A EDUCACAO BRASILEIRA E O PROJETO NACIONAL-DEBATES SOBRE O ESPACO AGRARIO EDUCACAO DO CAMPO E POLITICAS PUBLICAS

September 7, 2017 | Autor: A. Oliveira Neto | Categoria: Políticas Públicas, Educação, Questão Agrária, Espaço Agrário
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A educação brasileira e o projeto nacional: debates sobre o espaço agrário, educação do campo e políticas públicas Adolfo da Costa Oliveira NETO

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A EDUCAÇÃO BRASILEIRA E O PROJETO NACIONAL: DEBATES SOBRE O ESPAÇO AGRÁRIO, EDUCAÇÃO DO CAMPO E POLÍTICAS PÚBLICAS Adolfo da Costa Oliveira NETO1 124

Resumo O projeto Nacional, seja de desenvolvimento, seja de crescimento ou ainda seja de construção do bien vivir, leva em consideração a construção territorial do Brasil. Estes diferentes projetos, com destaque ao de crescimento que ainda hoje é hegemônico na sociedade, determina um papel ao espaço agrário. Papel este que é disputado por diferentes atores nas mais diversas perspectivas que vão desde a construção de uma base para a produção de commodities ao projeto de desenvolvimento popular de base camponesa. Esta perspectiva trouxe à tona a necessidade de lutar por uma educação que garantisse o respeito aos sujeitos do campo. É este movimento que buscaremos analisar brevemente. A forma como este debate veio sendo travado no decorrer do século vinte, em especial dos anos de 1960 para até o início dos anos 2000, os movimentos socioespaciais e socioterritoriais que pressionaram por novos projetos, suas reinvidicações no campo educacional, algumas políticas e as novas perspectivas para este movimento. Palavras-Chave: Educação do Campo; Espaço Agrário; Questão Agrária; Educação; Políticas Públicas. BRAZILIAN EDUCATION AND NATIONAL FUTURE: DEATES SPACE ON THE AGRARIAN, RURAL EDUCATION AND PUBLIC POLICY Abstract The national project is the development, whether it is growing or construction of “bien vivir”, takes into account the territorial construction of Brazil. These different projects, highlighting the growth that is still hegemonic in society, a role determines the agrarian space. That this role is played by different actors in diverse perspectives ranging from the construction of a base for the production of commodities in the design process of popular peasant base. This perspective brought to the fore the need to strive for an education that would guarantee respect for the subject field. It is this movement that seek to analyze briefly. The way this debate has been waged over the course of the twentieth century, especially the 1960s up to the early 2000s, the socio-spatial and socio-territorial movements that pressed for new projects, their vindication in the educational field, some policies and new prospects for this movement. Keywords: Field Education; Agrarian space; Agrarian Question; Education; Public Policy. 1

Geógrafo, pedagogo, mestre em Educação, doutorando em Geografia. Professor da Faculdade de Geografia e Cartografia, UFPA. e-mail: [email protected]

Boletim Amazônico de Geografia, Belém, n. 1, v. 01, p. 124-136, jan./jun. 2014.

A educação brasileira e o projeto nacional: debates sobre o espaço agrário, educação do campo e políticas públicas Adolfo da Costa Oliveira NETO

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INTRODUÇÃO Como se relacionam os diversos projetos de sociedade com as perspectivas educacionais implementadas pelo Estado brasileiro nas décadas de 1980, 1990 e 2000? Como estas ações são postas na agenda Estatal e quais são os agentes e/ou grupos de pressão que se mobilizam? Quais suas reinvidicações? Quais são algumas das políticas que podem ser vistas como resultado deste processo? Estas são questões sobre as quais este texto busca refletir, mesmo que de maneira bastante inicial. Como vem se dando a opção de desenvolvimento do Brasil e sua relação com o modelo de educação implementado pelo Estado, enfocando o debate levado a cabo principalmente pelo MST, que é um dos diversos movimentos socioterritoriais ligados a questão agrária no Brasil. Este texto está dividido em quatro partes. Na primeira, analisaremos sucintamente algumas das características do modelo de desenvolvimento brasileiro, tentando demarcar alguns de seus traços constitutivos e alguns de seus debates atuais. Na segunda parte, analisaremos rapidamente o processo de formação de agentes de pressão que questionam o modelo de desenvolvimento hegemônico destinado ao espaço agrário brasileiro na atualidade, analisando especificamente alguns movimentos camponeses que ganharam importância política no Brasil a partir da década de 1980, como a Comissão Pastoral da Terra, CPT, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, MST. Quais são as suas reinvindicações e quais são os traços deste projeto que vem sendo defendido por estes agentes? Como este projeto de nação se relaciona com a luta por outro projeto de educação no e do campo? Estas duas questões são as principais preocupações complementares da segunda parte do texto. Nela analisaremos como a luta pela terra e pelo projeto de nação se articula com uma luta que busca defender uma educação popular do campo, como direito inalienável e que contribua para a permanência dos sujeitos do campo no seu lugar, tendo a garantia dos direitos sociais a sustentabilidade ambiental como regras básicas de vida. Na terceira parte analisaremos algumas das vitórias que estes movimentos vêem logrando na perspectiva de conseguir o reconhecimento de sua legitimidade pelo Estado e da entrada de seus temas na agenda, algumas vezes se transformando em política pública. Por fim, na quarta parte, a guisa de conclusão, analisaremos algumas das perspectivas de vitórias destes movimentos, analisando como é que suas reinvindicações participaram do Boletim Amazônico de Geografia, Belém, n. 1, v. 01, p. 124-136, jan./jun. 2014.

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processo de debates no documento de referência da CONAE 2010, o que pode significar que a pauta do movimento na luta por uma educação do campo tenha avançado sobre a agenda do Estado, possivelmente sendo incluída no novo Plano Nacional de Educação, que estará vigente na década 2011-2021 A OPÇÃO BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO O início do século XX foi de grandes transformações políticas, econômicas e sociais para o Brasil. Há o início de uma transformação das estruturas de dominação que passam a estar ligadas a transferência do poder político e econômico das tradicionais oligarquias agrárias para uma crescente burguesia nacional, iniciando o que para Florestan Fernandes poderia ser considerada como a revolução burguesa. Para Florestan Fernandes (2004, p. 425) a “revolução burguesa” denota um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas que só se realizam quando desenvolvimento capitalista atinge o clímax de sua evolução industrial.

É evidente que, neste sentido, a revolução burguesa torna-se um projeto tão inacabado quanto inviável já que o clímax capitalista é um projeto insustentável por dois motivos principais: o primeiro é que nível de produção e acumulação de capital em todas as épocas é, para a burguesia, apenas um estágio intermediário para um nível superior e, segundo, porque o aumento do nível de acumulação está ligado a uma sucessiva alteração da fração da burguesia que em determinado momento histórico consegue acumular capital. Não há homogeneidade na acumulação capitalista nem mesmo dentro da burguesia mesmo que, em alguns momentos, essa acumulação consiga beneficias grande parte da classe dominante. O processo de consolidação da burguesia como classe dominante que inicia nas primeiras décadas do século XX, como destaca Florestan Fernandes (2004, p. 434), não tinha a burguesia “em confronto de vida e morte com a aristocracia agrária”, o que vai ficar evidente em todo o século XX. O projeto de país construído durante o século XX, como podemos observar nas ultimas décadas, foi uma conciliação entre o projeto latifundiarista das elites agrárias, pautadas primeiro na monopolização da terra e depois complexificando-se na lógica do agronegócio, e a lógica da industrialização tardia, dependente, acelerada, não acumulativa e conservadora da burguesia nacional.

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Assim, no final do século XX o Brasil é caracterizado do ponto de vista econômico como um grande exportador de commodities e produtor de bens industrializados duráveis e não duráveis que têm a finalidade de atender ao mercado interno e ao mercado regional, basicamente a América Latina. O que hoje identificamos “constrangimentos” ao processo de desenvolvimento do país como falta de infra-estrutura, baixos índices de escolarização, dificuldade de acesso aos serviços médicos, forte insegurança alimentar, avanço do processo de favelização, política macroeconômica que favorece o capital especulativo, concentração fundiária e dependência econômica são postos como herança perversa de período em que o Brasil teve sua economia pautada na produção quase que exclusiva de bens primários. Ainda hoje é facilmente percebida a tentativa de responsabilizar este modelo pelo “fracasso” das tentativas anteriores de desenvolvimento, como fica evidente no discurso de Belluzzo (2009, p. 04) quando afirma que (...) a economia brasileira havia mudado e evoluído entre 1930 e 1945. [...] a velha economia primário-exportadora deixou uma herança de deficiências na infra-estrutura – energia elétrica, petróleo, transportes, comunicações – , nas desigualdades regionais e na péssima distribuição de renda.

Há, em relação a esta afirmação, duas considerações a fazer. A primeira é o papel perverso desenvolvido pelo latifúndio e todas as condições políticas, econômicas, sociais e territoriais associadas a ele na construção do Brasil atual. Como destaca Prado Junior (2004, p. 104) na década de 1970, (...) a grande propriedade brasileira, o nosso “latifúndio” é na parte essencial e fundamental da economia agrária brasileira, a grande exploração rural, o empreendimento em grande escala, centralizado e sob direção efetiva (seja embora ineficiente, desleixada, que nada disso muda essencialmente a situação) do proprietário que a essa qualidade de “proprietário” alia a de empresário da produção.

A principal e mais perversa forma produtiva está articulada ao latifúndio e a monocultura, fazendo com que as normas do espaço agrário, na definição de projetos e políticas, não estejam ligadas a ação direta dos camponeses e sim as elites agrárias, principalmente pela relação diferenciada que os governos (tanto os civis quanto os militares) estabeleceram com estes dois sujeitos. A outra consideração importante é que desde o processo de reconfiguração da hegemonia no Brasil durante o século XX, há uma ligação da própria burguesia nacional em

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fase de formação com o modelo de país formado pelo déficit de cidadania e pela utilização extensiva do território. Isso fica evidente quando Florestan Fernandes analisa o processo de constituição da revolução burguesa no Brasil afirmando que em sua origem “o grosso da burguesia vinha de e vivia em um estreito mundo provinciano, em sua essência rural” (FLORESTAN FERNANDES, 2004, p. 428). No entanto, a consolidação do projeto de país não está finalizado e há um conjunto de atores sociais que se mobilizam cada vez mais na tentativa de traçar outros caminho e colocar em pautas outras perspectivas de país, associadas a perspectivas de educação que consolidem uma nova opção brasileira. NOVOS ATORES E A LUTA POR UM PROJETO POPULAR DE PAÍS A segunda metade do século XX foi de grandes transformações políticas no Brasil. Desde a instauração da ditadura civil-militar em 1964 até o seu enfraquecimento e derrocada na década de 1980 vários agentes se mobilizaram em torno dos mais diversos projetos nacionais e disputando o papel que seria destinado ao espaço agrário na construção do país. Há, por um lado, as entidades representativas da oligarquia agrária, onde dois exemplos significativos são a Sociedade Nacional da Agricultura (RJ) e Sociedade Rural Brasileira (SP). Ambas apoiaram o golpe de 64 e a ditadura civil-militar e cobravam dos governos a defesa dos seus interesses através da defesa do direito à propriedade, mantendo a estrutura agrária conservadora de base latifundiarista do Brasil. Pautado na idéia de modernização do campo e construção da empresa rural estas entidades buscaram inviabilizar o projeto de reforma agrária defendida pelos movimentos socioterritoriais, como destaca Mendonça (2006, p. 51) ao afirmar que O processo de “modernização agrícola” verificado no país durante os anos de 1960 e 1970 teve como uma de suas pré-condições a derrota de qualquer proposta de uma efetiva reforma agrária, já que sua premissa consistiu na afirmação do desenvolvimento do capitalismo no campo com a manutenção da estrutura fundiária.

Em contrapartida, durante a década de 1980, vários de movimentos socioespaciais e socioterritoriais retomam a ofensiva tentando articular a luta contra a ditadura à luta por uma nova perspectiva de país. Dentro deste contexto, (...) os inúmeros retrocessos no território do camponês, devido os projetos de modernização da agricultura no país, levaram à criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Goiânia no ano de 1975 e, posteriormente, o Movimento

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dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Cascavel no ano de 1984. Ambos nascem da luta pela terra e recriação camponesa. (SOUZA, 2009, p. 02)

No entanto, como destaca a própria autora, “a preocupação do MST se estende para a educação do campo e, desse modo, o Movimento assume uma formação pedagógica em que as pessoas que o constituem são seus principais sujeitos.” (SOUZA, 2009, p. 02). A luta pela terra é transformada em apenas um dos elementos que buscam articular a construção de um novo projeto de nação, onde é reconhecida a importância de outro projeto educativo. Isto fica evidente quando no programa de reforma agrária do MST, lançado no primeiro encontro nacional do movimento, em 1984, nos princípios gerais, o movimento afirma no item 2 que é necessário “lutar por uma sociedade igualitária, acabando com o capitalismo” (MST, 2005). Mesmo não tendo neste documento uma clara articulação da luta pela terra a luta pela educação do campo, nele há uma definição dos marcos políticos em que o movimento atuará. A articulação ente a luta pela terra e pela educação será pauta presente na década de 1990, quando o movimento passará a organizar vários encontros para discutir qual é a propostas (ou propostas) educativas que será assumida pelo MST, seja nos acampamentos, seja nos assentamentos. Como um dos primeiros momentos onde ficou clara esta nova opção do MST, temos o I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (ENERA) em 1997, realizado em Brasília onde, além do movimento, participaram a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Universidade de Brasília (UnB), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Este encontro possibilitou que os debates sobre a educação nos assentamentos e acampamentos do MST ganhassem uma dimensão maior que a projetada inicialmente, construindo um grande movimento nacional “Por uma Educação do Campo”. No ano seguinte, em 1997, foi realizada a “I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo”, em Luziânia, Goiás, que teve a finalidade de demarcar as opções políticas a que se vincula este movimento, afirmando seus principais atores e bandeiras, demarcando que a luta pela terra e a luta pela educação encontram-se definitivamente articuladas.

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LUTA PELA TERRA E LUTA PELA EDUCAÇÃO NA ESFERA CAMPONESA. Uma primeira demarcação importante deste movimento é a assunção do seu sujeito histórico (o camponês) e a sua definição. No texto preparatório para a I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo, Fernandes, Cerioli & Caldart (2004, p. 25) afirmam que Embora com esta preocupação mais ampla, temos uma preocupação especial com o resgate do conceito de camponês. Um conceito histórico e político, Seu significado é extraordinariamente genérico e representa uma diversidade de sujeitos. No Brasil, em algumas porções do Centro-Sul, tem a denominação de caipira. Caipira é uma variação de caipora, que vem do tupi kaa’pora, em que kaa’ significa mato e porá significa habitante. No Nordeste é curumba, tabaréu, sertanejo, capiau, lavrador... No norte é sitiano, seringueiro. No Sul é colono, caboclo... Há um conjunto de outras derivações para as diversas regiões do País: caiçara, chapadeiro, catrunano, roceiro, agregado, meeiro, parceiro, parceleiro entre muitas outras denominações, e as mais recentes são sem terra e assentado.

Uma definição clara do sentido deste conceito é encontrada a partir da definição da unidade camponesa como elemento articulador destes diversos atores sociais em seus diferentes tempo-espaços. É isto que propõe Maestri (2005, p. 218-219) ao afirmar que Compreendemos como unidade produtiva camponesa o núcleo dedicado a uma produção agrícola e artesanal autônoma que, apoiado essencialmente na força e na divisão familiar do trabalho, orienta a sua produção, por um lado, à satisfação das necessidades familiares de subsistência e, por outro lado, mercantiliza parte da produção a fim de obter recursos monetários necessários à compra de produtos e serviços que não produz; ao pagamento de impostos.

O projeto educativo definido pelo movimento passa, então, a ressaltar os elementos político-pedagógicos que articulem o desenvolvimento pleno do educando com a formação que resgate a identidade política destes sujeitos com o intuito de desmistificar as ideologias comumente difundidas sobre o campo e articular as lutas por condições dignas de vida. Isto já está presente desde o 1º Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária, realizado de 28 a 21 de julho de 1997 em Brasília, quando os educadores afirmam no Item 10 que Entendemos que para participar desta nova escola, nós, educadores e educadoras, precisamos constituir coletivos pedagógicos com clareza política, competência técnica, valores humanistas e socialistas. (MST, 1997)

É neste sentido que se fortalece a relação entre a luta pela terra e o projeto de país defendido desde a década de 1980 pelo MST com um movimento mais amplo que entende

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que esta luta está diretamente ligada à luta por uma educação que auxilie os sujeitos na construção deste projeto. A consolidação desta relação é presente nos documentos e encontros seguintes, como por exemplo, o que ocorreu no ano seguinte, a Primeira Conferência Nacional “Por Uma Educação Básica do Campo”. No documento preparatório, há a defesa veemente de uma educação do campo. A defesa da Educação Básica tem dois motivos: o primeiro é que “a escolarização não é toda a educação, mas é um direito social fundamental a ser garantido (e hoje ainda vergonhosamente desrespeitado) para todo o nosso povo, seja do campo ou da cidade” (FERNANDES, B; CERIOLI & CALDART, 2004, p. 24). Segundo porque a expressão “educação básica” carrega em si a luta popular pela ampliação da noção de escola pública” (ibidem, p. 24). A expressão do campo, presente o documento faz referência a necessidade que a escola tem de assumir a cultura e o trabalho local como elemento estruturador do seu planejamento educativo. Mais do que uma escola que está no campo, a escola do campo tem que ter o seu “projeto político-pedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos, à história, e à cultura do povo trabalhador do campo”. (idem, p. 27) A expressão Por Uma indica a necessidade de luta pela construção desta perspectiva educacional que respeite o tempo e o território camponês. Essa necessidade é apontada porque Nem temos satisfatoriamente atendido o direito à educação básica no campo (muito longe disso) e nem temos delineada, senão de modo muito parcial e fragmentado, através de algumas experiências alternativas e pontuais, o que seria uma proposta de educação básica que assumisse, de fato, a identidade do meio rural, não só como forma cultural diferenciada, mas principalmente, como ajuda efetiva no contexto específico de um novo projeto de desenvolvimento do campo. (idem, p. 27)

Neste sentido, um dos principais elementos construídos neste processo é a definição de uma perspectiva educacional que não é propriedade de assentamentos, acampamentos, povos da floresta, posseiros, meeiros ou qualquer outra denominação que possa ser dado ao homem e a mulher do campo. Não é uma perspectiva que busque desenvolver as habilidades agrícolas ou da pecuária nas crianças desde a tenra idade para que esta seja sua perspectiva inconteste de futuro. É uma perspectiva educacional que tenta respeitar a temporalidade, a cultura, o trabalho e o território do grupo em que está vinculada. Sendo assim, não é fechada ao mundo e nem acrítica a ele. É uma abertura crítica ao mundo e que disputa politicamente o projeto de futuro

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e não o oferece como caminho determinado. É uma perspectiva onde os sujeitos encontram-se com seus pares em seus espaços educativos para, mais do que discutir como o mundo é, discutir qual será o próximo passo para fazê-lo como nós queremos, em um constante processo educativo. O desenvolvimento das pressões em torno desta perspectiva motivou o desenvolvimento de algumas políticas do governo federal específicas para a demanda da educação do campo onde destacamos o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) como política pública. PRONERA: HISTÓRICO E PERSPECTIVAS ATUAIS O PRONERA é fruto dos processos de mobilização e articulação dos movimentos sociais por uma educação do campo e foi construído após o I ENERA, em 1997. Em 1998, por meio da Portaria Nº. 10/98, o Ministério Extraordinário de Política Fundiária criou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, vinculando ao Gabinete do Ministro e aprovou o seu Manual de Operações e no ano de 2001, o Programa é incorporado ao INCRA e se desenvolve através de parcerias entre o INCRA e as universidades públicas. Tem como objetivo ampliar os níveis de escolarização formal dos trabalhadores rurais assentados atuando na educação básica (alfabetização, ensino fundamental e médio), no ensino técnico-profissionalizante de nível médio e em diferentes cursos superiores e de especialização. Segundo Souza (2009) “de 1998 até o ano de 2006, o programa atendeu, mais de 326.5471 alunos no campo, e destinou, de 1998 a 2007, R$169.711.673 para a execução de projetos ligados à educação em áreas de reforma agrária”.

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Fonte: ANDRADE, M. R. PIERRO, M.C. A construção de uma política de educação na reforma agrária e Relatório de Gestão exercício 2003 a 2005 e Relatório de Auditoria exercício de 2006 e 2007 do PRONERA. Org: Francilane Souza. nd: não disponível

No entanto, atualmente várias dificuldades vêm sendo encontradas para a continuação do programa. Segundo Cordeiro (2009) “neste ano, o Ministério do Desenvolvimento Agrário/INCRA, contribui numa operação que ocasiona o desmonte do PRONERA” e isto por dois motivos. O primeiro está ligado ao corte de verbas que vem sendo feito sobre o orçamento já definido pela coordenação pedagógica do programa, o que inviabiliza diversas ações. O segundo é a determinação da suspensão das operações do PRONERA executadas via convênio, exigindo assim que todas as ações sejam feitas via licitação, o que inviabiliza a continuidade das ações desenvolvidas atualmente. Assim, segundo Cordeiro, Com as medidas assumidas pelo INCRA/MDA: corte no orçamento, não atendimento aos movimentos sociais e a desconsideração de toda a trajetória que respeitáveis instituições públicas de ensino superior vêm desenvolvendo coletivamente com os movimentos sociais, corre-se o risco de inviabilizar o Programa como política pública de atendimento ao direito à educação das populações assentadas da Reforma Agrária.

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No entanto, mesmo com a possibilidade concreta de haver um retrocesso em relação ao PRONERA como uma das conquistas do movimento por uma educação do campo, há uma série de perspectivas positivas para o movimento, onde podemos destacar que o debate nacional em torno de uma educação do campo tornou-se um fato e acena na agenda estatal como um dos elementos necessários a se levar em consideração quando trata-se da educação nacional, estando presente de maneira difusa em diversas partes do documento de referência para o Congresso Nacional de Educação (CONAE) que ocorrerá em 2010 e tem a finalidade de construir um novo Plano Nacional de Educação com vigência para a década 2011 – 2020. OUTROS TRAÇOS DA ESTRADA: A CONAE E A EDUCAÇÃO DO CAMPO De fato a luta pela educação do campo teve muitas conquistas e muitos retrocessos desde estes poucos anos de luta até os dias de hoje. No entanto, a guisa de conclusão gostaria de destacar aquilo que pode ser um dos elementos que, articulada a luta do povo pelo seu direito a educação, pode garantir vida longa a este projeto. Gostaria de destacar como está presente no documento de referência da CONAE apresenta a discussão sobre a educação do campo. Os seus princípios aparecem difusos em todo o texto, mas é especialmente no eixo VI (Justiça Social, Educação e Trabalho: inclusão, diversidade e igualdade) que esta discussão encontra-se mais presente. Este tema busca defender um conjunto de “modalidades” educacionais, articulando-as aos demais temas, como fica explícito no item 254 do documento de referência quando afirma que Apesar de o eixo agregar número razoável de temas, como questão étnicoracial, diversidade religiosa, gênero, diversidade sexual, indígena, do campo, das pessoas com deficiência, idosos, educação ambiental, crianças, adolescentes e jovens em situação de risco em vulnerabilidade social, assim como os diferentes níveis e modalidades da educação infantil, educação de jovens e adultos e educação profissional, é importante destacar que cada um deles possui especificidades históricas, políticas, de lutas sociais e ocupam lugares distintos na Constituição e consolidação das políticas educacionais. Além disso, realizam-se de forma diferenciada, no contexto das instituições públicas e privadas da educação básica e da educação superior (CONAE, 2009)

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A discussão sobre a educação do campo sempre é tratada paralelamente a luta pela educação indígena, sobre a orientação sexual, as relações étnico-raciais, de diversidade religiosa e idade. Há uma tentativa de afirmar a unidade e especificidade da luta contra a desigualdade e a favor da diversidade. Esta tentativa é feita a partir da negação de teorias como a do capital humano e na tentativa de definir como eixo articulador do processo educativo o trabalho e a cultura. Isto está presente no documento quando no item 261 é afirmado que Tal sociedade deverá se inspirar em relações de trabalho que vão além da teoria do capital humano, na perspectiva de construção de um mundo sustentável e solidário que considere a reinvenção democrática do trabalho. Nesta perspectiva, o trabalho é entendido como uma forma sustentável de relação social mais democrática, que não se reduz à produção e ao capital financeiro. Para que tal aconteça, as políticas públicas voltadas para o trabalho, à luta pela relação salarial justa e o trabalho, o fomento e a prática da economia solidária como direito do cidadão e como princípio educativo são desafios colocados na perspectiva da justiça social. No caso da educação escolar, esta concepção se combina à formação cidadã e profissional.

É nesta perspectiva que o movimento por uma educação do campo deve reafirmar sua bandeiras e se fortalecer como grupo de pressão. Mesmo estando presente no documento, o status que ela assume a maneira genérica como os seus temas principais são tratados é uma prova de que a sua realização dar-se-á a partir da mesma proporção em que o movimento conseguir pautar na agenda governamental esta bandeira. A forma como o PRONERA foi conquistado e os recentes ataques promovidos pelo governo Lula ao programa mostram que a disputa por projetos de nação continuam postos e que as políticas públicas são resultados do momento atual da correlação de forças que existem na sociedade. Como buscamos analisar, nem a revolução burguesa nem a revolução social conseguiram se concretizar como projetos completos no Brasil. A indefinição de um projeto nacional e a dubiedade da forma como o capitalismo se introduziu no país (como capitalismo periférico-dependente ao mesmo tempo em que é imperialista as outras nações da América Latina) faz com que volta e meia haja uma constante ofensiva de uma visão de capitalismo agrário, o que impõe a grande parte desta população a negação do direito a educação e/ou uma educação que negue o seu tempo-espaço. A luta pela terra é uma das dimensões da luta por um projeto popular de país e, sendo assim, a educação não poderia estar de fora. A articulação entre estas duas lutas (a da terra e a

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da educação) é um passo decisivo no processo de (re)territorialização que os movimentos sociais vem pautando e pressionando o estado para que este execute. As poucas e débeis políticas públicas já se mostram como os passos atuais desta longa caminhada. 136

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Artigo Recebido em: 22 de abril de 2014. Artigo Aprovado em: 14 de maio de 2014.

Boletim Amazônico de Geografia, Belém, n. 1, v. 01, p. 124-136, jan./jun. 2014.

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