A EDUCACAO AMBIENTAL E A ECOLOGIA PROFUNDA COMO FATORES SENSIBILIZADORES PARA A NECESSARIA MUDANCA DE PARADIGMAS Copia

June 18, 2017 | Autor: Renata Pereira | Categoria: Educação Ambiental
Share Embed


Descrição do Produto

1

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A ECOLOGIA PROFUNDA COMO FATORES SENSIBILIZADORES PARA A NECESSÁRIA MUDANÇA DE PARADIGMAS Renata Alessandra Pereira1 Márcia Cristiane Kravetz Andrade2

RESUMO Falar em Educação Ambiental nos dias de hoje pressupõe uma abordagem mais ampla do que é realizada nas escolas e instituições. O ser humano está no início de uma perspectiva de mudança de paradigmas vigentes na sociedade, momento no qual o ecocentrismo se opõe ao milenar antropocentrismo. O homem deixa de olhar para si mesmo e seu conforto, conquistado à custa da destruição e extinção de muitas espécies, e passa a admitir que é apenas mais um indivíduo na cadeia de relações entres os milhões de seres vivos do planeta e seus ecossistemas. O momento é propício para desenvolver ações que sejam significativas para os envolvidos no processo ensino-aprendizagem, nas instituições de ensino formal e não formal, facilitando a compreensão desses novos valores e a mudança de comportamento. Por meio de pesquisa bibliográfica chegou-se aos questionamentos acerca da autoridade do homem perante os fatores bióticos e abióticos do planeta, assim como as respostas para eles, das quais o movimento conhecido com Ecologia Profunda, abre espaço para aprofundamento nas questões sobre o valor intrínseco da natureza e sobre a Teia da Vida, da qual a espécie humana não passa de mais um fio. Palavras-chave: Educação Ambiental. Mudança de paradigmas. Antropocentrismo. Ecocentrismo. Ecologia Profunda. 1. Introdução

Algumas ideias estão se tornando cada vez mais presentes quando se fala em Educação Ambiental e em Desenvolvimento Sustentável. Uma delas é a urgente e necessária mudança de paradigmas: antropocentrismo x ecocentrismo. A espécie humana está, aos poucos, tomando consciência de qual foi seu papel na dinâmica do planeta até agora: a de ser responsável pela destruição de seus recursos naturais não renováveis, com a única finalidade de conforto pessoal, __________________ 1

Pedagoga formada pela Faculdade Internacional de Curitiba. Atua como Professora de Ensino Fundamental I na cidade de Pindamonhangaba-SP. Pós-graduanda em Educação Ambiental e Sustentabilidade – Grupo Uninter. 2 Gestora Ambiental formada pela Faculdade Integradas Camões/PR. Especialista em Ecologia Urbana: Construindo a Cidade Sustentável pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pósgraduanda em Formação de Docentes e de Orientadores Acadêmicos em EAD – Grupo Uninter. Orientadora de Trabalho de Conclusão de Curso do Grupo Uninter.

2

isso em detrimento das outras espécies que merecem usufruir dos mesmos recursos planetários. Aos poucos, aprimora-se a consciência de que elas, compartilhando a Terra conosco, também têm direito às paisagens e à vida. A humanidade está caminhando para esta mudança, mas por enquanto ela está centralizada no modo como os homens percebem o mundo ao redor. Segundo Capra (2006, p. 27) “a mudança de paradigmas requer uma expansão não apenas de nossas percepções e maneiras de pensar, mas também de nossos valores”. Nessas condições, faz-se necessário um comprometimento além das palavras ou intenções, internalizando as ideias e as colocando em prática, deixando o campo das intenções e passando para o das ações. Portanto, o objetivo geral deste estudo é demonstrar a importância dessas mudanças para o planeta e a partir de então, desenvolver ações para atingir os atores envolvidos nos processos de educação formal e não formal de modo a garantir a compreensão dos novos valores e suas capacidades de modificar o meio em que vivem, relacionando-se de maneira equilibrada com ele. Analisando o cenário atual e a bibliografia de autores respeitáveis na área da física e da ecologia e compartilhando de seus ideais, proponho no decorrer deste trabalho minha visão sobre a intrincada teia de relações que ocorrem no planeta e a importância da vida, seja qual for a forma em que se apresente, e a necessária e urgente mudança na forma de apresentar esses conceitos aos educandos. Vejo que o papel do homem nessa teia de relações é de frear o consumo abusivo e buscar meios de reparar o dano causado. Somos detentores de intelecto justamente para raciocinarmos e chegarmos às medidas equilibradas para o planeta. Só assim, estaremos garantindo a sobrevivência de todas as espécies. Este estudo foi realizado mediante pesquisa bibliográfica, com maior ênfase nos estudos de Fritjof Capra, e percorreu desde livros relacionados à Educação Ambiental e ao tema central, até trabalhos acadêmicos e sites da web que priorizaram assuntos de relevante ligação com o trabalho pretendido. Logo no início, faço um breve apontamento com relação aos valores da natureza

e

a

urgente

e

necessária

mudança

de

paradigmas

Antropocentrismo/Ecocentrismo, seguido pela definição do termo Ecologia Profunda e seus princípios. Para finalizar, coloco minhas considerações sobre a maneira como todo educador deve lançar seu olhar no tocante à Educação Ambiental vigente

3

com a finalidade de tomar coragem e dar início às mudanças que se fazem necessárias.

2. Valores da Natureza, Antropocentrismo e Ecocentrismo

Falar em Natureza e seu valor implica em perceber e compreendê-la sob três aspectos: Instrumental, Psicológico e Intrínseco. Valor Instrumental é o aspecto prático do uso da paisagem e seus fatores (bióticos e abióticos) em favor do desenvolvimento humano, isto é, desde o momento em que o homem começou a subjugar os elementos da natureza em seu próprio benefício, passou a valorizá-los de acordo com a importância para o seu bem estar ou oferta no ambiente. Recentemente, tem-se falado muito em desenvolvimento sustentável e algumas empresas e até mesmo grupo de pessoas, estão

fazendo

deste,

um

modelo

para

suas

vidas,

valorizando,

ainda

instrumentalmente a Natureza, mas conscientes de que seus componentes são finitos, portanto, devem ser usados com parcimônia e racionalmente. Valor Psicológico é a característica das paisagens que nos enche os olhos, nos faz sentir bem e renova as energias, nos deixa extasiados e preenche uma lacuna em nosso ego: o de fazer parte de algo tão ricamente elaborado e bonito! Dos Valores da Natureza é o menos falado, mas coloco-o como importante para a Educação Ambiental, pois a partir dessa sensibilização, aguçamos o olhar do educando quanto às belezas que existem ao nosso redor, favorecendo o senso crítico com relação às mudanças, boas ou más, ocorridas. O Valor Intrínseco é caracterizado pela importância dos fatores bióticos e abióticos em serem eles mesmos: a floresta tem sua importância como meio sustentável nas relações das espécies que fazem parte de seu ecossistema, levando-se em consideração o relevo e clima de onde se localiza; o sapo cururu, espécie que causa arrepios em algumas pessoas por sua aparência, tem sua importância no controle biológico de populações de insetos nocivos ao ser humano; e ainda tenho o prazer em citar o urubu, espécie mal vista e desprezada pela maioria das pessoas, mas importante na higienização do ambiente, principalmente urbano, agindo no controle da matéria putrefata, passível de infestação por insetos, muitas vezes causadores de doenças.

4

Aliado ao Valor Psicológico, ele se torna uma arma eficaz na luta contra a extinção gradativa dos ecossistemas que está ocorrendo no planeta. Quando nos damos conta e nos certificamos que somos parte de um conjunto de seres que são responsáveis pelo equilíbrio da Terra, passamos a sentir o imperativo de cuidá-la. Conforme Boff (2008, p. 77),

...sentir-se Terra é perceber-se dentro de uma complexa comunidade com seus outros filhos e filhas. A Terra não gera apenas a nós seres humanos. Produz a miríade de micro-organismos que compõem 90% de toda a rede da vida, produz os insetos que constituem a biomassa mais importante da biodiversidade... as águas, a capa verde com a infinita diversidade de plantas, flores e frutos... a diversidade incontável de animais, nossos companheiros dentro da unidade sagrada da vida... Para todos produz as condições de subsistência, de evolução e de alimentação, no solo, no subsolo, nas águas e no ar. Sentir-se Terra é mergulhar na comunidade terrenal, no mundo dos irmãos e das irmãs, todos filhos e filhas da grande e generosa Mãe, a Terra.

Esse “sentir-se Terra” é fator primordial para a mudança de atitudes com relação ao modo predatório em que vivemos, dando início a medidas de consumo inteligente de produtos manufaturados, blindagem e desmantelamento do tráfico de animais/vegetais, resistência à compra de produtos desenvolvidos mediante testes em animais, cuidado com o descarte de resíduos (industriais e/ou residenciais), e outros. Há vários séculos atrás, quando o homem ainda se permitia guiar pelas forças da Natureza, havia um equilíbrio entre as espécies e seus habitats e tudo era realizado conforme leis naturais, iguais para todos. O ser humano era parte deste “organismo harmônico” e o bem-estar da humanidade dependia do equilíbrio do Planeta. Nesta fase o homem agia de acordo com suas faculdades naturais, isto é, em perfeito acordo com a Natureza e isso resultava na harmonia descrita acima. Com o avanço das sociedades modernas (crescimento da população e das cidades, industrialização, avanço da ciência, elevação do nível de conforto, etc.) o homem deixou de se ver como parte da Natureza, passando a uma visão antropocêntrica e dominadora, tratando-a como uma mercadoria, explorando o interior da Terra, sua vegetação e fauna, como se a única função destes, fosse servi-lo. Tudo ao redor passa a ser visto a partir de novos valores e novas relações são criadas. Os homens nestas sociedades, apesar de viverem em grupos,

5

permanecem distantes uns dos outros e do seu contato íntimo com a força criadora da Natureza. Para Rousseau (2002, p. 05), “o homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal modo acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser o mais escravo que eles”. Todas as modificações causadas pela espécie humana, para o seu bem estar, estão se mostrando coma a derrocada do mundo em que vivemos, se não tomarmos medidas urgentes. Antes de chegarmos a este estágio do estudo, quero deixar uma breve explicação sobre a visão antropocêntrica que guiou a humanidade até agora e porque se faz necessária a mudança para um novo paradigma. Assim, seguem alguns apontamentos sobre o termo Antropocentrismo, para que possamos passar para o foco principal deste trabalho: a mudança para uma nova forma de se pensar nosso verdadeiro papel na dinâmica do planeta. Do grego anthropos (humano) e kentron (centro), essa visão pressupõe o homem como o centro das relações. Isto é, a avaliação de tudo que ocorre no universo é feita pelo, e somente, modo de ser e pensar humanos. Dessa forma, suas necessidades devem ser atingidas de modo primordial, sem se levar em conta os fatores bióticos e abióticos, que se transformam em meros objetos na satisfação dessas necessidades. Partindo dessa visão, o homem se acha no direito de transformar, usufruir e fazer comércio daquilo que retira do ambiente natural. Ele dá a esses recursos um valor instrumental, de acordo com o grau de importância para seu conforto pessoal: desde o que está intimamente ligado ao seu dia a dia e necessidades básicas (água, energia, alimentação) ao que parece estar longe de ser importante para sua vivência (animais silvestres, um fungo ou uma minhoca no jardim). Isso porque sua condição de “ser racional” lhe permite, e o coloca, como dito antes, no centro das relações. Já o Ecocentrismo, do grego oikos (casa) e kentron (centro) se trata de um sistema no qual a natureza (e toda sua teia de relações) ganha o papel central, com valores até então, só atribuídos ao ser humano.

Nesta ética do meio ambiente as demais formas de vida apresentam um valor intrínseco e um significado próprio já que a natureza precede o homem. São expressões da criação, da vida, da natureza ou de Deus, conforme a crença de cada um (ROLLA, 2010, p.12).

6

Assim, o homem deixa de ser o ator principal e passa a ser mais um coadjuvante na intrincada teia de relações. Desse modo, a natureza perde seu valor instrumental e passa a ser vista a partir de seu valor intrínseco: todos os seres possuem valor próprio e têm o mesmo direito à manutenção de sua vida ou de permanecer como está (no caso dos recursos naturais constituintes das paisagens). Entendo o papel do ecocentrismo como uma forma de mudar as relações homem/natureza, no sentido de alterar o foco, até hoje do Homo sapiens sapiens para o meio ambiente. Fala-se muito em respeito entre as pessoas, mas já passou da hora da humanidade cultivar o respeito para com toda e qualquer forma de vida, o que já irá garantir que os recursos naturais também serão respeitados, pois são extremamente necessários à vida.

3. A crise global e a Ecologia Profunda

Vivemos numa época de intenso crescimento industrial e tecnológico, que alçou a humanidade a níveis antes impensáveis de conforto (destinado àqueles que podem pagar, é claro). Em contrapartida, nunca o planeta deu tantos sinais de desgaste, acentuados drasticamente por este avanço da raça humana. O homem, tomando ciência desta “culpa”, busca desesperadamente uma maneira de frear as consequências desastrosas do uso indiscriminado dos recursos naturais, mas sem perder o conforto conquistado. Muitos já perceberam que não podem

mais

abusar

das

dádivas

que

pensavam

ser

somente

suas

e

disponibilizadas, antes abundantemente, por nossa mãe Terra. Este é um dos desafios, não só dos governantes e líderes mundiais, como a maioria pensa, mas da raça humana. Não há como delegar responsabilidades ou culpa a determinados setores ou classes. Todos nós usufruímos, mais ou menos, do avanço da sociedade capitalista. Mas, de acordo com Capra (2006, p. 23),

Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, algumas delas até mesmo simples. Mas requerem uma mudança radical em nossas percepções, no nosso pensamento e nos nossos valores. E, de fato, estamos agora no princípio dessa mudança fundamental de visão do mundo na ciência e na sociedade, uma mudança de paradigma tão radical como o foi a revolução copernicana.

7

O caminho para essa mudança já está delineado e muitos já iniciaram sua trajetória, com a única finalidade de reconquistar e manter o equilíbrio do meio natural. A Ecologia Profunda é um conceito criado pelo filósofo e ecologista norueguês Arne Naess na década de 1970, como uma corrente contrária ao antropocentrismo e sua visão fragmentária, instrumental e comercial da Natureza. Ele fez uma distinção entre “ecologia rasa” e “ecologia profunda”. Em seu livro, Capra (2006, p. 25) comenta,

A ecologia rasa é antropocêntrica... Ela vê os seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de todos os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de ”uso”, à natureza. A ecologia profunda não separa seres humanos – ou qualquer outra coisa – do meio ambiente natural. Ela vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes... reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida.

Com a democratização da ecologia profunda veremos que a natureza deixará para trás sua perspectiva instrumental, já que todos os seres possuem valor próprio e não aqueles ditados de acordo com a sua utilidade. Na década de 1980, Arne Naess elaborou, juntamente com George Sessions, uma lista de princípios da Ecologia Profunda. A saber: 1. O bem-estar e o florescimento da vida humana e da não-humana sobre a terra têm valor em si próprios (sinônimos: valor intrínseco, valor inerente). Esses valores são independentes da utilidade do mundo não-humano para propósitos humanos. 2. A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a realização desses valores e são valores em si mesmas. 3. Os humanos não têm nenhum direito de reduzir essa riqueza e diversidade exceto para satisfazer necessidades humanas vitais. 4. O florescimento da vida humana e das culturas é compatível com uma substancial diminuição na população humana. O florescimento da vida não-humana exige essa diminuição. 5. A interferência humana atual no mundo não-humano é excessiva, e a situação está piorando rapidamente.

8

6. As políticas precisam ser mudadas. Essas políticas afetam estruturas econômicas, tecnológicas e ideológicas básicas. O estado de coisas resultante será profundamente diferente do atual. 7. A mudança ideológica é basicamente a de apreciar a qualidade de vida (manter-se em situações de valor intrínseco), não a de adesão a um sempre crescente padrão de vida. Haverá uma profunda consciência da diferença entre grande e importante. 8. Aqueles que subscrevem os pontos precedentes têm a obrigação de tentar implementar, direta ou indiretamente, as mudanças necessárias . Como podemos ver, a maior parte destes princípios trata da biodiversidade existente no planeta e seu valor intrínseco. Ora, a vida humana é apenas um fio na teia de relações entre as espécies dos cinco reinos da natureza (bactérias, protistas, fungos, plantas, animais) e seus ecossistemas. E, indo a fundo ao assunto, podemos perceber claramente que a vida humana só se sustenta devido à teia dessas relações, pois sabemos que a extinção de uma única espécie, tanto vegetal ou animal, por exemplo, pode causar um desequilíbrio no ambiente a qual pertença ou até mesmo, à extinção de outras espécies. Há espécies de plantas cujas sementes são dispersas por animais específicos. Isso também acontece com as flores. As do maracujá (Passiflora alata), por exemplo, são polinizadas por apenas algumas espécies de abelhas de grande porte, como a mamangava (Xylocopa violácea). Um fato alarmante sobre o momento em que estamos vivendo é que, o recrudescimento do efeito estufa ocasionado pela excessiva instrumentalização da natureza pelo homem, pode provocar a morte de espécies de algas que são muito sensíveis ao aumento da temperatura dos oceanos e que também são as maiores responsáveis pela produção de oxigênio do planeta. Isto não seria um perigo iminente para as espécies que dividem conosco a casa terrena e a nós mesmos? Mas falar em preservação, diminuição drástica do consumo, fim da exploração puramente comercial da fauna, flora e recursos naturais, gera uma revolta da sociedade capitalista, já que ainda vive o antropocentrismo. A maioria ainda respira a aquisição de bens materiais, a despreocupação quanto ao uso de combustíveis fósseis, ao descarte incorreto (e às vezes vergonhoso) dos resíduos e bens que não servem mais, a insensibilidade no trato com os animais (domésticos e

9

até mesmo silvestres, engaiolados em suas casas) ou indiferença total aos abusos perpetrados nas paisagens e ecossistemas. No âmbito econômico, importa salientar uma nova maneira de consumir a matriz básica dos recursos naturais. Como sabemos que essa matriz não é renovável, os bens de consumo produzidos devem ser duráveis e “estritamente necessários”, zerando desperdícios a partir de uma rede de reaproveitamento dos itens a serem descartados. Mas, precisamos mudar essa forma de pensar e agir e estou certa de que a Educação Ambiental centrada nos valores intrínsecos da natureza é o caminho que nos guiará até essa sensibilização e compreensão.

4. Falando em mudanças

Ao se falar em Educação Ambiental no cenário atual o que prevalece é uma abordagem massificada do meio ambiente em torno da poluição e do desmatamento (às vezes sobra lugar para falar sobre economia de energia), como se fossem os únicos problemas que enfrentamos. Nesse contexto, os alunos aprendem de uma forma muito rápida e saem repetindo, palavra por palavra, que “não devemos jogar lixo nas ruas” ou “descartar o papel na lixeira de cor azul, plástico na vermelha” ou ainda “não devemos desmatar”. É claro que estes assuntos têm sua importância, mas deixam as verdadeiras causas destes problemas em segundo, terceiro, quarto plano. Por que não falar nas atitudes que levam o ser humano a produzir tanto lixo ou desflorestar determinada área? São questões muito particulares e difíceis de serem tratadas, mas que denotam a capacidade do homem em tomar posse de algo que não lhe pertence, já que não somos a única espécie a habitar o planeta. Conseguir estimular a observação e senso crítico com relação às fases da cadeia produtiva já é um enorme passo para a conscientização do “EU” consumidor e, como consequência natural, o Re-pensar das atitudes consumistas e de descarte desnecessário. Com relação a este tema, há um livro e uma série de vídeos que podemos localizar na internet, de nome “A história das coisas”, da ativista Annie Leonard e que podem ser usados com os alunos. Os vídeos são muito interessantes e

10

questionam a cadeia produtiva industrial, iniciando com a extração da matéria prima, produção, consumo e o descarte final. Com relação aos livros didáticos e paradidáticos usados nas escolas, atualmente é a ecologia rasa que prevalece neles. Tanto na Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental, os livros de “Ciências” vêm recheados de informações sobre o ambiente natural e as espécies que vivem nele, mas enaltecendo a importância destes para a “vida do homem” (leia-se conforto). Há uma crônica excelente de Carlos Drummond de Andrade que exemplifica como esses saberes são expostos na escola e que até já virou um vídeo, encontrado facilmente na internet. Nela, uma professora apresenta para a classe imagens de vários animais, deixando bem claro que “precisamos amar e protegêlos”, pois são muito úteis ao homem. E a cada animal mostrado, salienta a sua utilidade para o ser humano, como por exemplo, “A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não calculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa” (ANDRADE, 1997, apud MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2001, p. 151). Bem, com uma aula dessas, fica fácil aprender que os animais existem “para nos servir”. Claro que é só uma crônica, mas nos mostra a sensibilidade e a crítica do autor sobre o sistema de ensino quanto aos assuntos relativos ao meio ambiente. Outra forma curiosa de mostrar a importância das espécies, dessa vez com relação às variadas espécies de árvores, pode ser tirada de livros didáticos que, além de colocar a descrição de suas características no ambiente, deixam claro, também, as comerciais. Assim, o educando aprende que a jabuticabeira (Myrciaria cauliflora) é uma árvore de porte médio, de folhas simples, opostas, lanceoladas, de coloração verde-escura. As flores são brancas e os frutos são globosos e suculentos, consumidos por aves e mamíferos, e, é claro, que sua madeira é medianamente pesada, usada em marcenarias e carpintarias. Aliás, os seus usos incluem fabricação de gaiolas para pássaros, vigas, dormentes, móveis, construção civil e para lenha. Mas como mudar essa linha de pensamento? Claro que não tenho a resposta, mas vejo indícios de como devemos agir para sensibilizar os educandos. Em primeiro lugar, fazer uma pesquisa entre os alunos e procurar saber o que eles sabem sobre o assunto é essencial. A partir desse conhecimento prévio, o educador deve promover atividades (grupos de interação, atividades lúdicas) e,

11

partindo destas, mediar a construção/reconstrução do conhecimento, corrigindo equívocos e agregando as informações pertinentes de acordo com os interesses e respostas dos alunos. Outro aspecto importante no processo ensino-aprendizagem – e não precisa ser pedagogo para saber disso – é que crianças e adultos aprendem mais facilmente por meio de experiências concretas. O contato físico ou exemplificações, que incluem nossas relações cotidianas, permitem uma rápida compreensão do objeto de estudo, ao contrário de se utilizar estratégias como leitura ou cópia massiva do conteúdo a ser estudado. Outro detalhe importante é o vínculo que devemos criar ou explicitar entre eles. Partindo dessa ideia é que vejo o sucesso da Educação Ambiental e consequente sensibilização dos alunos, que ocorrerá por meio do contato com o mundo natural, valendo-se de experiências, saídas de campo, estudo aprofundado das espécies de plantas e animais da região – não só alimentação e reprodução, mas as interações com outras espécies, mecanismos adaptativos/evolutivos, implicações diretas com quais outras espécies (como descritas no título anterior), sua abrangência territorial, interações com clima e relevo e outras. Assim, tenho a convicção de que, quanto mais se aprende sobre o mundo natural, mais os alunos entenderão seu papel na Teia da Vida e sentirão a necessidade de preservar, como é explícito no termo que está muito em voga, “Conhecer para Preservar”. Na própria instituição de ensino (formal ou não formal) deveria haver um espaço para esta troca de experiências, como um laboratório natural onde os educandos pudessem vivenciar situações de contato com a terra e outros elementos. Uma boa dica é a criação de horta ou jardins, prevalecendo sempre, a escolha por espécies nativas (no caso da horta, que seja de plantas medicinais). Já tive experiências marcantes ao trabalhar a horta com meus alunos! Meninas que tinham verdadeiro asco ao “mexer na terra”, no início, adotaram uma postura completamente diferente ao notar a interação entre os seres que faziam parte do solo, desde minúsculas larvas ou ninfas de insetos até minhocas e tatuzinhos de jardim. Outra mudança foi com relação ao desprezo que geralmente as crianças mostram com esses animais. A grande maioria passou a respeitá-los por reconhecerem a verdadeira importância deles para o desenvolvimento sadio das plantas. E o mais importante de tudo, quando se trabalha com crianças, é que elas se transformam em agentes multiplicadores em suas casas ou comunidades,

12

ensinando aos adultos que aquelas atitudes não são corretas e que é necessário mudá-las. Como educadora vejo que o desenvolvimento do novo paradigma ambiental, denominado Ecocentrismo, só acontecerá mediante a formação de sujeitos capazes de se posicionarem frente à velha visão de mundo antropocentrista e arregaçar as mangas para colocar em prática esta nova ética ambiental.

5. Considerações Finais

O ambiente que nos cerca, antes desprovido de valor ou apenas com valor instrumental para a espécie humana, hoje passa a ser visto e respeitado por diversos profissionais da área das ciências e educação. Tudo ao nosso redor está ganhando status de essencial e deixando de ser meros instrumentos de conforto ou posse. Isso se deve a iminente mudança de paradigmas, com a qual o antropocentrismo está dando lugar, (aos poucos ainda, é verdade) ao ecocentrismo. Ideias que, até algumas décadas atrás, eram tidas como perversoras da ordem mundial hoje em dia fazem todo o sentido e contagiam educadores no mundo todo. Por quê? Porque nos falam à razão, explicitando que somos uma pequeníssima parte de um planeta vivo, e que nossa vida depende de todas as outras que dividem esta casa conosco, desde os microscópicos micro-organismos até os maiores seres viventes. Respeitar as relações entre as espécies em seus ecossistemas e admitir que cada organismo tem seu valor próprio, seu valor intrínseco, é o início de uma nova forma de garantir a estabilidade do planeta. Há muito tempo atrás o homem já viveu esta situação, quando ainda era mais ligado à natureza e respeitava sua força. Rousseau, já no séc. XVIII, defendia a volta das faculdades e valores naturais do ser humano, deixadas de lado quando o homem passou a perceber o outro e a si mesmo. A partir de então, novos valores e novas relações são criadas, as sociedades florescem o indivíduo passa a ser escravo de si mesmo. A volta aos antigos valores naturais proporcionaria o desenvolvimento do sentimento de igualdade e compaixão, e acima de tudo, o sentimento de “pertencer” a este planeta e fazer parte de uma rede maior do que podemos alcançar plenamente.

13

Aprender a conhecer a fundo as espécies que nos cercam e a teia de relações entre elas, seus ecossistemas e nós, é essencial para que o respeito e a preservação se façam presentes em nossas atitudes cotidianas. Desse modo, entendo a importância do papel da Educação Ambiental, alicerçada no Ecocentrismo e princípios da Ecologia Profunda como uma ferramenta de vital importância nesse momento de mudanças do paradigma ambiental, quebrando essa corrente que perpetua frases feitas e criam na cabeça dos nossos alunos uma ideia superficial de meio ambiente. Por meio de ações, experiências, contato direto com o mundo natural e aprofundamento dos conhecimentos em ecologia conseguiremos despertar nos educandos o desejo de “cuidar” da nossa Teia da Vida, atingindo necessariamente as mudanças de atitudes. Claro que não somos ingênuos em pensar que tudo será muito fácil, pois não será. Deixar um costume tão arraigado como o de conforto e abundância nos lares para trás será um passo difícil para muitos. Mas é perfeitamente possível, ainda mais quando formos capazes de apreender e externalizar essas questões, formando uma cadeia de exemplificações a contagiar o mundo. Mas, esse assunto está longe de ser finalizado, pois ainda temos muito que aprender e a colocar em prática. Desse modo, sinto que ele deverá ser aprofundado e aplicado futuramente. Referências

ANDRADE, Carlos Drummond de. Da utilidade dos animais. In: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores: Coletânea de textos. Disponível em: Acesso em: 02/01/2013. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 14ª ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. 10ª reimp. da 1ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

ROLLA, Fagner Guilherme. Ética Ambiental: principais perspectivas teóricas e a relação homem-natureza. Disponível em: Acesso em: 20/12/2012.

14

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Disponível em: Acesso em: 12/09/2009.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.