A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ENQUANTO PERSPECTIVA PARA SUPERAÇÃO DO ANALFABETISMO NO BRASIL NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE ESTUDOS ESPECIALIZADOS Pedro Kinast De Camillis A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ENQUANTO PERSPECTIVA PARA SUPERAÇÃO DO ANALFABETISMO NO BRASIL NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO Porto Alegre 2014
Pedro Kinast De Camillis A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ENQUANTO PERSPECTIVA PARA SUPERAÇÃO DO ANALFABETISMO NO BRASIL NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO Texto dissertativo sobre uma das metas do Projeto de Lei nº 8.035/10, versão aprovada na Câmara dos Deputados em 2012, elaborado para a disciplina Políticas Governamentais na Educação Brasileira, ministrada pela profa. Nalú Farenzena. Porto Alegre 1° semestre 2014
1 INTRODUÇÃO Anualmente, a Organização das Nações Unidas calcula o nível de desenvolvimento humano dos países afiliados, classificando e valorando mais ou menos cada nação. No ano de 2012, o Brasil ocupou o 85° lugar no ranking, sendo categorizada como Alto no Índice de Desenvolvimento Humano IDH. Os critérios para o cálculo são renda, saúde e educação, sendo que dentro dos quesitos relativos à educação está a taxa de alfabetização e a taxa de escolarização. A elevação do país no ranking mundial do IDH pode ser entendida como uma das motivações para muitas das metas traçadas no Plano Nacional de Educação, trazendo como primeiras diretrizes a erradicação do analfabetismo e a universalização do atendimento escolar. Esses objetivos são o foco da ação do Programa Brasil Alfabetizado – PBA, que está atualmente inserido na Diretoria de Políticas de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos – DPAEJA da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI do Ministério da Educação – MEC. Conforme constante na página eletrônica do MEC, o Programa Brasil Alfabetizado visa: Promover a superação do analfabetismo entre jovens com 15 anos ou mais, adultos e idosos e contribuir para a universalização do ensino fundamental no Brasil. Sua concepção reconhece a educação como direito humano e a oferta pública da alfabetização como porta de entrada para a educação e a escolarização das pessoas ao longo de toda a vida.1
Os objetivos do PBA focam coerentemente o incremento das taxas de alfabetização e escolarização, contudo deixam sublimado o parecer n° 11/2000, elaborado por Carlos Roberto Jamil Cury, que delineia as diretrizes e funções da
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Disponível em: . Acesso em: 1° de maio de 2014.
Educação de Jovens e Adultos – EJA, que são, reparadora2, equalizadora3 e qualificadora4. O presente texto tem como objetivo verificar o tratamento dado ao desafio da alfabetização e permanência na escola da população acima de 15 anos pelo Projeto de Lei n° 8035 B de 2010, que formula o Plano Nacional de Educação para o decênio 20112020, antes das alterações que se seguiram à aprovação da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em 22 de abril de 2014. Pretendemos, ainda, analisar o Projeto de Lei à luz da edição n° 21 do Boletim de Políticas Sociais – BPS, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, especialmente em seu quarto capítulo em que trata das políticas setoriais de educação. E, finalmente, faremos breves comentários sobre as relações entre as funções da EJA e o PNE.
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Segundo Cury, “significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Logo, não se deve confundir a noção de reparação com a de suprimento.” (2000, p.7). 3
“A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação.” (CURY, 2000, p.9). 4
O parecer de Cury define essa função como o próprio sentido de ser da EJA, pois pressupõe “o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares. Mais do que nunca, ela é um apelo para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade” (2000, p.11).
2 A EJA ENQUANTO PERSPECTIVA PARA SUPERAÇÃO DO ANALFABETISMO NO BRASIL Após o texto da lei, o projeto 8035 B de 2010 apresenta um anexo com metas que se desdobram em estratégias. A meta de número 9 aponta para a questão do analfabetismo no país, focando na população com mais de 15 anos. Estabelece uma meta de erradicação do analfabetismo absoluto e redução em 50% do analfabetismo funcional até 2021, tendo como objetivo intermediário a elevação da alfabetização nesse recorte populacional para 93,5% até 2015. As estratégias estão focadas no acesso à alfabetização e permanência dos estudos, com fim de atingir a escolarização básica. Com relação ao acesso, é assegurada a gratuidade do ensino e verificação das regiões com necessidade de ampliação de vagas na modalidade de educação de jovens e adultos. Para viabilizar a continuidade dos estudos é proposto a implementação de programas que propiciem condições mínimas, como, por exemplo, alimentação, transporte, saúde e, com especial ênfase, transferência de renda. Como forma de garantir a entrada e permanência dos jovens e adultos analfabetos e/ou com menos de doze anos de escolarização indicase a necessidade de se levar em consideração as características desse público e, portanto, as especificidades da educação de jovens e adultos. Sendo assim, apontase para a realização de diagnósticos sobre este recorte populacional e chamadas públicas sistemáticas em cooperação entre União, Estado, Municípios e organizações da sociedade civil. Nessa perspectiva, as estratégias apontam também para realização de avaliações específicas para verificar os níveis de alfabetização e incentivo a projetos de inovação metodológica. Ainda são consideradas as necessidades de interface com os segmentos empregadores para viabilizar a permanência na escola, tanto no sentido de adequação da jornada de trabalho, quanto para capacitação às vagas de emprego, sendo esta aprofundada na meta seguinte. Para além do recorte populacional que vem sendo explorado, é lançado um olhar para dois subgrupos, que são: as pessoas com
deficiência e os privados de liberdade. Os primeiros são mencionados no tocante à capacitação profissional, enquanto que os segundos estão mencionados em estratégia específica que assegura o ensino fundamental e médio, com formação específica aos professores e professoras. É importante grafar que o atendimento especializado às pessoas com deficiência tem uma meta específica e que, ao longo do texto, é contemplado em estratégias de diversas metas, demonstrando em certa medida que o tema está incorporado às políticas educacionais. A edição 21 do Boletim de Políticas Sociais – BPS elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA dedicase, em seu bloco principal, a analisar os dados de 2011, coincidindo com a observação das metas do Plano de Educação do período de 20012011. Na seção Fato Relevante é trazida a votação unânime na Câmara do Deputados fixando em 10% do PIB os recursos que deverão ser destinados para a educação, elemento significativo dentro do Plano Nacional de Educação, figurando dentre suas diretrizes. Movimentos sociais, estudantes, professores, intelectuais e gestores da área educacional pressionam pela aprovação dos 10% com o argumento de que as metas previstas no novo PNE não poderiam ser atingidas com investimentos menores que este. Por um lado, pesa a favor deste segmento o histórico do PNE anterior, cujas metas não foram alcançadas, em parte, pela falta de investimento. Por outro lado, há a pressão de setores empresariais e gestores ligados à área econômica do governo federal, que têm resistido à aprovação dos 10% do PIB com argumentos de austeridade fiscal e de que os recursos financeiros atualmente investidos deveriam ser mais bem aplicados, reforçando a proposta de que 7% do PIB seriam suficientes. (IPEA, 2013, p.162).
Além de o periódico apresentar claramente os agentes políticos atuantes nessa decisão, podemos já antever o que será exposto pela análise das metas do PNE 20012011. A maior parte das metas não foi atingida, por vezes com margem muito curta do planejado, por outras com larga distância. Há aqueles programas em que fica explícito um decréscimo no valor investido, a exemplo do programa de Desenvolvimento da Educação Especial. Por outro lado, existe um esforço de impulsionar ações que promovam o aumento do número de anos de escolarização, que se concentram no programa Brasil Escolarizado, que recebeu importante aporte financeiro da União, através de complementação ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (FUNDEB), que, apesar de ter ficado aquém das metas estabelecidas, teria desempenho inferior não fosse o gasto realizado pelo Governo Federal. Essa dinâmica, que percebemos em várias ações e programas educacionais ao longo do Boletim de Políticas Sociais do IPEA BPSIPEA, se repete quando focamos no tema do analfabetismo e da educação de jovens e adultos. O programa Brasil Alfabetizado e Educação de Jovens e Adultos, entre 2010 e 2011, obtém crescimento de 17,8%, contudo impulsionado unicamente pela ação de distribuição de materiais e livros didáticos, enquanto que ações que visam apoio à alfabetização e melhoria da qualidade tem significativa redução dos gastos. (IPEA, 2013, p.183). A tabela 10 do boletim, ainda nessa subseção, aponta a dificuldade dos Estados das macrorregiões do Nordeste e Norte em superar as elevadas taxas de analfabetismo, que são, respectivamente, 18,54% e 11,12%, frente à média nacional de 9,38% no ano de 2010 (IPEA, 2013, p.184). Verificase que as populações negra, do campo e mais pobre necessitam de programas de educação de jovens e adultos que promovam o acesso e garantam a permanência após a alfabetização. Portanto, o PNE explora sutilmente a função equiparadora da EJA quando referese a elevação do número de anos de escolarização em recortes populacionais específicos com o fito de atenuar ou reduzir as diferenças sociais. Plenamente justificado, o Plano focaliza em diversas passagens o atendimento a esses grupos mais fragilizados, contudo não explicita ações que dêem conta de superar o cenário indicado no Boletim de Políticas Sociais em direção a erradicação do analfabetismo. Também são relacionados no BPSIPEA os dados referentes ao analfabetismo funcional no país, referido como escolaridade abaixo dos quatro anos, definição esta que não é posta no PNE. Os dados de 2012 fornecidos pelo IBGE repetem o quadro do analfabetismo absoluto, acrescentandose que 70% dessa população recebe até um salário mínimo. Se acrescida a faixa dos que recebem entre um e dois salários mínimos, totalizase 91% dos analfabetos funcionais. Somada a isso, a falta de apoio à Educação de Jovens e Adultos, demonstrada pelos gastos decrescentes nas principais ações do Brasil Alfabetizado, reflete no decrescimento das matrículas nas escolas que oferecem esta modalidade, pois os adolescentes, jovens e adultos carecem de prover a sua subsistência material. Esses dados embasam as estratégias da meta 9 da PL 8035 B de 2010 que enfatizam a necessidade de programas
complementares de transporte, alimentação, saúde e de transferência de renda. Segundo o BPSIPEA, Como se trata de jovens e adultos – aproximadamente dois terços dos analfabetos funcionais ainda estão em idade ativa –, fica claro que a necessidade de trabalhar é algo imperioso na vida de grande parte destas pessoas. Logo, frequentar bancos escolares nestas condições, mesmo que em horários ou formatos alternativos, implica esforço adicional do alfabetizando que, via de regra, precisaria ser assistido por programas e ações de incentivo à sua permanência na escola, tais como auxílio para transporte, alimentação, livros, material escolar e eventualmente bolsas de estudo. (IPEA, 2012, p. 190).
3 CONCLUSÃO Podemos perceber o quão dispersa está a execução da EJA, existindo, preliminarmente, uma dificuldade para identificar a seção que coordena as ações nesse sentido. Em 2000, quando da formulação do parecer de Cury sobre as diretrizes e funções da EJA, esta era executada pela COEJA. No BPSIPEA, de 2012, este referese ao programa BAEJA, enquanto que, no ano de 2014, não existe um programa específico de Educação de Jovens e Adultos, supondose que esteja difundida em todas as ações da Diretoria de Políticas de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos – DPAEJA, enquanto que a ação específica de alfabetização se organiza através do programa Brasil Alfabetizado. A alteração do setor responsável pelas ações da EJA pode ser entendida como uma simples alteração no nome do órgão, contudo pelos objetivos e programas da área percebemos que as diretrizes da EJA se diluem a cada reformulação ministerial, fazendo com que a pauta se enfraqueça. Ao longo do Plano Nacional de Educação, a EJA é mencionada nas estratégias de outras metas além da de número 9, que contempla a erradicação do analfabetismo, contudo, ela surge com função de educação continuada e, principalmente, de qualificação profissional. A primeira função pode ser verificada quando da interação entre a EJA e a educação especial, como descrito na estratégia 10 da meta 4, que versa sobre a universalização da educação para pessoas com deficiência. Enquanto que a função de qualificação profissional da EJA é desenvolvida na meta 10, atrelando a esse fim 25% das matrículas de educação de jovens e adultos. No contexto geral do projeto de lei do PNE analisado, a EJA pode ser entendida como o “Plano B”. Essa leitura se dá em função da preponderância de um pensamento que se explicita, por exemplo, na segunda meta, que prevê que, até o fim do período de vigência do PNE, 95% das pessoas devem concluir o Ensino Fundamental na idade adequada. Como podemos perceber, a ênfase dada pelas estratégias é na inclusão das gerações novas.
Ao observarmos as funções da EJA reparadora, equalizadora e qualificadora depreendemos a potência que essa modalidade tem a oferecer para alcançar as audaciosas metas do novo PNE. Ao privilegiar as gerações mais novas da população, a política educacional deixa de lado uma parcela econômica e culturalmente ativa. Sendo assim, a EJA, como reflete Cury, representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho empregada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado deste acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea. (2000, p. 5).
Quando vislumbramos que a maior parte das metas almejadas até o período de 2011 não foram galgadas, percebemos a relevância do incremento nos gastos com os programas de educação. E, ainda, a importância de se tomar como base para o investimento a análise realizada pelo IPEA, pois revela de forma aguda os pontos fracos da gestão e financiamento do sistema educacional brasileiro. Nesse sentido, as metas se tornam bastante audaciosas, frente a dificuldade de investimento na área, fazendose fundamental a gravação em 10% do PIB para gastos em educação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Capítulo 4 – Educação. Boletim de Acompanhamento de Políticas Sociais, n. 21 (2013). CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n. 8035B/2010. Aprova o Plano Nacional
de
Educação
para
o
decênio
20112021.
Disponível
em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490116. CURY, Carlos Roberto Jamil. Parecer CEB n° 11/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais
para
a
Educação
de
Jovens
e
Adultos.
Disponível
em:
. Acesso em: 28 de abril de 2014.
FONTES CONSULTADAS
Índice
de
Desenvolvimento
Humano.
Wikipédia.
Disponível
em:
. Acesso em: 4 de maio de 2014. Brasil continua na 85ª posição no ranking mundial de IDH; veja resultado de todos os países. UOL Notícias. Disponível em: . Acesso em: 4 de maio de 2014. MEC. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Programas e Ações. Programa Brasil Alfabetizado. Portal do MEC. Disponível em: . Acesso em: 29 de abril de 2014.
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