A Écfrase em Visconde de Taunay

May 23, 2017 | Autor: Elisa Santana | Categoria: Narrative, Ecfrásis, Afonso d' Escragnolle Taunay (1876 - 1958)
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A Écfrase em Visconde de Taunay Elisa Santana Orientador: Prof.Henrique Cairus

Introdução Estão dentre as práticas discursivas que conhecemos hoje a narração e a descrição, que criam uma relação estreita na escrita com mais diferenças teóricas que práticas. Também confundindo-se ao atual conceito de descrição conhecemos outra prática discursiva que foi codificada como instrumento de estudo por rétores da antiguidade (especificamente da “Segunda Sofística”) e outros estudiosos mais adiante chamada écfrase, que também ganhou variadas definições ao longo do tempo até hoje, quando sua atual definição está mais próxima das artes plásticas do que somente do discurso. Nesta pesquisa nos propomos a situar as definições atribuídas à écfrase levando em consideração suas mutações, compará-las a definições designadas a outros conceitos que se assemelham às definições da écfrase usando como exemplo a princípio o romance ​Inocência (1872)​, do conhecido e renomado autor Visconde de Taunay. Em ​Inocência tentaremos entender se foi feito o uso da écfrase (como gênero ou como parte do texto) ou da descrição. Para realizarmos este estudo utilizaremos principalmente a dissertação de mestrado de estudos específicos da ​écfrasis e da ​euidentia (termo latino que possivelmente corresponde a écfrase) de ​Melina Rodolpho​; dos rétores gregos citados através dos ​Progymnásmata e retóricos latinos que trataram do assunto (como, por exemplo, Quintiliano); das contribuições sobre a obra de Taunay de ​Maria Lídia L. Maretti ​e demais estudos que discorrem sobre o tema da écfrase como os de ​Ruth Webb, João Adolfo Hansen​ e ​Paulo Martins.

Narração e Descrição Nas definições de ​écfrase expostas por Melina Rodolpho (2012, p.165) é elucidado que os elementos que constituem esta ​écfrase são os mesmos de ​narração​, e que ao adotar-se descrição como termo equivalente à ​écfrase​, deve-se cuidar para não a confundirmos com a definição de ​descrição que possuímos atualmente. Entretanto, para realizarmos um estudo focado na literatura romântica, onde a ​descrição é utilizada e entendida em seu atual conceito, é importante entendermos esta noção, para diferenciá-lo da ​écfrase​, e também para constituir as relações existentes entres os dois conceitos, faremos isso a seguir. A narração, na definição de Jorge Alves (no Dicionário de Termos Literários editado por Carlos Ceia), pressupõe o relato contínuo de acontecimentos que possuam uma relação temporal entre eles na forma discursiva. Jorge Alves explica que na narração existe um distanciamento da realidade, pois o ato narrado não será igual ao fato que foi ocorrido, haverá um relato da realidade requerendo, assim, a existência de uma voz a quem atribuímos o nome de “narrador”. O narrador ocupa o lugar de fala de quem viu ou soube dos acontecimentos narrados, por isso ele não fala a partir do tempo presente, usando, em geral o pretérito perfeito, o pretérito-mais-que-perfeito e, o que Alves chama de “uma variante estilística o presente histórico”, aceitando-se variações temporais de acordo com o discurso que está sendo construído. O autor também coloca em questão a função da narração junto da descrição, explicando que enquanto a primeira constitui-se pelo aspecto temporal e de mobilidade a segunda “incide sobre objetos narrativamente inanimados”, muitas vezes compondo a cena em que ocorre a narração, ou possibilitando a imaginação de objetos, pessoas e lugares, ou seja, uma depende da outra para se realizar. Ainda no mesmo dicionário encontramos, agora num texto de Olegário Paz, a descrição definida como “a representação verbal de lugares ou ambientes, animais ou coisas, pessoas ou personagens, estados de espírito, impressões ou sentimentos”, distinguindo-se, assim, de outras práticas discursivas, dentre elas a narração, “uma vez que o referente não é o relato de uma acção ou de ações articuladas, situadas no tempo; não conta uma história”, estando de acordo com a definição proposta por Jorge Alves exposta anteriormente. Após definir e diferenciar a descrição, Paz comenta com ênfase dois tipos de descrição apresentados por ele: de personagem, que ilustra os aspectos físicos, psicológicos, sociais e morais da personagem descrita, e de espaço, onde, basicamente, é descrito o local onde

ocorre a ação narrada, com seus pormenores e pontos de vista diferentes para que o leitor visualize a cena. Olegário Paz explica que estudos desde “clássicos” (de Horácio a Boileau) até mais recentes (cita Gerard Genette e Jean Ricardou) colocam a descrição em posição de submissão à narração, justificando que a descrição pode deixar o texto enfadonho. Paz coloca também, em oposição a essa ideia, a concepção de Helena Buescu, que defende que na estética romântica o uso da descrição torna-se indispensável, tornando simbiótica a relação entre narração e descrição.     

Descrição e Écfrase No livro ​Écfrase e evidência nas letras latinas: Doutrina e práxis ​(2012) Melina Rodolpho escreve sobre as primeiras definições de écfrase expondo pontos comuns e divergentes acerca das categorias e pormenores que definem a écfrase. Para isto, utiliza textos retóricos antigos gregos de Hélio Teão, Hermógenes e Aftônio (autores dos exercícios de retórica chamado ​Progymnásmata​); e latinos de Quintiliano e Cícero. Além de definições da écfrase, são expostas, também, outras figuras de linguagem que ajudam a “adornar”, mas que podem ser confundidas com a própria écfrase. Focar-nos-emos na categoria de maior destaque para a autora e ponto comum entre os estudiosos para esta definição: de que a écfrase compreende ​clareza e ​enargia​, que pode ser traduzida por “vivacidade”, sempre se adaptando ao tema a qual é atribuída, assim, se o discurso é florido, a descrição também o será. Essa definição pode ser enriquecida com a leitura do artigo ​Categorias epidíticas da écfrase ​(2006)​, ​onde João Adolfo Hansen explica que a clareza característica da écfrase, que é mimética, está inserida na forma como é expressa e não uma crua exposição de uma ideia. Usando figuras variadas, como a metáfora, hipérbole e sinônimos, a descrição pode ter um significado menos claro, confundindo-se com a narração; mas, ainda assim, pode deixar evidente um outro significado, que foi inserido pelo uso de outras figuras de linguagem. O sexto capítulo do livro Visconde de Taunay e os Fios da Memória ​(2006) de Maria Lídia Maretti intitula-se “Virtuosismo descritivo (ou uma poética do espaço)”. Ali, a autora discorre especialmente sobre os processos descritivos de Taunay, trazendo considerações não apenas dos aspectos estéticos desenvolvidos pelo romancista, e consequentemente da crítica acerca disso, mas também da querela em torno da descrição como as apresentadas acima.

Inicialmente, Maretti escreve sobre o destaque positivo que Taunay recebe de Alcides Bezerra, que realiza uma biografia do romancista em 1937 e exalta o processo de descrição de Taunay, a autora então aborda pontos a serem pensados nesse destaque como a “postura enunciativa”; o “lugar textual”; o “gênero em que a descrição aparece” e o “estoque de informações acumuladas”. É importante observarmos que ​Inocência ​é um romance com fortes tendências ao gênero naturalista, e que Taunay escreveu outras obras concentrando-se nas cenas paisagísticas, podemos citar por exemplo o ​Relatório Geral da Comissão de Engenheiros junto às Forças em Expedição para a província de Mato Grosso, ​Céus e Terras do Brasil, Cenas de Viagem e A Retirada da Laguna ​publicados e republicados em fins do século XIX e início do século XX. ​Mais adiante, Maria Lídia Maretti aponta estudos sobre o conceito de descrição e narração desenvolvidos por alguns autores já citados (Nicolas Boileau, Gerard Genette) e outros mais: Phillipe Hamon, George Luckács, trazendo a questão da função da descrição frente a narração e outros que a justificam a harmonia e necessidade de ambas, como desenvolvemos anteriormente, e prossegue ao longo do capítulo esmiuçando o trabalho descritivo de Taunay em cinco obras diferentes, quatro citadas acima e a quinta o romance a que nos propomos estudar. Especificamente em ​Inocência​, Taunay utiliza atributos peculiares para trabalhar com a descrição. Maretti comenta como a descrição se entrecruza com a narração construindo um ​quadro para dar ​clareza à narrativa. Neste momento o conceito de descrição torna-se pouco abrangente em relação ao trabalho construído por Taunay, vale citarmos a autora:

Outro recurso de que Taunay se vale neste capítulo é o de conferir vivacidade à descrição, que chega a assumir ares de ‘narrativa’. Ou seja, o que há para ser descrito acaba por ser narrado. É o caso da bela descrição-narração ​do incêndio da mata provocado pelo tropeiro fumante descuidado. (MARETTI, 206, p.238) Neste trecho podemos perceber que os atributos que a autora utiliza para descrever o tipo de ​descrição utilizado por Taunay, que ela chama de ​descrição-narração, são os mesmos

utilizados para definir o conceito inicial de écfrase. Podemos considerar, então, que a écfrase, em sua definição antiga que conhecemos pelos retóricos da antiguidade, pode ser encontrada em partes do texto de Affonso Taunay. Adiante, prosseguiremos estudando mais detalhadamente o conceito de écfrase e como é situado pelos estudiosos desde a antiguidade até seu atual conceito, observando as diferentes definições que lhe foram atribuídas e contrapondo com outros conceitos. Para esta parte que se inicia utilizaremos, além da bibliografia já utilizada até o presente momento, os estudos de ​Reinhart Kosselec, ​especificamente do histórico dos conceitos.

Bibliografia: HANSEN, João Adolfo. Categorias epidíticas da ekphrasis. Revista USP. São Paulo: n.71, p. 85- 105, set/nov 2006. In​:​http://www.revistas.usp.br/revusp/article/viewFile/13554/15372 Acesso em:outubro de 2016. M​ARETTI, Maria Lidia Lichtscheidl. ​ O Visconde de Taunay e os fios da memória. São Paulo: Editora da UNESP, 2006. RODOLPHO, Melina. ​Écfrase e Evidência nas letras latinas: Doutrina e Práxis​. São Paulo: Humanitas, 2012. TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle, Visconde de Taunay. ​Inocência.​ 10ª ed.São Paulo: Ática, 1982. Jorge Alves: s.v. “Narração”, ​E-Dicionário de Termos Literários​ (EDTL), coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9, , consultado em 12 de outubro de 2016 Olegário Paz: s.v. “Descrição”, ​E-Dicionário de Termos Literários​ (EDTL), coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9, , consultado em 12 de outubro de 2016

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