A EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA INTERNACIONAL: A CRIAÇÃO DO ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS DIREITOS HUMANOS

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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Ciência Política Doutorado

Matheus de Carvalho Hernandez

A EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA INTERNACIONAL: A CRIAÇÃO DO ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS DIREITOS HUMANOS

Pré-texto a ser debatido no Primeiro Encontro de Pós-graduação, promovido pelo departamento de Ciência Política da UNICAMP.

Campinas, outubro de 2011.

Introdução O presente paper tem como objetivo analisar o surgimento de uma instituição ainda pouquíssimo estudada na Ciência Política e nas Relações Internacionais: o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). O ACNUDH, liderado por um Alto Comissário, foi aprovado pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) ao final de 1993, iniciando seus trabalhos em 1994. A discussão acerca de sua criação foi levada a essa instância deliberativa da ONU por força de recomendação da II Conferência Mundial para os Direitos Humanos da ONU, realizada em junho de 1993, em Viena – por isso conhecida como Conferência de Viena. A este paper não interessará diretamente analisar as funções desempenhadas pelo ACNUDH, mas sim compreender quais os processos e, portanto, as disputas políticas historicamente construídas que subjazem a criação dessa instituição. Diante da referida lacuna de pesquisa acerca do ACNUDH, as primeiras questões que se suscitam, às quais esse trabalho se dedicará, são as seguintes: qual é a historicidade do surgimento do ACNUDH? Ou seja, por que é que um órgão proposto, pela primeira vez, na década de cinqüenta e, posteriormente, na década de sessenta e setenta, só foi criado ao final de 1993? Diante dessas perguntas, estabelece-se a seguinte hipótese: diferentemente de várias análises sobre o ACNUDH e sobre o próprio surgimento de instituições internacionais, acredita-se aqui que o ACNUDH foi criado não somente pelo anseio de maior eficiência procedimental no sistema internacional de proteção aos direitos humanos, mas sim pela força que o discurso e a dimensão da efetividade dos direitos humanos atingiram no pós-Guerra Fria, especialmente junto às Organizações Não-Governamentais (ONGs), catalisado pela Conferência de Viena. Com o intuito de problematizar historicamente a hipótese citada acima, abordar-se-á o surgimento

do

ACNUDH

a

partir

do

Institucionalismo

Histórico.

O

caráter

metodologicamente indutivo da abordagem será respeitado, inclusive, na organização do texto. Nesse sentido, em vez de iniciá-lo descrevendo e analisando as categorias e conceitos do Institucionalismo Histórico, ele será iniciado pela descrição e análise das tentativas frustradas de criação do ACNUDH, bem como da proposta aprovada em 1993. Depois da discussão desses processos é que o Institucionalismo Histórico adentrará a análise do objeto, já que por ser uma abordagem de caráter indutivo, o objeto e suas características e ocorrências históricas é que vão suscitar as conexões e as potencialidades explicativas dos conceitos.

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As tentativas frustradas de criação do ACNUDH Essa seção cuidará de discutir muito sinteticamente as tentativas não exitosas de criação do ACNUDH. Antes de entrar nessa discussão, é muito importante salientar que há pouquíssimos estudos produzidos a respeito dessas tentativas. A grande exceção é o livro de Roger Stenson Clark, de 1972, resultado de seu doutorado na Universidade de Columbia (EUA). Sendo assim, além da utilização dessa importante obra, esta seção basear-se-á também em algumas resoluções da ONU na tentativa de reconstruir os processos de idas e vindas políticas e institucionais em torno da criação do ACNUDH. A despeito da importância posterior das ONGs, a primeira iniciativa para a criação do ACNUDH veio de um Estado, em 1947, durante a elaboração da Declaração Universal (UN, 1947). A sugestão falhou, todavia, ao não atingir o nível de adesão necessária para que a proposta adentrasse o esboço da Declaração Universal ou os debates dos Pactos de direitos humanos de 1966. Após a decisão da Assembléia Geral de criar o Alto Comissariado para os Refugiados em 1949, a Consultative Council of Jewish Organizations, trouxe uma nova proposta, redigida por Robert Langer. A proposta de Langer previa que o Alto Comissário fosse uma espécie de promotor ou defensor público internacional. Ainda em 1950, a sugestão de criação do Alto Comissariado foi assumida pelo governo do Uruguai (NOWAK, 2009). A proposta uruguaia foi apresentada sobre a base de um Alto Comissário único, mas poderia, segundo Clark, ser facilmente adaptada ao esquema com um Comissário central e vários regionais (CLARK, 1972). Tal como a proposta de 1947, a uruguaia não obteve muito apoio. O próprio Secretário-Geral da ONU observou que qualquer mecanismo que estivesse para além das queixas interestatais era prematuro em vista da situação política vigente naquele momento. Ainda disse que, mesmo se uma pessoa com o perfil adequado fosse encontrada para o cargo, ele seria esmagado pela quantidade de queixas. Finalmente, afirmou que era preferível confiar em um comitê no qual todas as áreas e diferentes sistemas jurídicos e culturais do mundo estivessem representados (UN, 1955). Depois dessas primeiras tentativas, a idéia se arrefeceu um pouco dentro da estrutura da ONU. Mas na década de sessenta, o debate se reacende. Segundo Clark (1972), a idéia de se criar um Alto Comissário para os direitos humanos voltou a ascender no Departamento de Estado dos EUA, em 1963, devido à iniciativa de Richard Gardner, então Deputy Assistant Secretary of State for International Organization Affairs. Nesse contexto, Jacob Blaustein, ex2

presidente do American Jewish Committe e delegado substituto dos EUA na Assembléia Geral, assumiu a proposta. Sugeriu a criação do cargo, mas com funções mais modestas do que aquelas da proposta uruguaia (BLAUSTEIN, 1963): Assim, a partir de 1964, o interesse das ONGs tornou-se um fator de extrema relevância para a sobrevivência da proposta. As ONGs realizaram um pronunciamento conjunto em favor do ACNUDH e um esboço de uma resolução da Assembléia Geral. A circulação desse esboço acendeu os lobbies governamentais. Um dos governos que mais se sensibilizaram foi o da Costa Rica, que, logo no início de 1965, introduziu a proposta de criação do Alto Comissariado na Comissão de Direitos Humanos, mas a pauta terminou não sendo debatida com profundidade (CLAPHAM, 1994). O fórum seguinte no qual o ACNUDH foi debatido foi o Seminário sobre Direitos Humanos em Países em Desenvolvimento, que ocorreu em Dakar, Senegal, em fevereiro de 1966. Segundo Clark (1972), mais significante do que qualquer contribuição que o Seminário possa ter tido para o conteúdo dos debates sobre a proposta de criação do ACNUDH foi sua composição: 23 países africanos e observadores da França, URSS, EUA e um grupo de ONGs, muitas delas apoiadoras da proposta da Costa Rica. No seguimento das discussões, a Comissão de Direitos Humanos decidiu por estabelecer um Grupo de Trabalho (GT) para estudar a questão e também requisitou ao Secretário-Geral a preparação de um estudo técnico e analítico para auxiliar o GT (UN, 1966). A partir daí, no início de 1967, o GT produziu seu relatório e um esboço de estatuto estabelecendo o ACNUDH. Dentre os vários pontos debatidos pelo GT, um deve ser destacado: a proposição de um painel de consultores especialistas (experts) para auxiliar o Alto Comissário. Essa proposta representou a conciliação entre duas visões divergentes: uma minoria dos membros do GT que eram favoráveis a um corpo colegiado em vez de um único oficial e uma maioria que preferia a segunda opção. A Comissão de Direitos Humanos considerou o relatório do GT ao final de sua sessão de 1967. O representante soviético circulou uma carta alegando que omissões e equívocos estavam contidos no estudo do Secretário-Geral. Na sua visão, o estudo e o relatório do GT tinham se concentrado em argumentos que a priori justificavam a desiderabilidade da criação do cargo. Ele ainda disse ver como surpreendente que o GT não tivesse considerado a adoção, em 1966, dos Pactos sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e

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Culturais (UN, 1967). Diante dessa e de várias outras críticas, a proposta do GT conseguiu ser aprovada por vinte votos a sete, com duas abstenções1. As resoluções da Assembléia Geral que postergaram a criação do ACNUDH em 1967 e 1968 não envolveram discussões efetivas sobre a substância da proposta. A maioria dos debates subseqüentes consistiram na reafirmação de posições já conhecidas. Depois de várias tentativas de criação do ACNUDH, em 1977 o projeto saiu da Comissão de Direitos Humanos e foi para a Assembléia Geral, mas a proposta acabou não sendo votado e retornando ao âmbito da Comissão. A partir disso, as discussões sobre a criação do ACNUDH cessaram até o fim da Guerra Fria. Ao longo dos quinze anos subseqüentes, o Comitê de Direitos Humanos e o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais começaram a supervisionar os dois pactos e outros comitês foram estabelecidos para supervisionar outros tratados. Os mecanismos temáticos – GTs e relatores especiais – que podiam receber complaints também foram criados e os relatores por países foram apontados pela Comissão de Direitos Humanos (ALSTON, 1997). Elencar o desenvolvimento desses mecanismos é importante por dois motivos. Primeiro por que o desenvolvimento de tais iniciativas parece ser um dos principais fatores, juntamente com a entrada em vigor dos dois Pactos em 1976, a serem considerados quando se percebe como a criação do ACNUDH, de 1977 ao fim da Guerra Fria, perde a importância relativa dentro da agenda internacional de direitos humanos. Além disso, por outro lado, ter em mente o desenvolvimento gradual de todos esses mecanismos de fiscalização internacional dos direitos humanos é vital para compreender a diferença entre o contexto de 1977, quando a proposta de criação do ACNUDH perdeu força, e o contexto do início da década de noventa e de realização da Conferência de Viena, quando, de fato, o ACNUDH teve sua proposta de criação aprovada.

A Conferência de Viena e a criação do ACNUDH Depois dessas várias tentativas, descritas pormenorizadamente acima, a proposta de criação do ACNUDH finalmente conseguiu sua aprovação ao final de 1993. Entretanto, a análise desse momento não pode ser realizada de maneira estanque, mas em íntima relação com a Conferência de Viena (II Conferência Mundial para os Direitos Humanos, 1993). Essa 1

Favoráveis: Argentina, Áustria, Chile, Congo, Costa Rica, Daomé, EUA, Filipinas, Grécia, Guatemala, Iran, Israel, Itália, Jamaica, Nova Zelândia, Paquistão, Peru, Reino Unido, Senegal e Suécia. Contrários: Índia, Iraque, Iugoslávia, Polônia, República Árabe Unida, Ucrânia e URSS. Abstenções: França e Nigéria.

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aproximação se deve ao fato de a Conferência ter se tornado espaço e estímulo para a mobilização de uma série de propostas no campo dos direitos humanos até então encapsuladas pela lógica da Guerra Fria. A proposta de criação do ACNUDH, que, segundo Nowak (2009), foi a de maior visibilidade nos meios de comunicação, chegou à Conferência de Viena através da Anistia Internacional, o que já sugere a importância da participação das ONGs na Conferência: Já no processo preparatório a proposta foi encampada pela Reunião Regional LatinoAmericana e Caribenha e pelas potências ocidentais, com destaque para os EUA, que divergiam em alguns aspectos em relação aos europeus (LAATIKAINEN, 2004). Os apoiadores da proposta justificavam a criação de um Alto Comissariado para os Direitos Humanos pela necessidade de maior coordenação e contato na matéria de direitos humanos. Vale ressaltar que a busca por maior coordenação e articulação entre os diversos órgãos da ONU era um dos principais objetivos da Conferência. A proposta era objetada, por sua vez, por muitos países não-ocidentais, com destaque para os propagadores do debate dos Valores Asiáticos, pois a viam como uma forma de privilegiar a fiscalização exclusiva dos direitos civis e políticos (em detrimento dos direitos econômicos, sociais e culturais) e como possibilidade de ingerência ocidental intrusiva em suas respectivas soberanias. Segundo Alves, Aos adversários da idéia, a figura de um Alto Comissário parecia ser vista como um mecanismo a ser “teleguiado” pelo Ocidente desenvolvido para o controle exclusivo de direitos civis e políticos no Terceiro Mundo, ameaçador às soberanias nacionais [...] (ALVES, 2001: p. 23-24).

A falta de consenso sobre o ponto permaneceu até o final do evento. Não havendo solução, o Plenário se viu obrigado a encaminhar a proposta para a Assembléia Geral colocando-a como prioritária (UN, 1993). Isso atendeu tanto aos interesses dos defensores da proposta, quanto de seus discordantes, que poderiam continuar suas argumentações numa instância maior. Sendo assim, a proposta, mobilizada pela Anistia Internacional, foi aprovada por consenso em Nova York, na Assembléia Geral da ONU, em 20 de dezembro de 19932 (BRETT, 1995; LAWSON, 1996).

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A missão do ACNUDH foi assim sintetizada por Schöfer: “The mandate of OHCHR is to promote and protect the enjoyment and full realization, by all people, of all rights established in the Charter of the United Nations and in international human rights laws and treaties. The mandate includes preventing human rights violations, securing respect for all human rights, promoting international cooperation to protect human rights, coordinating

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Segundo Alston, aquelas tentativas frustradas (descritas na seção anterior) haviam apenas sedimentado a oposição de muitos governos em relação à proposta, temerosos quanto à interferência em suas questões domésticas, em relação a um programa de direitos humanos da ONU mais efetivo e intrusivo e em relação a uma agenda supostamente ocidental estritamente. Essa impressão teria ficado mais forte quando a proposta não foi acordada em Viena e foi, como já assinalado, postergada para a Assembléia Geral seguinte: Despite prolonged negotiations, the Vienna Conference could not agree on any specific proposal and the matter was referred to the General Assembly. Since such compromises are often merely a prelude to killing off proposals, it came as a surprise to many observers that the Assembly was able to reach a consensus agreement on 20 December 1993 (ALSTON, 1997: p. 323. Grifo nosso).

Segundo Alves (2003), o consenso foi obtido porque as delegações não-ocidentais discordantes perceberam que a criação do cargo não constituiria uma ameaça às suas soberanias. De acordo com Alston (1997), alguns fatores ajudam a explicar como se conseguiu aprovar e criar o ACNUDH naquele momento, tendo em vista as tentativas fracassadas anteriores: a campanha articulada das ONGs, liderada pela Anistia Internacional; o forte apoio pela administração Clinton; apoio homogêneo dos países da Europa do leste e central; e a habilidosa negociação diplomática, sobre a qual Ayala Lasso, primeiro Alto Comissário, exerceu um papel de grande importância. Nesse sentido, de acordo com Ayala-Lasso (2002; 2009) e Ramcharan (2002), a Conferência de Viena funcionou como uma base, um alicerce a partir do qual as reformas dos métodos e procedimentos da ONU em matéria de direitos humanos se fundamentaram, com forte destaque para o Alto Comissariado para os Direitos Humanos3. Apesar da importância da questão da eficiência procedimental no sistema internacional de proteção aos direitos humanos, não nos parece que esta seja a única e, tampouco, a related activities throughout the United Nations, and strengthening and streamlining the United Nations system in the field of human rights.” (SCHÖFER, 2009: p. 405). 3 De acordo com Nowak (2009), a criação do ACNUDH é o resultado mais relevante da Conferência de Viena: “The establishment of the Office of the High Commissioner for Human Rights (OHCHR) constitutes the most important structural result of the Vienna World Conference on Human Rights.” (NOWAK, 2009: p. 106). Schöfer sobre a importância do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e suas atividades após a Conferência de Viena: “[...] the OHCHR, established as a result of the VDPA in 1993, represents the international community’s main focal point for the protection and promotion of human rights. The OHCHR has a unique mandate and has become an important actor with field activities worldwide, and also supports States on the ground in their efforts to fulfill their human rights obligations.” (SCHÖFER, 2009: p. 395). Kyung-wha Kang, Alto Comissário interino entre 1º de julho e 1º de setembro de 2008, também enaltece a importância da Conferência de Viena para o Alto Comissariado: “The Vienna Conference is of particular significance to all of us at OHCHR [Office of High Commissioner for Human Rights], for it was the Vienna process that gave concrete voice to the long-standing wish of the human rights community to create the post of the UN High Commissioner for Human Rights. Those who were directly involved in the Vienna process […] recall that the issue of creating the post of the High Commissioner was an undercurrent of controversy at the Conference, not extensively debated openly but kept alive in the corridors and small group meetings among delegates who were keen not to let the opportunity pass.” (KANG, 2009: p. 65. Grifo nosso).

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principal motivação do surgimento do ACNUDH. Como visto na seção anterior, ainda que brevemente, o regime internacional dos direitos humanos até o final da Guerra Fria sofria de um condicionamento fruto da disputa bipolar. Com isso, todos os debates a respeito da efetividade dos direitos humanos eram condicionados por essa disputa, assim como pelo argumento da não-interferência das questões internas. O término da Guerra Fria trouxe a possibilidade de que o principal fim do regime internacional dos direitos humanos pudesse ser finalmente debatido, qual seja, a efetividade de tais direitos (e não apenas a eficiência das instituições e agências que o promovem). A criação do ACNUDH, e a própria realização da Conferência de Viena, ligam-se a esse fim normativo. Além disso, e em extrema consonância com a idéia acima, aquele contexto do imediato pós-Guerra Fria (assim como posteriormente) assistiu à ascensão não apenas de temáticas sociais em âmbito internacional (direitos humanos, migrações internacionais, meioambiente, etc), mas à ascensão internacional das ONGs ligadas a tais temáticas. Nesse sentido, nos parece importante não negligenciar a participação das ONGs, lideradas pela Anistia Internacional, no processo de aprovação do ACNUDH. De acordo com Clapham (1994), o anúncio da realização da Conferência de Viena forçou os envolvidos com direitos humanos a considerarem as fraquezas daquele sistema de proteção e a proporem novas idéias. Em setembro de 1992, em uma grande conferência em Amsterdã organizada pelo escritório holandês da Anistia Internacional, um grande número de especialistas e ativistas concordou que havia uma necessidade de um posto de alto nível na ONU para responder pronta e efetivamente às sérias violações de direitos humanos, tornandose um ponto focal para as ações de direitos humanos da ONU. A partir daí, a Anistia Internacional passou a promover a iniciativa, que se tornou a principal bandeira da organização durante a Conferência de Viena. Inicialmente, a ONG se concentrou na reunião regional preparatória africana para a Conferência de Viena, realizada em Túnis, em dezembro de 1992. A proposta também foi incorporada pelas delegações latinoamericanas, que realizaram sua reunião preparatória na Costa Rica, sendo que este país sede passou a ser uma das delegações mais entusiastas da proposta. Além disso, a proposta de criação do ACNUDH foi seriamente discutida pelos governos no encontro inter-regional de especialistas em direitos humanos, promovido pelo Conselho da Europa em Estrasburgo, em janeiro de 1993, além de ter sido incorporada por várias ONGs. Durante o complicado processo de negociação da resolução que criou o ACNUDH, as ONGs também tiveram destacada importância. Além de consultar os países, Ayala Lasso, à 7

época presidente do GT que ficou responsável por elaborar a resolução, foi pressionado pelas ONGs para que elas também pudessem dar sugestões a respeito das características do cargo. Conforme Clapham (1994), muitas ONGs do mundo todo entraram em ação nesse momento. A NGO Liaison Committee, formado em Viena, mobilizou redes regionais de ONG de maneira que elas pudessem debater a questão com seus respectivos governos. Clapham ainda destaca o esforço que foi feito para que representantes de ONGs de países do sul pudessem ir até Nova York e mostrar que a demanda por um Alto Comissário para os Direitos Humanos não era apenas uma demanda das potências ocidentais. Destacar a participação das ONGs também é importante na medida em que possibilita apreender a complexidade das negociações de criação do ACNUDH, que contaram não apenas com divergências entre os Estados, mas também com uma pluralidade grande de sugestões e recomendações vindas das ONGs. Desse complexo conjunto de debates, saiu a aberta e abrangente Resolução 48/141, que criou o cargo de Alto Comissário para os Direitos Humanos. Alston (1997) argumenta que a formulação aberta que trouxe sucesso à questão possuía todas as vantagens e desvantagens de um típico compromisso diplomático multilateral. Ela teve que responder a cada uma das principais lacunas identificadas pelos grupos mais importantes, os quais esperavam que a criação do ACNUDH viesse a solucionar a questão do direito ao desenvolvimento, o papel de coordenação do sistema de direitos humanos da ONU, a capacidade de resposta diante das violações e o fortalecimento do secretariado da ONU. Mas essa combinação de fatores não criou um todo coerente e tampouco deixou clara quais seriam a atuação e o papel do ACNUDH. Conforme Alston, estas questões tiveram seus esclarecimentos condicionados à prática, sujeitas à ponderação de pressões competitivas, ao curso dos acontecimentos políticos, à personalidade do Alto Comissário e às suas relações com seus pares no Secretariado, nos governos e com seu superior, o Secretário-Geral. Uma questão da negociação de criação do ACNUDH tornou-se muito mais decisiva em 1993 do que nas tentativas anteriores: a questão de quais direitos o ACNUDH iria promover e proteger. E sua resolução deixa evidente, inspirada claramente na Declaração e Programa de Ação de Viena (DPAV), que o ACNUDH deve promover e proteger todos os direitos humanos4. Além disso, a resolução frisa a universalidade, a indivisibilidade, a 4

A resolução do mandato do ACNUDH reconhece a Assembléia Geral, o EcoSoc e a Comissão de Direitos Humanos (atualmente Conselho) como os principais órgãos responsáveis pelas decisões e pelo processo político para a promoção e proteção dos direitos humanos. O mandato também ressalta a necessidade de melhorar a

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interdependência e a inter-relação e ressalta a importância da promoção do desenvolvimento sustentável e da garantia do direito ao desenvolvimento (CLARK, 2002). A inclusão indubitável dos direitos econômicos, sociais e culturais e do direito ao desenvolvimento na resolução de criação do ACNUDH deve-se, em grande parte, aos debates da Conferência de Viena trazidos pelos países em desenvolvimento. Como poderá ser visto mais a frente, essa inclusão é de suma importância para compreender o processo de criação do cargo. O ACNUDH, cuja sede principal está em Genebra e o Escritório em Nova York, afora ser um secretariado dos órgãos de fiscalização de tratados (Comitês de Tratados), tem como objetivo, segundo seu mandato, promover e proteger o exercício dos direitos humanos para todos os indivíduos; exercer um papel ativo na remoção dos atuais obstáculos à realização dos direitos humanos, impedindo a continuidade de violações; e coordenar as atividades de promoção e proteção desses direitos no sistema ONU5. O ACNUDH, que no organograma institucional da ONU está na alçada do Secretariado-Geral, é chefiado por um Alto Comissário. Observe-se, portanto, que a visão de que o tal cargo deveria ser ocupado por uma única pessoa e não por um colegiado acabou saindo vencedora. O primeiro Alto-Comissário foi José Ayala-Lasso (1994-1997), seguido por Mary Robinson (1997-2002), Sérgio Vieira de Mello (2002-2003), Bertrand Ramcharan (2003-2004), Louise Arbour (2004-2008) e, desde setembro de 2008, Navanethem Pillay6. É interessante notar que a criação do cargo não era do agrado do então SecretárioGeral da ONU, Boutros Boutros-Ghali. Quando a criação efetivou-se, Boutros-Ghali, segundo Alston (1997), apontou um diplomata cuidadoso – Ayala Lasso7 – sem nenhuma credencial em matéria de direitos humanos e com um histórico de oposição a qualquer consideração em questões de direitos humanos pelo Conselho de Segurança.

coordenação, eficiência e efetividade da promoção e proteção dos direitos humanos, tal como enfatizado pelo documento final de Viena. O Alto Comissário é apontado pelo Secretário-Geral e confirmado pela Assembléia Geral para um mandato de quatro anos com a possibilidade de novo mandato de quatro anos. Hierarquicamente, o posto de Alto Comissário para os Direitos Humanos corresponde ao de Sub-Secretário-Geral. 5 O ACNUDH se compõe de quatro divisões, as quais refletem suas temáticas prioritárias e seus nichos de atuação: Direito ao Desenvolvimento & Pesquisa; Tratados e Conselho de Direitos Humanos; Procedimentos Especiais e Operações de Campo. Essa última comporta onze escritórios nacionais - Angola, Bolívia, Camboja, Colômbia, Guatemala, México, Nepal, Território Palestino, Kosovo (Sérvia), Togo, Uganda –, dez escritórios regionais – Leste da África, Sul da África, Oeste da África, Oriente Médio, Pacífico, Sudeste da Ásia, Ásia Central, Europa, América Central e América do Sul – e dois centros regionais de direitos humanos – África Central, e Sudoeste da Ásia e Região Árabe. 6 O Alto Comissário para os Direitos Humanos é indicado pelo Secretário Geral da ONU e aprovado pela Assembléia-Geral, levando-se em conta um critério de rotação geográfica. Logo abaixo do Alto Comissário há o cargo de Deputy High Commissioner for Human Rights, cujo status é de Assistente do Secretário Geral. 7 Ayala Lasso, então Representante Permanente do Equador na ONU e ex-Ministro das Relações Exteriores, foi nomeado Alto Comissário em fevereiro de 1994 e assumiu o posto em 5 de abril do mesmo ano.

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Como dito na introdução, o foco deste trabalho está no surgimento e não no desenvolvimento da trajetória institucional do ACNUDH. A pergunta que o mobiliza é investigar o que explica o surgimento do ACNUDH naquele contexto de imediato pós-Guerra Fria, tendo em vista as iniciativas anteriores frustradas. Com essa pergunta está se colocando em discussão, na verdade, as motivações de tal surgimento. A hipótese até agora trabalhada é de que o ACNUDH foi criado não somente em função das suas funções, ou seja, por força do anseio de maior eficiência procedimental no sistema internacional de proteção aos direitos humanos, mas principalmente pela força mobilizadora que a dimensão da efetividade dos direitos humanos atingiu no pós-Guerra Fria, catalisada pela Conferência de Viena e a participação maciça das ONGs. A fim de problematizar tal hipótese, na próxima seção analisar-se-á toda a trajetória de criação do ACNUDH até aqui discutida à luz do Institucionalismo Histórico.

O Institucionalismo Histórico e o surgimento do ACNUDH O Institucionalismo Histórico (IH) guarda várias diferenças quando comparado, por exemplo, com a Escolha Racional. A análise da Escolha Racional é fundada na abstração, na simplificação, no rigor analítico e na insistência em claras linhas de análise decorrentes de axiomas básicos. Já o IH é fundado sobre raciocínio denso, descrição empírica e indutiva (SKOCPOL, 1985). O foco da Escolha Racional nos jogos interativos leva-a, muitas vezes, à matemática e à economia. Enquanto que o interesse na construção, manutenção e resultados conduz o IH para a história e para a filosofia. O IH emprega muito mais elementos narrativos no estabelecimento de seus nexos causais e, por conta disso, eles se tornam muito mais longos (SANDERS, 2006). Isso ocorre por que é preciso toda uma reconstrução histórica para que comecem a aparecer os nexos explicativos inseridos na narrativa. Outro ponto que singulariza o IH – e também faz dele uma pertinente abordagem para os objetivos deste estudo – são as questões que o caracterizam. O IH dá muita atenção a questões de quem são (ou o que são) os agentes responsáveis por mudanças institucionais, isto é, quem estabeleceu a instituição? Que forças sociais exógenas ou dinâmicas internas são responsáveis por surgimentos ou mudanças institucionais? São questões desse tipo que mobilizaram até aqui o presente estudo. Essas questões exigem que se recorra à história não apenas como pano de fundo ou cenário para uma investigação acerca das funções desempenhadas por uma instituição, mas como ferramenta analítica. É importante observar que o IH tende muito mais a observar as 10

origens de uma instituição do que suas funções (THELEN, 1999). Ao utilizar a história dessa maneira, o IH se interessa, portanto, pelas formas pelas quais as instituições surgem e modelam resultados políticos. No caso deste trabalho, o foco é dado ao surgimento do ACNUDH, e não às suas funções, uma vez que elas, além de não serem centrais para as perguntas que mobilizam este estudo, não nos parece deter toda a potencialidade explicativa de tal surgimento. A análise do processo histórico também auxilia a observação das fronteiras temporais que caracterizam as relações causais. Sabe-se, por exemplo, que toda a mobilização pela criação do ACNUDH – desde os primeiros esforços do Uruguai, passando pelas proposições costa-riquenhas, até as mobilizações da Anistia Internacional no pós-Guerra Fria – tem influência para o seu surgimento em 1993 e, de certa forma, constituem relações causais para entendê-lo. Entretanto, não se pode simplesmente alinhá-las como variáveis independentes ou fatores explicativos do que seria a variável dependente (surgimento do ACNUDH), uma vez que elas são separadas por contextos temporais diferentes (STEINMO, 2008). A história é importante, e por isso recorremos à ela para traçar as origens do ACNUDH, por que os eventos políticos acontecem justamente dentro de um determinado contexto histórico, que, por sua vez, tem conseqüências diretas sobre as decisões e os eventos. As várias postergações da Assembléia Geral para a criação do ACNUDH refletem um contexto. Contexto de Guerra Fria, no qual os direitos humanos se encapsularam em uma disputa ideológica. Disputa essa que refreou o avanço da proteção internacional desses direitos e os situaram muito mais na dimensão promocional do que de efetividade. Daí por que recorrentes argumentos a doutrinas de segurança nacional e exclusividade jurisdicional levantadas pelos Estados no processo de criação do ACNUDH. Mesmo a não aprovação do posto durante a Conferência de Viena também deve ser analisada mediante o contexto de ascensão de argumentos culturalistas, especialmente vindo dos países asiáticos, que contestavam a formatação ocidental dos direitos humanos (especialmente a ênfase nos direitos civis e políticos) e argumentavam em favor de concepções locais de tais direitos (dentro das quais os direitos econômicos, sociais e culturais e o direito ao desenvolvimento ganhavam destaque). Mas a história também importa ao IH na medida em que os atores ou os agentes podem aprender com a experiência. O IH compreende que o comportamento, as atitudes e as escolhas se inserem em contextos sociais, políticos, econômicos e culturais particulares. Portanto, não há como tratar da ação política desvinculada do tempo e do espaço. Por isso, é muito importante ter em vista o momento, por exemplo, em que a proposta do ACNUDH 11

voltou à tona. Como visto, o fim da Guerra Fria, o “descongelamento” da ONU e seus projetos de reforma e a ascensão internacional das ONGs não são apenas cenários de fundo pra criação do ACNUDH, mas elementos que, quando articulados, tornam-se explicativos dessa ocorrência. Elementos que, por sua vez, não surgem simplesmente. Como visto, as aspirações a um sistema internacional de direitos humanos mais efetivo já apareciam durante a Guerra Fria, assim como já existiam ONGs, ainda que em número muito menor. E um grande indício disso foram as próprias tentativas de criação do ACNUDH. Como já dito, um trabalho calcado nessa abordagem, como é o caso deste estudo, não é motivado pelo objetivo de estabelecer um argumento ou demonstrar uma metodologia, mas sim pelo objetivo de responder e problematizar questões empíricas do mundo real (STEINMO, 2008). Daí por que faz todo o sentido, ao se perguntar a respeito do surgimento do ACNUDH, retornar aos – pouco conhecidos – processos de construção dessa instituição, uma vez que é através desse retorno, que tem sua base (sua pergunta mobilizadora) no presente, que os nexos causais aparecerão e, eventualmente, abrirão novas agendas de pesquisa8. Um outro elemento que caracteriza o IH e que é de grande valia para compreender o processo histórico de criação do ACNUDH é a idéia de que surgimentos e mudanças institucionais são de difícil realização. Como pôde ser visto, o processo de criação do ACNUDH está repleto de divergências e reviravoltas que impediram, durante quase cinqüenta anos, seu surgimento. Segundo Steinmo, isso ocorre, muitas vezes, por que uma instituição, como o ACNUDH, está incorporada em um conjunto maior de instituições, como é a ONU. Sendo assim, é provável e esperado que tensões e resistências presentes no arcabouço institucional da ONU como um todo se refletissem nas negociações do ACNUDH e, por isso, dificultassem a ocorrência de mudanças significativas, como é a criação de uma nova instituição. Na verdade, o que ocorre é que, de acordo com o IH, os agentes formam expectativas em torno de um conjunto de regras e instituições. Mudar as regras pode ter efeitos de longo prazo que podem ser difíceis ou impossíveis de prever. Nesse caso, os atores podem preferir simplesmente continuar com as regras que eles normalmente usam, mesmo se elas não forem 8

Segundo Hall e Taylor (2003: p. 196), instituições, para o IH, assim se definem: “[...] procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais e oficiosas inerentes à estrutura organizacional da comunidade política ou da economia política. Isso se estende das regras de uma ordem constitucional ou dos procedimentos habituais de funcionamento de uma organização até às convenções que governam o comportamento dos sindicatos ou as relações entre bancos e empresas. Em geral, esses teóricos têm a tendência a associar as instituições às organizações e às regras ou convenções editadas pelas organizações formais”. Interessante observar como o ACNUDH é completamente compatível com essa definição proposta pelo IH.

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ótimas. Além disso, muitas vezes a criação de uma nova instituição pode ficar estagnada por que os Estados, no caso do cenário internacional, investem no aprendizado das regras dessa instituição. Modificar as regras, portanto, implicará em novos custos. À luz dessa série de razões também podemos interpretar as resistências ao surgimento do ACNUDH, já que ele representaria, se criado naquele contexto, e representou, no momento de seu surgimento, uma alteração no sistema internacional de proteção aos direitos humanos. Deve-se ressaltar que o Alto Comissariado é o principal responsável pelos direitos humanos dentro do arcabouço institucional da ONU, que, por sua vez, tem nos direitos humanos um de seus principais pilares. O IH, como já observado, tem uma concepção processual da história e, assim, uma concepção particular de desenvolvimento histórico. Essa concepção condiciona relativamente a causalidade social à trajetória percorrida pela instituição (path dependent ou trajetória dependente), e nega o postulado de que as mesmas forças ativas produzem em todo lugar os mesmos resultados, isto é, o IH não aceita bem a idéia de isomorfismos, muito utilizada no Institucionalismo Sociológico. Observe-se, por exemplo, que muitas das forças que lutaram pela criação do Alto Comissariado para os Refugiados, em 1951, se mobilizaram pela criação do ACNUDH, que só veio a ser criado em 1993. Diferente disso, o IH defende uma concepção que argumenta que tais forças ativas são alteradas pelas propriedades dos diferentes contextos locais (HALL; TAYLOR, 2003). Thelen (1999) afirma que a abordagem do institucionalismo histórico para a noção de trajetória dependente envolve dois aspectos analíticos relacionados, mas distintos. O primeiro refere-se a argumentos a respeito de momentos cruciais fundantes de uma formação institucional (critical junctures). O segundo sugere que as instituições continuam a se desenvolver em resposta às condições cambiantes do ambiente e às manobras políticas, porém, de maneira que são constrangidas pelas trajetórias passadas (policy feedback). A ênfase aqui será dada ao primeiro aspecto analítico, uma vez que o segundo seria de maior valia se o objetivo do estudo fosse investigar a trajetória institucional do ACNUDH depois de ele ter sido criado. A partir disso, percebe-se que o IH vê as instituições como legados ou decorrências de batalhas e disputas políticas duradouras. Como pôde ser visto até aqui, o ACNUDH é justamente uma instituição fruto de debates políticos divergentes e duradouros. Nesse sentido, os processos políticos que permearam seu surgimento não podem ser vistos em isolamento, mas observados a partir de como a ordem temporal dos processos e suas interações influenciaram sua criação. 13

Apesar de o objetivo se restringir ao surgimento do ACNUDH, pode-se considerar todo o processo que antecedeu sua criação como conformadora de algum tipo de trajetória dependente. Pretende-se, a partir de agora, apontar alguns elementos e escolhas presentes nas longas negociações do ACNUDH que vieram a influenciar a formatação dessa instituição. A elaboração do mandato do ACNUDH, por exemplo, diante de tantas divergências e de uma diversidade de opiniões acabou gerando escolhas que viriam a conformar a condução de seus trabalhos, especialmente em sua primeira gestão. Como visto anteriormente, o mandato do ACNUDH tornou-se sintomático da negociação multilateral que o caracterizou: vago e abrangente. Isso não esclareceu qual seria o tipo de atuação e o papel a ser exercido por seu staff. Essa peculiaridade do ACNUDH – ausência de especificação prévia de sua atuação – justifica sua análise a partir da abordagem do IH, uma vez que diante da imprecisão advinda do compromisso multilateral do qual decorreu, o ACNUDH vem conformando em grande medida sua atuação a partir da prática e do contexto histórico no qual está inserido. Voltando à questão do mandato em si, algo em disputa desde as primeiras negociações de criação do ACNUDH, seu caráter vago teria assegurado, por exemplo, que nenhuma responsabilidade de averiguação de fatos fosse conferida ao mandatário, que o papel de coordenação se mantivesse limitado e impreciso, que a missão de responder às violações fosse apenas uma parte do amplo mandato e que as questões de staff e financiamento não fossem abordadas. A esse caráter vago, que também auxilia a compreender por que o ACNUDH conseguiu ser criado em 1993 mesmo diante de várias resistências, se junta o caráter abrangente de seu mandato. Essa característica, por sua vez, resultou em igual atenção aos conjuntos de direitos – econômicos, sociais e culturais, e civis e políticos – e ao direito ao desenvolvimento. Além disso, a abrangência do mandato também teria permitido enfatizar o papel do ACNUDH em atividades de educação em direitos humanos, programas de informação pública e assistência técnica. Observa-se que escolhas iniciais tomadas diante da complexidade das negociações multilaterais vieram a influenciar consideravelmente a trajetória nascente do ACNUDH. Um exemplo disso é a expansão das missões de campo do ACNUDH. Essa expansão decorreu justamente do amplo e abrangente mandato. Diante da extensão de sua missão – efetivar os direitos humanos no mundo e impedir a continuidade das violações – e da pressão exercida majoritariamente por ONGs no sentido de tornar o sistema de direitos humanos da ONU mais voltado à efetividade, o ACNUDH foi levado a se expandir. Essa expansão, apesar de ser expressão do grandioso projeto do ACNUDH, trouxe uma série de complicações para a 14

instituição. A primeira delas é que, em sua concepção original, o ACNUDH tem muito mais uma função promocional de monitoramento e accountability do que operacional, para o qual o ACNUDH não dispunha de recursos. Essa expansão não só aumentou consideravelmente os custos de funcionamento do ACNUDH, o que viria a gerar uma série de complicações para a gestão de Mary Robinson, mas também o disseminou de maneira desorganizada. Junto desse espraiar do ACNUDH vieram, assim, as dificuldades de comunicação entre as missões de campo e a sede em Genebra, por exemplo, algo extremamente criticado pelas ONGs de direitos humanos até hoje e contraditório com a missão de coordenação do ACNUDH9. Diante disso, pode-se sugerir, seguindo as idéias de Thelen (1999), que é a partir da investigação, portanto, do que há por detrás dos diferentes arranjos institucionais que se consegue captar quais tipos de eventos externos e processos tendem a produzir aberturas políticas que direcionem o surgimento e o desenvolvimento institucional10. Nesse sentido, a idéia de momentos críticos ganha importância no IH e na presente análise. Como já observado, o IH trabalha com argumentos a respeito de momentos cruciais fundantes de uma formação institucional (critical junctures) (THELEN, 1999). Esses momentos são de grande importância na medida em que geram algum tipo de ruptura. Esses momentos de ruptura se caracterizam pela produção de mudanças institucionais importantes, criando algo como “bifurcações” que levam ao desenvolvimento de uma nova trajetória institucional (HALL; TAYLOR, 2003). Após observar toda a trajetória das negociações do ACNUDH, a Conferência de Viena parece se apresentar como um momento fundante do surgimento da instituição, na medida em que ela expressa as conseqüências específicas do fim da Guerra Fria para os direitos humanos.

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É claro que essa disseminação das presenças de campo do ACNUDH também pode ser vista com bons olhos na medida em que a instituição está tentando se aproximar daqueles que sofrem as violações efetivamente. As presenças de campo do ACNUDH são, segundo Schöfer (2009), um ponto estratégico para a promoção e a proteção dos direitos humanos no nível nacional. As atividades do ACNUDH nessas missões de campo são várias: monitoramento do desenvolvimento dos direitos humanos, condução de investigações sobre violações de direitos humanos, emissão de relatórios públicos de direitos humanos, cooperação técnica e serviços de consultoria, integração dos direitos humanos nos trabalhos dos UN Country Teams e fortalecimento dos sistemas nacionais de proteção e promoção dos direitos humanos. Para isso, o ACNUDH desenvolve parcerias com governos, instituições nacionais de direitos humanos, sociedade civil, com outras agências da ONU e outros atores relevantes, como organizações regionais e ativistas. 10 Haveria ainda outros elementos do longo processo de negociação e criação do ACNUDH que poderiam ser trabalhados a partir da trajetória dependente, mas isso estenderia em demasia o presente estudo: a dúbia posição do Alto Comissário enquanto ombudsman ou burocrata, a atuação do ACNUDH a partir da diplomacia silenciosa como herança da Guerra Fria, ou ainda o respeito “sagrado” ao princípio da soberania, também herança do conflito bipolar e das leituras realistas das Relações Internacionais, o baixo orçamento do ACNUDH como legado dos esparsos recursos do Centre for Human Rights. Além disso, a decisão do ACNUDH ser liderado por uma única pessoa e não por um colegiado, discussão vista anteriormente, também relativamente determina até hoje a trajetória institucional do ACNUDH, na medida em que a condução de seus trabalhos tornou-se recorrentemente “refém” do perfil pessoal de seu mandatário.

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Como já observado na seção anterior, a Conferência de Viena pautou-se pela preocupação com a efetividade. Isso em si já se configurou em um forte estímulo por reformas institucionais do sistema de proteção de direitos humanos da ONU. E foi a partir disso que a Anistia Internacional se aproveitou do contexto para recuperar a proposta de criação do ACNUDH. Mas apenas apontar a preocupação com a efetividade não seria suficiente para explicar o surgimento do ACNUDH e tampouco para configurar a Conferência como momento fundante do ACNUDH11. A caracterização da Conferência de Viena como um momento crítico depende de que se interprete os dissensos nela ocorridos não apenas como discordâncias instrumentais, mas a partir da percepção dos direitos humanos como uma linguagem. Na Conferência de Viena, as delegações periféricas se aproveitaram do espaço para recolocar a discussão sobre os princípios basilares dos direitos humanos de modo a se valer da legitimidade da linguagem dos direitos humanos para contestar as assimetrias do sistema internacional de proteção aos direitos humanos e do próprio sistema internacional como um todo. Foi a partir desta lógica que as delegações dos países periféricos conseguiram associar o debate sobre indivisibilidade e interdependência com a importância dos direitos econômicos, sociais e culturais e do direito ao desenvolvimento. Observe-se que a grande peculiaridade da proposta de 1993 foi justamente a inclusão dos direitos econômicos, sociais e culturais e do direito ao desenvolvimento no mandato da instituição. Diante disso, começa a fazer mais sentido a abrangência do mandato do ACNUDH. Essa abrangência, recorrentemente criticada pela literatura, decorre não apenas das características das fórmulas das negociações multilaterais, mas justamente do fato de a Conferência de Viena ter alargado e expandido a concepção contemporânea dos direitos humanos, que passou definitivamente a incluir não apenas os chamados direitos de segunda geração, mas também o direito ao desenvolvimento e os direitos de titularidade coletiva e difusa. O alargamento dessa concepção fomentou reformas institucionais do sistema de direitos humanos da ONU, no qual se inclui o surgimento do ACNUDH, cuja missão passou a ser zelar por essa concepção alargada. Portanto, a abrangência do mandato do ACNUDH é fruto de negociações políticas estratégicas, mas também da exigência de legitimidade imposta pela própria estrutura normativa dos direitos humanos e da qual as ONGs articuladas em rede foram ávidas defensoras.

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São vários os autores que colocam a Conferência de Viena como momento importante e fundante da criação do ACNUDH (REIS, 2006; KANG, 2009; MAGAZZENI, 2009; NOWAK, 2009; SCHÖFER, 2009).

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Se, como afirma Pierson (2000), o desenvolvimento político das instituições é pontuado por momentos críticos (critical junctures) que modelam os contornos básicos da trajetória institucional, diante de todos esses pontos de inflexão, pode-se argumentar que a Conferência de Viena é um momento crítico para o surgimento do ACNUDH. Isso pode ser defendido na medida em que ela vinculou (e proporcionou enquanto fórum, aberto praticamente de forma inédita para ONGs) a preocupação com a efetividade, fomentando propostas de reforma, ao esforço de ascensão dos direitos humanos como pauta global e como elemento de legitimidade internacional, elementos que sustentaram a legitimidade da proposta de criação do ACNUDH. Dessa discussão acima, pode-se observar a importância dos direitos humanos enquanto “idéia” no processo de criação do ACNUDH. E as idéias no IH são diferentes de preferências (como quer a Escolha Racional) e de consciência das regras (como sugere o institucionalismo sociológico), ou seja, o IH não se importa tanto com o fato das idéias serem abstrações ou não das preferências individuais. O IH se importa muito mais é com o fato das idéias serem forças mobilizadoras da ação coletiva por grupos que querem criar ou mudar instituições, como foi justamente o caso da mobilização criada pelas ONGs, lideradas pela Anistia Internacional, em torno das idéias de “efetivação” e “implementação” dos direitos humanos para a criação do ACNUDH. É interessante, para os fins deste paper, considerar as idéias por esse prisma na medida em que ele permite abordar o ACNUDH não como o único fator que influencie a vida política, mas inseri-lo em uma cadeia causal que deixa espaço para outros fatores, como os desenvolvimentos sócio-econômicos, mudanças políticas e a própria difusão de idéias (STEINMO, 2008).

Considerações finais Este paper se colocou dois objetivos articulados. O primeiro deles era explorar o surgimento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, instituição que, apesar de sua importância dentro da estrutura da ONU e de estar vinculada a uma temática-sustentáculo dessa organização (direitos humanos), é pouquíssimo conhecida e pesquisada na literatura de Ciência Política e Relações Internacionais. Nesse sentido, tentou-se colocar em discussão a idéia de que o surgimento do ACNUDH tem suas motivações mais ligadas ao projeto da efetividade dos direitos humanos do que simplesmente à meta de trazer mais eficiência procedimental ao regime internacional de direitos humanos. 17

Como visto ao longo do trabalho, a dimensão da efetividade foi eclipsada durante a Guerra Fria. Foi o fim do conflito bipolar que possibilitou maior visibilidade ao tema. Essa maior visibilidade veio diretamente acompanhada pelos projetos de efetividade dos direitos humanos capitaneados especialmente pelas ONGs. Foram esses projetos os grandes mobilizadores da Conferência de Viena, a partir da qual a discussão acerca da criação do ACNUDH voltou à agenda internacional. É importante lembrar que, como nos lembra Weber, o Estado se define por seus meios, isto é, a força ou a possibilidade de usá-la legitimamente. As temáticas sociais que ascendem internacionalmente com o fim da Guerra Fria, como direitos humanos e meio-ambiente, por exemplo, têm em seus fins (efetividade dos direitos humanos e a preservação ambiental), e não em seus meios seu potencial normativo e mobilizador de lutas políticas. As ONGs e os movimentos sociais, por mais que tenham grandes preocupações com os meios mobilizadores de suas lutas, têm nos fins suas características definidoras. É justamente por força dessa compatibilidade de temáticas e atores que se definem pelos fins, e não pelos meios, que se argumentou ao longo do texto que a explicação acerca do surgimento do ACNUDH deve ser buscada no projeto de efetividade dos direitos humanos, e não simplesmente no anseio por maior eficiência procedimental das instituições do regime internacional dos direitos humanos. Isso significa explicar o surgimento do ACNUDH não por suas funções, como querem as explicações funcionalistas (IMBER, 2005), mas pelas idéias que legitimaram as lutas políticas que levaram a sua criação. O segundo objetivo decorre da opção teórico-metodológica do presente trabalho, que foi justamente tentar analisar o surgimento da referida instituição a partir da abordagem histórico-institucional. Entretanto, vale dizer que essa não foi uma simples tentativa de vinculação entre objeto e abordagem. No decorrer do trabalho, tentou-se evidenciar a pertinência analítica dessa associação entre o surgimento do ACNUDH e o Institucionalismo Histórico. Como pôde ser visto ao longo da exposição, o fato de o Institucionalismo Histórico trabalhar a partir de uma metodologia indutiva – que, em vez de impor um modelo ou uma metodologia ao objeto, faz as conexões e estabelece nexos causais a partir da historicidade do processo analisado – casa-se muito bem com o fato de o ACNUDH ser objeto de raros estudos no campo das RI. Finalmente, a abordagem histórico-institucional, aqui empregada para discutir o surgimento do ACNUDH, também abre possibilidades para a continuidade deste estudo na medida em que ela permite direcionar o olhar da análise para o desenvolvimento da trajetória 18

institucional do ACNUDH e os eventuais momentos de mudança e continuidade dessa instituição. Nesse sentido, o conceito de retornos crescentes (PIERSON, 2000; THELEN, 1999) e a idéia de reformas graduais (RUGGIE, 2004), ambos característicos do Institucionalismo Histórico, podem ser, tal como os outros mobilizados até agora, de grande valia para essa agenda de pesquisa.

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