A elocução retórica e o mito da beleza feminina (3 trechos traduzidos)

July 24, 2017 | Autor: Angélica Chiappetta | Categoria: Cicero, Retórica
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Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos
DLCV/FFLCH/USP
VI SEMANA DE ESTUDOS CLÁSSICOS "MITO E LITERATURA"
São Paulo, 27 de maio de 1999
"A elocução retórica e o mito da beleza feminina"
Profa. Dra. Angélica Chiappetta

1. QUINTILIANO. Institutio oratoria, 8.3: "De ornatu" (1-7)


1.Venio nunc ad ornatum, in quo sine dubio plus quam in ceteris
dicendi partibus sibi indulget orator. Nam emendate quidem ac lucide
dicentium tenue praemium est, magisque ut uitiis carere quam ut aliquam
magnam uirtutem adeptus esse uidearis. 2. Inuentio cum imperitis saepe
communis; dispositio modicae doctrinae credi potest; si quae sunt artes
altiores, plerumque occultantur, ut artes sint; denique omnia haec ad
utilitatem causarum solam referenda sunt.
Cultu uero atque ornatu se quoque commendat ipse, qui dicit, et in
ceteris iudicium doctorum, in hoc uero etiam popularem laudem petit 3. Nec
fortibus modo sed etiam fulgentibus armis proeliatur. An in causa Cicero
Cornelli consecutus esset docendo iudicem tantum et utiliter demum ac
latine perspicueque dicendo, ut populus romanus admirationem suam non
acclamatione tantum sed etiam plausu confiteretur. Sublimitas profecto et
magnificentia et nitor et auctoritas expressit illum fragorem, 4. nec tam
insolita laus esset prosecuta dicentem, si usitata et ceteris similis
fuisset oratio. Atque ego illos credo, qui aderant, nec sensisse quid
facerent, nec sponte iudicioque plausisse, sed uelut mente captos et quo
essent in loco ignaros erupisse in hunc uoluptatis affectum.
5. Sed ne causae quidem parum confert idem hic orationis ornatus. Nam
qui libenter audiunt et magis attendunt et facilius credunt, plerumque ipsa
delectatione capiuntur, nonnumquam admiratione auferuntur. Nam et ferrum
affert oculis terroris aliquid, et fulmina ipsa non tam nos confunderent,
si uis eorum tantum , non etiam ipse fulgor timeretur, 6. recteque Cicero
his ipsis ad Brutum uerbis quadam in epistola scribit: "Nam eloquentiam,
quae admirationem non habet, nullam iudico". Eandem Aristoteles quoque
petendam maxime putat.
Sed hic ornatus (repetam enim) uirilis et fortis et sanctus sit nec
effeminatam leuitatem et fuco ementitum colorem amet, sanguine et uiribus
niteat. 7. Hoc autem adeo uerum est, ut, cum in hac maxime parte sint
uicina uirtutibus uitia, etiam qui uitiis utuntur uirtutum tamen iis nomen
imponant. Quare nemo ex corruptis dicat me inimicum esse culte dicentibus.
Non hanc esse uirtutem nego, sed illis eam non tribuo.

1. QUINTILIANO. Institutio oratoria, 8.3: "De ornatu" (1-7)

1. Chego agora ao ornato, no qual mais que nas outras partes do
discurso o orador entrega-se a si mesmo. Pois discursar corrreta e
claramente é prêmio pequeno e trata-se mais de carecer de vícios do que de
mostrar-se adepto de uma grande virtude.2. A invenção muitas vezes é comum
aos imperitos; a disposição pode ser creditada a uma doutrina apenas
módica; os procedimentos que são artes superiores muitas vezes se ocultam
exatamente para que sejam tidos como artes. Assim, todas essas coisas
concentram-se apenas na utilidade das causas.
Mas por um ornato cultivado aquele que discursa recomenda a si
próprio e quando busca a aprovação dos mestres, também aí busca o louvor
popular, 3. e combate com armas não apenas poderosas mas também fulgentes.
Na defesa de Cornélio, acaso Cícero pôs-se apenas a ensinar o juiz,
discursando de maneira sumamente útil, correta e clara, de modo que o povo
romano por isso manifestasse sua admiração não só com a aclamação mas
também com o aplauso? Certamente a elevação, a magnificência, o brilho e a
autoridade provocaram aquele fragor. 4. E um louvor tão inusitado não
seguiria ao que discursa se o discurso fosse usual e semelhante aos outros.
Mas acredito que os que se manifestaram não perceberam o que faziam, nem
aplaudiram espontaneamente e por julgamento, mas como que com a mente
tomada e ignorando o lugar em que estavam irromperam naquele acesso de
volúpia.
5. Esse ornato do discurso não contribui pouco para a causa. Pois os
que ouvem com prazer prestam mais atenção e acreditam mais facilmente,
muitas vezes são tomados pelo deleite, algumas vezes são arrastados pelo
espanto. Assim, o ferro causa também aos olhos algum temor e os próprios
raios não nos perturbariam se temêssemos apenas sua força e não também seu
brilho. 6.Corrretamente escreveu Cícero com suas próprias palavras numa
carta a Bruto: "A eloqüência que não causa espanto a meu ver é nula".
Aristóteles também julgava que ela deveria ser buscada acima de tudo.
Mas seja esse ornato (repetirei ainda uma vez) viril, forte, íntegro;
não ame a leveza efeminada nem a cor falsa de fogo; resplandeça com o
sangue e o vigor. 7.E é verdade, acrescento, que, como os vícios em grande
parte são vizinhos às virtudes, mesmo os que usam os vícios dão-lhes o nome
de virtudes. Assim, nenhum dos corruptos diga-me um inimigo dos que falam
de modo cultivado. Não nego essa virtude, mas não a atribuo a eles.
2. CÍCERO. De oratore, I.229-231.

Haec Rutilius ualde uituperabat, et huic humilitati, dicebat uel
exsilium fuisse, uel mortem anteponendam. 229. Neque uero hoc solum dixit,
sed ipse et sensit, et fecit. Nam cum esset ille uir exemplum, ut scitis,
innocentiae, cumque illo nemo neque integrior esset in ciuitate, neque
sanctior, non modo supplex iudicibus esse noluit, sed ne ornatius quidem,
aut liberius causam dici suam, quam simplex ratio ueritatis ferebat. Paulum
huic Cottae tribuit partium, disertissimo adolescenti, sororis suae filio.
Dixit item causam illam quadam ex parte Q. Mucius, more suo, nullo
apparatu, pure et dilucide.
230. Quod se tu nunc, Crasse, dixisses, qui subsidium oratori ex
illis disputationibus quibus philosophi utuntur, ad dicendi copiam petendum
esse paulo ante dicebas; et, si tibi pro P. Rutilio non philosophorum more,
sed tuo licuisset dicere: quamuis scelerati illi fuissent, sicuti fuerunt,
pestiferi ciues, supplicioque digni; tamen omnem eorum importunitatem ex
intimis mentibus euellisset uis orationis tuae. Nunc talis uir amissus est,
dum causa ita dicitur, ut si in illa commentita Platonis ciuitate res
ageretur. Nemo ingemuit, nemo inclamauit patronum, nihil cuiquam doluit,
nemo est questus, nemo rempublicam implorauit, nemo supplicauit. Quid
multa?Pedem nemo in illo iudicio supplosit, credo, ne Stoicis
renuntiaretur.
231. Imitatus est homo Romanus et consularis ueterem illum Socratem,
qui, cum omnium sapientissimus esset sanctissimeque uixisset, ita in
iudicio capitis pro se ipse dixit, ut non supplex aut reus, sed magister,
aut dominus uideretur esse iudicum. Quin etiam, cum ei scriptam orationem
disertissimus orator Lysias attulisset, quam, si ei uideretur, edisceret,
ut ea pro se in iudicio uteretur, non inuitus legit, et commode scriptam
esse dixit: "Sed", inquit, " ut, si mihi calcos Sicyonios attulisses, non
uterer, quamuis essent habiles et apti ad pedem, quia non essent uiriles;
sic illam orationem disertam sibi et oratoriam uideri, fortem et uirilem
non uideri."

2. CÍCERO. De oratore, I.229-231.

Rutílio vituperava contra isso e dizia que a essa humilhação deveriam
ser antepostos o desterro e até mesmo a morte. 229. E não apenas falava,
mas também asssim pensava e asssim fez. Pois embora fosse, como sabeis, um
exemplo de inocência, até o ponto de não haver outro mais correto nem mais
íntegro do que ele na cidade, não apenas não quis suplicar aos juízes, como
também não quis tratar da causa com mais ornato nem com mais licença do que
suportava a simples consideração da verdade. Só atribuiu uma pequena parte
de sua causa a este Cota, jovem muito eloqüente, filho de sua irmã. Também
tratou de parte daquela causa Q. Múcio, ao seu modo, sem nenhum aparato,
limpa e claramente.
230. Mas se houvesses falado tu, Crasso, que há pouco dizias que o
orador, para enriquecer o discurso, deve procurar subsídios nas disputas
que os filósofos travam, se, não ao modo dos filósofos, mas ao teu,
tivesses defendido Rutílio, embora fossem criminosos, como de fato eram,
aqueles pestíferos cidadãos, dignos de suplício, a força de teu discurso
teria arrrancado dos pensamentos íntimos de todos toda a crueldade deles.
Agora perdemos tal varão, já que a causa dele foi defendida como se se
estivesse na cidade forjada de Platão. Ninguém chorou, nenhum dos advogados
clamou, nada a ninguém condoeu, ninguém se queixou, ninguém implorou a
república, ninguém suplicou. O que mais? Ninguém naquele julgamento bateu
com o pé no chão ('aplaudiu'), para que não fosse denunciado aos estóicos,
creio.
231. Este homem romano e consular imitou àquele antigo Sócrates que,
embora fosse o mais sábio e mais íntegro de todos, defendeu-se no
julgamento capital de modo que não parecia suplicante nem réu, mas mestre e
senhor dos juízes. E mais ainda. Quando o eloqüentíssimo orador Lísias
apresentou-lhe um discurso escrito para que, se quisesse, o aprendesse e o
usassse em seu favor no julgamento, não contra sua vontade leu e disse que
estava escrito de modo adequado: "Mas", disse, "assim como se me trouxesses
sapatos da Siciônia, não os usaria por mais bem feitos e adequados aos meus
pés, porque não seriam viris, assim aquele discurso parece eloqüente e
oratório para ele, não parece forte e viril".

3. SÊNECA. Epistolae ad Lucilium, 114. 1-4.

1. Quare quibusdam temporibus prouenerit corrupti generis oratio
quaeris et quomodo in quaedam uitia inclinatio ingeniorum facta sit, ut
aliquando inflata explicatio uigeret, aliquando infracta et in morem
cantici ducta; quare alias sensus audaces et fidem egressi placuerint,
alias abruptae sententiae et suspiciosae, in quibus plus intellegendum
esset quam audiendum; quare aliqua aetas fuerit quae translationis iure
uteretur inuerecunde. Hoc quod audire uulgo soles, quod apud Graecos in
prouerbium cessit: talis hominibus fuit oratio qualis uita. 2. Quemadmodum
autem uniuscuiusque actio dicendi similis est, sic genus dicendi aliquando
imitatur publicos mores, si disciplina ciuitatis laborauit et se in
delicias dedit. Argumentum est luxuriae publicae orationis lasciuia, si
modo in uno aut altero fuit, sed adprobata est et recepta. 3. Non potest
alius esse ingenio, alius animo color. Si ille sanus est, si compositus,
grauis, temperans, ingenium quoque siccum ac sobrium est: illo uitiatio hoc
quoque adflatur. Non uides. Si animus elanguit, trahi membra et pigre
moueri pedes? Si ille effeminatus est, in ipso incessu apparere mollitiam?
Si ille acer est et ferox, concitari gradum? Si furit aut, quod furori
simile est, irascitur, turbatum esse corporis motum nec ire sed ferri?
Quanto hoc magis accidere ingenio putas, quod totum animo permixtum est, ab
illo fingitur, ille paret, inde legem petit?
4.Quomodo Maecenas uixerit notius est quam ut narrari nunc debeat
quomodo ambulauerit, quam delicatus fuerit, quam cupierit uideri, quam
uitia sua latere noluerit. Quid ergo? Non oratio eius aeque soluta est quam
ipse discinctus? Non tam insignita illius uerborum sunt quam cultus, quam
comitatus, quam domus, quam uxor? Magni uir ingenii fuerat si illud egisset
uia rectiore, si non uitasset intellegi, si non etiam in oratione
difflueret.

3. SÊNECA. Epistolae ad Lucilium, 114. 1-4.

1.Perguntas por que em determinados momentos começa a aparecer um
discurso do tipo corrompido e de que modo se dá uma inclinação dos engenhos
para vícios tais que algumas vezes fica em evidência uma exposição
inflamada, outras, uma fraca e conduzida ao modo dos cânticos. Por que
algumas vezes agradaram os ditos audaciosos e afastados da credibilidade,
outras, as sentenças entrecortadas e ambíguas, nas quais se deve entender
mais do que se ouvir. Por que houve certa época que usava temerariamente o
direito de metaforizar. É o que se costuma ouvir do vulgo, e entre os
gregos está num provérbio: para os homens qual foi a vida, tal o discurso.
2.Do mesmo modo que a ação (actio) de alguém é semelhante a seu discurso,
assim o tipo de discurso, se a cidade sucumbe e entrega-se às delícias,
algumas vezes imita os costumes públicos. Uma prova da luxúria pública é a
lascívia do discurso, se não for apenas de um ou outro, mas aprovada e
aceita. 3. A cor não pode ser uma para o engenho e outra para o ânimo. Se
este é saudável, composto, grave, temperante, o engenho também é seco e
sóbrio; se for viciado, o engenho também é cotagiado. Não vês, se o ânimo
enlanguesce, os membros são arrastados e os pés se movem com preguiça? Se
ele é efeminado, no próprio andar aparece a moleza? Se é acerbo e forte, o
passo acelera? Se enlouquece ou, o que é semelhante à loucura, enraivesce,
perturba-se o movimento do corpo, que não segue adiante mas é levado sem
querer? Julgues então quanto mais isso não acontece com o engenho, que está
todo misturado ao ânimo, forja-se a apartir dele, atende a ele, dele pede
uma lei?
4. Como vivia Mecenas é por demais notório para que eu deva narrar
agora como caminhava, quão delicado era, como desejava parecer, que vícios
seus não queria esconder. E então? Seu discurso não é justamente tão
dissoluto quanto sua túnica é solta? Não são as palavras dele tão notáveis
quanto seu traje, seus acompanhantes, sua casa, sua esposa? Teria sido um
homem de grande engenho se o tivesse usado de um modo mais correto, se não
evitasse ser entendido, se também não se derramasse no discurso.
Indicações bibliográficas:

LICHTENSTEIN, Jacqueline. Making up representation: the risk of feminity.
Representations,20:77-87, 1987.
PERROT, Michelle. Mulheres públicas. São Paulo, Ed. UNESP, 1998.
SCHNEIEBS, Alicia & NASTA, Marcela. "Discurso femenino y persuasion en la
Eneida". Comunicação apresentada no Simpósio Nacional de Estudos
Clássicos, promovido pela SBEC. São Paulo, USP, 21 a 26 de setembro de
1997.
RICHLIN, Amy. "Gender and rhetoric: producing manhood in the schools" in
DOMINIK, William (ed.). Roman eloquence. Rhetoric in society and
literatura. London, Routledge, 1997.
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