A EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS À PESSOA IDOSA

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CLÈVE, Clémerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista de direito constitucional e internacional, São Paulo, v. 14, n. 54, p. 28-39, jan./mar. 2006.
CLÈVE, op. cit, p. 32
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos fundamentais. 3ª ED. rev. Atual. E ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 248
Título II, capítulos I a X.

Título III

MELLO, Cláudio Ari. Os direitos sociais e a teoria discursiva do Direito. Revista de Direito Administrativo,n. 224, p. 239-284, abr./jun.2001. Apud NOLASCO, Loreci Gottschalk. O REGIME JURÍDICO DOS DIREITOS SOCIAIS, Revista Jurídica UNIGRAN / Centro Universitário da Grande Dourados. v. 8, n.15 (1999 - ). Dourados: UNIGRAN, 2006, p. 59.
Judicialização da saúde no Brasil: dados e experiência. Coordenadores: Felipe Dutra Asensi e Roseni Pinheiro. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. P 132-133 – disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/6781486daef02bc6ec8c1e491a565006.pdf
STF, RE 271286 AgR / RS, 2a. Turma, Unânime,Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 12/09/2000, DJ DATA-24-11-2000 PP-00101

http://www.cnj.jus.br/images/programas/forumdasaude/relatorio_atualizado_da_resolucao107.pdf

http://www.cnj.jus.br/images/programas/forumdasaude/demandasnostribunais.forumSaude.pdf

Lei nº 7 6.360/76, artigo 12.

STF - SL 47 AGR /PE – DJE 30.04.2010
STJ - RESP 577836/SC; Resp 1.136.549/RS , RESP 878960/SP; RESP 911930 -RS


" O esquema inclusão/exclusão sobrepõe-se como uma superestrutura à estrutura da sociedade e também à constituição – como uma espécie de metacódigo, que mediatiza os outros códigos." (MULLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. 2 ed. São Pulo: Max Limonad, 2002, p. 94)

"O código jurídico está subordinado ao código político, o direito está subordinado à economia, o Estado está subordinado à atividade econômica..." (MULLER, Op. Cit. P. 96)

Art. 9º É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável em condições de dignidade.

O primeiro trecho do presente artigo dispõe ser obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde. Tal obrigação, no entanto, existe para o Estado frente a qualquer indivíduo por aplicação dos direitos fundamentais individuais previstos na Constituição Federal.
Ao reafirmar disposição constitucional já aplicável, direcionando-a especificamente à pessoa idosa, há que se entender que o legislador pretendeu garantir tratamento especial e prioritário ao idoso quanto à preservação de sua vida e de sua saúde, conforme interpretação sistemática com a garantia de prioridade prevista no artigo 3o, Parágrafo Único, desta Lei.
Contudo, ao passo que o artigo 3o trata do direito à prioridade face à sociedade, à comunidade, à família e ao Poder Público, o artigo 9o concentra o foco em um único sujeito passivo, o Estado, reafirmando seu dever frente aos Direito Fundamentais à vida, à saúde e à dignidade, que são pressupostos para o exercício de quaisquer outros direitos.
Assim, a norma estabelece para o Estado o dever de garantir ao idoso proteção à vida e à saúde, de modo a permitir um envelhecimento com dignidade.
Neste aspecto é importante notar, ainda, que o artigo 9º em comento, protege a manutenção da vida e da saúde do idoso, como meios para garantir um envelhecimento digno, em outras palavras, a redação do dispositivo remete à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da nossa República Federativa como fundamento da obrigação estatal e também como medida de aferição da proporcionalidade destas Políticas Públicas.
Dessa forma, qualquer discussão acerca de políticas sociais públicas para a manutenção da saúde e da vida da pessoa idosa, não pode se limitar às questões normalmente afeitas à efetivação de direitos sociais, mas deve ser encarada sob o prisma imperativo do princípio da dignidade humana.
Isto é importante porque parte da Doutrina entende que no art. 6° da Constituição Federal estão previstos direitos prestacionais originários, que poderiam ser imediatamente reclamados, independente de regulamentação, e direitos prestacionais derivados, que não se realizariam completamente senão pela prévia regulamentação e previsão orçamentária.
A questão em comento, no entanto, não tem maior aplicação quanto ao artigo em comento visto que este trata dos direitos à vida e à saúde como instrumentais a um envelhecimento digno, decorrência do princípio da Dignidade Humana. Não pairam dúvidas sobre a indisponibilidade dever estatal de proteger a vida ou a dignidades humanas, enquanto a saúde, direito fundamental social, está regulamentado pelo legislador ordinário, e, ainda que não estivesse trata-se de direito social classificado pela Doutrina e pelos tribunais como direito prestacional originário.
Destaca-se da redação do artigo 9º em comento, a disposição de que o Estado deverá buscar tais objetivos, de interesse público, mediante a efetivação de políticas sociais públicas. Esse é o ponto fundamental do artigo, a exigibilidade de efetivação de políticas públicas para garantir saúde e dignidade ao idoso, sendo este também o problema do qual surgirão as maiores indagações jurídicas sobre a abrangência e eficácia não só deste dispositivo, mas sobre todas as políticas públicas erigidas no Estatuto do Idoso.
Na expressão "mediante a efetivação de políticas sociais públicas" encontra-se marco na discussão da atuação jurídico-política do Poder Judiciário no controle das Políticas Públicas, posto que o próprio legislador constituído ratifica expressamente, em norma direcionada a todos os Poderes do Estado, o dever estatal de efetivar políticas públicas sociais, não bastando seu mero delineamento.
Isto é uma decorrência direta da previsão presente artigo 5º, §1º da Constituição Federal que estatui, sem restrição, que todos os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Assim, todos os direitos fundamentais previsto no título II da Constituição Federal têm aplicação imediata, como defende Sarlet, não sendo apropriado impor restrição onde a Constituição não o fez, ainda mais quando tal interpretação levaria ao absurdo de imaginar-se que Os direitos políticos e de nacionalidade, por exemplo, não teriam a aplicabilidade imediata garantida pelo aludido artigo 5º, §1º da Carta Magna.
Pacífica é a interpretação de que o direito individual cria para o Estado o dever de proteção, consistente em dever de proibição de conduta lesiva; dever de segurança, por meio de adoção de medidas de prevenção de danos e riscos aos bens tutelados. O dever de proteção é inerente a qualquer direito fundamental individual, aplicando-se, no caso, à vida e à saúde.
Porém, o artigo 9º impõe ao Estado não apenas a proteção abstrata, ou normativa, mas sim a atuação por meio de políticas públicas sociais, ou seja, de políticas públicas que deverão atuar sobre as desigualdades materiais dos idosos, no que toca a seus direitos e necessidades especiais para exercício de uma vida saudável e digna.
Para prosseguimento desta exposição, convém discutir alguns aspectos conceituais das políticas públicas.
Política pública é o programa que visa à consecução de determinadas finalidades públicas, com a especificação dos meios idôneos a atingi-las, expressando-se por meio de normas, atos e decisões.
A figura da política pública no Estado Social de Direito contemporâneo, diante do paradigma da Constituição Dirigente, pressupõe a programação de uma atuação estatal coordenadora das ações governamentais e da sociedade civil em favor do adimplemento dos ditames constitucionais.
A formação de uma política pública é complexa, não é o produto estanque e isolado da atuação do Poder Legislativo, mas a resultante de divergências e encontros de interesses dos mais diversos sujeitos sociais e governamentais.
Para ser considerada legítima determinada política pública, há que se conformar ao arcabouço traçado, a priori, pelo Poder Constituinte Originário, ao qual estão condicionados a sociedade civil e o próprio Estado, também em sua função legislativa.
Do ponto de vista jurídico e da Ciência Política, a política pública estabeleceu-se como peça-chave na interpretação da atuação estatal, em consonância com o reconhecimento da normatividade dos princípios constitucionais aos quais deve se conformar todo o ordenamento jurídico e sua aplicação.
De igual forma, a compreensão da atividade estatal e, particularmente, da atividade administrativa, como direcionadas à consecução de interesses e finalidades sintetizados em políticas públicas, circunscreve ainda mais o âmbito de discricionariedade, atuando como controle prévio dessa atuação discricionária. Isto porque, a decisão de conveniência e de oportunidade do ato só será legítima se atender aos fins públicos e se der através dos meios traçados na política pública que rege determinada atividade administrativa.
É importante sublinhar que a incorporação da noção jurídica de política pública na atuação estatal não exclui a aplicação do Princípio da Legalidade, pelo contrário, visa justamente a conferir-lhe maior efetividade e adequação ao programa, que se estende desde a Constituição até o ato administrativo final em concreto.
Estabelecidos esses parâmetros básicos sobre as políticas públicas, cumpre observar que o artigo 9o em comento prevê sua incidência sobre políticas sociais públicas definidas. Ou seja, a norma incide sobre programas já traçados normativamente, dos quais resultam titulares específicos de direitos subjetivos definidos.
Assim, o artigo evita a polêmica sobre a possibilidade de atuação, via Judiciário, para obrigar o Legislativo a suprir omissão normativa. Aliás, deve-se registrar que quanto à proteção à vida e à saúde, já há extensa normação aplicável aos indivíduos em geral, enquanto o advento deste Estatuto supriu, em grande escala, a necessidade de políticas públicas mais específicas ao idoso.
Na verdade, nessas áreas a maior demanda judicial é pela efetivação dos programas públicos existentes e não pela formulação de novas políticas.
O Estatuto do Idoso, em si, é fruto e expressão de uma política pública, delineando de forma vincunlante os objetivos e meios aptos a conferir proteção especial ao idoso, seja quanto ao adimplemento de direitos fundamentais a prestação material e normativa, seja quanto aos direitos à proteção, todos traçados com suficiente grau de concreção para sua imediata aplicabilidade, em áreas como liberdade, saúde, educação, cultura, trabalho, assistência social e habitação.
Prosseguindo na discussão do que pode ser exigido frente à disposição do artigo sob análise, há que se destacar que cumpre ao Poder Público a efetivação de políticas sociais públicas. O termo efetivação, assim como eficácia e eficiência, são compreendidos de forma confusa pelos juristas, cabendo recorrer às lições da Ciência da Administração para aclarar o tema.
Eficiência e eficácia são tomadas como sinônimos, quando se foca em seu aspecto finalístico. Entretanto, eficiência é conceito que modula e avalia as atividades-meio de um procedimento de produção de resultados, assim, será eficiente o procedimento que conciliar o mínimo ônus social com a ótima aptidão ao resultado estabelecido pelo interesse público.
A eficácia, por sua vez, concentra-se na avaliação dos resultados, será eficaz qualquer meio que seja apto a produzir determinado resultado, independente do grau de eficiência de tal meio. Já efetividade está ligada ao conceito de eficácia, ou seja, algo será efetivo quando estiver operante procedimento objetivando o resultado, e que tais resultados estejam sendo produzidos, conceitualmente, sem questionar sob a eficiência do meio empregado.
Em que pese a redação do artigo 9o usar apenas o termo efetivação de políticas públicas, não há que se restringir sua atuação apenas à produção de resultados, visto que todo o Estado, e não só a Administração Pública, estão sujeitos ao Princípio Constitucional da Eficiência, expresso no artigo 37, caput, da Constituição Federal.
Assim, diante dos referenciais conceituais, acima aclarados, a questão que o artigo 9o põe sobre a justiciabilidade das políticas sociais públicas é a de saber se compete controle judicial sobre a efetividade ou eficácia de política pública já instituída, visando a garantir a vida e a saúde ao idoso.
À justiciabilidade dos direitos sociais têm sido opostas objeções referentes à ilegitimidade democrática e usurpação de competências dos Poderes Executivo e Legislativo pelo Judiciário, além de questões relacionadas a cobertura insuficiente ou reserva do possível.
Quanto às primeiras objeções não é legítimo utilizar a separação de Poderes para negar ao Judiciário o controle sobre atos omissivos e comissivos dos demais poderes. A separação de poderes não trata de divisão estanque entre poderes, mas visa exatamente que tais "peças" do Poder interajam como um sistema, buscando um fim comum, que seria a proteção dos direitos fundamentais assegurados na Constituição e não o posto, ou seja, ser utilizado como meio de negar efetivação de tais direitos. Como bem pondera Cláudio Ari Mello:
"a divisão não tem um fim em si ou tampouco pode autorizar a invocação da comodidade do exercício das funções governamentais contra o objetivo da garantia dos direitos"
Quanto às impugnações referentes às limitações orçamentárias do Estado para a efetivação dos direitos sociais é certo que não se pode esperar o impossível do estado, afinal como ensina Cléve, os direitos sociais são direitos de satisfação ou realização progressiva. No entanto, como também alerta o mesmo Jurista, reconhecer a progressividade dos direitos sociais não implica em adiar sua efetividade:
"Por isso os recursos públicos devem ser muito bem manejados. O cuidado com a escassez permitirá, dentro dos limites oferecidos pela riqueza nacional, implementar políticas públicas realistas. Daí a insistência na tese de que incumbe ao poder público consignar na peça orçamentária as dotações necessárias para a realização progressiva dos direitos. Não se trata de adiar a sua efetividade. Trata-se de estabelecer de modo continuado as ações voltadas para a sua realização num horizonte de tempo factível. Lamentavelmente, o que tem ocorrido na trágica experiência orçamentária brasileira, é que o poder público muitas vezes se vê autorizado a estabelecer contingenciamentos arbitrários, praticamente nulificando as rubricas sociais (moradia, esgotamento sanitário etc.). Por isso, é imperiosa a luta por um rígido controle da execução orçamentária, exigindo-se que a lei orçamentária, experimentadas condições de normalidade, seja cumprida tal como aprovada pelo Congresso Nacional. Daí a necessidade de compreender-se a peça orçamentária como lei que vincula, razão pela qual não pode ser tida como mero ato legislativo autorizativo. Se a lei impõe um programa (orçamento-programa), o cumprimento do programa deve ser controlado."

Assim, se por um lado não se espera que o estado disponha de recursos infinitos, de outro não pode o Estado simplesmente alegar restrições orçamentárias de modo genérico para negar efetividade a direitos sociais subjetivos. Ou seja, se o mero reconhecimento da efetividade dos direitos sociais na Constituição não possibilita sua efetivação em nível máximo, posto que existem realmente limitações materiais para tanto, sua conjugação ao princípio da Dignidade humana impõem o equilíbrio de tal limitação (da reserva do possível), com o respeito a um mínimo existencial.
Assim, como se disse no início destes comentários ao Artigo 9º, é dignidade humana, que se posta como parâmetro orientador do juiz ao sopesar a pretensão subjetiva frente ao estado, com a reserva do possível de um lado e a garantia a um mínimo existencial de outro.
Neste contexto é interessante lembrar que não somente os direitos sociais que têm um custo ao Estado. Direitos fundamentais individuais tasi como a propriedade e , por exemplo, implicam na manutenção de um aparato policial repressor, investigativo, do Ministério Público e do Judiciário, por exemplo. Os direitos políticos também envolvem um aparato estatal bastante custoso para a realização e fiscalização das eleições.
Assim é que, a Jurisprudência pátria tem se posicionado, como se esmiuçará mais adiante, contra as alegações genéricas de limitação orçamentária ou falta de recursos, repassando o ônus da prova à administração. Assim é que o CNJ, no mais recente documento sobre a judicialização de questões referentes à saúde, registra a seguinte orientação aos magistrados:
Não ser refém do argumento econômico de restrição: os ideais e estratégias de governo encontramse predominantemente ligados aos problemas e desafios que surgem no curso do mandato. Neste contexto de contingência dos programas e da necessidade de estabelecer prioridades de ação no âmbito do governo, é comum que o Estado condicione sua efetivação aos limites financeiros fáticos e à escassez de recursos. O direito, portanto, passa não mais a ser visto de forma absoluta, podendo ser relativizado sob o argumento da insuficiência de recursos. Tanto em tribunais quanto no próprio âmbito dos juristas, o debate acerca da relação entre direitos e custos econômicos tem crescido e, inclusive, tem sido objeto de defesa do Estado em diversas ações judiciais. Observase que os diversos profissionais do direito, estudantes, professores e doutrinadores tendem a "se apaixonar" por este argumento e a reproduzirem de maneira ingênua e superficial o que elas significam em seu cotidiano. Outro equívoco das discussões sobre argumentos econômicos restritivos é seu efeito perverso: a "luta entre cidadãos". Abandonase a ideia de cidadania e de sujeito de direitos para colocar um cidadão contra o outro de maneira fortemente egoística. A "luta entre cidadãos" afasta o verdadeiro foco: o dever do Estado de efetivar direitos e promover políticas públicas ao máximo. Outro equívoco referese à inexistência de ônus da prova de quem utiliza o argumento da reserva do possível. Ao ser reproduzida como um dogma, isto é, como um ponto de partida inquestionável, desaparece o dever do Estado de provar que realmente não possui recursos financeiros para determinada política. De fato, este argumento econômico de restrição de direitos tem sido amplamente utilizado com forte dose de senso comum e sem versar de maneira cuidadosa sobre seus efeitos. Ele tem sido equivocadamente propagado para causar um cenário de desobrigação do Estado sem qualquer dado concreto sobre a escassez de recursos ou sobre como são alocados. De modo algum se pretende negar a existência de municípios ou estados com sérios problemas de recursos financeiros, principalmente quando se trata de direitos sociais, mas isso deve ser visto e apreciado com bastante seriedade e cautela pelas instituições jurídicas.

Na dimensão subjetiva e individual destes direitos sociais, que é a perspectiva do artigo 9º em comento, tais objeções não têm encontrado acolhida na Jurisprudência majoritária.

A Jurisprudência dos Tribunais Superiores do País não tem se furtado a examinar as omissões do Poder Público em efetivar Direitos Fundamentais por meio de políticas públicas.
Além disso, na dimensão subjetiva dos direitos sociais, que é a perspectiva do artigo 9º em comento, as já mencionadas objeções à justiciabilidade não têm encontrado acolhida na Jurisprudência majoritária.
A fixação da posição jurisprudencial majoritária vigente, quantos às ações relativas ao direito à assistência à saúde, apresenta dois marcos temporais: o primeiro foi o reconhecimento do direito à percepção dos medicamentos para tratamento do vírus HIV, por meio da Lei 9.313, de 13 de novembro de 1996.
As discussões em torno da assistência aos infectados com HIV levou o Supremo Tribunal Federal a reconhecer a plena aplicabilidade e coatividade do direito à saúde, justamente em virtude de sua relação causal com o direito à vida. Na mesma ocasião o STF também rejeitou argumentos do caráter programático do direito à saúde, reconhecidos pela excelsa corte como meios de esvaziar a vontade soberana do Constituinte, chegando a classificar a postura do Poder Público como fraude às expectativas da população e infidelidade à Lei Fundamental.
Desde então, a judicialização de ações demandando bens e serviços de assistência à saúde cresceu em ritmo vertiginoso.. Até 2011 os levantamentos do Conselho Nacional de Justiça – CNJ apontavam para a existência de 240 mil demandas relativas à Saúde em todo o País.
No mais recente levantamento global efetivado pela verificou que, até junho de 2014, tramitavam aproximadamente 392.921 processos versando sobre saúde.
Preocupado não só com o aumento do número de ações, mas com a qualidade das decisões judiciais tomadas, o Supremo Tribunal Federal convocou a audiência pública sobre saúde, realizada no período de 27 de abril a 07 de maio de 2009.
O resultado de tal audiência publica refletiu-se no segundo marco na evolução da Jurisprudência majoritária nacional o julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o qual fixou balizas que devem racionalizar o julgamento das questões de saúde, tanto em âmbito judicial, como em âmbito administrativo, visto que boa parte das controvérsias envolvendo o assunto foram pacificadas nessa ocasião pela Corte Constitucional, tendo servido de fundamento às milhares de decisões judiciais contemporâneas..
O caso concreto tratava de pedido de fornecimento de medicamento de alto custo. Em contraposição o argumento central da União era a falta de registro do medicamento na ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de modo que, sendo proibida sua comercialização no país, estava justificada também a não previsão do medicamento nos Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do SUS. Ao lado destes argumentos alegava ainda violação ao princípio da separação dos poderes, ilegitimidade passiva da União, ofensa à repartição de competências, inexistência de responsabilidade solidária, grave lesão às finanças públicas devido ao desembolso considerável de recursos.
Ou seja, exatamente as objeções apontadas por parte da Doutrina para a efetivação de direitos sociais..
Segue a transcrição da ementa.
EMENTA: Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175 CE, do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Agravante: União. Agravados: Ministério Público Federal, Clarice Abreu de Castro Neves, Município de Fortaleza e Estado do Ceará. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Acórdão de 17 de março de 2010).

No voto do Relator, restou assente, como principais pontos, que:
A garantia judicial de prestação estaria condicionada ao não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), o que deve ser demonstrado e fundamentado, caso a caso.
A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde, conforme estatuído no artigo 23, II, da Constituição Federal, estabelece a responsabilidade solidária e, por consequência, legitimidade passiva de União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tanto em âmbito Individual, quanto coletivo, nas ações cuja causa de pedir seja a negativa pelo SUS de prestações na área de saúde.
Ressaltou que na quase totalidade dos casos examinados, o que ocorre é a determinação judicial para o cumprimento de políticas públicas já existentes, não havendo que se falar em interferência do Poder Judiciário.
Na apreciação das demandas pelo fornecimento de bens ou serviços de saúde o Judiciário há que distinguir três situações: (1) há omissão legislativa ou administrativa; (2) existe uma decisão administrativa de não fornecer o bem ou serviço de saúde; (3) há uma vedação legal para o não fornecimento.
Para os medicamentos sem registro na ANVISA, inclusive os importados, não podem ser produzidos, expostos a venda ou entregues para consumo, de modo que não poderiam ser adquiridos ou fornecidos pelo Poder Público, antes do registro no Ministério da Saúde. Esta disposição legal é uma garantia para a saúde pública, a atestar a eficácia e segurança do medicamento.
Quando há uma decisão motivada para o não fornecimento de determinado bem de saúde podem ocorrer duas situações de judicialização: (a) o SUS fornece tratamento alternativo, porém, não adequado a determinado paciente; ou (b) não tem nenhum tratamento em seu Protocolo específico para a patologia.
No primeiro caso, o tratamento fornecido pelo SUS deve ser privilegiado em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou impropriedade do tratamento existente. Em caso concreto de ineficácia do tratamento devido às especificidades do indivíduo, tanto a Administração, quanto o Poder Judiciário, poderão decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida no caso real.
Nos casos em que a pretensão foi negada diante da inexistência de Protocolo Clínico no SUS, devem-se diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos, ainda não incorporados ao SUS.
Os tratamentos experimentais são pesquisas clínicas, que visam justamente a aferir a eficácia e segurança dos medicamentos, não se podendo exigir do Poder Público o fornecimento dessas drogas.
Os novos tratamentos, ainda não incorporados pelo SUS, exigem uma apreciação mais acurada da matéria, pois a demora na atualização dos "protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas" pode levar à exclusão do acesso de pacientes do sistema público de saúde a tratamentos já oferecidos na iniciativa privada, o que pode configurar omissão administrativa e ser objeto de suprimento pela via judicial.
Quanto à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, ou seja, quanto à Justicialidade dos direitos sociais, restou assente como base do Voto do Relator, o entendimento fixado previamente pelo STF, ao julgar a ADPF-MC 45/DF, relator Celso de Mello, cuja importância exige sua transcrição:

EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). (BRASIL– STF -ADPF 45 MC / DF - DISTRITO FEDERAL, MEDIDA CAUTELAR EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 29/04/2004)

Como se vê, no Supremo Tribunal Federal, no que tange aos direitos sociais e respectivas políticas públicas relacionadas à preservação de direitos fundamentais como a vida e a dignidade humana, reconhece a obrigação de os Poderes instituídos, seja na esfera federal, estadual ou municipal, solidariamente efetivarem as políticas públicas vigentes, por meio do fornecimento do bem ou serviço essencial à vida e à saúde nela previstos.
A exemplo do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça também reconheceu a possibilidade da ação frente à inafastabilidade da jurisdição e ao direito de ação, insculpidos no artigo 5o, inciso XXXV, da Carta Magna, bem como ausência de ingerência do Judiciário no poder político do Executivo, visto que a atividade administrativa frente à realização de Direitos Fundamentais é vinculada sem admissão de qualquer exegese, que vise a afastar a garantia constitucional à vida e à dignidade humana.
Acentua ser característica do próprio Estado Democrático de Direito que o Estado se submeta ao controle das próprias normas que instituiu e o instituíram. Quanto ao aspecto da prioridade no atendimento à saúde, reconheceu quebra da isonomia em submeter-se a criança à mesma sistemática de atendimento, inclusive quanto à espera, aplicável aos demais indivíduos, em razão disso assegurou o direito de atendimento prioritário à criança como meio necessário e adequado para assegurar a efetivação do direito à saúde.
Por fim, reconheceu a transindividualidade e homogeneidade do direito e a legitimidade do Ministério Público para exigir seu adimplemento por meio de ação civil pública.
A posição da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem seguido basicamente esta linha, no sentido de as prestações positivas do Estado, quando destinadas a preservar direitos fundamentais, tais como a dignidade, a vida e, por conseqüência, a saúde, têm aplicação imediata, exigível via Judiciário, mesmo sem regulamentação por via legal.
Inicialmente, em seu curso histórico, os direitos fundamentais voltavam-se para a proteção de interesses universais, assim entendidos os comuns a todos os homens. Com o evolver histórico, passou-se a verificar que há certas classes de indivíduos que, por peculiaridades biológicas, culturais e/ou sociais exigiam tratamento diferenciado e específico para alcançar-se a isonomia concreta, então a Constituição prevê direitos especiais à criança, ao idoso e à pessoa com deficiência.
Na verdade, trata-se de um olhar do Constituinte sobre as desigualdades concretas da sociedade, buscando agir para otimizar suas relações, minimizando o processo de exclusão social.
Entenda-se, aqui, que exclusão social representa um conceito mais amplo que a noção de pobreza, embora ligado a ela como numa relação recíproca de causa e efeito: exclusão gera pobreza e vice-versa. O termo exclusão social serve para designar a privação não só em seu aspecto econômico, mas também no social, jurídico e cultural. Representa a ausência de cidadania e integração social; a ausência concreta de acesso à realização de direitos fundamentais de qualquer natureza.
Não há como negar que idosos e pessoas portadoras de deficiência não podem ter o mesmo tratamento destinado ao cidadão comum, quanto ao acesso a serviços de saúde; bem como que tais pessoas sofrem maiores dificuldades em exercer o direito de ir e vir, de modo que não é isonômico manter a mesma forma de acesso a serviços sociais destinados ao restante da população.
Com vistas a reduzir a exclusão social do idoso, prevendo prioridades e direitos que lhe franqueiem o concreto exercício dos direitos à saúde, à cultura, ao transporte, à educação é que o Estatuto busca otimizar as relações Sociedade-Estado com o idoso.
A conexão do tema com o sistema jurídico reside no fato de que a pobreza e a exclusão não são fatalidades ou acontecimentos naturais, não são estados, mas sim produto de relações sociais viciadas.
O Direito é fruto de uma tensão histórica de interesses sociais diversos e opostos. Em regra, como fruto da desigualdade de forças desta tensão, o Direito Positivo serve de instrumento conservador do status quo.
Em muitos casos, no que toca a efetivação de direitos sociais, embora estes sejam regulados por leis reconhecidas como bastante avançadas em seu conteúdo, quedam inertes ante a resistência do Executivo em conferir-lhes concretização.
Diante de tal inércia, há que se contar com a organização social dos cidadãos para exigir a efetivação de tais políticas e, reflexamente, dos direitos subjetivos nelas especificados.
Por tal razão, o artigo 9o busca garantir a efetivação das políticas públicas relacionadas aos Direitos Fundamentais, embora esta seja uma obrigação óbvia do Estado.
Tal realidade, segundo Friedrich Muller, remete à força e à existência do metacódigo, que submete o próprio código ou ordenamento jurídico, condicionando sua efetivação por fatores de vontade de poder político e econômico.
Os Direitos Fundamentais expressos na Constituição não são igualmente aplicados ou acessíveis ao povo destinatário, variando conforme o status do sujeito dentro da sociedade. Por isso, indivíduos portadores de deficiência ou mais vulneráveis socialmente, como idoso e a criança, merecem tratamento específico da Constituição e da Legislação, como modo de assegurar-lhe materialmente condições de isonomia.
Mas, além da garantia legal, é a luta cidadã que transforma o mero texto legal em direito efetivo, seja frente ao Poder Público omisso ou ineficiente, seja diante de pessoas privadas que se negam a respeitar direitos. Dessa forma, não bastam as leis, pois estas dependem dos homens, não só para sua formulação como para sua concretização.
Ainda, segundo Muller, a mera textificação do direito positivo moderno é uma faca de dois gumes, pois os textos podem revidar. Foram produzidos com finalidade meramente simbólica, mas ao jurista cabe subverter esta tendência e utilizar o texto em sentido contrário, cobrando a efetividade do que está escrito em casos concretos, subvertendo a formal legitimação da exclusão social.
Erivan Laurentino de Medeiros Júnior



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