutarco. Os primeiros registros com o qual se pode extrair algo são os textos das pirâmides, já que se apresentam como suficiente para fundamentar teorias sobre os conceitos que rondam a religião egípcia no Reino Antigo, e até em épocas anteriores. Os Textos das Pirâmides são

26

CARDOSO, Ciro Flamarion Santanna. Deuses, múmias e ziggurats: uma comparação das religiões antigas do Egito e da Mesopotâmia. Porto Alegre: Editora Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1999, p. 63.

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encontrados nas paredes de cinco pirâmides em Saqqara27. E é exatamente nos Textos das Pirâmides que a presença do deus Osíris se mostra aparente, cumprindo função importante no enterro dos mortos, e cada vez mais, ao longo da história egípcia, ocupava um papel central não só em relação às práticas funerárias, mas também para a própria afirmação estrutural da monarquia faraônica28. Para alguns egiptólogos, – como Kurt Sethe, E. Otto, H. Kees, segundo Josef W. Wegner - no período pré-dinástico, Osíris era um deus ligado à agricultura, à fertilidade do solo e ao ciclo anual do Rio de Nilo. No Reino Antigo, conforme apontado mais especificamente nos Textos das Pirâmides, há evidências de que Osíris já possuía a sua personalidade divina original e mais conhecida: a de deus do mundo dos mortos. A discussão sobre como Osíris deixou de ser considerado – e se de fato foi considerado – um deus da agricultura para passar a ser o deus do mundo dos mortos é fervorosa. Segundo um esquema montado por Josef W. Wegner29 as diferentes teorias contam com nomes importantes que defendem duas posições diferentes, por vezes complementares: o modelo tradicional de interpretação, com Kurt Sethe, E. Otto, H. Kees, entre outros; e o modelo que defende a origem abidiana, interpretação de John Gwyn Griffiths. A primeira interpretação entende que, inicialmente, Osíris era o deus da agricultura, responsável pelas cheias do Nilo, pela fertilidade do solo e tendo seu principal local de culto em Busíris, localizado no Delta. Em Busíris, Osíris herdou características antropomórficas comuns aos deuses dos locais que faziam fronteira com a sírio-palestina, lá ainda apropriou características de um deus local chamado Andjety, o qual possuía atributos ligados à realeza. A partir desse momento, seu culto alastrou-se pelo Egito, fazendo-o compor a Grande Enéada Heliopolitana30, e consequentemente, passou a fazer parte dos Textos das Pirâmides e da religião funerária da realeza. Ao adquirir um mito estrategicamente formado pela teologia Heliopolitana, Osíris começa a ser associado a uma figura real do período tinita, a qual 27

“que pertencem aos reis Unas, Teti, Pepi I, Merenre e Pepi II, das V e VI Dinastias; [...] O propósito essencial dos textos era possibilitar ao rei alcançar o céu e tomar o seu lugar de direito entre os deuses na comitiva de Rá. [...]”. DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Egito Antigo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 132 – 133. 28 Osíris foi incorporado às concepções solares da teologia Heliopolitana, pois reafirmava a posição mitológica e deificada que o faraó morto iria cumprir após a morte em associação com Osíris, enquanto que o faraó reinante vivo encarnaria a figura de Hórus. 29 WEGNER, Josef. The Mortuary Complex of Senwosret III: A study of Middle Kingdom state activity and the cult of Osiris at Abydos. 1996, Tese (Doutorado em Filosofia) - University of Pennsylvania, Philadelphia, Estados Unidos, 1996. 30 Segundo as listagens reais egípcias, os primeiros faraós eram descendentes diretos dos deuses que governaram o Egito Antigo. Dessa forma, acreditava-se que Osíris foi de fato faraó e havia sido enterrado em Abidos, assim como os faraós do período tinita. A tumba de Osíris é identificada como a de Djer.

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provavelmente foi enterrada em Abidos – localizado no nomos de Thinis. A partir dessa associação, Osíris absorve a forma de culto do deus local Khentiamentiu – deus do cemitério – e passa a ser compreendido somente enquanto aquele que governa o mundo dos mortos como juiz e faraó. O segundo modelo interpretativo pertence a Griffiths e é o utilizado em nosso trabalho. Para o egiptólogo não há nenhuma evidência sólida ligando Osíris a um tipo de deus da natureza e da agricultura nos períodos pré-dinásticos. Para o autor, a associação com o ciclo da natureza e do rio Nilo será consequência direta do seu mito e não força-motriz. Segundo Griffiths, no período tinita há o fortalecimento de Osíris e de seu mito em associação à tradição de enterramento real em Abidos, somente depois que haverá a expansão do culto a Busiris. O autor utiliza os Textos das Pirâmides para fundamentar a sua hipótese, uma vez que já nessas fontes, é possível compreender uma relação direta com as passagens ligadas a Osíris – inclusive ao seu Mito – e a topografia de Abidos. Ainda de acordo com os Textos das Pirâmides, o autor comprova que não há nenhuma ligação de Osíris com o Norte do Egito, enquanto inúmeras passagens ligam o deus ao Alto Egito e a Abidos. A inclusão de Osíris na Grande Enéada Heliopolitana31 é justificada pela compreensão do Mito de Osíris como a própria cerimônia funerária em si e pelos aspectos ideológicos que favoreceriam a realeza. Uma das principais evidências da importância de Osíris e de Abidos no Reino Médio é o Festival de Osíris ou Mistérios de Osíris, alvo de atenção da maioria dos faraós reinantes durante o período. O festival era um evento anual que encenava o Mito de Osíris, onde em uma procissão, os egípcios levavam a estátua de Osíris de seu templo construído em Abidos até a sua tumba em Peker32 (região localizada ao sul da cidade). Sua imagem era velada durante a madrugada com diversos rituais performáticos e era de fato um louvor à vida e à morte do deus. A importância dessa procissão é confirmada na quantidade de cenotáfios construídos voltados para a via onde a imagem do deus percorria. A principal fonte sobre o festival é a estela de Ikhernofret33 proveniente de Abidos no Reino Médio, a qual foi encomendada por Senusret III. Por sua vez, a estela consiste em uma cópia de uma edição textual mais antiga sobre o festival.

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É importante citar que segundo a interpretação de Griffiths, a inclusão do episódio de luta entra Seth e Osíris foi algo planejado pela teologia heliopolitana. 32 Há evidências de que Peker corresponde à Umm el-Qa‟ab (Mãe dos Potes). 33 Alto oficial do governo de Senusret III.

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3.2. A Estrutura ritual do Festival de Osíris e a construção de um habitus.

A religião no Egito Antigo é de extrema complexidade. Seus conceitos, suas origens, seus fundamentos são sempre alvo de diversas teses. A religião e a cultura egípcia não se mantiveram totalmente iguais durante seus mais de três mil anos de história. A essência permaneceu, mas houve períodos de mudanças de concepções, inclusões de novos deuses, mudanças de dinastias e trocas culturais com outros povos. Dessa forma, não se pode partir do princípio de que a religião egípcia possuía uma unidade e, como alenta John Baines, “os egípcios viviam e participavam dessa diversidade religiosa.”. 34 As fontes para o estudo da religião egípcia são provenientes de um número minoritário da população. No que se refere à cultura material que chegou até a atualidade, pode-se dizer que pertenciam, em sua maioria, à elite. A elite egípcia tinha acesso a materiais mais resistentes ao tempo, já as classes menos abastadas produziam seus objetos do cotidiano e os correspondentes às práticas religiosas em materiais perecíveis. Por isso, o pesquisador do Egito Antigo tem que operacionalizar as fontes de forma a entender as relações sociais dessa sociedade através delas. A humanidade possuía um papel importante na manutenção do cosmos, assim como cada membro da sociedade contribuía de forma individual. A hierarquização desses papéis era reflexo da hierarquização da própria sociedade egípcia. Para que a ordem fosse mantida, era necessária uma constante vigilância dos envolvidos na responsabilidade de mantê-la. O faraó, como principal agente vigilante da ordem, tinha que estar atento a todos os perigos de uma possível desordem. Se por ventura a desordem surgisse, toda a humanidade seria alvo de suas contrariedades, ou seja, tanto um membro da elite quanto um camponês seriam atingidos pela quebra do equilíbrio. Uma das formas de zelar pelo equilíbrio da natureza cósmica era o permanente culto oficial aos deuses. No “culto oficial”, somente uma camada da sociedade tinha acesso ou poderia fazê-lo. Inclusive a ocupação de altos cargos sacerdotais era muito usada como título honorífico, visando à demarcação da posição que esse sacerdote ocupava. O faraó é o principal meio de intercessão entre os deuses e os egípcios, então é ele quem deve ser o responsável pelas oferendas aos deuses – ainda que quem ofereça seja outra pessoa –. É o faraó que deve se ocupar com as oferendas mortuárias, com a construção de 34

BAINES, John. Sociedade, moralidade e práticas religiosas. IN: SHAFER, B. E. (org). As Religiões no Egito Antigo: deuses, mitos e rituais domésticos. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. p. 152

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novos templos e a manutenção dos antigos. De acordo com essa situação, a ordem social justifica-se mitologicamente: por mais que o faraó de fato não fosse o responsável por todas as funções sacerdotais no Egito - e sim uma gama específica de sacerdotes - ele é representado como o sumo sacerdote nas cenas de culto, sendo sempre o principal oficiante. Ainda segundo Baines, tanto as propriedades quanto as posições de um particular necessitavam do patrocínio ou da indicação do faraó, em favor da lealdade recíproca reforçando a interdependência. Os sacerdotes dos altos cargos, assim como os funcionários reais, só o eram, por escolha do faraó. Os indivíduos menos abastados não tinham possibilidade de culto nesses ambientes oficiais, nem mesmo a elite que compõe uma ordem mais inferior podia participar. Podemos encontrar informações sobre as práticas religiosas desses indivíduos principalmente em biografias, ex-votos e estelas votivas e mortuárias. As estelas votivas constituem fontes importantes, mais especificamente as que compõem as capelas votivas das vias processionais de alguns festivais. As capelas eram construídas por particulares que desejavam participar das festividades que ocorriam para cada deus em específico. Os Festivais divinos e reais (hebu) no Egito Antigo eram abundantes, tinham características em comum e se diferenciavam em alguns aspectos. No Reino Novo existiam festivais importantes, inclusive melhor conhecidos por possuírem mais fontes, como o Festival de Opet, a Bela Festa do Vale, o Festival de Khoiak, entre outros. Cada festival era celebrado segundo sua própria temporalidade, alguns seguiam as estações, outros eram anuais ou mesmo mensais. O Festival de heb-sed, por exemplo, era uma celebração que ocorria no 30º ano de reinado do faraó visando o seu rejuvenescimento, respeitando uma frequência diferenciada. A característica comum entre eles eram as etapas. A grande maioria consistia na saída de uma imagem do deus cultuado do seu templo até outro local. Essa trajetória poderia ser feita diretamente entre um ponto até o outro ou a imagem do deus circulava por templos próximos. A imagem do deus quase sempre era levada em uma barca – os formatos e números eram diferentes de um festival para o outro – e tinha que ser levada dentro de uma “cabine sagrada” (exemplo na Figura 3). Ao longo da procissão eram realizados ritos performáticos condizentes com o festival celebrado.

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Figura 3. Festival de Opet. Reino Novo. Relevo proveniente do Templo de Hatshepsut. A imagem pertence à obra de DARNELL, John. Opet Festival. In: UCLA Encyclopedia of Egyptology. Department of Near Eastern Languages and Cultures, 2010, p. 2.

O faraó em pessoa deveria comandar os festivais. Quando não podia estar presente, delegava a algum funcionário de confiança. No caso do Festival de Osíris descrito na estela de Ikhernofret, Senusret III delega que, o próprio, enquanto alto funcionário real, comandasse o festival. O povo somente tinha espaço durante as festas quando a imagem percorria a via processional e era exatamente nessa via que a população enxergava a possibilidade de participar diretamente do culto através do estabelecimento de capelas votivas e de oferendas. As outras etapas eram conduzidas por funcionários reais e sacerdotes dentro de espaços dos quais o povo não tinha acesso, por exemplo, nos próprios templos.

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Figura 4. Estela de Ikhernofret. Imagem pertence ao Museu de Berlim, Alemanha (Estela Berlin 1204).

A Estela de Ikhernofret35 fornece dados sobre a preparação, assim como as respectivas etapas e razões que o alto oficial teve para promover o Festival de Osíris. Minha majestade (Senusret III) comanda que você há de ir ao sul até Abidos em Ta-ur36, para construir monumentos para o meu pai Osiris, O Primeiro dos Ocidentais, para enfeitar o seu lugar secreto com o electrum que ele (Osíris) fez a Minha Majestade trazer de Taseti37em vitória e no triunfo. Você fará isso com sucesso para fazer algo que [agrada] meu pai Osíris, Minha Majestade lhe manda confiante de que você vai fazer de tudo para inspirar a confiança de Minha Majestade, desde que você tem sido criado como um pupilo da Minha Majestade, e tornara-se uma criança da minha majestade, único pupilo do meu palácio. [...] Vá e volte quando você tiver feito tudo que a Minha Majestade ordenou!38

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Cerca de 1868 a. C. Estela feita de basalto, erigida próximo ao grande templo de Osíris em Abidos. Corresponde à Thinis, a qual foi a capital das primeiras dinastias egípcias, localidade próxima a Abidos. 37 Taseti é um dos nomos da Núbia. 38 NEDERHOF, Mark-Jan. Stela of Ikhernofret. Disponível em: http://mjn.host.cs.standrews.ac.uk/egyptian/texts/corpus/pdf/IkhernofretStela.pdf. Acesso em: 07 de Setembro de 2014 às 23:48. Tradução livre do inglês. Linhas 4 – 12, 17. 36

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No início da estela, Ikhernofret cita as preparações dos materiais para a procissão, de ordem administrativa ou litúrgica, que haviam sidos colocados pelo faraó sob a sua responsabilidade. Fiz tudo o que Sua Majestade havia ordenado, aperfeiçoando tudo o que o meu senhor tinha ordenado para seu pai Osíris, O Primeiro dos Ocidentais, Senhor de Abidos, Grande Poderoso, Residente em Ta-ur. Eu agi como o amado filho de Osíris39, O Primeiro dos Ocidentais. Eu adornei sua grande barca para toda a eternidade. Eu fiz para ele um santuário portátil, o “Suporte de Beleza”(?) do Primeiro dos Ocidentais, de ouro e prata, lápis lazuli, bronze, madeira-meru (?) e cedros de Líbano. Os deuses os quais atendem-no foram confeccionados40 e seus santuários foram refeitos. Eu ensinei o sacerdócio do templo para realizarem suas funções. Eu deixei-os saber o ritual de todos os dias e as festas das estações. Eu dirigi o trabalho na Barca-Neshmet e confeccionei a capela. Eu enfeitei o corpo do Senhor de Abidos com lápis lazuli e turquesa, electrum e cada pedra cara como decoração para os membros do deus. Eu vesti o deus com as suas regalias em virtude da minha função de iniciado, e de acordo com o meu dever de (wtb-)sacerdote.Eu tinha braços puros ao ornamentar o deus, um Sacerdote-Sem41 com dedos limpos.42

O festival de Osíris era divido em três fases de acordo com interpretação de MarieChristine Lavier43: a procissão de Upuaut 44, em que a batalha simulada é promulgada durante a qual os inimigos de Osíris são derrotados. A procissão é liderada pelo deus Upuaut. Eu conduzi a procissão de Upuaut, quando ele passou a defender seu pai. Eu repeli aqueles que se rebelaram contra o Barca-Neshmet e eu derrubei os inimigos de Osíris. Eu conduzi a grande procissão e eu segui o deus em seus passos. 45

A grande procissão de Osíris: momento no qual Osíris morre e seu corpo é levado de seu templo para o seu túmulo em Peker.

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Um cargo sacerdotal que consiste em servir a estátua do deus. Em outra tradução da Estela para o inglês, essa passagem significa “Eu confeccionei os deuses que pertenciam a sua Grande Enéada”. Disponível em:http://www.reshafim.org.il/ad/egypt/texts/ikhernofret.htm. Acesso em: 07 de Setembro de 2014 às 20:48. Tradução livre do Inglês. 41 Sacerdote-Sem era o responsável pelos ritos finais de purificação do corpo nos funerais. 42 Op. Cit. 38. Tradução livre do inglês. Linhas 18 – 31. 43 LAVIER, Marie-Christine. LesMystères d'Osiris à Abydos d'après lês stèlesduMoyen Empire et Du Nouvel Empire. Hamburg: Helmut BuskeVerlag, 1989. 44 “„Aquele que abre os caminhos‟, deus-chacal ou lobo de Assiut, ou Licópolis, no Médio Egipto, Upuaut [...] era representado com traços guerreiros e foi assimilado e identificado com Hórus, Khentiamentiu e, sobretudo, com Anupu. Em Abidos era o deus da necrópole.[...] guia a barca de Osíris, a Nechemet, quando da realização dos Mistérios de Osíris. Guia portanto, as almas mortas para o Reino Inferior, abrindo-lhes o Oeste, o Ocidente [...].”SALES, José das Candeias. As Divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do Egipto Antigo. Lisboa: Editorial Estampa, 1999, p. 152 – 153. 45 Op. Cit. 38. Tradução livre do inglês. Linhas 32 – 35. 40

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Eu deixei a barca divina, enquanto Thoth dirigiu a viagem. Eu equipei a barca “Verdadeiramente Ressuscitado é o Senhor de Abidos”46com uma capela. Suas belas armas foram fixadas, ele seguiu para o distrito de Peqer, depois que eu tinha aberto o caminho para o deus ao seu túmulo ao sul de Peker.47

Osíris é pranteado e os inimigos da terra são destruídos simulando a Batalha de Nedyt na qual Osíris é vingado. Orações e recitações são feitas e ritos fúnebres realizados. Osíris renasce ao amanhecer. Uma estátua de Osíris é levada ao templo. Eu defendi Unnefer48 nesse dia do grande combate, e eu derrubei todos os seus inimigos sobre os bancos de areia do Nedit. Eu o deixei prosseguir para a barca, que deu à luz a Sua Beleza. Eu alegrei o coração dos desertos do leste e eu [induzi] [aplausos] nos desertos ocidentais, quando eles viram a beleza da Barca-Neshmet, depois de ter desembarcado em Abidos e trouxe [Osiris, O Primeiro dos Ocidentais, Senhor] de Abidos, para o seu palácio. Depois que eu prossegui com o deus para sua casa, sua purificação foi feita e seu lugar foi feito espaçoso. Desatei o nó [...] [...] com seus cortesãos.49

Para Jan Assmann50, o festival era dividido em quatro atos: O primeiro consistia na Procissão de Upuaut, tal como afirma Lavier, na qual o deus era visto como uma manifestação do “Hórus Vitorioso” que salva seu pai de seus inimigos. Assmann afirma que essa subjugação do inimigo era realizada em um ritual específico que consistia de recitações acompanhadas de ações, tais como mutilação ou queima de figuras de cera. O segundo momento era a Grande Procissão da Barca-Neshmet que consistia na procissão funerária de Osíris. O terceiro ato é nomeado de “a Noite da Batalha de Horus”, que faz alusão à contenda de Hórus e Seth e ao conceito de reivindicação. O quarto e último ato é o retorno do deus ao templo, nomeado por Assmann de “A procissão para o Templo de Osíris”, que pode ser interpretado como o retorno triunfal de Osíris em seu palácio, justificado e ressuscitado. O tema principal da estela é um ciclo de vida, morte e renascimento e o festival traz em si elementos que relembram a origem mítica da realeza egípcia e que reafirmam a posição do faraó como força de equilíbrio do cosmos. Upuaut, o qual possui atributos de Haredotes51 46

Barca associada ao funeral do deus. Op. Cit. 38. Tradução livre do inglês. Linhas 35 – 38. 48 É um dos epítetos de Osiris, que faz alusão ao poder post-mortem do deus. 49 Op. Cit. 38. Tradução livre do inglês. Linhas 39 – 46. 50 ASSMANN, Jan. Death and Salvation in Ancient Egypt. Ithaca and London: Cornell University Press, 2005, p. 227 – 230. 51 “„Hórus vingador/protector de seu pai‟. Atingida a idade adulta, Hórus travou guerra com Set com o objetivo de vingar Osíris e de recuperar o trono do Egipto. Valorosos actos de bravura militar deram-lhe o título de 47

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durante o festival, ao vencer os inimigos de Osíris rememorando os acontecimentos do Mito de Osíris, posiciona o faraó vivo como herdeiro legítimo da posição que ocupa. Jan Assmann52, em seu livro The Search for God in Ancient Egypt, cita Wolfgang Helck e diz que o autor afirmava que os ritos do Festival de Osíris podiam ser vistos como a “mitologização” do ritual de enterramento que ocorria em Abidos em períodos anteriores nos quais a localidade ainda era foco de enterramento real. A partir disso, Assmann afirma que, em sua visão, há razões para pensar que esses rituais se referissem sim há tempos mais recuados, visto que Abidos era de fato local de enterramento real. Entretanto, Assmann alerta para que pensemos esse fenômeno tomando como ponto de partida o seu contexto histórico. Se retomarmos a discussão do segundo capítulo, vimos que houve profundas mudanças no culto mortuário e em crenças sobre a vida após a morte no Reino Médio. Durante o fim do Reino Antigo, havia os conceitos de uma vida após a morte específica para a realeza, o rei tornava-se Osíris após a morte, assumindo o controle do submundo. Dessa forma, o faraó rei possuía uma alma imortal – o ba – que ascendia para o céu e entrava no mundo dos deuses. Com apenas pequenas modificações, essas crenças tornaram-se válidas para todos no Reino Médio. Assmann afirma: Cada pessoa tinha um ba que sobrevivia à morte, deixava o corpo, e seguia a jornada póstuma para o reino divino. Cada pessoa tornava-se um Osíris e seguia o precedente mítico do deus. A participação no festival de Abidos era o ponto concreto de cristalização de todos estes conceitos, esperanças e mitos. Porque era o enterro do deus, porque era a transição do deus para a imortalidade póstuma, a qual transmitia a imortalidade a seus participantes.53

Pode-se dizer que o Festival de Osíris foi a primeira peregrinação em grande escala conhecida pelo homem: fora executado mais ou menos continuamente durante dois mil anos. Peregrinos vinham de todo o Egito para acompanharem à procissão e erigiam estelas em capelas votivas voltadas para a via em que ocorria (Figura 5) para que seus donos pudessem Hornedjitef, „Hórus vingador de seu pai‟. Era nesta forma de um deus guerreiro e chefe vitorioso que se cumpria o plano de Ísis e das outras formas de Hórus, enquanto filho de Ísis e Osíris. Após oito anos de lutas, o Tribunal Divino pronunciou-se favoravelmente em relação às pretensões de Hórus e a herança foi-lhe concedida e ele declarado faraó dos dois Egiptos [...]. O seu reinado foi, naturalmente, o arquétipo para todos os faraós reinantes, quais „Hórus vivos‟.”. SALES, José das Candeias. As Divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do Egipto Antigo. Lisboa: Editorial Estampa, 1999, p. 170. 52 ASSMANN, Jan. The Search for God in Ancient Egypt. Ithaca and London: Cornell University Press, 2001, p. 185. 53 ASSMANN, Jan. Op. Cit. 52, p. 185. Tradução livre do inglês. Friso nosso.

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se beneficiar da festividade. Um sítio de imensa importância é o Cemitério do Norte – “Terraço do Grande Deus” -, escavado por Auguste Mariette54, de onde é dita a proveniência da maioria das capelas. A presença desses peregrinos é de imensa importância para a efetivação do que se entende aqui ser o objetivo do festival. Algumas estelas privadas eram colocadas em pequenas capelas votivas (Figura 6) e não nos próprios túmulos dos proprietários. Tais estelas são personalizadas e sua iconografia quase sempre mostra o proprietário da estela sentado diante de uma mesa de oferendas, há também membros de sua família evocando tais oferendas, combinada com textos que assinalam seus nomes e alguma oração. A importância de erigir uma capela composta por uma ou mais estelas é que o ka (“força vital”, a qual deveria ter oferendas para não se perder) do indivíduo poderia compartilhar eternamente as oferendas a Osíris durante cada ano de suas festividades, além de cumprir um papel social ao demarcar seu status na corte real como um homem de posses, sendo assim, reconhecido pelos vivos. Tendo esses dados em mente, podemos relacionar de forma mais evidente aos conceitos desenvolvidos no primeiro capítulo. Focalizando no Festival de Osíris, podemos observar a existência de um campo, no qual os agentes mobilizam capital cultural para melhor se dispor espacialmente nesse campo através de seu habitus. Percebemos ainda que, por isso, os indivíduos não podem ser entendidos separadamente. Os indivíduos devem ser entendidos nas relações sociais de interdependência que estabelecem através do ritual.

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Auguste Mariette (1821 – 1881) foi um arqueólogo francês responsável por uma massiva escavação em todo o Egito.

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Figura 5. Planta Arqueológica de Abidos. Via processional (em vermelho pontilhado) do Festival de Osíris e o Cemitério do Norte (North Cemetery, no mapa). Imagem disponível em: http://files.abovetopsecret.com/files/img/ph50ac933f.jpg. Acesso em 30 de Junho de 2015.

Figura 6. Reconstrução de Capelas Votivas do chamado “Terraço do grande deus”. O desenho pertence à obra de RICHARDS, Janet. Society and Death in Ancient Egypt: Mortuary Landscapes of the Middle Kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 40.

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3.3 As Estelas do Museu Nacional do Rio de Janeiro: redes de interdependência.

Trabalhar com a cultura material é um imenso desafio para o historiador, o qual, ao longo de sua formação, tem mais acesso à documentação textual. Ao estudarmos as sociedades antigas, nos vemos diante de inúmeras fontes de cultura material que contêm informações riquíssimas. No caso específico dos artefatos e objetos de maior circulação, podemos ainda retirar informações mais exatas sobre as camadas sociais mais baixas, privilégio que não teríamos com as fontes escritas, já que eram produzidas por uma elite alfabetizada para circulação limitada. Aos nos debruçarmos sobre as fontes de cultura material específicas do Egito Antigo, podemos alcançar informações de extrema importância para a compreensão dessa sociedade. Podemos citar como fontes mais comuns para o estudo da religiosidade egípcia: papiros, relevos, estelas, ex-votos, Textos das Pirâmides e os Textos dos Sarcófagos. Cada uma dessas fontes é porta-voz de uma parcela limitada da população. Dessa forma, ainda há muitas lacunas sobre a história egípcia que talvez jamais sejam preenchidas. A menor quantidade de estudos sobre as camadas mais baixas da população do Egito Antigo, comparadas aos estudos sobre a realeza e funcionários de alto escalão, se dá devido à carência de fontes que possam iluminar as relações que se traçavam no interior desses grupos. Ao nos empenharmos em contribuir para os estudos da antiguidade egípcia, elencamos uma tipologia de fontes que atua de forma intermediária no Egito: as estelas votivas provenientes de Abidos erigidas durante o Reino Médio. Fisicamente, as estelas correspondem a um monólito que podem ser de pedra calcária, faiança ou madeira que contém inscrições e elementos iconográficos. Há diferentes tipos de estelas no Egito Antigo e cada uma corresponde a uma função diferenciada de acordo com o local em que foi encontrada e quais inscrições possui. Especificamente durante o Reino Médio, as estelas costumavam possuir a mesma estrutura. Pode-se dizer que a maior parte delas é caracterizada por ser um monólito de corpo retangular e topo arredondado. As estelas são fontes importantes para o estudo da sociedade egípcia, pois são artefatos comuns a toda periodização dinástica, além de possuírem informações sobre a vida tanto da realeza quanto das pessoas mais comuns. 33

Existem diversos tipos de estelas, cada uma com uma função diferenciada. Podemos citar as estelas de fronteira, que eram entrepostas em localizações estratégicas para de fato demarcar os limites e demarcações do território de um determinado proprietário. Elas continham o nome do proprietário, assim como o tamanho do território que possuía. Como exemplo, podemos citar as estelas que Senusret III erigiu em Semna no oitavo ano de seu reinado, as quais tinham a função de demarcar a fronteira do território egípcio ao sul. As estelas de natureza funerária compunham o mobiliário dos túmulos dos mortos e continham em suas inscrições, fórmulas de orações que atuariam de forma mágica para providenciar o conforto do morto. As estelas votivas não eram erigidas nos túmulos dos mortos, mas sim em locais específicos de culto de alguma divindade. Isto é, o indivíduo erigia a estela em alguma capela ou templo, representava a si mesmo e sua família, inscrevia fórmulas mágicas pedindo a graça do deus específico. É de acordo com essas estelas que podemos apreender informações importantes sobre a vida dos particulares no Egito Antigo e a relação que eles tinham com a religiosidade. A maior parte das estelas erigidas em Abidos são votivas, ou seja, foram arquitetadas para que o morto pudesse participar das procissões ao deus na outra vida. Uma característica comum a algumas estelas proveniente de Abidos é a inclusão de outros deuses que não Osíris em suas fórmulas. Esse evento pode ser explicado através da concepção egípcia da multiplicidade de manifestações. Isto é, segundo Baines55 Deuses e humanos, juntamente com os animais sagrados, compartilhavam muitos aspectos do seu ser. Dentre estes aspectos estava o potencial para tomar múltiplas formas, o que permitia aos mortos e às divindades metamorfosear-se livremente. [...] A ideia de multiplicidade de manifestações de um ser também era importante no culto. Uma divindade manifestava-se numa estátua de culto e, se demonstrasse que seria favorável, recebia o culto nessa forma. Ainda assim, o ser de uma divindade não se esgotava em nenhuma manifestação específica.

O Museu Nacional do Rio de Janeiro comporta a maior coleção de Egito Antigo da América Latina, por isso muitos estudiosos brasileiros utilizam seu acervo como fonte para suas pesquisas. Entretanto, em nossa pesquisa, encontramos poucos trabalhos que envolvem as estelas votivas. Dessa forma, escolhemos voltar o nosso olhar para esse acervo em 55

BAINES, John. Opt. Cit. 34, p. 178.

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específico. Em nossa análise, podemos contar com o trabalho da egiptóloga brasileira Liliane Cristina Coelho56, a qual produziu pesquisas sobre as estelas do Museu Nacional voltados para questões genealógicas. Analisamos dez estelas provenientes do acervo buscando identificar as principais fórmulas inscritas, assim como os deuses relacionados em cada estela e o cargo que o proprietário da estela ocupava. As fórmulas mágicas são as mesmas em todas as estelas, iniciando com “Oferenda que o rei faz”, seguido pelo nome do deus ou dos deuses e seus títulos (vide Prancha Analítica 1 a 10). A fórmula “Oferenda que o rei faz” é muito comum em estelas votivas, uma vez que mesmo que não tenha sido o rei a construir a estela ou a capela, o indivíduo que a fez precisa da mediação do rei para se dirigir aos deuses. Ou seja, não é o indivíduo que faz diretamente a oferenda ao deus, ele precisa da intercessão do rei. Os deuses que aparecem nessas dez estelas são: Osíris (vide Prancha Analítica 1 a 10) e Upuaut (vide Prancha Analítica 1, 2, 3, 8 e 10), principalmente; seguindo ainda pelos deuses Anubis, Ptah-Sokar, Ptah-Sokar-Osíris, Min-Horus e Horus. A grande maioria está ligada ao âmbito funerário de alguma forma (Osíris, Upuaut, Anubis, Ptah-Sokar e Ptah-Sokar-Osíris) e/ou ao mito de Osíris (Hórus e Min-Hórus.). As inscrições fazem referências também aos deuses de Abidos, como por exemplo, uma das estelas consta “os deuses (e à)s deusas que estão em Abidos” (vide Prancha Analítica 8) ou “os deuses que estão no templo” (vide Prancha Analítica 9). A próxima característica comum às estelas corresponde a uma listagem de oferendas que alternam entre pães, cervejas, bois, gansos, alabastro, roupa, incenso e unguento. Isto é, segundo os egípcios, “tudo que é bom e puro, que o céu dá, que a terra produz, e que a inundação do Nilo traz” (vide Prancha Analítica 1 a 10). Tais oferendas são feitas em favor dos deuses citados, mas podemos perceber uma espécie de retribuição e compartilhamento das oferendas para com os indivíduos citados nas estelas. As oferendas descritas nas estelas são evidências de um presente que o particular deseja oferecer ao deus em prol de algum benefício. Devemos citar que as estelas estudadas 56

COELHO, Liliane Cristina. A Organização Familiar no Antigo Egito: um Estudo Através de Fontes do Reino Médio (c. 2040-1640 a.C.). In: VII Jornada de História Antiga: Vida, Morte e Magia no Mundo Antigo. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2007. V.1, p. 97 – 104.

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diferenciam-se entre si não só pelo aspecto físico, sendo mais elaborada e rica ou não, mas também pelos cargos que os indivíduos ocupavam. Todas as estelas são de funcionários reais que ocupavam diferentes funções, porém importantes dentro da elite real. Entretanto, isso não significa diretamente que pessoas com cargos menos cruciais não possuíssem estelas em Abidos. Os festivais públicos eram crucias para o entendimento da devoção pessoal. Assim, aqueles que não podiam participar dos cultos oficias, aspiravam ao momento de acompanhar alguns festivais e isso era visto como um importante privilégio. Segundo Baines, “Os festivais públicos [...] eram a principal ocasião em que as pessoas comuns podiam aproximar-se dos deuses e, talvez, apresentar-lhes as suas próprias preocupações”57. Sabendo que habitus concebe disposições duráveis, não imutáveis, porém internalizadas que estruturam as ações de um indivíduo. Ou seja, quanto maior a noção consciente que o indivíduo possui do tensionamento que existe dentro de um campo social, melhor ele poderá agir de forma coerente e manipular seu habitus, visando obter o capital necessário para ocupar uma melhor posição dentro desse campo social. Dessa forma, identificamos a ação dos indivíduos durante o Festival como uma tomada de consciência desses fatores.

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BAINES, John. Opt. Cit. 34, p. 183.

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Considerações Finais Uma sociedade elitista não só tem necessidade de bens de luxo, mas também de semântica. Necessita de signos e símbolos de status que manifestem claramente seu pertencimento a uma classe e sua pretensão de domínio e de imagens que expressam seu poder, mas também mitos e poderes que legitimem seus objetivos e suas idéias políticas. Jan Assmann58 Procuramos em nosso trabalho, demonstrar algumas relações de poder existentes na sociedade egípcia antiga através de um festival organizado e comandado pela realeza, porém que contava com a participação efetiva de membros de setores não-reais. Trouxemos elementos que entendemos serem os que melhor nos ajudaram a compreender a questão que norteou nossa pesquisa. Estudar a sociedade egípcia com um olhar sociológico e histórico nos ajudou a melhor formular e transpor conceitos que são da realidade egípcia antiga e que jamais conheceremos inteiramente, mas que sabemos que podemos ao menos lançar hipóteses e alcançar minimamente seus significados. Evidenciou-se que a prática religiosa oficial, principalmente a templária, reforçava a disposição da elite na sociedade egípcia. Comandar rituais dentro dos templos ou fora deles era tarefa para o faraó ou para funcionários de sua confiança, complexamente hierarquizados. Os indivíduos que eram responsáveis por realizar o culto aos deuses, ou vestir o deus, ou até mesmo realizar as oferendas ao deus, eram escolhidos entre os membros da elite. Todo esse aparato legitima a posição de cada um desses agentes na estrutura social. Aplicando mais uma vez o conceito de rede de interdependência de Norbert Elias ou até mesmo a ideia de dramaturgia política de Balandier, verificamos a manipulação de elementos simbólicos que desenham um emaranhado de relações vitalícias para a manutenção da corte tal como ela é. O faraó depende de seus súditos, assim como seus súditos dependem dele. E isso é constantemente ritualizado religiosamente, seja no Festival de Osíris, onde o governante vence o caos, ou em qualquer outro rito. A reafirmação dessa hierarquia é diariamente vivenciada pelos egípcios: o soberano existe enquanto ser divino e sua presença contribui para 58

ASSMANN, Jan. Egipto: Historia de un sentido. Madrid: Abada, 2005, p. 48.

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o afastamento do caos, assim como todo papel desempenhado por cada um nessa estrutura contribui para a manutenção dessa harmonia. O poder que provém da ritualização prediz que indivíduos legitimem e participem desse ritual. Como Baines59 afirma, há diversas camadas de práticas religiosas no Egito Antigo e possivelmente elas estão interligadas de alguma forma que crie um contexto básico de elo entre a religião oficial e a pessoal. Entretanto, não podemos demarcar os limites da percepção individual de cada participante ou peregrino. Foi dito anteriormente que o poder simbólico existe exatamente devido aos dominados não se conscientizarem de sua existência, ou seja, ele age de maneira invisível. E é possível que a sociedade egípcia que era extremamente ritualizada, do nascimento à morte, fosse alvo certeiro desses mecanismos simbólicos invisíveis, o que poderia acabar gerando mais aceitação social do que subversões. Entretanto, o Festival de Osíris é um ritual que traz características que legitimam a norma social, mas que também deixa brecha para estratégias individuais. De acordo com a afirmação de Pierre Bourdieu, sobre a relação entre norma social e estratégias individuais: “a noção de estratégia é o instrumento de ruptura com o ponto de vista objetivista e com a ação sem agente, que o estruturalismo supõe”60. Levando em conta a discussão do Capítulo 1 e trazendo a ressalva para o nosso objeto de estudo, percebe-se que as práticas rituais em Abidos possuem uma forte interação entre a norma social e desejos individuais: além da preocupação da realeza em criar todo um aparato performático, há a participação de setores não-reais no local que utilizam aquele espaço não só para demarcar o seu lugar naquela sociedade, mas também para realizar devoção pessoal. Dessa forma, as estratégias dos agentes empregadas – tanto a dos indivíduos da realeza quanto a dos que não eram - se determinam por seus habitus individuais. O habitus orienta as ações desses indivíduos. Porém, trilhando as estratégias internas próprias à sociedade egípcia antiga, esses homens foram hábeis a subverter as normas vigentes dessa estrutura social, mesmo que individual e minimamente. O que é importante ter em mente é que não existe ação sem agente e que nem tudo é feito de forma inconsciente. Mesmo em uma sociedade antiga há meios individuais de se 59 60

BAINES, John. Opt. Cit. 34, p. 211. BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 56.

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relacionar com o mundo e de subverter a norma, ainda que essa subversão seja realizada por membros da elite procurando demarcar seu status na corte, ou por um peregrino realizando um pedido diretamente para a divindade, mesmo sem que a possa ver.

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Referências Bibliográficas A. Fontes KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990 NEDERHOF, Mark-Jan. Stela of Ikhernofret. Disponível em: http://mjn.host.cs.standrews.ac.uk/egyptian/texts/corpus/pdf/IkhernofretStela.pdf. Acesso em: 07 de Setembro de 2014 às 23:48. B. Bibliografia Teórico-Metodológica BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2005 __________. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras, 2014. __________. O senso prático. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. __________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2005 ___________. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. ___________. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. ___________. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990. BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: Editora UnB, 1982. ELIAS, Norbert. A Sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. _____________. Introdução à sociologia. Lisboa: Edições 70, 1970. SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002. THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Rev. Adm. Pública. 2006, vol.40, n.1. C. Bibliografia específica sobre Egito Antigo ASSMANN, Jan. Egipto: Historia de un sentido. Madrid: Abada, 2005. _________. Search for God in Ancient Egypt. Ithaca and London: Cornell University Press, 2001. _________. Death and Salvation in Ancient Egypt. Ithaca and London: Cornell University Press, 2005. BAINES, John. Sociedade, moralidade e práticas religiosas. IN: SHAFER, B. E. (org). As Religiões no Egito Antigo: deuses, mitos e rituais domésticos. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. 40

CARDOSO, Ciro Flamarion. S. Os festivais como encenação da sociedade. Phoinix, Ano 18, v. 18, n. 1. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012. _________. Deuses, múmias e ziggurats: uma comparação das religiões antigas do Egito e da Mesopotâmia. Porto Alegre: Editora Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1999. COELHO, Liliane Cristina. A Organização Familiar no Antigo Egito: um Estudo Através de Fontes do Reino Médio (c. 2040-1640 a.C.). In: VII Jornada de História Antiga: Vida, Morte e Magia no Mundo Antigo. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2007. V.1, p. 97 – 104. DARNELL, John. Opet Festival. In: UCLA Encyclopedia of Egyptology. UCLA: Department of Near Eastern Languages and Cultures, 2010. DAVID, Rosalie. Religião e Magia no Egito Antigo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. GRAJETZKI, Wolfram. The Middle Kingdom of Ancient Egypt: History, Archaeology And Society. London: Duckworth, 2006 ____________________. Court Officials of the Egyptian Middle Kingdom.Londres: Bloomsbury, Publishing Plc, 2012. GRIFFITHS, John Gwyn. The Origins of Osiris and his cult.Leiden: Brill, 1980. HORNUNG, Erik. KRAUSS, Rolf. WARBURTON, David A. (eds). Ancient Egypt Chronology. Leiden: Brill, 2006. RYHOLHT, Kim. The Turin King-List or So-Called Turin Canon (TC) as a Source for Chronology. IN: HORNUNG, Erik. KRAUSS, Rolf. WARBURTON, David A. (eds). Ancient Egypt Chronology. Leiden: Brill, 2006. JOÃO, Maria Thereza David. Dos Textos das Pirâmides aos Textos dos Sarcófagos: considerações sobre a democratização da imortalidade no Egito antigo. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, 2008. LAVIER, Marie-Christine. Les Mystères d'Osiris à Abydos d'aprèslesstèles Du Moyen Empire et Du Nouvel Empire. Hamburg: Helmut BuskeVerlag, 1989. O‟CONNOR, David. Abydos: Egypt‟s First Pharaohs and the Cult of Osiris. London: Thames & Hudson Ltd, 2009. __________. SILVERMAN, David. (eds.) Ancient Egyptian Kingship. Leiden: Brill, 1994. SALES, José das Candeias. As Divindades Egípcias: uma chave para a compreensão do Egipto Antigo. Lisboa: Editorial Estampa, 1999. RICHARDS, Janet. Society and Death in Ancient Egypt: Mortuary Landscapes of the Middle Kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. SANTOS, Moacir Elias. Caminho para a eternidade: as concepções de vida post-mortem real e privada nas tumbas do Reino Novo – 1550-1070 a.C. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, 2012. 41

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PRANCHAS ANALÍTICAS 1. Estela de Senusret-Iunefer Bibliografia KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990. Número

Artefato Estela de Senusret-Iunefer Fotografia

Inv. 627 Descrição do Material      

Pedra calcária; Figuras e Inscrições Gravadas. Altura: 60,8 cm; Largura: 45,25 cm; Espessura: 11,7 cm. XII Dinastia, reinado de Senusret III, cerca de 1850 a.C. Procedência: Abidos. Coleção Fiengo.

i

Desenho

Observação ii

  

Deuses: Osíris e Upuaut. Cargo: Superintendente do Armazém. Outras: A estela de Senusret-Iunefer é muito exemplar, pois ele exerceu cargos na administração real sobre o reinado de Senusret III e Amenemhat III, assim como a sua família, hereditariamente, também compunha cargos nessa escala. Em sua capela votiva, proveniente do Cemitério do Norte, existiam três estelas, uma compõe o acervo do Museu Nacional no Rio de Janeiro (Rio Inv 627), a segunda está no Museu Egípcio no Cairo (Cairo CGC 20296) e a terceira está perdida. Além do texto abaixo, há também, na mesma estela, o nome 43

dos familiares de Senusret-Iunefer. No topo da estela, encontra-se inscrito o prenome real de Senusret III. Passagem

Comentários

Bom deus Khakaura, amado de Osíris, Chefe dos Ocidentais, grande deus, Senhor de Abidos, que vos sejam dadas toda vida, estabilidade e prosperidade; amado de Upuaut, Senhor do Território Sagrado, que vos sejam dadas toda vida, estabilidade e prosperidade para sempre.

Nessa passagem, Senusret-Iunfer, funcionário real, o qual encomendou a estela votiva em questão, pede que o faraó reinante – Senusret III Khakaura – seja contemplado pelos deuses Osíris e Upuaut de vida, estabilidade e prosperidade. O faraó é descrito como amado dos deuses Osíris e Upuaut.

Oferenda que o rei faz a Upuaut, Senhor do Território Sagrado, para que ele conceda um bom enterro na necrópole do Ocidente, na paz profunda, na presença do grande deus – para a alma de Senusret-Iunefer, nascido de Sit-user, e venerável.

A fórmula “Oferenda que o rei faz” é muito comum em estelas votivas, uma vez que mesmo que não tenha sido o rei a construir a estela ou a capela, o indivíduo que o fez precisa da mediação do rei para se dirigir aos deuses. Ou seja, não é o indivíduo que faz diretamente a oferenda ao deus, ele precisa da intercessão do rei.

Oferenda que o rei faz a Osíris, Chefe dos Podemos perceber uma espécie de retribuição Ocidentais, grande deus, Senhor de Abidos, e compartilhamento das oferendas. para que faça oferendas de invocação, de pães e cerveja, bois e gansos, (vasos de) alabastro, e roupas, incenso e unguento – sendo isto o que deu Upuaut, Senhor de Vida, Chefe dos Ocidentais – para a alma de Iunefer. Oh vós, que viveis na terra, voz que passais perto desta capela do Superintendente do Armazém, Iunefer – cada leitor, cada servidor de deus, cada sacerdote, cada escriba, cada pessoa – se amais Upuaut, vosso deus, doce de amor, assim possais dizer: „Oferenda que o rei faz, aos milhares: pão e cerveja, bois e gansos, (vasos de) alabastro e roupa, incenso e unguento, para a alma do Superintendente do Armazém, Senusret-Iunefer, nascido de Sit-user e venerável‟ – se desejais permanecer na terra em vossas funções sob o Rei, e para que vos tragam oferendas sagradas do altar do Chefe dos Ocidentais; mas não sejais negligentes!

Aqui encontramos o pedido de continuidade da repetição da fórmula, para assegurar que ela nunca seja esquecida ou não dita. Ou seja, é uma típica fórmula de apelo aos vivos. Senusret-Iunefer pede que todos que sejam aptos à leitura repitam a oração de oferendas que ele faz aos deuses Osíris e Upuaut, para que assim, ele possa compartilhar eternamente as oferendas a Osíris durante cada ano de suas festividades.

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2. Estela de Uerhap-Renefseneb

Bibliografia KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990. Artefato Estela de Uerhap-Renefseneb Fotografia

Número Inv. 645 Descrição do Material      

Desenho

Pedra calcária; Figuras e Inscrições Gravadas. Altura: 44 cm ; Largura: 31,8 cm; Espessura: 7 cm. XII Dinastia, reinado de Amenemhat IV, cerca de 1790 a.C. Procedência: Abidos. Coleção Fiengo.

Observação  



Deuses: Osíris e Upuaut. Cargo: Uerhap-Renefseneb assumiu o cargo de Administrador dos Fabricantes de Colares durante o reinado de Amenemhat IV. Outras: No topo da estela, encontra-se inscrito o prenome real de Amenemhat IV (Maatkherure).

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Passagem Oferenda que o rei faz (a) Osíris, o Senhor que abre os caminhos, para que ele possa fazer dádivas de invocação, em pães e cerveja, bois e gansos; milhares de (vasos de) alabastro, milhares de tudo que é bom e puro, que o céu dá, que a terra produz, e que a inundação do Nilo traz – para a alma do venerável, Administrador dos Fabricantes de Colares, Uerhap-Renefseneb. (Linhas 4-5)

Comentários Encontramos mais uma vez uma fórmula de oferenda, típica de estelas votivas, a qual Uerhap-Renefseneb, funcionário real, usa o rei como intercessor para oferecer bois, gansos, alabastro e etc, aos deuses.

46

3. Estela de Resu Bibliografia KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990. Artefato Estela de Resu Fotografia

Número Inv. 630 Descrição do Material      

Desenho

Pedra calcária; Figuras e Inscrições Gravadas. Altura: 37,5 cm ; Largura: 26,5 cm; Espessura: 7 cm. XII/XIII Dinastias. Procedência: Abidos. Coleção Fiengo.

Observação  

Deuses: Osíris e Upuaut. Cargo: Resu foi funcionário real, segundo Kitchen, provavelmente foi um administrador do patrimônio real.

Passagem do Texto Comentários Oferenda que o rei faz (a) Upuaut (e a) Osíris, Senhor de Abidos, para que eles Temos uma fórmula de oferenda, típica de 47

façam oferendas de invocação, em pães e cerveja, bois e gansos; milhares de (vasos de) alabastro e roupa, incenso e ungüento, e tudo que é bom e puro de que um deus pode sustentar-se – para a alma do Nobre Hereditário e Conde, Chanceler do Rei do Baixo Egito, o Alto Administrador da Quinta, Escolta do Rei, Resu, justo, nascido da Senhora da casa, Sit-neb-soshenu, justa. (Linhas 1-5)

estelas votivas, a qual Resu, funcionário real de alta importância, usa o rei como intercessor para oferecer bois, gansos, alabastro e etc, aos deuses. Quando encontramos o termo “justo”, “justificado”, “justo de voz” em alguma inscrição, significa que o indivíduo está morto.

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4. Estela de Renefankh e família Bibliografia KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990. Artefato Estela de Renefankh e família Fotografia

Número Inv. 631 Descrição do Material      

Desenho

Pedra calcária; Figuras e Inscrições Gravadas. Altura: 43 cm ; Largura: 24 cm; Espessura: 7 cm. XII/XIII Dinastias. Procedência: Abidos. Coleção Fiengo.

Observação  

Deuses: Anubis, Osíris e Ptah-Sokar. Cargos: Essa estela pertence a uma família de funcionários reais, com cargos como Fabricante de Sandálias do Departamento da Camareira da Corte, Superintendente do Tribunal e Agente auxiliar da polícia.

49

Passagem do Texto

Comentários

Oferenda que o rei faz (a) Anubis, que está em sua montanha e no lugar de embalsamamento, o Senhor do Território Sagrado, para que ele possa dar tudo para a(s) alma(s) de: a Senhora da Casa, Seneb; o adido do Escritório Principal, Fekut; o Superintendente do Tribunal, Renseneb; o cidadão, Iotef, justo; a Senhora da casa, Ib, justa; o cidadão, Hori, justo; o cidadão, Apopi, justo; o cidadão, Senbtifi, justo; a Senhora da casa, Yi, justa; a Senhora da casa, Keki, justa; a Senhora da Casa, Gemef, justa.(Linhas 9;10-20)

Temos uma fórmula de oferenda, típica de estelas votivas. O deus Anúbis toma o seu lugar típico como deus do embalsamamento. Quando temos o termo “justo”, “justificado”, “justo de voz” significa que o indivíduo está morto.

Oferenda que o rei faz (a) Osiris, Senhor de Busíris, grande Deus, Senhor de Abidos, para que ele possa fazer oferendas de invocação em pães e cerveja, para a(s) alma(s) de [...]. (Linha 21) Oferenda que o rei faz (a) Ptah-Sokar, para que ele de incenso e ungüento para a(s) alma(s) de [...]. (Linha 33).

Fórmula de oferenda de estelas votivas. Encontramos referência à divisão das oferendas, fato que não ocorre nas outras estelas. Aqui nós percebemos a separação de pães e cervejas para Osíris e Incenso e Unguento para Ptah-Sokar.

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5. Estela de Uerneb Bibliografia KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990. Artefato Estela de Uerneb Fotografia

Número Inv. 632 Descrição do Material      

Desenho

Pedra calcária; Figuras e Inscrições Gravadas. Altura: 46.3 cm ; Largura: 26.5 cm; Espessura: 8 cm. XII/XIII Dinastias. Procedência: Abidos. Coleção Fiengo.

Observação  



Deus: Osíris. Cargos: Essa estela pertence a uma família de funcionários reais, com cargos como “o homem da escolta”, “superintendente de um distrito”, “carpinteiro do rei”, “mordomo”, “fabricante dos pés do mobiliário”. Esta estela comemora um grupo de funcionários inferiores e artesãos, e as suas esposas.

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Passagem do Texto

Comentários

Oferenda que o rei faz a Osíris, Senhor de Abidos, Senhor do Território Sagrado, para que ele possa fazer oferendas de invocação, de pães e cerveja, bois e gansos, para a(s) alma(s):o homem da Escolta, Uerneb, nascido da Senhora da casa, Iusni; a Senhora da Casa, Hori; a Senhora da casa, Ati; o Superintendente de um distrito, Bembu; o carpinteiro do rei, Siptah; a Senhora da Casa, Sit-tekhu; o Mordomo, Siptah; a Senhora da casa, Sit-Iah; o fabricante dos pés do mobiliário, Siptah; o fabricante dos pés do mobiliário, Aku-Sobekhotep. É seu filho, que perpetua o seu nome, o fabricante dos pés do mobiliário, Khnum, justo. (Linhas 1-7).

Fórmula de oferenda, típica de estelas votivas. Quando temos o termo “justo”, “justificado”, “justo de voz” significa que o indivíduo está morto.

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6. Estela de Ameny Bibliografia KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990. Artefato Estela de Ameny Fotografia

Número Inv. 634 Descrição do Material      

Desenho

Pedra calcária; Figuras e Inscrições Gravadas. Altura: 63 cm ; Largura: 48 cm; Espessura: 19.2 cm. XII/XIII Dinastias. Procedência: Abidos. Coleção Fiengo.

Observação    

Deus: Osíris. Cargos: Camareiro e Diretor de Trabalhos. Essa estela está enfeitada em todos os quatro lados. Esta estela é de grande porte e relaciona trinta colegas e amigos de Ameny, alem dele próprio e sua família.

53

Passagem do Texto

Comentários

Oferenda que o rei faz a Osíris, Senhor de Abidos, para que faça oferendas de invocação, de pães e cerveja, bois e gansos, (vasos de) alabastro e roupa, incenso e unguento; ofertas, víveres, tudo que é bom e puro que o céu dá, que a terra produz, e de que um deus possa viver – para a alma do Camareiro e Diretor de Trabalhos, Ameny, justo. (Linhas 1-3)

Fórmula de oferenda, típica de estelas votivas. Quando temos o termo “justo”, “justificado”, “justo de voz” significa que o indivíduo está morto.

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7. Estela de Khenty-khety-hotep Bibliografia KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990. Artefato Estela de Khenty-khety-hotep Fotografia

Número Inv. 635 + 636 Descrição do Material      

Desenho

Observação   

Passagem do Texto

Pedra calcária; Figuras e Inscrições Gravadas. Altura: 44 cm ; Largura: 43.5 cm; Espessura: 12.8 cm. XII/XIII Dinastias. Procedência: Abidos. Coleção Fiengo.

Deus: Osíris. Cargos: Administrador. A estela possui uma especificidade, o que a torna rara: no seu topo há um nicho, feito com uma capelinha entre dois painéis altos, estreitos e encaixados, há uma figura de múmia. Ela traz a inscrição “O Administrador (da Quinta), [...], Khenty-khety-hotep, justo.

Comentários

Oferenda que o rei faz a Osíris, o Chefe dos Fórmula de oferenda, típica de estelas votivas. Ocidentais, grande deus, Senhor de Abidos, Quando temos o termo “justo”, “justificado”, para que faça oferenda de invocação, de pães “justo de voz” significa que o indivíduo está 55

e cerveja, bois e gansos, (vasos de) alabastro morto. e roupa, e todas as coisas boas que estão sendo preparadas para o servidor realmente conhecido do rei, e muito estimado por ele, o Administrador (da Quinta), Khenty-khetyhotep, venerável. (Linhas 2-3)

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8. Estela de (Seqedi) Shemre

Bibliografia KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990. Artefato Estela de (Seqedi) Shemre Fotografia

Número Inv. 643 Descrição do Material      

Desenho

Pedra calcária; Figuras e Inscrições Gravadas. Altura: 54.5 cm ; Largura: 35 cm. XII/XIII Dinastias. Procedência: Abidos. Coleção Fiengo.

Observação  

Deuses: Ptah-Sokar-Osíris; Upuaut; Min-Horus; Deuses que estão em Abidos. Cargo: Superintendente dos Marinheiros.

57

Passagem do Texto

Comentários

Oferenda que o rei faz (a) Ptah-Sokar-Osíris, Chefe dos Ocidentais, grande deus, Senhor de Abidos; (a) Upuaut, o Senhor do Território Sagrado; (a) Min-horus, o vitorioso; (e a) os deuses (e à)s deusas que estão em Abidos; para que eles vos possam fazer oferenda de invocação, em pães e cerveja, bois e gansos, (vasos de) alabastro e roupa, incenso e ungüento; tudo que é bom e puro que um deus possa de sustentar; glória, poder e justificação na necrópole, entrar no céu entre os deuses;saciar a sede até satisfazer o coração; existir como alma viva; e comer o pão dos altares dos deuses, para a alma de Seqedi Shemre (ou: do marinheiro, Shemre), justo. Que possais navegar através dos pântanos do céu, Que possais atravessar os limites do horizonte; Que aqueles que vivem na abun(dância) vos dêem os (braços) no distrito das oferendas; Que os Grandes que habitam Busiris lembrem-se de vós, (e igualmente) a Corte do Senhor de Abidos. Que possais abrir em paz o caminho que desejardes, que vos dêem ambas as mãos na barca Neshmet, nos caminhos dos venerados, Que vos digam “Bem-vindo, em paz!”, os Grandes de Abidos. Que possais empunhar o remo do leme na Barca da Noite, que possais viajar na Barca do dia, oh Osíris, Seqedi Shemre, justo! (Quanto a) a acumular riquezas, que vos concedam opulência e abundância, que vos assegurem felicidade para a alma, alimento abundante para o corpo: pão para o estômago, água para a garganta, e o vento do norte para as narinas. Que possais inalar incenso, que possais ser ungido (com) mirra, que possais enxergar claramente na casa de escuridão, oh Seqedi Shemre, justo perante Osíris!(Linhas 1-12)

A estela apresenta uma fórmula de oferendas com os itens recorrentes às estelas votivas. Porém traz outros elementos atípicos, como uma descrição simplificada sobre o que se espera como retribuição da oferenda. Quando temos o termo “justo”, “justificado”, “justo de voz” significa que o indivíduo está morto.

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9. Estela de Paentyni Bibliografia KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990. Artefato Estela de Paentyni Fotografia

Número Inv. 646 Descrição do Material      

Desenho

Pedra calcária; Figuras e Inscrições Gravadas. Altura: 46.5 cm ; Largura: 30.1 cm; espessura: 7 cm. XIII Dinastia. Procedência: Abidos. Coleção Fiengo.

Observação  

Deuses: Osíris Uenenufer; Hórus; Deuses que estão no templo. Cargo: Inspetor Sênior dos Escribas da Cidade do Sul.

59

Passagem do Texto

Comentários

Oferenda que o rei faz (a) Osiris Unefer, (a) Horus o vitorioso, e a(os) deuses que estão no templo, para que eles vos façam oferendas de invocação em pães e cerveja – os víveres que o céu dá, que a terra produz, e que a inundação do Nilo traz, e o sopro doce da vida – para a alma do Inspetor Sênior dos Escribas da Cidade do Sul, Paentyni, justo, gerado de Iqer, e nascido da Senhora da Casa, Ini, justa. (Linhas 1-5)

A estela apresenta uma fórmula de oferendas com os itens recorrentes às estelas votivas. Quando temos o termo “justo”, “justificado”, “justo de voz” significa que o indivíduo está morto.

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10. Estela de Seneb Bibliografia KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990. Artefato Estela de Seneb Fotografia

Número Inv. 647 Descrição do Material      

Desenho

Pedra calcária; Figuras e Inscrições Gravadas. Altura: 26 cm ; Largura: 14.2 cm; espessura: 6.4 cm. XII/XIII Dinastias. Procedência: Abidos. Coleção Fiengo.

Observação  

Deuses: Osíris; Upuaut. Cargo: General (ou capataz, de uma força de trabalho ou expedição).

61

Passagem do Texto

Comentários

Oferenda que o rei faz (a) Upuaut do Sul, A estela apresenta uma fórmula de oferendas diretor das Duas Terras, para que ele faça com os itens recorrentes às estelas votivas. oferendas de invocação, em pães e cerveja, bois e gansos, para a alma do ...., [...]. (Feito por) seu filho amado, o general, Seneb. Oferenda que o rei faz (a) Osíris, senhor de Abidos, para que ele faça (oferendas de invocação em pães e cerveja), bois e (gansos), para a alma do general (Sene)b. Oferenda que o rei faz (a) Upuaut do Sul, diretor das Duas Terras, para que ele faça oferendas de invocação em pães e cerveja, bois e gansos, para a alma da Senhora da Casa, Henu, renovada em vida.

i

Todas as imagens utilizadas em nossas Pranchas Analíticas estão disponíveis em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Egyptian_antiquities_in_the_Museu_Nacional. Acesso em 30 de Fevereiro de 2015. ii

Todos os desenhos de linha utilizados em nossas Pranchas Analíticas pertencem à obra de KITCHEN, Kenneth Anderson. Catálogo da Coleção do Egito, Volume I. Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1990.

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