A Empreendedora Negra : A Influência do Racismo nas Decisões e Estratégias de Posicionamento Profissional

May 25, 2017 | Autor: Isadora Harvey | Categoria: Entrepreneurship, Institutional racism, Informal Markets, Racial and Ethnic Relations
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS ESCOLA DE CIÊNCIA POLÍTICA

Isadora Lopes Harvey

A EMPREENDEDORA NEGRA: A INFLUÊNCIA DO RACISMO NAS DECISÕES E ESTRATÉGIAS DE POSICIONAMENTO PROFISSIONAL

Rio de Janeiro 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS ESCOLA DE CIÊNCIA POLÍTICA

Isadora Lopes Harvey

A EMPREENDEDORA NEGRA: A INFLUÊNCIA DO RACISMO NAS DECISÕES E ESTRATÉGIAS DE POSICIONAMENTO PROFISSIONAL

Monografia apresentada à Escola de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciência Política

Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto de Souza Carneiro de Campos

Rio de Janeiro 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS ESCOLA DE CIÊNCIA POLÍTICA

Apresentado em 27 de Fevereiro de 2014:

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Luiz Augusto de Souza Carneiro de Campos – Orientador

Prof. Dr. João Feres Júnior

Prof. Dr. Pedro Hermílio Villas Boas Castelo Branco

Rio de Janeiro 2014

Agradecimentos Agradeço a esta universidade, seu corpo docente e direção pelos quatro anos de aprendizado e formação acadêmica, sem os quais não seria possível encontrar as inspirações que hoje norteiam meu caminho profissional. Em especial, gostaria de agradecer aos professores com quem tive aula e que, representando diferentes papéis em minha formação, me nutriram de entusiasmo para seguir adiante.

Devo agradecer aos meus companheiros de turma que, com todos os percalços, fizeram parte das discussões dentro e fora de sala de aula que constituíram a formação política que adquiri em minha primeira experiência universitária.

Aos meus pais, Vilma e Giovanni, agradeço à insistência na importância da educação para a formação acadêmica, social e política de um indivíduo. Desde a infância, se mantiveram certos de seus deveres, ultrapassando inúmeros obstáculos para me garantir uma formação de qualidade e me introduzir em espaços que ampliassem minha capacidade de percepção do mundo.

Sem menos importância, não poderia deixar de agradecer ao meu professor orientador, Luiz Augusto Campos, que para além do esforço e auxilio na constituição dessa monografia, representou grande estímulo às minhas demais aspirações acadêmicas e profissionais.

Por fim, agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a culminância deste momento.

Muito obrigada.

Resumo Este trabalho tem como objetivo principal analisar a influência do racismo, principalmente institucional, nas decisões e estratégias de posicionamento profissional de empreendedoras negras. Buscando apresentar evidências de que o racismo se constitui em uma condicionante para a escolha e/ou migração do empreendedor negro entre os mercados de trabalho formal e informal, o trabalho introduz conceitos de racismo e racismo institucional, analisa estudos sobre mobilidade e raça no Brasil e realiza entrevistas em profundidade com empreendedoras do projeto Incubadora Afro Brasileira.

Palavras-chave: Racismo, Racismo Institucional, Mercado de Trabalho Formal, Mercado de Trabalho Informal, Empreendedora Negra.

Abstract: This work has as its main objective to analyze the influence of racism, mainly institutional, in decision-making and professional placement strategies of black woman entrepreneurs. Seeking to introduce evidence that racism constitutes a condition for choosing and/or migration of the black entrepreneur between the formal and informal labor markets, the work introduces concepts of racism and institutional racism, analyzes studies on mobility and race in Brazil and conducts in-depth interviews with entrepreneurs from the Afro Brazilian Incubator project.

Keywords: Racism, Institutional Racism, Formal Labor Market, Informal Labor Market, Black Woman Entrepreneur.

Sumário

Introdução ......................................................................................................................... 7 Capítulo 1: Racismo e Racismo Institucional................................................................. 11 1.1 Racismo ................................................................................................................ 11 1.2 Racismo Institucional ........................................................................................... 16 Capítulo 2: Mobilidade Social e Raça ............................................................................ 21 Capítulo 3: Entrevistas em profundidade ....................................................................... 30 3.1 Resultados ............................................................................................................. 33 Considerações Finais ...................................................................................................... 54 Anexo A.......................................................................................................................... 58 Referências Bibliográficas .............................................................................................. 59

Introdução Ao fim do período de escravidão no Brasil, as medidas tomadas para que a percepção inicial sobre a posição ocupada pelos negros fosse modificada mostraram-se insuficientes. Como consequência, o desenvolvimento de negros em nossa sociedade permanece problemático. Isso significa que a ocupação de negras e negros em posições sociais de alto poder aquisitivo continua a apresentar estranheza. Observamos em Charles Taylor (1989) que a rotinização desse fenômeno pode resultar em um problema de “(...) introjeção, por partes de grupos estigmatizados socialmente, de uma identidade maculada produzida pelo próprio processo de discriminação. Assim, a adoção de uma identidade inferiorizada contribui para bloquear a emancipação dos oprimidos.” (p. 87).

Em uma conjuntura de redefinição social e cultural do trabalho no país, os efeitos desse processo ocasionaram um cenário em que o negro passou a ser associado à desocupação e ao trabalho precário. “Fernandes (2007) observa que somente a partir da década de 1930, com o desenvolvimento urbano e a expansão agrícola, o negro passa a se inserir no mercado de trabalho, embora essa inserção esteja associada às atividades mais degradantes e, obviamente, às ocupações rejeitadas pelo trabalhador branco.” (MARTINS, 2012, p. 7)

Através dos resultados na PNAD 1 de 2006, foi possível perceber a crescente ocupação do mercado de trabalho informal por pretos e pardos, principalmente, mulheres. Enquanto 53,3% da PEA

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branca estavam inseridas em ocupações informais, o

percentual da PEA preta e parda atingia seus 65%. Aplicando um recorte de raça e gênero, verificou-se que 51,1% da PEA branca era masculina, enquanto 54,1% era feminina. Por sua vez, 61,5% da PEA preta e parda era constituída por homens e quase 75% eram mulheres. O trabalho informal, na maior parte das vezes, deriva das constantes mudanças que acontecem no mercado de trabalho como um todo e da falta de oferta de trabalho 1

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) é uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em uma amostra de domicílios brasileiros que, por ter propósitos múltiplos, investiga diversas características socioeconômicas da sociedade. 2

A População Economicamente Ativa (PEA) compreende o potencial de mão-de-obra com que pode contar o setor produtivo, isto é, a população ocupada e a população desocupada.

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que não exija mão-de-obra qualificada. A entrada para o mercado informal torna-se forçosa porque não se consegue outro tipo de ocupação ou se precisa abrir mão do vínculo empregatício por uma renda pouco maior. Segundo um estudo publicado em 2008, pelo Centro Internacional de Pobreza e pelo PNUD 3 – em parceria com o IPEA 4 –, embora pessoas com carteira assinada tenham menor chance de entrar na pobreza, o emprego informal as retira mais da pobreza do que o emprego formal. Normalmente, esse setor é formado pelas áreas de comércio, alimentação e prestação de serviços e, recorrentemente, esse empreendedor sofre de preconceito, tanto da sociedade quanto do mercado de trabalho, por exercer essa função. Esse preconceito concretiza-se em forma de discriminação, aprofundando desigualdades de oportunidades e, consequentemente, gerando exclusão social. O desemprego e a informalidade, dessa forma, contribuem para romper os vínculos sociais em uma sociedade extremamente competitiva. A exclusão social pode ser entendida como a “instalação da precariedade”, para crescentes parcelas da sociedade brasileira, a partir do momento em que se conceitua ‘excluído socialmente’ o indivíduo que não possui condições econômicas de participar dos círculos sociais com os demais indivíduos de sua sociedade – situação constantemente agravada pela busca por altos padrões de consumo. Em adição, a exclusão social afeta, de forma mais intensa, mulheres do que homens; assim como mais os negros que os brancos. No entanto, há um fator agravante nessa constatação. Em setembro de 2011, o IPEA divulgou a análise do mercado de trabalho brasileiro no primeiro semestre de 2011. Os indicadores desse estudo apontaram um contínuo crescimento, entretanto, as taxas de desemprego e informalidade foram os destaques da pesquisa. A primeira ficou em 6,3% no primeiro semestre de 2011, e apresentou uma diminuição de um ponto percentual em relação a 2010. Já o percentual da informalidade média ficou em 35,6%, bem abaixo dos anos anteriores e registrou em junho o menor valor desde 2003 (35,3%).

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O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é o órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) que tem por mandato promover o desenvolvimento e eliminar a pobreza no mundo. Entre outras atividades, o PNUD produz relatórios e estudos sobre o desenvolvimento humano sustentável e as condições de vida das populações, bem como executa projetos que contribuam para melhorar essas condições de vida, nos 166 países onde possui representação. 4

A Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) é uma fundação pública federal vinculada ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil cujas atividades de pesquisa fornecem suporte técnico e institucional às ações do governo para a formulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento.

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Contudo, os níveis de informalidade e rotatividade no país ainda são elevados. Segundo a PNAD de 2009, embora o número de trabalhadores com carteira assinada tenha aumentado, 15,3 milhões de trabalhadores não possuem carteira assinada; constituindo 28,2% do total de desempregados do país. Isso significa que 15,3 milhões de cidadãos são, hoje, considerados trabalhadores informais, ou seja, não têm direito ao seguro desemprego; décimo terceiro salário; aposentadoria; férias; gratificação; hora extra; auxílio doença; licenças maternidade e paternidade; e, em caso de demissão, aviso prévio de 30 dias com permissão para sacar o FGTS 5; dentre outros benefícios garantidos por lei. De acordo com a OCDE 6, existem hoje, no mundo, cerca de 1,8 bilhões de trabalhadores nesta situação, ou 60% da força de trabalho global. Uma pesquisa realizada pelo IPEA em 2008 assinalou que o número de famílias chefiadas por mulheres nos últimos anos é crescente e, apresentam maior incidência entre os assentamentos subnormais (favelas); a diferença é de 4,3% para mulheres contra 3,2% para homens. Entre negros e brancos a diferença é ainda maior, 2,4% para domicílios chefiados por brancos contra 5% chefiados por negros. Ainda de acordo com a mesma pesquisa, a entrada no mercado de trabalho para os negros ocorre mais cedo e a saída, mais tarde. Para a população negra entre 10 e 15 anos, a taxa de participação era de 15% contra 11,6% entre brancos. Já para a população negra com 60 anos ou mais, 34,7% ainda se ocupavam, comparados aos 29,3% da população branca de mesma idade. Possíveis explicações para as conclusões dos estudos mencionados acima podem ser encontradas na forma precária através da escravidão, presente no Brasil por mais de três séculos, pela qual a população negra foi inserida no país. Na outra ponta, a consciência de que homens e mulheres, brancos e negros vivenciam o mundo do trabalho de forma diferente auxilia a resposta de nossa pergunta de pesquisa. As discriminações, tanto de gênero quanto de raça, são fatores que produzem diferenciais nas possibilidades e oportunidades de acesso e permanência em empregos. De acordo com o estudo organizado pela OIT

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em 2010 sobre “Igualdade de Gênero e Raça no

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O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado na década de 60 para proteger o trabalhador demitido sem justa causa. 6

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma organização internacional de 34 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da econômica livre de mercado, que procura fornecer uma plataforma para comparar políticas econômicas, solucionar problemas comuns e coordenar políticas domésticas e internacionais. 7

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência multilateral da Organização das Nações Unidas, especializada nas questões do trabalho.

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Trabalho: avanços e desafios”, embora os negros e as mulheres correspondam a 70% da população economicamente ativa no Brasil, possuem os piores indicadores no mercado de trabalho; estão sobre representados entre os trabalhadores informais e os empregos precários, além de terem a pior remuneração e menor acesso à proteção social. Tendo em vista os resultados dos estudos mencionados acima, este trabalho procura realizar uma análise que auxilie na compreensão das influências que o racismo, principalmente institucional, possui nas decisões e estratégias de posicionamento profissional de empreendedoras negras. Para atingirmos nosso objetivo, essa monografia será dividida em três capítulos. O primeiro capítulo é responsável por introduzir conceitos de racismo e racismo institucional, buscando contemplar teorias clássicas e contemporâneas sobre o assunto. Ao seu final, serão apresentados os conceitos que nortearão este trabalho. Com o intuito de acrescentar à discussão sobre desigualdades de classe e raça, o segundo capítulo trabalha a mobilidade social e raça buscando apresentar estudos que indiquem a influência dos elementos classe, raça e gênero no mercado de trabalho. O terceiro capítulo é constituído por entrevistas em profundidade, realizadas com empreendedoras negras da região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Durante as entrevistas, as empreendedoras responderam perguntas que dizem respeito a sua trajetória profissional no mercado de trabalho formal e os motivos que as levaram a ingressar no mercado de trabalho informal. Na conclusão desse trabalho, serão analisadas as possíveis influências que o racismo pode ter tido nas decisões e estratégias de posicionamento profissional de empreendedoras negras. Em tempo, é importante ressaltar que essa monografia não se propõe a realizar juízo de valor acerca dos conceitos existentes de empreendedor. Para fins de compreensão conceitual, o conceito aqui empregado pode ser considerado semelhante ao conceito de trabalhador por conta-própria utilizado pelo IBGE 8. Contudo, no decorrer desse trabalho, utilizaremos um conceito de empreendedor de cunho nativo. Na medida em que encontramos instituições público-privadas e iniciativas governamentais 9

que abordam e caracterizam esse trabalhador enquanto empreendedor, o próprio passa

a enxergar-se como tal. 8

De acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trabalhador por conta-própria é pessoa que trabalha em seu próprio empreendimento, explorando uma atividade econômica sem ter empregados, individualmente ou com sócio, com auxílio ou não de trabalhador não remunerado (PNAD 1992, 1993, 1995, 1996). 9

Ao exemplo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e do Micro Empreendedor Individual (MEI).

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Capítulo 1: Racismo e Racismo Institucional As discussões sobre a temática racial têm evoluído nos últimos anos, nos permitindo maior contato com os desdobramentos e consequências das práticas discriminatórias. Nas décadas de 1980 e 1990, o debate estava contextualizado pela discussão da existência ou não de discriminação racial no Brasil. A partir do reconhecimento de sua existência, em meados de 90, o debate foi concentrado em medidas necessárias para seu enfrentamento. Atualmente, o debate racial está voltado para a avaliação e reflexão das políticas públicas existentes; sob o desafio de reformar estas e elaborar outras, de maneira compatível com as demandas contemporâneas. Entretanto, não é possível realizar esta tarefa, e a que se propõe nesta monografia, sem trabalhar as definições que norteiam a discussão. Portanto, este capítulo tem por objetivo ilustrar as principais demarcações da literatura pertinente e enunciar a diferença entre os conceitos propostos. Como tema principal dessa dissertação, é importante que compreendamos os conceitos de racismo e racismo institucional que serão utilizados nesse trabalho.

1.1 Racismo O racismo é vastamente reconhecido como princípio ativo do processo de colonização. No Brasil, a elite colonial não organizou um sistema de discriminação legal – através de uma ideologia de inferioridade racial que justificasse as diferentes posições sociais dos grupos raciais –, mas “(...) compartilhava um conjunto de estereótipos negativos em relação ao negro que amparava sua visão hierárquica de sociedade.” (THEODORO et al., 2008, p. 47). A abolição no Brasil não caminhou no sentido de desconstrução dos valores associados à cor; de forma contrária, os fenômenos de preconceito e discriminação racial continuaram e se fortaleceram como ideologia racial, no passar dos anos 10. 10

“Como lembra Boaventura de Souza Santos (2006), o colonialismo assentou-se historicamente no racismo, que teve ali um papel de “princípio matricial de base”. Contudo, a valorização do homem branco e de sua cultura não desaguou, no Brasil Colônia, na construção de um pensamento racista sistematizado ou mesmo em um projeto de nação ancorado na afirmação da superioridade racial. Segundo Skidmore, “os defensores da escravidão nunca, virtualmente, recorriam a teorias de inferioridade racial”, e “antes do clímax da abolição da escravidão no Brasil, em 1888, a maior parte da sua elite pouca atenção dava ao problema da raça em si, bem como à relação entre as características raciais do país e seu desenvolvimento futuro” (SKIDMORE, 1976, p. 12)” (THEODORO et al., 2008, p. 46-47).

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O sociólogo e historiador W. E. B. Du Bois, em uma de suas mais famosas obras, ‘The Souls of Black Folk’, afirmou que o problema do século XX é o problema da “Linha de Cor” (1903, p. 19) 11. Em outras palavras, o autor alegava que o racismo, ou, nesse caso, a segregação racial é feita a partir da cor de pele dos indivíduos, criando um sistema em que os mais claros ocupam posições superiores na hierarquia social, enquanto os que têm a pele mais escura são mantidos em posições inferiores; independente de sua condição de privilégio. Em ‘The Force of Prejudice’ (2001)

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, Pierre-André Taguieff escreveu que o

problema do racismo havia sido deslocado para as formas sociais de percepção e construção do ‘outro’. De acordo com seu texto, “o uso generalizado da palavra racismo, na ‘bíblia’ dos antirracistas, produziu uma dissolução de seu valor como um conceito, como um instrumento de cognição; tornando-o designação de qualquer conduta ou atitude de agressão ou hostilidade em relação a um indivíduo reconhecido exclusivamente como um membro de um grupo definido.” (2001, p. 39). Ainda segundo Taguieff (2001), “(...) há racismo ou racialização

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sempre que há, na interação

conflituosa das diferentes categorias sociais, um modo de exclusão e um marco biológico (ou naturalista) sendo aplicado a uma categoria (ao que deveria, supostamente, constituir uma).” (p. 41). Fazendo alusão ao conceito de “the problem of the color-line” de Du Bois e à ressignificação conceitual abordada por Taguieff, Howard Winant (2004) disserta sobre a mudança de sentido de raça no final do século XX. Segundo Winant, o século XXI traz uma nova dinâmica racial que implica na transformação do significado e da lógica do racismo. Consequentemente, nosso entendimento e práticas de combate ao racismo também deveriam sofrer mutação. Para entender essa mudança, Winant propõe que consideremos a possibilidade da desigualdade e injustiça racial não mais operarem de maneira clara sob a linha de cor de Du Bois (2004, p. 22)

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. Contudo, Winant não

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William Edward Burghardt Du Bois ficou mundialmente conhecido por sua defesa do conceito de “color line”, exposto na frase “The problem of the twentieth century is the problem of the color-line.”. 12

Originalmente, ‘La Force Du Prejucide’, escrito em francês no ano de 1988.

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Checar nota de rodapé número 05 para maior entendimento do termo.

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“First, to understand the changing significance of race at the end of the twentieth century whose central malady was diagnosed by Du Bois as “the problem of color-line”, requires us to acknowledge the possibility that racial inequality and injustice no longer operate so clearly through a color-line at all.”

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intenta negar o contínuo significado de raça e cor, mas reconhecer a nova flexibilidade do argumento racial e a fusão de significados raciais e estruturas sociais racializadas 15. Para definir racismo, Winant propõe um resgate conceitual, pois afirma que o suposto “senso comum” de seu significado é um obstáculo ao seu real entendimento; e a mudança dos tempos exige sua atualização. Para o autor, um projeto social pode ser definido como racista na medida em que “(...) cria ou reproduz estruturas sociais hierárquicas baseadas na essência de categoriais raciais.” (2004, p. 45). De acordo com a ‘Encyclopedia of Race, Ethnicity, and Society’ (2008, p. 1113), o racismo geralmente se manifesta na crença de que o comportamento de uma pessoa é determinado por suas características herdadas. Cada um desses atributos genéticos é, então, avaliado sob a ótica de superioridade e inferioridade, implicando na construção social de que há certos grupos de pessoas superiores a outros. Por sua vez, esta construção social é o resultado de fatores sociais, econômicos e políticos que atribuem poder a alguns grupos, enquanto negam a outros. Ainda utilizando a enciclopédia, a confirmação do racismo, no nível individual, encontra dificuldade na medida em que sua existência pode basear-se na percepção de uma interação ou situação – forma mais abstrata de constatação. O Geledés – Instituto da Mulher Negra publicou em 2013 um artigo

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onde

expôs um interessante quadro sobre os desdobramentos do racismo nos níveis pessoal, interpessoal e institucional (figura 1). O quadro reflete o racismo como uma ideologia que se realiza nas relações entre pessoas e grupos, no desenho e desenvolvimento de políticas públicas, nas estruturas de governo e nas formas de organização dos Estados. Ou seja, o racismo “(...) penetra e participa da cultura, da política e da ética.” (GELEDÉS, 2013, p. 11). Por conseguinte, o racismo apresenta consequências que agem no sentido contrário à emancipação pessoal e profissional do indivíduo negro.

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Por “racialized” ou, na tradução, racializado, entende-se a demonstração de uma ligação entre representações essenciais de raça e estruturas sociais hierárquicas. Essa ligação pode ser observada em esforços para proteger os interesses dominantes, enquadrados em termos raciais, da democratização de iniciativas raciais. (WINANT, 2004, p. 48). 16

Artigo realizado e organizado por Geledés – Instituto da Mulher Negra e Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria que compôs um grupo de trabalho constituído de membras da OIT (Organização Internacional do Trabalho), UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), Cfemea, ONU Mulheres, IPEA (Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada), SPM (Secretaria de Políticas para as Mulheres) e Geledés.

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Figura 1 Inferioridade/ Superioridade Pessoal/ Internalizado

Sentimentos

Passividade/Proatividade/ Aceitação/Recusa

Condutas Ações Racismo

Interpessoal

Omissões Material Institucional

Acesso ao poder

Falta de respeito/Desconfiamça/ Desvalorização/ Perseguição/Desumanização Negligência ao lidar com o racismo e seus impactos Indisponibilidade e/ou acesso reduzido a políticas de qualidade Menor acesso a informação. Menor participação e controle social. Escassez de recursos.

Fonte: Adaptação, feita pelo Geledés, a partir da conceituação por Camara P. Jones. 17

Este resgate teórico-conceitual acerca do racismo nos permite concluir que sua existência é obstáculo direto ao crescimento e desenvolvimento de negros na sociedade brasileira. Entretanto, esses conceitos apresentam problemas, em suas formulações, que dificultam o propósito desse trabalho. Voltando à construção das definições apresentadas, é possível perceber que, por exemplo, Taguieff, embora não tenha especificado o funcionamento da chamada “interação conflituosa” em que reside o racismo, atribui sua ocorrência às características biológicas que conectam um indivíduo ao determinado grupo discriminado. Winant, por um lado, apesar de ter abandonado o marco biológico, trilha caminho semelhante ao de Taguieff, quando utiliza um conceito mais genérico; ao construir o racismo em estruturas sociais hierárquicas, as baseia na essência de categorias raciais. A definição da Enciclopédia, por outro lado, demarca o indivíduo discriminado por suas características genéticas herdadas, permitindo um retrocesso ao racismo biológico e, em adição, deixando uma lacuna – ao partirmos do pressuposto de que todos nossos atributos, físicos, intelectuais ou sociais, são heranças de antecessores – quanto às quais seriam as características herdadas. Por fim, a 17

Jones, C. P. Confronting Institucionalized Racism, Phylon, s/ data, PP. 10-11.

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definição utilizada pelo Geledés limita o racismo enquanto ideologia, sem se preocupar, assim como as demais que a antecederam nesse capítulo, em definir, de fato, o que o é. Embora satisfatórias para um primeiro contato com o tema, as teorias generalistas sobre o racismo, normalmente, o fundamentam no compartilhamento, por parte dos indivíduos, de características biológicas, essenciais, hereditárias e ideológicas. Todas as teorias apresentadas acima se concentraram em entender as causas que o levam, os processos que o permeiam e as consequências atreladas a ele; mas não em explicar, de forma concreta, em que consiste e como funciona o racismo em si. A autora Iris Marion Young, aproxima-se de um entendimento substancial do racismo ao tratar, em ‘Justice and The Politics of Difference’, a construção de grupos sociais. Para ela, “Grupos são uma expressão das relações sociais; um grupo apenas existe em relação a, pelo menos, um outro grupo. A identificação de grupos está, portanto, no encontro e na interação entre coletividades sociais que experienciam algumas diferenças em seu estilo de vida e em suas formas de associação, mesmo que se enxerguem como pertencentes a uma mesma sociedade.” (1990, p. 43).

Contudo, o mais interessante de sua teoria reside na afirmação de que um grupo pode ser identificado por pessoas de fora sem que aqueles que estão sendo identificados tenham consciência de si como um grupo. Em outras palavras, “Às vezes um grupo passa a existir apenas porque um grupo exclui e rotula uma categoria de pessoas, ao passo que os rotulados acabam por se entender enquanto membros de um grupo, baseado na opressão compartilhada.” (1990, p. 46). Segundo Young, “Opressão, sob este ponto de vista, é algo que acontece às pessoas quando elas são classificadas em grupos.” (1990, p. 46-47). Nesse sentido, a constatação da autora no que diz respeito à opressão assimila-se ao que podemos conceituar como racismo. Como o objetivo principal desse trabalho é analisar a influência do racismo nas decisões e estratégias de posicionamento de empreendedoras negras, os conceitos generalistas e a aproximação de Young não são suficientes para esgotar a questão. Cabe agora maior aprofundamento para melhor entender o conceito e em que medida ele influencia o meio profissional dessas empreendedoras. Procurando apresentar evidências de que o racismo se constitui uma condicionante para a escolha entre os mercados de trabalho formal e informal, a parte seguinte desse capítulo destina-se a decompor o racismo institucional em busca de uma compreensão concreta do que o seja. 15

1.2 Racismo Institucional A percepção inicial do negro na sociedade brasileira está atrelada aos tempos de escravidão no país. À época de sua abolição, as medidas tomadas para que esta percepção acompanhasse as modificações do tempo foram insuficientes. Nos períodos subsequentes, a imagem do negro como indivíduo inferior aos demais prosseguiu em aperfeiçoamento. Podemos dizer, portanto, que o bloqueio ao desenvolvimento e à emancipação desse indivíduo é resultado da adoção de uma identidade inferiorizada. Segundo Taylor (1989), construída através do próprio processo de discriminação. Apesar de essa percepção ter se mantido conservada, a transição do trabalho escravo para outros tipos de relação de trabalho pode ser “(...) vista como uma linha divisória do desenvolvimento histórico brasileiro.” (HASENBALG et al., 2005, p. 162). Entretanto, de acordo com Hasenbalg et al. (2005), “(...) a industrialização não elimina a raça como critério de estruturação das relações sociais, nem elimina a subordinação social das minorias raciais. Embora a industrialização e o desenvolvimento econômico possam diminuir o grau das desigualdades raciais, a posição relativa dos grupos raciais na hierarquia social não é substancialmente alterada.” (p. 173).

Michael Omi e Howard Winant (1994), na segunda edição de seu artigo ‘Racial Formation’, tratam de raça como um princípio organizacional ou classificatório para agrupar indivíduos. Para os autores, em nível ‘micro’, a raça forma uma identidade entre práticas pessoais, enquanto em nível ‘macro’, representa ação coletiva através de indivíduos que compartilham aspectos econômicos, políticos, culturais ou ideológicos. Esses dois níveis, por estarem interligados, afetam um ao outro, formando movimentos sociais. Portanto 18, “Discriminação racial, por exemplo, pode ocorrer em nível ‘macro’, onde práticas institucionais negam o acesso de grupos ou pessoas subordinadas, mas as consequências são refletidas em nível ‘micro’, onde as experiências e identidades são afetadas.” (OMI and WINANT, 1994 apud SCHAEFER, 2005, p. 1104).

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“Racial discrimination, for example, may occur at the macrolevel, where institutional practices deny access of subordinate groups or people, but the consequences are at the microlevel, where the experiences and identities are affected.”

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Para Omi e Winant (1994), embora a raça possa ser uma boa mediadora entre conflitos de interesse, controla aqueles em posição de subordinação – através de medidas em educação, aplicação da lei e em políticas públicas e econômicas. “A raça não, simplesmente, organiza os indivíduos em grupos, mas é interpretada, representada e explicada sob diversos contextos; e essas atividades lideram os caminhos nos quais os recursos são reorganizados e redistribuídos.” (OMI and WINANT, 1994 apud SCHAEFER, 2005, p. 1104).

Young (1990), em ‘Justice and The Politics of Difference’, também aborda a questão da divisão de grupos ao analisar as “Cinco fases da opressão” – exploração, marginalização, impotência, imperialismo cultural e violência. A autora afirma, na descrição da quarta fase, que o “Imperialismo cultural envolve a universalização da experiência e cultura de um grupo dominante, e seu estabelecimento como uma norma.” (1990, p. 59). Isso significa que os grupos dominantes não só disseminam suas expressões e práticas culturais, como as projetam enquanto representação da humanidade. Uma vez que sua expressão cultural se torna normal, ou universal, o grupo dominante constrói a imagem de que as diferenças de outros grupos apresentam-se enquanto negação. Dessa maneira, os estereótipos estabelecidos confinam grupos minoritários a uma natureza que muitas vezes está ligada, de alguma forma, aos seus corpos e que, portanto, não pode ser negada. Ao exemplo de Young, “Homens brancos, por outro lado, na medida em que escapam da marcação de grupos, podem ser indivíduos.” (1990, p. 59); ou seja, não carregam qualquer estereótipo do que deveriam ser. O autor Lívio Sansone (1996) trabalha esta ‘normalidade’ de comportamento e presença de negros e brancos nos conceitos de “áreas moles” e “áreas duras” da convivência em sociedade. Segundo o autor, a relação entre raça e classe assume papel principal para o entendimento da identidade negra no Brasil. Em estudos realizados nas cidades baianas de Camaçari e Salvador, Sansone definiu três áreas das relações de cor: “áreas duras”, “áreas moles” e “espaços negros”. As “áreas duras” seriam o mercado de trabalho, as relações familiares e os contatos com a polícia. Nelas, não há, ou são mínimas, as possibilidades de trânsito. Por outro lado, as “áreas moles” são todos aqueles espaços nos quais ser negro não é problemático e pode, às vezes, até dar prestígio: o domínio do lazer em geral. Já os “espaços negros” existem de maneiras implícitas e explícitas. Nos “espaços negros” implícitos (igrejas e círculos espíritas, por 17

exemplo), os termos de cor e racismo são evitados. Ao passo que em explícitos, ser negro é vantajoso (bloco afro, terreiro de candomblé e roda de capoeira) e são frequentemente caracterizados como “cultura negra”. Em seu livro ‘Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil’, Hasenbalg et al. (2005) realiza diversas análises, entre elas, uma sobre o efeito da raça nas realizações educacionais, ocupacionais e de renda e conclui que os brasileiros não-brancos pertencem a um “ciclo de desvantagens cumulativas”. Em outras palavras, esses indivíduos que, normalmente, nascem em famílias de baixo status, têm menor probabilidade de extrapolar as limitações ligadas a sua posição social em comparação com indivíduos brancos da mesma origem social. O “ciclo de desvantagens cumulativas”, sobre qual o autor discorre, estende-se às relações de trabalho das empreendedoras na medida em que observamos uma constante estagnação profissional dessa empreendedora, principalmente, no mercado de trabalho formal. Sobre a análise dos componentes decisivos no processo de realização socioeconômica – a educação, o mercado de trabalho e a renda –, Hasenbalg et al. (2005) afirma a existência de um critério racial que aloca os indivíduos de forma diferenciada nas principais etapas de seus ciclos de vida. E conclui: “O fator que mais chama a atenção nesses dados é a queda da contribuição previdenciária, o que demonstra uma crescente precariedade do mercado de trabalho formal. (...) A saída para o setor informal pode estar significando uma saída com poucas possibilidades de retorno.” (p. 240).

Buscando melhor compreensão desses fenômenos, os ativistas sociais, Stokely Carmichael e Charles Hamilton (1967), ambos integrantes do grupo Panteras Negras 19, definiram o racismo institucional como o fracasso coletivo das instituições em promover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa da sua cor. Ou seja, reclamam a construção de atitudes, crenças e ideologias que se fundem em estruturas e ações sociais como forma de uma discriminação institucional. Segundo os autores, o

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Partido negro revolucionário estadunidense, fundado em 1966 em Oakland - Califórnia, por Huey Newton e Bobby Seale, mais conhecido como "Black Panther Party" (Panteras Negras). A finalidade original do partido era patrulhar guetos negros para proteger os residentes dos atos de brutalidade da polícia. Posteriormente, os Panteras Negras tornaram-se um grupo revolucionário; em seu auge, o seu número de integrantes excedeu 2 mil, e a organização coordenou sedes nas principais cidades dos Estados Unidos.

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racismo institucional está incorporado e representado na cultura e estruturas das instituições. O Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI)

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, visando um

entendimento mais amplo sobre o assunto, definiu: “O racismo institucional é o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações” (2001).

Para Silva et al. (2009), o racismo institucional “Não se expressa em atos manifestos, explícitos ou declarados de discriminação, mas atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam de forma diferenciada, do ponto de vista racial, na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população.”. De maneira mais específica, o Geledés, através da Figura 1 exposta acima, apresenta o racismo institucional como forma de indisponibilidade e/ou acesso reduzido de políticas de qualidade, de informação, de recurso, de participação e de controle social. No curso desse capítulo, pudemos observar que as discussões acerca dos conceitos de racismo e racismo institucional caminham em busca de melhor entender o aparente fracasso de um relacionamento igualitário entre sociedade e população negra. Ao longo do texto, outros aspectos relacionados às desigualdades dessa relação e suas consequências irão ser trabalhadas. Por ora, o que nos interessa é definir dentre tantos, qual o conceito melhor compreende a discussão proposta por esta pesquisa. De um modo geral, nenhuma das descrições acima se apresenta de maneira incorreta ao problema do racismo e racismo institucional. Entretanto, é importante destacar que quando procuramos entender a influência do racismo no motivo das tomadas de decisão e estratégias de posicionamento de empreendedoras negras, buscamos compreender os

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O Programa de Combate ao Racismo Institucional no Brasil (PCRI) é parte de um trabalho regional do Ministério Britânico para o Desenvolvimento Internacional (DFID) sobre raça/etnia e visa apoiar, de forma integrada, o setor público no combate e prevenção ao racismo institucional e a sociedade civil na avaliação e monitoramento desse processo.

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efeitos de um racismo institucional, mas, sobretudo, estrutural na vida desses indivíduos. Isso significa que as práticas discriminatórias e as experiências de racismo podem estar ligadas a ações que nem sempre podem ser identificadas como constituídas de motivações nitidamente racistas. Young (1990), buscando sua definição de opressão, nos auxilia na compreensão desse racismo. Movimentos sociais de esquerda dos anos 60 e 70 atribuíram ao conceito de opressão um novo significado. Segundo a autora, opressão designaria a desvantagem e a injustiça com que alguns sofrem em função de práticas cotidianas de uma sociedade liberal bem-intencionada. Isso significa que, nesse caso, a opressão se refere às restrições sistêmicas a grupos e não àquelas provenientes das escolhas ou políticas de poucos. Portanto, as causas de uma opressão estrutural estão incorporadas em normas inquestionáveis, hábitos, símbolos de regras institucionais e subjacentes às consequências coletivas de obedecer a essas regras. Em outras palavras, para Young (1990), opressão no sentido estrutural se refere às injustiças sofridas por alguns como efeito de suposições, em sua maioria, inconscientes, e reações de pessoas bem-intencionadas em interações comuns no processo de vida cotidiana – ou seja, mídia, estereótipos culturais, características estruturais de hierarquias burocráticas e mecanismos de mercado. De acordo com Young (1990), “Não podemos eliminar essa opressão estrutural nos livrando dos governantes ou criando novas leis, porque o arco de opressões é sistematicamente reproduzido em grandes instituições econômicas, políticas e culturais.” 21 (p. 41). É possível perceber que o conceito de opressão utilizado por Young, se transferido para o racismo, compreende exatamente nosso propósito de pesquisa. Os efeitos consequentes das experiências que afetam as decisões e estratégias de posicionamento do empreendedor negro não são causas de práticas explícitas de racismo. Dessa maneira, a ênfase desse trabalho está na análise das formas veladas pelas quais o racismo age e influencia o indivíduo negro. Portanto, o racismo institucional, sobretudo, estrutural em que usaremos de embase atua de maneira impeditiva ao desenvolvimento e ao empoderamento do indivíduo negro na sociedade brasileira; perpetuando um ciclo de desigualdades de oportunidade e acesso.

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Fragmento traduzido de “We cannot eliminate this structural oppression by getting rid of the rulers or making some new laws, because oppressions arc systematically reproduced in major economic, political, and cultural institutions” (Young, 1990, p. 41).

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Capítulo 2: Mobilidade Social e Raça O debate público sobre as formas e os desdobramentos da discriminação racial traz consigo a discussão sobre desigualdades de classe. Embora a existência de ambas as desigualdades, racial e de classe, não esteja mais em cheque, discussões transversais sobre o tema têm sido levantadas no sentido de definir as causas das desigualdades de oportunidade. Com esse objetivo, estudos sobre mobilidade social e raça no Brasil vêm tornando-se cada vez mais numerosos. O debate principal gira, portanto, em volta do real papel das discriminações raciais e sociais nas origens das desigualdades de oportunidade. Estará o cerne do problema da mobilidade social no Brasil desassociado ao problema de raça? O capítulo a seguir procura esclarecer possíveis causas das desigualdades de oportunidade, como melhor entender a participação do problema racial neste processo. Antônio Sergio Guimarães (2002), em “Classes, Raças e Democracia”, chama a atenção para a legitimidade adquirida no Brasil, a partir dos anos 1940, do preconceito e discriminação contra os pobres. Legitimidade expressa na justificativa de casos evidentes de discriminação contra pessoas negras; mas que costumavam ser explicados como discriminação de classe e não de cor. Segundo Guimarães, a falta de acesso dos pobres a direitos no Brasil tornou-se um problema para as Ciências Sociais recentemente – fim do século XX para o início do século XXI –, quando passaram a pautar-se pelo ideário da cidadania moderna. “Só a partir de então, estudos sobre a violência, a criminalidade e de construção da cidadania passaram a explicitar as discriminações diárias perpetradas contra todos aqueles que, pelo seu aspecto físico – principalmente a cor –, não parecem, para os poderes públicos, portadores de direitos subjetivos.” (GUIMARÃES, 2002, p. 67).

Afirma o autor que o acúmulo de desvantagens atribuídas e o caráter implícito dessa discriminação torna o fator racial no Brasil diluído em um conjunto de características pessoais dos indivíduos e, portanto, mais dificilmente detectável. Em “A Desigualdade Racial de Renda no Brasil: 1976 – 2006” 22, Rafael Osorio (2009) realiza um resgate do que designa tradição sociológica de estudos das questões raciais no Brasil. Segundo o autor, tal tradição, que sempre deu ênfase às desigualdades 22

Tese apresentada ao curso de Pós-Graduação em Sociologia, Departamento de Sociologia, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Sociologia.

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socioeconômicas, explica a desigualdade racial à luz das relações entre raça e classe; sob o contexto do que titulou “condição inicial”. A condição inicial é dada pelo pano de fundo brasileiro construído a partir do período colonial e escravocrata; cujo “(...) passado legou ao Brasil uma composição racial específica da população que estava – e ainda está – associada à estratificação social.” (OSORIO, 2009, p. 2). A mobilidade social é, na tradição sociológica de explicação das desigualdades raciais, o elo entre condição inicial, raça e classe. Osorio propõe, portanto, três grandes ondas teóricas dessa tradição que transpassam o início dos estudos sobre o tema à atualidade. Na primeira, a discriminação racial era interpretada como um peso nulo ou insignificante, ou seja, da condição inicial – de concentração de negros na base da pirâmide social – à equalização racial bastariam o passar das gerações. Nesse caso, o número de gerações necessárias seria dependente do peso da origem social nos processos de mobilidade – quanto menor, mais rápida a equalização. Na segunda onda, a discriminação racial passa a ter peso nos processos de mobilidade, mas ainda inferior ao de classe e decrescente com o tempo. Aqui, a discriminação é um fator retardatário da equalização, mas não de impedimento. Na última e terceira onda, o peso da discriminação racial torna-se um impedimento à equalização. Nessa situação, o único modo de contrapor à desigualdade é através de uma ação política mobilizada por negros. Osorio avalia que os negros estão sujeitos a um ciclo de desvantagens cumulativas

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, como consequência da interação de raça e

classe ao longo do curso de vida dos indivíduos. “A condição inicial faz com que a probabilidade de nascerem nas camadas sociais mais pobres seja maior. Isso os faz se depararem com menos oportunidades educacionais de boa qualidade, o que somado à discriminação racial na escola e a outros tipos de constrangimento, como a necessidade de começar a trabalhar cedo, leva a população negra a ter desvantagens educacionais. Essas se traduzem em desvantagens no mercado de trabalho, pelo menor acesso às ocupações que oferecem melhor renda, às quais se conjugam a discriminação racial em formas variadas, a segmentação ocupacional, a discriminação salarial pura, as barreiras à ascensão profissional, e, no caso dos empreendedores, dificuldades no acesso ao crédito. A inserção desvantajosa no mercado de trabalho faz com que, como resultado de todo o processo, a renda dos negros, seja menor do que a dos brancos. E como a renda está correlacionada com quase tudo considerado fonte de bem-estar em sociedades de consumo, a desigualdade legada pela condição inicial se espalha em múltiplas dimensões.” (OSORIO, 2009, p. 4).

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Teoria proposta por Carlos Hasenbalg e trabalhada no primeiro capítulo desta monografia.

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Carlos Hasenbalg, Nelson do Valle Silva e Marcia Lima (1999), em “Cor e Estratificação Social”, perceberam a existência dessas desvantagens cumulativas através dos componentes decisivos no processo de realização socioeconômica dos indivíduos. As informações da PNAD de 1988 e 1996 mostraram a educação, o mercado de trabalho e a renda “(...) marcados pela existência de um critério racial que aloca indivíduos de forma diferenciada em todas as principais etapas de seus ciclos de vida.” (HASENBALG, VALLE SILVA e LIMA, 1999, p. 231). Embora possível observar ganhos educacionais, esse crescimento foi insuficiente para diminuir as diferenças interraciais significativamente; a população branca continua com percentuais muito mais elevados do que as populações preta e parda em faixas educacionais, principalmente as de maior grau de instrução. No que tange ao mercado de trabalho, encontraram-se maior concentração de brancos em atividades industriais – principalmente na indústria de construção – e terciárias – comércio de mercadorias e serviços auxiliares da atividade econômica – do que as de populações preta e parda. “Da mesma forma, a prestação de serviços aparece como grande absorvedor de mão de obra negra (...).” (HASENBALG, VALLE SILVA e LIMA, 1999, p. 236). Em adição, a análise apresenta as populações preta e parda com os menores índices de formalização e a existência de distintos espaços ocupacionais de trabalho; relacionados à filiação racial do trabalhador. “Concentrados em ocupações menos qualificadas do estrato manual, como prestação de serviços (principalmente o emprego doméstico) e indústrias tradicionais e construção civil, os negros vivenciam no mercado de trabalho uma situação bastante desigual.” (HASENBALG, SILVA e LIMA, 1999, p. 239).

Em relação aos rendimentos para os dois anos analisados, as desigualdades raciais permaneceram. No quartil mais elevado da pesquisa, as diferenças de cor chegaram a apresentar a população branca com um percentual duas vezes maior do percentual de pretos e pardos – 32,2% de brancos e percentuais de 14,1% e 14,5% de pretos e pardos, respectivamente. Entretanto, o fator mais chamativo na análise de rendimento é a queda da contribuição previdenciária, demonstrando a crescente precariedade do mercado de trabalho formal; importante atentar ao fato dessa baixa contribuição mostrar-se maior nos ramos em que a presença de pretos e pardos é predominante. Em “Classe, Raça e Mobilidade Social”, Carlos Antônio Ribeiro (2006) utiliza modelos estatísticos para verificar as bases das desigualdades de oportunidade entre negros e brancos no Brasil. Para tal, o autor realizou uma análise detalhada de três 23

aspectos da mobilidade social, enfatizando, em todas, as comparações entre os efeitos da cor da pele e da classe de origem: (1) as desigualdades de oportunidades de mobilidade intergeracional entre classes de origem e de destino; (2) as desigualdades nas chances de fazer transições educacionais; e (3) os efeitos da educação alcançada e da origem de classe nas chances de mobilidade social. O resultado das análises demonstra que as oportunidades de mobilidade de brancos são maiores do que as de pretos e pardos. Entretanto, a análise do primeiro aspecto apresenta que para indivíduos com origens nas classes mais baixas

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não há desigualdade racial nas chances de

mobilidade ascendente; em outras palavras, em estratos mais baixos, Ribeiro não encontrou disparidades das dificuldades enfrentadas por indivíduos brancos, pretos e pardos. Em contrapartida, em classes sociais mais altas, percebeu-se que os brancos têm maior chance de imobilidade no topo da hierarquia de classes; enquanto pretos e pardos têm maiores chances de mobilidade descendente. Segundo Ribeiro, “Esses resultados revelam que: a desigualdade de oportunidades está presente no topo da hierarquia de classes, (...).” (2006, p. 18). No segundo aspecto, resultados indicam que as desigualdades de transição educacional encontram-se tanto em termos de cor da pele quanto de classe de origem. Ou seja, ter origens nas classes mais altas e ser branco – ao invés de preto ou pardo – aumenta as chances de um indivíduo realizar as transições educacionais com sucesso. “Em suma, nas transições educacionais até a entrada no ensino médio, a desigualdade de classe é muito maior do que a de raça, ao passo que para, completar um ano de universidade e terminá-la, a desigualdade racial é quase tão grande quanto à de classe.” (RIBEIRO, 2006, p. 18).

Por fim, nos resultados do terceiro aspecto o efeito raça sobre as chances de mobilidade, levando em conta classe de origem e escolaridade, aparece para indivíduos com mais de 10 ou 12 anos de educação. Nessa faixa, brancos têm, em média, três vezes mais chances do que pretos e pardos de mobilidade ascendente para classes mais privilegiadas. “Embora educação seja importante para qualquer tipo de mobilidade ascendente, a desigualdade racial está presente apenas nas chances de mobilidade para o topo da hierarquia de classes.” (RIBEIRO, 2006, p. 18). No resultado das três análises,

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Vale ressaltar que, para Ribeiro, classes são definidas por características socioeconômicas – que incluem, principalmente, as chances de obter sucesso nas transições educacionais (2006, p. 6).

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Ribeiro conclui a necessidade de novas sínteses teóricas sobre a relação entre classe, raça e mobilidade social. No que diz respeito aos desdobramentos da discutida discriminação no mercado de trabalho, o acadêmico norte-americano David Cotter ficou conhecido por debruçarse, em trabalho colaborativo, sob os efeitos do chamado “Glass Ceiling”. Segundo o autor, o conceito refere-se a uma expressão política utilizada para descrever uma barreira invisível. Embora sua origem seja desconhecida, sua primeira aparição de grande repercussão aconteceu em uma matéria de “Wall Street Journal” em 1986. A ideia por detrás da expressão é a existência de uma barreira invisível, mas inquebrável, que impede indivíduos qualificados de avançar em sua organização, independentemente de suas qualificações ou realizações. Em 1991, a Comissão Federal de Glass Ceiling foi criada, nos Estados Unidos, no intuito de gerar informações e estudos que pudessem avançar no sentido de destruir essas barreiras. Dez anos depois, Cotter, Hermsen, Ovadia e Vanneman dispuseram de quatro características que devem ser atendidas para concluir a existência do chamado “Glass Ceiling”: “(1) Uma diferença de gênero ou de raça que não é explicada por outras características relevantes de trabalho do empregado; (2) Uma diferença de gênero ou de raça que é maior em níveis mais elevados do que em níveis mais baixos; (3) Uma diferença de gênero ou de raça nas chances de avanço em níveis mais elevados; não apenas nas proporções de cada sexo ou raça atuais nesses níveis mais elevados; (4) Uma diferença de gênero ou de raça que aumenta ao longo de uma carreira.” (Cotter at. al, 2001, p. 655-681).

As conclusões desse estudo demonstram que mulheres, brancas e negras, são quem apresentam as maiores diferenças em comparação com a vida profissional de um homem branco. Explorando a ocorrência de discriminação no mercado de trabalho mais a fundo, o economista Sergei Soares discute essa sobreposição de problemas em seu texto “O Perfil da Discriminação no Mercado de Trabalho – Homens Negros, Mulheres Brancas e Mulheres Negras”. Buscando decompor o diferencial de rendimentos entre homens brancos, de um lado, e homens negros, mulheres brancas e mulheres negras, de outro, o autor realiza uma análise da discriminação no mercado de trabalho. De acordo com Soares (2000), existem três causas na existência desse diferencial: qualificações diferentes, inserções no mercado de trabalho diferentes e/ou um diferencial salarial puro. 25

“Os resultados indicam que enquanto o diferencial das mulheres brancas se explica exclusivamente por um diferencial salarial puro, os homens negros devem seus rendimentos menores principalmente a diferenças de qualificação, embora também sofram pesada discriminação salarial e de inserção. As mulheres negras sofrem os diferenciais de salário puro das mulheres brancas, mais o diferencial de salário puro dos negros, mais um diferencial devido à inserção, mais um enorme diferencial devido à qualificação (embora menor que o dos homens negros).” (SOARES, 2000, p. 4).

Para chegar a esses resultados, Soares fez uso da única pesquisa realizada no Brasil de abrangência nacional e comparável ao longo de, pelo menos, uma década, a PNAD. Em adição, os dois tipos de discriminação que o autor busca trabalhar têm consequências identificáveis pela pesquisa, a discriminação contra negros e a discriminação contra mulheres. Seguindo linha de raciocínio semelhante a Iris Young

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, Soares realiza a

análise da discriminação sob a existência de “(...) um grupo padrão – os homens brancos – que estabelece a norma no mercado de trabalho e três outros grupos – homens negros, mulheres brancas e mulheres negras – que sofrem uma possível discriminação devido ao fato de não serem homens brancos.” (2000, p. 5). Para tal, o autor utiliza a renda, padronizada pelo número de horas trabalhadas em todos os tipos de trabalho, como variável de sua pesquisa. O resultado traz, pelo menos, dois fenômenos que, segundo Soares, devem ser explicados. “Em primeiro lugar, algumas categorias de pessoas marcadas por certas características com as quais nasceram – sexo e a cor da pele – percebem salários horários menores ou muito menores do que os salários horários percebidos por homens brancos. Em segundo lugar, esse hiato tem-se encurtado para duas dessas categorias e permanecido inalterado para a outra [hiato entre homens negros e o grupo padrão].” (SOARES, 2000, p. 7).

De acordo com Soares, se o mercado de trabalho funcionasse alheio à discriminação, o conteúdo econômico de uma educação superior ou dez anos de experiência de trabalho, por exemplo, seria igualmente remunerado, independentemente de quem o detivesse. Seus resultados, portanto, demonstram o oposto; na presença da discriminação o indivíduo que detém melhores atributos será menos remunerado se não pertencer ao grupo padrão. No contracheque, o homem negro recebe em torno de 5% a 20% menos 25

No capítulo anterior, a teoria das “cinco fases da opressão” aborda a existência de um grupo culturalmente dominante que impõe seus padrões para os demais.

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que homens brancos – o diferencial cresce com a renda do homem negro – e perdem por volta de 10% por trabalharem em setores ou terem vínculo com o mercado de trabalho inferiores aos dos homens brancos. Por sua vez, as mulheres negras arcam com todo o ônus da discriminação de cor e de gênero; e ainda mais devido à discriminação setorialregional-ocupacional – superior a elas do que para homens da mesma cor e mulheres brancas. “O restante do preço da cor é pagamento pela discriminação sofrida durante os anos formativos – é na escola, e não no mercado de trabalho, que o futuro de muitos negros é selado.” (SOARES, 2000, p. 23). De maneira geral, os estudos contemporâneos sobre a estratificação social de cor no Brasil destacam as assimetrias educacionais entre os grupos raciais no processo de mobilidade social e de constituição de rendimento (Valle Silva e Hasenbalg, 1992; Hasenbalg et. al., 1999; Telles, 2003). “Estudo das interseções e interações entre classe social e raça no Brasil contribuiu para demonstrar que grande parte da desigualdade racial de renda é uma desigualdade de acesso a contextos e recursos valiosos, notadamente alocação à estrutura de classes, posse de credenciais educacionais e distribuição socioespacial” (Figueiredo Santos, 2005a apud Figueiredo Santos, 2009).

Para Figueiredo Santos (2009), o elo existente entre classe e raça no Brasil advém da importância dos processos de exclusão do controle de recursos que ambas as divisões sociais estão envolvidas. “As consequências das divisões de raça, quando operam mediante a colocação dos não brancos em posições inferiores na hierarquia social, testemunham a importância da raça como uma categoria social que condiciona o acesso desigual aos “bens posicionais” valiosos e em relação aos quais se constituem processo de discriminação de acesso ou alocação.” (FIGUEIREDO SANTOS, 2009, p. 39).

Por outro lado, a desigualdade de gênero no Brasil estrutura-se com características distinguidas das de raça. Ao exemplo de rendimento, ao passo que cria menor discrepância de renda (32% contra 75%), produz uma divergência de renda ajustada ou controlada muito maior em comparação com o recorte racial (35% contra 13%). Exatamente por, nesse exemplo, demonstrarem processos geradores de discrepância de renda tão divergentes, que estudos de gênero e raça têm evoluído como campos distintos nas Ciências Sociais. Entretanto, recentemente, “(...) ganhou curso a tese da 27

“dupla desvantagem”, em que a pessoa que ocupa uma posição subordinada em mais de uma hierarquia sofreria da soma das desvantagens de ambas as dimensões.” (FIGUEIREDO SANTOS, 2009, p. 38). Em outras palavras, se os efeitos de raça e gênero são aditivos, a mulher não branca sofreria a soma da desvantagem plena que está associada a ambos os tipos de status subordinado. Assim como expôs Soares (2000), a tese da “dupla desvantagem” supõe que o grupo subordinado enfrenta o ônus do pior dos dois mundos. Em “Reestruturação das Desigualdades de Raça e Gênero no Brasil”, Nadya Guimarães (2001) atinge duas conclusões muito interessantes. A primeira, referente à constatação em sua análise estatística da prevalência de mecanismos de alocação de salários e rendimentos, apresenta critérios baseados na discriminação de sexo e racial. Enquanto a segunda, conclui que esses mesmos mecanismos atingem de maneira desigual os próprios grupos sujeitos à desigualdade salarial e de rendimento – configurando padrões diferenciados de desigualdades a cada grupo discriminado. De maneira mais ampla, a autora conclui que após uma década de transformações nas estratégias empresariais e de gestão do trabalho, a desigualdade está sendo reestruturada de maneira a intensificar a seletividade do campo. Essa seletividade, por sua vez, opera a partir de uma combinação de ativos individuais – antes que apenas sobre uma única característica: condição de sexo ou de raça. O resultado disso é sobressalto dos fatores de adscrição entre os grandes fatores que explicam as desigualdades – cujos demarcadores “são marcas de corpo, socialmente valoradas e transformadas em elementos de qualificação (ou desqualificação) social, de qualificação (ou desqualificação) para o trabalho.” (GUIMARÃES, 2001, p. 261). Na conclusão de seu trabalho, a autora resgata e faz ressalvas ao trabalho de Antônio Sérgio Guimarães. Nesse sentido, o primeiro aspecto a chamar atenção é, dentre todos os espaços de interação entre indivíduos, ser o âmbito do trabalho o local de maior quantidade de registro de conflitos raciais. Em segundo lugar, percebeu-se que, ao contrário do imaginado, o insulto racial não é o recurso final resultado de um crescente antagonismo e desentendimento, mas o motivo pelo qual o conflito instala-se em primeira instância. Finalmente, através dos dados gerais sobre as ofensas registradas, constatou-se que o grupo mais insultado é o de mulheres negras; sugerindo um entrecruzamento entre a questão de sexo e cor. Voltando ao texto de Soares (2000), seus resultados qualitativos reforçam ainda mais a soma dos problemas de gênero e raça. As mulheres brancas sofrem na etapa da 28

formação dos salários, os homens negros sofrem, principalmente, devido à sua qualificação, mas também nas etapas de inserção no mercado e formação de salários, e as mulheres negras encontram-se em situação intermediária. A interpretação do autor é clara: “(...) existe uma visão do que seja o lugar do negro na sociedade, que é o de exercer um trabalho manual, sem fortes requisitos de qualificação em setores industriais pouco dinâmicos. Se o negro ficar no lugar a ele alocado, sofrerá pouca discriminação. Mas se porventura tentar ocupar um lugar ao sol, sentirá todo o peso das três etapas da discriminação sobre seus ombros.” (SOARES, 2000, p. 24-25).

Podemos observar que os estudos apresentados acima demonstraram diversas evidências teóricas que comprovam a existência de uma desigualdade de oportunidade construída a partir de um forte cunho de gênero e racial. Essa abordagem teórica cumpre importante papel na construção do argumento principal desse trabalho, entretanto, demanda a complementação de uma abordagem que procure entender os motivos das desigualdades de gênero e raça a partir da perspectiva daquelas que vivenciam tais exclusões. Com este objetivo, o capítulo a seguir destina-se a melhor entender, através da realização de entrevistas em profundidade, como os fenômenos detectados pelos estudiosos da mobilidade são vividos e experimentados pelo grupo que apresentou o maior índice de desigualdade de oportunidade no mercado de trabalho, as mulheres negras.

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Capítulo 3: Entrevistas em profundidade Com intuito de analisar a influência do racismo nas decisões e estratégias de posicionamento do empreendedor negro no Rio de Janeiro, foram realizadas entrevistas em profundidade com empreendedoras negras da Região Metropolitana do Rio de Janeiro; participantes do projeto Incubadora Afro Brasileira, no período de outubro de 2013 a janeiro de 2014. Para a pesquisa proposta, foi aplicada a entrevista em profundidade. Segundo Duarte (2009), entrevistas em profundidade são uma técnica qualitativa que explora um assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências de informantes para então, analisá-las e apresentá-las de forma estruturada. “Seu objetivo está relacionado ao fornecimento de elementos para compreensão de uma situação ou estrutura de um problema.” (DUARTE, 2009, p. 63). As entrevistas em profundidade foram realizadas individualmente, de forma semiestruturadas e sob o objetivo de promover um levantamento de informações e experiências profissionais de empreendedoras negras no mercado de trabalho formal e informal no Rio de Janeiro. Durante as entrevistas, as empreendedoras responderam perguntas que dizem respeito a sua trajetória profissional no mercado de trabalho formal e os motivos que as levaram a ingressar no mercado de trabalho informal. As entrevistas obtiveram tempo médio de duração de 40 a 50 minutos e, para fins de registro, foram gravadas e tiveram seus pontos mais relevantes registrados em papel. As entrevistas foram norteadas por um roteiro pré-estruturado e, conforme as necessidades no decorrer de cada entrevista, perguntas adicionais foram incluídas 26. As perguntas 01, 02, 03 e 04 são referentes às experiências das entrevistadas no mercado de trabalho formal. As perguntas 05 e 06 referem-se a sua atual ocupação como trabalhadoras autônomas. A pergunta de número 07 é relativa à avaliação de migração do mercado de trabalho formal para o informal. Por fim, as perguntas 08 e 09 abordam a temática racial na experiência profissional das entrevistadas. Para a realização das entrevistas foram escolhidas pessoas do gênero feminino, cuja auto declaração de raça fosse preta

26

27

, que tivessem experiência profissional de,

O questionário completo pode ser encontrado no Anexo A deste trabalho.

27

A classificação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) segundo cor ou raça encontrase dividido nas seguintes categorias: Brancos, Pardos, Pretos, Amarelos e Indígenas. A composição por cor ou raça é verificada através da auto declaração.

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pelo menos, cinco anos e que, atualmente, trabalhassem de forma autônoma nos setores de prestação de serviço e comércio. No decorrer deste trabalho, mas especialmente em seu segundo capítulo, analisamos diferentes estudos sobre mobilidade, alguns com ênfase na influência de raça e gênero nas oportunidades profissionais do indivíduo negro no Brasil. Sob esta perspectiva, o recorte representa a tentativa de melhor entendermos os resultados das pesquisas em questão. Se a transição para a classe média e para a classe média-alta apresenta-se como a de pior desigualdade de oportunidades – principalmente de acesso e principalmente às mulheres negras –, as entrevistadas constituem um grupo particularmente importante para entender a sobreposição das desigualdade de raça e gênero das quais apontam os estudos apresentados. As cinco mulheres escolhidas para tomar parte da pesquisa participam de um projeto de fortalecimento de micro e pequenas empresas, situado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A Incubadora Afro Brasileira foi criada em 2004, com base na experiência desenvolvida pelo Centro de Estudos e Assessoria Empresarial (CEM/IPDH

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) desde 1991 e é a primeira incubadora de empresas com

uma abordagem étnica no Brasil 29. A escolha por indivíduos que participassem de uma organização de fomento ao empreendedorismo é proveniente do objetivo de pesquisa. A análise proposta baseia-se na percepção do empreendedor para identificar possíveis conexões entre sua experiência profissional anterior e sua escolha de trabalho atual, portanto, é necessário que as entrevistadas possuam algum engajamento político sobre os mercados de trabalho formal e informal. Para atender as características acima foram selecionadas as entrevistadas abaixo 30: Maria – Camelô – 25 anos Julia – Baiana do Acarajé – 64 anos Luiza – Administradora e Produtora de Moda – 41 anos Paula – Pedagoga e Produtora de Moda Afro-Brasileira – 66 anos Paola – Administradora e Produtora de Bolsas Customizadas – 56 anos

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IPDH – Instituto Palmares de Direitos Humanos

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Para mais informações: www.ia.org.br

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Os nomes das empreendedoras entrevistadas foram substituídos por nomes fictícios.

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Nascida em uma família de baixa classe, Maria começou a trabalhar com o intuito de complementar sua renda familiar. Embora tenha trabalhado no mercado de trabalho formal como vendedora de uma loja de calçados, a empreendedora iniciou sua trajetória profissional no mercado de trabalho informal. Após a conclusão no ensino médio, a entrevistada começou sua graduação em Administração Pública. Entretanto, abandonou o curso por necessidade de geração de renda. Assim como em sua primeira experiência profissional, atualmente trabalha como camelô; comercializando artigos variados. Hoje em dia, possui uma renda pessoal aproximada de R$2.000. Originária da Bahia, Julia começou a trabalhar aos 15 anos de idade. Em busca de um aumento de sua renda familiar, seus estudos aconteceram em paralelo ao seu trabalho. Durante seus anos escolares, acontecia no Brasil uma ditadura militar; o que impedia às escolas e universidades de realizar suas atividades em períodos noturnos. Na época, seu trabalho era prioridade, não podendo ser substituído por seus estudos. Portanto, pela falta de oportunidade, a empreendedora formou-se no segundo grau – chamado ensino normal – como professora, embora nunca tenha exercido a função no mercado de trabalho. Após sua formação, trabalhou em diversas instituições públicas e privadas enquanto auxiliar administrativa. Para a entrevistada, a seguridade de uma carteira de trabalho assinada era prioridade para garantir o sustento de seus filhos. Atualmente, trabalha como Baiana do Acarajé – patrimônio imaterial tombado pelo IPHAN 31 – e possui uma renda pessoal aproximada de R$2.500. Assim como a segunda entrevistada, Luiza é nascida na Bahia e veio ao Rio de Janeiro em procura de novas oportunidades de trabalho. Embora trabalhasse desde a adolescência, chegou à cidade do Rio apenas aos 18, deixando de lado a conclusão de seu ensino médio. Nascida em uma família de classe baixa, sua mãe sempre fez questão de mantê-la afastada do trabalho doméstico. Por, aproximadamente, 15 anos, trabalhou no mercado de trabalho formal. Durante todo esse tempo, a entrevistada manteve em mente seu objetivo de juntar dinheiro o suficiente para dar início ao seu próprio empreendimento. Há sete anos, possui seu próprio ateliê de moda, aonde trabalha como administradora e produtora de moda. Atualmente, sua renda pessoal é de, aproximadamente, R$2.500. Diferentemente das demais, Paula possui o ensino superior completo e, até hoje, atua como pedagoga concursada pelo Município do Rio de Janeiro. Nascida em família 31

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Órgão do Ministério da Cultura que tem a missão de preservar o patrimônio cultural brasileiro.

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de classe baixa, cresceu em um bairro militar do Rio. Durante sua infância, sua família inteira trabalhou realizando serviços domésticos aos moradores vizinhos. Embora tivesse 22 irmãos, sua família sempre se preocupou em manter a caçula longe dos trabalhos domésticos e focada nos estudos. Estudou na escola pública de seu bairro graças aos contatos de seus pais com seus empregadores. Sua infância foi marcada pela diferença financeira entre a entrevistada e seus colegas de escola. Enquanto faziam atividades extracurriculares, viajavam ao exterior e usufruíam de piscina em casa, a família da empreendedora tinha problemas financeiros, além da falta de luz e ausência de água encanada. Durante sua infância, utilizava apenas as roupas doadas pelas famílias para quem seus pais trabalhavam – roupas de crianças que também estudavam com ela. Atualmente, trabalha no aguardo de sua aposentadoria para que possa dedicarse integralmente à sua grife de moda. Sua renda pessoal originária apenas de seu empreendimento é de R$9.000, aproximadamente. Assim como a maioria das entrevistadas, a Paola iniciou sua trajetória no mercado de trabalho enquanto adolescente. Já trabalhou em fábrica de cintos, lojas de confecções para adultos e crianças e em um hotel; todos relacionados à confecção e serviços gerais. Embora tenha grande experiência no mercado de trabalho formal, sempre quis trabalhar para si. A possibilidade de realizar este sonho veio em forma de uma oportunidade. Como sempre esteve insatisfeita com os percalços do mercado formal, aproveitou a chance e passou a se dedicar inteiramente à sua confecção de bolsas. Atualmente, não só produz e as vende no Rio de Janeiro, como exporta para outras cidades e países. Para a entrevistada, não há dúvidas sobre sua escolha profissional. Atualmente, possui uma renda pessoal estimada em R$4.500.

3.1 Resultados Para a análise de seu conteúdo, as entrevistas serão organizadas em três linhas transversais. Em primeiro lugar, daremos destaque para os relatos das entrevistadas de práticas que podem ser percebidas como discriminatórias. Em segundo lugar, trataremos os trechos em que as entrevistadas discutem se tais experiências de discriminação foram, em suas opiniões, motivadas por racismo. Em terceiro lugar, discutiremos o modo como tais entrevistadas reagiram a essas experiências e se suas reações podem ser 33

relacionadas com suas escolhas profissionais. Analisando as entrevistas através da primeira linha, é possível perceber que em todas há a descrição de situações que podem ser caracterizadas como práticas discriminatórias. Ainda, sua maioria descreve momentos em que o racismo pode ser percebido de maneira mais nítida. Entretanto, nem todas essas situações e experiências são percebidas da mesma maneira por parte das entrevistadas. Durante a primeira entrevista, pôde-se observar que a empreendedora descreve seu último trabalho no mercado informal como um ambiente inóspito, Tinha muito estresse para bater as metas de vendas e tudo mudava de acordo com isso. Quando a meta não era atingida, só ouvia reclamação e eu ganhava menos no final do mês. Não tenho paciência para ficar ouvindo ‘gracinhas’ e puxar o saco de patrão. (Maria)

A empreendedora, que trabalhava em uma loja de calçados, declarou ser alvo constante de críticas por parte das outras vendedoras. Enquanto única vendedora negra, as demais faziam reclamações quanto sua competência e mostravam grande insatisfação quando uma meta de venda era atingida por ela, “Elas viviam reclamando ‘Como ela conseguiu e eu não? Sou muito melhor do que ela’.”. Na convivência direta com seu empregador, a situação descrita também se figurou como conflituosa. Sob a alegação de melhorar sua aparência, o uso obrigatório e excessivo de maquiagem, tornava o trabalho ainda mais desagradável, “Eu era forçada a usar muita maquiagem, para melhorar a aparência. Eu odiava, mas não podia recusar.”. Podemos perceber um elemento ligado à beleza que reaparecerá em outras entrevistas, mas que, nesse caso, não foi percebido pela entrevistada como uma possível prática discriminatória. Para Maria, a transição para o mercado de trabalho informal representou as desamarras de uma situação frustrante, Mesmo com as dificuldades que tenho – como a falta de licença, por exemplo –, aqui [mercado informal] eu tenho liberdade. Sempre gostei de trabalhar com vendas, mas na loja deixou de ser prazeroso. Aqui me esforço mais e até consigo ganhar mais do que lá [na loja de calçados]. (Maria)

Podemos perceber que a suposta segurança de um trabalho com carteira assinada não parece compensar o prazer de sua autonomia profissional. Segundo a empreendedora, não adianta trabalhar no mercado formal, com todos os direitos que lhe são atribuídos, se isto significa a privação de sua liberdade e autonomia. Mais vale a incontingência do 34

mercado de trabalho informal, aonde seu prazer em desempenhar funções e o esforço voluntário acabam resultando em uma renda individual maior. No caso de Julia, é possível perceber que determinadas práticas que podem ser consideradas discriminatórias e, em certas situações, racistas aconteceram de maneira mais sutil. Forçada a trabalhar desde os 15 anos, devido sua condição financeira, a empreendedora estudou em um colégio público modelo do Rio de Janeiro, aonde conviveu com jovens de classe média-alta com os quais não se identificava. “Era negra, pobre, não tive acesso à universidade e estudei no Instituto de Educação, uma escola pública modelo, com um bando de ‘filhinhos de papai’.”. Embora não tivesse tido acesso ao ensino universitário, por falta de oportunidade – durante a ditadura, época em que estudou, as aulas eram obrigadas a acontecer durante o turno da manhã e, como não podia deixar de trabalhar, a empreendedora não tinha condições de frequentá-las –, com sua formação do segundo grau, trabalhou como auxiliar administrativa em diversas empresas privadas. Seu último trabalho no mercado de trabalho formal foi em quatro anos como concursada pelo SENAI

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/BA. Segundo a empreendedora, o rompimento com o

mercado formal era um desejo de longa data, “Rompi por querer trabalhar para mim, nunca quis ser empregada de ninguém. [...] A relação de poder que existe no mercado formal sempre incomodou, até que não aguentei mais.”. Nesse trecho, podemos perceber a tensão existente na subordinação experimentada. A empreendedora também demonstra grande descontentamento com o engessamento de suas funções, “Trabalhei em grandes empresas internacionais e todas me passaram a mensagem de que eu havia sido contratada para realizar um trabalho X e nada mais. Faziam questão de mostrar que eu não passaria daquilo, não cresceria lá dentro.”. Para a entrevistada, esse comportamento empresarial não condizia com suas aptidões profissionais, Eles sequer faziam avaliação de desempenho e eu já não suportava a falta de oportunidade desses lugares. Eu sempre soube que estava além do que me ofereciam, limitavam. Foi então que percebi que estava na hora de trabalhar para mim. (Julia)

Sua decisão de entrar para o mercado de trabalho formal é descrita como uma necessidade e não uma escolha, “Na minha época, trabalhar no mercado formal – e ter a 32

Parte integrante do Sistema Federação das Indústrias do Estado da Paraíba, o SENAI apoia os setores industriais por meio da formação de recursos humanos e da prestação de serviços como assistência técnica e tecnológica, serviços de laboratório, pesquisa aplicada e informação tecnológica.

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segurança de uma carteira assinada – era um mal necessário, o mercado informal tinha muitas limitações para quem queria ser autônomo e eu precisava sustentar meus filhos.”. Logo no início da terceira entrevista, Luiza descreve o momento em que se mudou de Salvador para o Rio de Janeiro, aos 18 anos. Através de um anúncio no jornal, candidatou-se e foi admitida para cuidar de um cachorro por seis meses. Passado os meses, a dona do animal percebeu sua competência administrativa e a contratou para ser sua assistente pessoal. Assim que iniciou a nova tarefa, “ela [a empregadora] me levou a um salão para um dia de princesa; fiz sobrancelha, unha e escova para melhorar minha aparência.”. Percebe-se, novamente, nessa passagem a aparição do elemento beleza nas relações de trabalho. Entretanto, nesse caso, o elemento aparece sob outra perspectiva e interpretada pela entrevistada como um gesto de gentileza. Logo após sua primeira experiência no Rio de Janeiro, a empreendedora trabalhou em outros locais, mas por mais tempo em uma loja de lingerie. Dessa vez, o elemento beleza aparece como uma auto constatação, “Engraçado, porque lá eu trabalhava na logística da loja, mas assim que alisei meu cabelo de novo, fui promovida ao financeiro. Na verdade, acho que dessa vez eu estiquei porque sabia que ficaria mais atrativa; todos me elogiaram na época.”. Ainda que o motivo de sua promoção tenha sido percebida em função do cabelo liso, afirmou, Mas não acho a dona da loja seja racista por isso, uma vez ela chegou a me defender de racismo. Fui ao banco para tratar pessoalmente com a gerente de questões que tratávamos no telefone e quando ela me viu e me identifiquei, ela simplesmente saiu de perto. Depois eu soube que ela havia ligado para a dona da loja para confirmar se ela queria mesmo que os detalhes da conta fossem partilhados comigo, pois me achou muito diferente da voz que ouvia ao telefone. Eu ainda estava sentada esperando quando, para minha surpresa, a dona da loja chegou, me apresentou novamente à gerente e perguntou o que mais lhe faltava para que me atendesse. (Luiza)

Quando questionada sobre outras situações similares, respondeu, “Eu nunca me importei ou me irritei com esse tipo de coisa; sempre que acontecia eu lamentava pela falta de informação, mas não me aborreço. Acho que sinto mais pena do que raiva.”. Segundo suas declarações, não havia motivo para se importar, pois tudo não passava de trabalhos temporários até que ela obtivesse dinheiro suficiente para começar seu próprio negócio, Na própria loja, eu sabia e percebia que as outras vendedoras, loiras, me chamavam de macaca e coisas do tipo, mas nunca repassei para nenhum superior... Sempre 36

mantive em foco de que fazia um ótimo trabalho e isso era suficiente para me manter ali. E também, como eu disse, tudo tinha um prazo para acabar. Eu só ficaria ali até juntar algum dinheiro para começar meu próprio negócio. (Luiza)

Vale ressaltar que até mesmo situações mais explícitas de discriminação não eram permitidas serem vistas como um problema. A prospecção de seu objetivo final era percebido como algo superior aos obstáculos externos. Em 2007, a entrevistada abriu seu ateliê e relatou que as dúvidas sobre a qualidade e a autoria de seu trabalho são, até hoje, seus maiores incômodos. Uma vez eu estava varrendo a frente da minha loja e um homem bem alinhado se aproximou e pediu para falar com a proprietária. Eu disse ‘Pois não?’ e ele falou que eu não poderia ajudar, só mesmo a proprietária; pedi que ele voltasse mais tarde. Quando ele voltou, uma funcionária branca e loira estava tomando conta da loja e ele logo se direcionou a ela. Ela pediu que ele esperasse, pois iria chamar a dona. Quando eu desci, ele me perguntou novamente da proprietária e eu respondi ‘Pois não?’; foi então que ele se tocou, pediu desculpas e ficou sem graça. Ele estava representando um banco e queria me oferecer um empréstimo; deixou os folhetos, foi embora e eu nunca liguei. (Luiza)

Para a empreendedora, o caso acima pode ser visto como um exemplo do despreparo das pessoas para ver indivíduos negros ocupando espaços que são, culturalmente, designados aos brancos. Para ela, a discriminação vem em um pacote social e racial, “No meu caso, que trabalho com moda, ter um nome de peso (uma assinatura), ter imagem, ter dinheiro são essenciais. O novo é como um corpo estranho. Quando me olham, o que veem é uma estranha, sem dinheiro e sem imagem.”. A empreendedora complementa relatando que mesmo nas situações em que recebe uma oportunidade de mostrar seu trabalho, passa por questionamentos e dúvidas sobre a autoria de suas peças, “As pessoas têm medo de apostar em uma promessa de inovação sem saber se dará certo. E quando me dão uma chance, eu sempre escuto: ‘Mas foi você mesma quem desenhou isso?! Você é mesmo a Luiza?!’.” Segundo a entrevistada, essa fusão entre o social e o racial acontece na medida em que há uma associação de imagem ao espaço ocupado pelo indivíduo na sociedade; ao exemplo do episódio do representante do banco, descrito acima. Já Paula, diferentemente das demais, apresentou grande bagagem emocional proveniente da infância e que a acompanharam por toda a vida. Frustações e dificuldades encontradas em sua infância, em seu trabalho enquanto pedagoga e em seu trabalho enquanto produtora de moda afro-brasileira, podem ser percebidas durante seu 37

relato. No que diz respeito à infância, a empreendedora descreveu uma muito pobre. Crescida em um bairro militar, todos seus familiares realizavam trabalhos domésticos em casas vizinhas – jardineiro, empregada doméstica –, mas sempre fizeram questão de poupar a caçula da família para que pudesse estudar. Através dos contatos feitos por seus parentes, a entrevistada cursou o ensino básico em uma boa escola do bairro, junto aos filhos dos demais moradores. “Eu ficava olhando aquela aula [aula extracurricular de balé], mas nunca pedi a minha mãe para fazer; eu sabia que aquilo estava muito longe da minha realidade.”, com ciência de suas diferenças financeiras para com os demais. Foi em uma de suas experiências da infância que a entrevistada enxerga seu gosto por moda, “Eu usava apenas as roupas que as outras meninas não queriam mais e acho que daí veio meu grande interesse por vestimenta, em geral.”. Entretanto, reconhece que houve situações em que a postura da escola demarcava o lugar que ocuparia, Na escola, por exemplo, todo ano faziam uma festa de gala, num clube, tinha dança e tudo mais. Em um ano, eu disse à professora que queria participar da dança da corte francesa. A professora então me chamou em sala e me disse que eu não poderia participar porque a dança era para meninas brancas e loiras e que não teria como pintar minha pele e colocar uma peruca. Ela disse também que havia outra dança da qual eu poderia participar, então aceitei sem nem perguntar. Minha mãe costurou minha roupa, tudo direitinho e, no fim, a dança era com todas as outras crianças negras da escola, a “Dança de Crioula”, era o nome. (Paula)

Com o tempo, certas situações discriminatórias tornaram-se cotidianas e pertencentes a sua dinâmica familiar, Toda minha vida social sempre foi dentro de casa, com minha família e nas festas que dávamos, entre nós – até porque o Clube do [Bairro] sequer aceitava negros na época. Por todas essas questões, eu sempre tive esse atrativo por roupas, sempre fazendo uma coisa ou outra para mim. (Paula)

Quando abordada sua trajetória enquanto pedagoga concursada pelo município do Rio de Janeiro, a entrevistada declarou que há muita injustiça salarial no mercado formal para mulheres e, principalmente mulheres negras, “Há muita injustiça salarial no Brasil, em todas as profissões; mas para mulher negra, principalmente. Falta reconhecimento e espaço para crescimento [teto no trabalho].”. Entretanto, não se sente prejudicada nesse aspecto, “Embora eu ache que há injustiças, não vejo problemas na minha profissão por ser uma mulher negra, pois trabalho com educação e o professor, de maneira geral, já é 38

muito pouco reconhecido.”. Mas não deixa de apontar outras questões referentes à sua profissão que lhe conferem grande desconforto, Nunca me faltaram oportunidades de trabalhar como diretora ou coordenadora, mas sempre me incomodei muito com a dificuldade para trabalhar a temática racial dentro das escolas. Antes de 2003 33, nem se cogitava falar no assunto. Outro incômodo, em relação a isso, é eu ter me tornado referência no assunto porque sou uma negra trabalhando a questão racial – as pessoas, por minha cor, me tornaram referência; mas não sou só eu que tenho que abordar, saber e tratar do assunto! Acho que isso acontece pela falsa democracia racial existente no Brasil, as pessoas negam a existência do racismo e acham que porque não o veem de maneira explícita, não precisamos falar sobre isso. (Paula)

No que diz respeito ao seu empreendimento, a entrevistada relata algumas das dificuldades que enfrenta e faz um questionamento quanto a ausência de negras e negros na liderança de grandes lojas têxtil. Meu objetivo é ter uma loja no shopping, pois vejo que as existentes vendem coisas que sei fazer muito bem; sou digna de estar lá. Mas me pergunto porque vejo as minhas peças e peças de amigas nas vitrines sendo vendidas a R$400 e nós em feiras as vendendo por R$100. Não vejo essas mulheres negras sendo as grandes donas de lojas desse tipo. E por quê? Estamos mesmo sendo passados para trás, pois hoje vemos brancos vendendo com recorte étnico e nós perdendo essas lacunas no mercado de trabalho. (Paula)

E afirma que essa ausência não é algo ocasional, Eu, por exemplo, ouso até onde consigo ir, mas chega em um ponto em que não consigo crescer mais; isso para mim é racismo. A falta de lojas com donos negros, por exemplo – seja em shoppings na zona sul ou no Calçadão de Madureira! Já fiz essa pesquisa, têm pouquíssimos, em qualquer lugar! (Paula)

Na quinta entrevista, alguns momentos difíceis enfrentados durante a juventude foram expostos, mas nesse caso, foram percebidos pela entrevistada, como práticas explícitas de racismo. Quando eu tinha 17 anos, fui fazer um trabalho de companhia a uma idosa, doente. Conversei antes com a neta da moça, super simpática e a noite, quando eu cheguei e a paciente me viu, ela começou a gritar e a dizer que não queria uma negra tocando nela. (Daniela)

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Implantação da Lei nº 10.639/2003 que obriga a todas as escolas da educação básica de ensino público e particular a ensinar conteúdos relacionados à história e à cultura afro-brasileiras.

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A reação da empreendedora foi descrita como um choque imediato, mas que, segundo ela, resultou em uma mudança de comportamento que transformou suas relações pessoais e profissionais, principalmente as que possam envolver discriminação. Ela gritou tanto que, quando eu saí, fiquei até desorientada, sem saber o ônibus que pegar para voltar para casa. Aquilo me impactou tanto que acho que foi esse dia que me fez mudar minha atitude, meu jeito. Isso me fortaleceu, pois eu saí muito abalada, chorei muito. Isso me fez mudar e encarar tudo com igualdade. (Daniela)

É possível perceber que o resultado dessa mudança representou em um afastamento das práticas que poderiam ser caracterizadas como discriminatórias. Afastamento acompanhado de um racismo sutil e quase imperceptível aos olhos. Se acontece algum racismo perto de mim, é muito nivelado, pois eu não percebo – mas acho difícil, pelas relações que eu tenho. Mas as pessoas não mostram muito, de maneira geral, essa discriminação. Ainda não aconteceu comigo, mas é muito triste. (Daniela)

Embora de maneira muito distante, a entrevistada declara a existência do racismo, mas seguido de um pensamento de sua sutileza e constante melhora; reafirmando seu distanciamento. Hoje até o cabelo da gente as pessoas gostam, mas antes eram contra, queriam alisar. Mas o racismo está aí; eu ainda não passei, se passei foi com muita delicadeza. Apenas essa de quando eu tinha 17 anos, que valeu por muitas outras. Acho que as pessoas estão mudando também. (Daniela)

Ao abordarmos sua experiência no mercado de trabalho formal, é possível perceber a reaparição de dois elementos, as limitações e o engessamento da função. A empreendedora relata situações semelhantes às demais, ao afirmar que, por exemplo, em seu último trabalho, não havia espaço para opiniões, sugestões e proposição de novas ideias. “É complicado quando você vê coisas, descoladas da sua função, acontecendo de maneira errada, mas não te dão espaço para ajudar, crescer e propor novas coisas.” Em adição a estes, outros dois elementos surgem nesta entrevista ligados aos últimos. A entrevistada faz questão de ressaltar o quanto a inflexibilidade de horários a incomoda. Para ela, o excesso de carga horária e a rigidez no seu cumprimento a impedem de realizar outras tarefas de seu cotidiano, como de galgar outros patamares. Outra coisa que muito me incomodava era a inflexibilidade de horários e essa falta de perspectiva. É desgastante trabalhar a vida inteira em lugares que te impedem de 40

fazer ou tocar outros projetos de vida. Essa rotina muito fechada não me dava nem tempo de cuidar de casa. (Daniela)

Interessante ressaltar que falando sobre seu último trabalho no mercado formal, a empreendedora faz questão de manter seu distanciamento das possíveis práticas de discriminação. Em adição, transfere o lócus da questão para o comportamento daquele que sofre o ato de discriminação. Não sofri nenhuma discriminação no hotel [em que realizou seu último trabalho no mercado formal], pelo contrário. Mas creio que quando se fala do racismo, é muito de como você procede com os outros. Se você mostra quem você é, já quebra um pouco. As pessoas ficam intimidadas, você precisa quebrar o gelo às vezes. (Daniela)

Com o intuito de ilustrar seu ponto de vista, a entrevistada relata uma experiência em que acredita que sua aceitação por parte de terceiros é fruto de um comportamento educacional, seu. Teve uma vez no meu trabalho que uma das minhas superiores não falava com ninguém e todos me diziam para não falar com ela também porque ela se sentia superior, mas não ligava, a minha educação não me ensinou isso. Todos os dias eu falava bom dia para ela e ela não me respondia; mas eu não me canso de dizer bom dia e eu sabia que um dia ela me responderia, então insisti. Até que um dia ela me disse bom dia e me pediu para fazer uma coisa; isso não teria acontecido se eu tivesse desistido. Hoje ela é minha cliente de bolsa. (Daniela)

Para a empreendedora, a persistência dessa discriminação possui uma causa, que lhe é percebida de forma nítida e que a permanece distanciando do indivíduo discriminado, “O negro tem um pouco de medo de ser igual. Você tem que ter coragem de ir, sem se intimidar. O negro tem receio de ir a certos lugares, mas eu vou a todos os lugares.”. Sua interpretação reforça sua ideia de que a discriminação é uma variável do comportamento de um indivíduo e não de uma característica fenotípica. Dessa maneira, sua ausência de experiências discriminatórias é percebida por ela como resultado de um comportamento apropriado aos locais que se transita. Na verdade, me sinto muito bem recebida em todos os lugares em que eu vou; acho que isso é reflexo de atitude, você tem que mostrar o que você é. Não me acontece porque quando eu chego, eu vou para mostrar quem eu sou e não o que querem que eu seja. (Daniela)

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Partindo para a segunda linha transversal de análise, é interessante perceber que podemos encontrar em todas as entrevistas relatos de experiências que podem conter elementos de racismo. Durante a primeira entrevista, a empreendedora relatou sua experiência em uma loja de calçados. Podemos perceber elementos de racismo, ao analisar o comportamento taxativo e crítico das demais vendedoras da loja. “Como ela consegue e eu não? Sou melhor.” É possível que a agressividade e a insatisfação na reação das demais vendedoras encontrem causa no constrangimento das demais vendedoras em não realizar um melhor trabalho do que a entrevistada. Ao esboçarem tal reação frente à única vendedora negra da loja, demonstram a surpresa por ela ter conseguido atingir sua meta antes das demais. Ainda na loja de calçados, podemos resgatar o elemento de beleza presente em seu relato, como outro possível elemento de racismo em sua experiência profissional. Sob o intuito de “melhorar sua aparência”, a empreendedora era forçada a trabalhar com quantidades excessivas de maquiagem no rosto. Nesse caso, a maquiagem pode ser interpretada como uma alternativa que disfarçasse determinadas características fenotípicas que não são consideradas as ideias para o trabalho direto com o público. Nesse sentido, o empregador da loja, encontra no uso excessivo da maquiagem, uma forma de adequar a entrevistada ao padrão de beleza que considera apropriado para o local de trabalho. No caso de Julia, os elementos de racismo podem ser encontrados nas estruturas empresariais em que trabalhou antes de se tornar autônoma. Após sua formação no segundo grau, por falta de oportunidade de acesso à universidade, a empreendedora ingressou no mercado de trabalho formal e passou a trabalhar como auxiliar administrativas em diversas empresas privadas. Embora também tenha trabalhado como concursada por certo tempo, em sua entrevista, é possível perceber sua insatisfação com o funcionamento de empresas público e privadas. “A relação de poder que existe no mercado formal sempre me incomodou [...].”. Em adição, seu relato descreve situações em que seu trabalho não só era percebido como uma ação pontual dentro da empresa, mas não possuía perspectivas de crescimento e expansão. Trabalhei em grandes empresas internacionais e todas me passaram a mensagem de que eu havia sido contratada para realizar um trabalho X e nada mais. Faziam questão de mostrar que eu não passaria daquilo, não cresceria lá dentro. (Julia)

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Situações como as descritas podem ser percebidas como consequência do chamado Glass Ceiling. O constante engessamento de função e limitações profissionais vividos repetidamente em diversas empresas pode nos levar a conclusão de que a empreendedora se deparou no mercado formal com uma barreira invisível em sua carreira administrativa. Barreira que, frequentemente, a impediu de avançar em sua organização independente de suas qualificações ou realizações. Assim como pudemos observar no relato de Maria, a terceira entrevista também contém elementos relacionados à beleza que podem ser percebidos como elementos de racismo. Embora não tenham sido interpretados pela entrevistada como tal, os esforços de sua primeira empregadora no Rio de Janeiro para melhorar sua aparência, podem ser percebidos como elemento de racismo. Nesse caso, diferentemente do caso apresentado pela primeira entrevistada, o elemento de beleza compõe o relato como algo positivo aos olhos da empreendedora. A busca por uma alternativa à aparência de Luiza é percebida por ela como um gesto de gentileza. Entretanto, assemelha-se ao método observado na primeira entrevista; a empregadora encontra na transformação da aparência, uma forma de adequar a entrevistada ao padrão de beleza que considera apropriado para seu local de trabalho. Em um segundo momento de sua experiência profissional, a empreendedora faz uso do elemento de beleza de forma consciente e, através dele, atinge um objetivo direto. Nessa situação, as ações da empreendedora foram movidas pela percepção de que os cabelos lisos lhe abririam mais portas por serem mais bem aceitos coletivamente. Ainda trabalhando nesse local, a empreendedora descreve uma situação que, para ela, reflete na ausência de racismo de sua empregadora. Ao relatar um episódio de ida ao banco, a entrevistada descreve o comportamento de uma gerente de banco ao identificála como responsável pela discussão dos detalhes da conta da loja. Nessa situação, podemos perceber o elemento de racismo no comportamento da gerente. O fato de a gerente ter achado que a voz da entrevistada diferia da imagem que possuía pode ser percebida como uma desvalorização do trabalho da pessoa negra. Ao identificar à empreendedora, a gerente enfrentou problemas para acreditar que ela desempenhava um cargo de confiança como o de assistente financeira. Outra situação descrita que pode ser percebida por elementos de racismo tomou espaço no cotidiano de seu trabalho. A entrevistada relata que outras funcionárias da loja não se entendiam com ela e a tratavam mal, inclusive, lhe atribuindo apelidos pejorativos. “Na própria loja, eu sabia e percebia que as outras vendedoras, loiras, me chamavam de macaca e coisas do tipo, 43

mas nunca repassei para nenhum superior.”. É possível perceber nessa passagem, certa semelhança com as experiências da primeira entrevistada. O elemento de constrangimento e insatisfação das demais parceiras de trabalho reaparece, mas de forma muito mais agressiva na medida em que inclui a ofensa à empreendedora entrevistada. Em 2007, a administradora e produtora de moda abriu seu ateliê e, ainda depois da entrada para o mercado de trabalho informal, descreve situações em que o elemento de racismo pode ser percebido de maneira mais nítida. A empreendedora relata um episódio em que estava varrendo sua loja quando um homem se aproxima e pergunta pela proprietária. Solícita, ela responde de prontidão, mas o homem sequer pensa na possibilidade de ela ser a proprietária e a dispensa. É possível perceber, nesse momento, que as conclusões retiradas foram baseadas em simples elementos físicos. Ao retornar à loja, se aproxima de uma vendedora branca, e a trata como proprietária. Ao ser informado de sua confusão, aguarda a chegada da mesma. Novamente, podemos perceber que as únicas informações que obtinha para acreditar que a vendedora fosse a proprietária eram elementos relacionados à aparência física. Com o objetivo de atrair novos clientes, ao perceber o erro cometido, o representante do banco não consegue apresentar nenhuma justificativa plausível para o ocorrido e demonstra, apenas, surpresa em deparar-se com a entrevistada enquanto proprietária de seu ateliê. As primeiras experiências relatadas por Paula que podem ser relacionadas a elementos de racismo também estão ligadas à sua infância. Entretanto, podemos identificar o episódio ocorrido durante os preparativos para sua festa escolar, como sendo a principal delas. Foi possível perceber, nesse caso, que o elemento de racismo pode ser encontrado no comportamento da professora. Ao negar a participação da entrevistada em uma dança e realocá-la para outra que lhe parecer mais apropriada, a professora reforça as limitações de participação e delimita um espaço de convivência, não só a ela, mas a todas as demais crianças negras daquela escola. Situações como a descrita acima, segundo relatos da empreendedora, tornaram-se parte de sua dinâmica familiar. A restrição racial ao clube do bairro reforçava a noção de que havia espaços em que não eram apropriados para a convivência de negros. Em adição, o constrangimento ocasionado por essas práticas, condicionou sua família a realizar seus encontros e festividades dentro de sua casa. Toda minha vida social sempre foi dentro de casa, com minha família e nas festas que dávamos, entre nós – até porque o Clube do Grajaú sequer aceitava negros na época. (Paula) 44

No que diz respeito a sua trajetória enquanto pedagoga, a entrevistada traz relatos que podem demonstrar, novamente, elementos de estereótipos em relação ao indivíduo negro. Sua ressalva é em relação à abordagem da cultura afro-brasileira e em torno da questão racial no ensino das escolas. Além de relatar certa relutância quanto à implantação dessa temática, encontra na falsa democracia racial o motivo pelo qual acredita existir atos de resistência. Para a empreendedora, a negação do racismo leva as pessoas a crerem que não há necessidade em abordar o assunto. Em adição, descreve o motivo descabido pelo qual é considerada uma referência no ensino da cultura afrobrasileira. Outro incômodo, em relação a isso, é eu ter me tornado referência no assunto porque sou uma negra trabalhando a questão racial – as pessoas, por minha cor, me tornaram referência; mas não sou só eu que tenho que abordar, saber e tratar do assunto! (Paula)

Quando questionada sobre suas aflições relacionadas ao seu empreendimento, a entrevistada traz a tona um elemento que voltaremos a discutir mais a frente, sobre o empoderamento de mulheres e homens negros no mercado de trabalho, seja ele formal ou informal. Ao descrever alguns de seus objetivos enquanto empreendedora, vislumbra a aquisição de uma loja física, dentro de um shopping. Entretanto, faz uma ressalva às oportunidades de acesso a locais tais como shoppings centers. Segundo a empreendedora, não há explicação para que suas peças sejam vendidas em feiras por um valor quatro vezes inferior às vendidas em shoppings. Em tempo, Paula faz uma ressalva à ausência de mulheres negras em altas posições empresariais de lojas de alta transição e, afirma que os negros têm se deixado passar para trás. Para ela, as características deste novo elemento demonstram a ausência de mulheres e homens negros em espaços de liderança. A partir desse pensamento, a entrevistada identifica uma barreira invisível compreendida como racismo, na medida em que a impede de crescer profissionalmente. Assim como percebido na quarta entrevista, Daniela relata certas situações e descreve elementos de sua juventude que podem ser considerados elementos de racismo. Podemos identificar, novamente, no episódio em que a empreendedora fora hostilizada explicitamente, a reação agressiva e taxativa que questiona a capacidade profissional de um indivíduo com base em sua cor. A reação da entrevistada foi descrita como um choque imediato, seguido de uma perda de orientação espacial, “Ela gritou

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tanto que, quando eu saí, fiquei até desorientada, sem saber o ônibus que pegar para voltar para casa.”. Já quando trabalhava no último local enquanto no mercado formal, há relatos de um episódio em que, embora a entrevistada não perceba elementos de racismo, são passíveis de identificação. A descrição é de uma situação em que uma de suas superiores do hotel em que trabalhava não lhe dirigia a palavra. Todos seus parceiros de trabalho a alertaram sobre seu comportamento, mas para a empreendedora, aquilo não passava de uma atitude de timidez. Aos olhos da entrevistada, com certa insistência, conseguiu contornar a situação e fazer com que sua superior lhe cumprimentasse de volta. Nessa situação, é possível perceber que o comportamento de sua superior não advém de uma personalidade introspectiva. O momento em que lhe dirige a palavra – momento percebido como a ‘quebra do gelo’ – também é o momento em que lhe precisa pedir ou designar uma tarefa. Podemos avaliar que o esperado primeiro contato pode não ser fruto de uma desconstrução de imagem ou de uma tentativa de aproximação da empreendedora, mas consequência de uma necessidade prática. Por fim, iremos traçar a terceira e última linha transversal proposta. Ao analisar a reação de cada entrevistada diante das práticas relatadas, experiências vivenciadas e percepções retiradas de ambas, é possível perceber um conjunto muito diverso. Embora haja entrevistadas que tenham a percepção de ter enfrentado práticas discriminatórias e experiências de racismo, também podemos perceber que algumas procuram manter certo afastamento desse tipo de acontecimento. Ao exemplo de Maria, em nenhum momento de sua entrevista a percepção das práticas e experiências enfrentadas esteve aparente. A empreendedora relatou as situações vivenciadas de maneira distante e descritiva, sem entrar em detalhes ou emitir muitas opiniões. De maneira contrária, a segunda entrevistada reforça em fala as situações por quais enfrentou e as tenha percebido como fruto de uma desigualdade de oportunidades e de acesso. “Para chegar à universidade, eu tinha que fazer um ensino científico; uma universidade esbranquiçada, constituída por pessoas da classe média-alta da cidade – que eram as que tinham condições de entrar na faculdade.”. Expôs a origem de seu desejo em ser autônoma, “Acho que no meu imaginário anticapitalista, nunca quis aturar aquilo e ser empregada de ninguém.”. Afirmou não se deixar desmerecer, “Eu já não tinha uma formação universitária por falta de oportunidade, mas sempre soube que eu estava além do que me limitavam.”. E fez questão de demonstrar orgulho das conquistas, tão suas quanto de seu filho “Hoje, tenho orgulho do meu filho, aos 35 46

anos, ter conseguido entrar em uma universidade pública; para o curso de História.”. No que diz respeito as situações referentes ao tocante de seu empreendimento, a entrevistada descreve a necessidade de determinação para persistir no mercado de trabalho informal, Depois que comecei mesmo no acarajé, a gestão ficou muito complicada; foi quando eu conheci a Incubadora Afro Brasileira. A vida toda fomos – negros, principalmente – subestimados; falam que não somos capazes. É preciso uma transformação muito grande, encontrar locais de pertencimento para conseguir seguir. (Julia)

E faz uma ressalva quanto aos incentivos governamentais para os micro e pequenos empreendedores. Para ela, o incentivo termina com o resultado oposto do que se espera, propositalmente, A maioria dos empreendedores começa por necessidade, sem acreditar que podem dar certo. Ser empreendedor não é nada fácil; tem que ser ousado, buscar informações. Eu mesma fiz um CNPJ pelo MEI 34, que diziam ser muito bom, e já estou insatisfeita; não é isso tudo. Culturalmente, o incentivo que temos é para desistir! A verdade é que ser autônomo exige muito mais responsabilidade; é ter visão, estar preparado para suprir as demandas e mudanças do mercado. (Julia)

A visão de que determinadas políticas governamentais buscam a manutenção do status quo dos micro e pequenos empreendedores também poderá ser vista no relato de Luiza. Entretanto, assim como a primeira entrevistada, a empreendedora procura manter-se a certa distância das consequências e efeitos das práticas e experiências de racismo por ela enfrentadas. Embora faça a descrição de diversas situações onde o racismo aparece com maior nitidez, faz um esforço para demonstrar que essas experiências não a afeta de maneira negativa. “Eu nunca me importei ou me irritei com esse tipo de coisa; sempre que acontecia eu lamentava pela falta de informação, mas não me aborreço. Acho que sinto mais pena do que raiva.”. Em adição, em diversos momentos da entrevista em que relatava fatos de discriminação, fazia questão de ressaltar de que não se deixava levar ou atingir, pois tudo aquilo era temporário, quase que um mal necessário para se atingir seu objetivo principal. “Nunca me senti desconfortável com o comportamento dos outros comigo, pois aquilo tinha data para 34

De acordo com o website – visitado em 13/02/2014 – do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), “O Microempreendedor Individual (MEI) é uma inovação no sistema tributário para que milhões de brasileiros formalizem os seus negócios. A nova faixa de enquadramento do Simples Nacional legaliza os empreendedores individuais que faturam até R$ 60 mil por ano e que possuam, no máximo, um empregado.”.

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acabar; eu trabalhei ali para juntar dinheiro e ponto.”. Nesse sentido, a saída do mercado formal para o mercado informal teve uma conotação libertadora, Em 2007, recebi meu diploma do SENAI e abri meu ateliê. No dia seguinte, cortei todo aquele cabelo alisado e voltei a cultivar o meu black; naquele momento eu percebi que o prazo havia acabado e eu poderia ser quem eu sempre fui! (Luiza)

Retomando a influência dos incentivos governamentais como elemento complementar à posição de mercado que ocupam, a entrevistada afirma o MEI delimita a área de atuação do Micro e Pequeno Empreendedor, O MEI, por exemplo, é um exemplo do governo impondo 08 ou 80. Ou limita os pequenos e micro empreendimentos a continuarem pequenos e micro – você só pode movimentar até R$20 mil mensais – sonhando alto ou os obriga a serem grandes com os deveres de um CNPJ e o mercado te massacra; esse é o incentivo social do MEI. (Luiza)

Quando questionada sobre a influência do racismo em suas experiências profissionais, a empreendedora respondeu sem pestanejar, afastando-se novamente dos efeitos da discriminação, “Para mim não atrapalha, mas não sei quanto aos outros.”. No caso da Entrevistada 04, as práticas e experiências de elementos do racismo a afetaram de maneira mais incisiva. No decorrer de sua descrição da infância e das dificuldades que a incentivaram seu relacionamento com a moda, suas emoções transparecem em sua fala, “Hoje já consigo falar sobre isso sem me emocionar, mas demorou muito para que eu pudesse chegar a esse ponto.”. Sua passagem pela universidade, embora não tenha sido descrita de modo a encontrarmos elementos de racismo, também apresentou comportamentos reflexos de sua infância. Embora tenha estudado e convivido em um bairro militar, a reclusão em que vivia sua vida social – principalmente devido às restrições raciais que os espaços de lazer impunham – desenvolveu algumas características introspectivas, Comecei a frequentar a psicoterapia durante a faculdade. Como era época de ditadura, eu desenvolvi uma alternativa para fugir das repressões e situações do cotidiano da época. Quando me sentia acuada, eu entrava em transe e perdia a percepção de tudo que estava a minha volta. (Paula)

Enquanto pedagoga, sua opinião mais expressa é no que diz respeito à estereotipação do indivíduo negro. Além de ter lutado pela inserção de disciplinas que tratassem a cultura afro-brasileira e a questão racial nas escolas, após sua inserção, era vista como uma 48

referência no assunto, unicamente por ser negra. Para ela, essa percepção é fruto de uma falsa democracia racial no Brasil e da falta de compreensão sobre a importância de conhecer a temática. Assim como a segunda entrevistada, a empreendedora relata sobre uma barreira invisível que a impede de ascender profissionalmente. Não te deixa caminhar. É algo quase que invisível, parece que não existe, mas ainda assim te impede de ascender. Não conseguimos alcançar patamares mais altos, mesmo com conhecimento e capacitação. E é o que falam sobre a teoria do enbranquecimento, não vejo mais como raça, mas como cor. Basta ter a pele meio clara e alisar o cabelo que sequer negro você é mais! (Paula)

Sobre as constantes dificuldades enfrentadas no mercado de trabalho informal, principalmente por trabalhar com moda afro-brasileira, a entrevistada relata uma grande convicção de seu valor e competência, mas diz que essa confiança foi adquirida após anos de tratamento psicoterápico. No mercado de trabalho informal, meu trabalho já foi chamado de “fantasia de carnaval”, “muito colorido”, “roupa para negro usar”, “muito bonita, mas não em mim”. Mas não deixei isso me abalar porque fiz muitos anos de terapia para falar da minha infância, então sempre tive muita consciência do meu valor. Convicção de seguir em frente. (Paula)

Na quinta entrevista, novamente podemos observar um afastamento dos efeitos e consequências das práticas e experiências de racismo enfrentadas. Para a entrevistada, a submissão de um trabalho no mercado formal sempre foi uma situação incômoda. Ainda que o mercado de trabalho informal tenha seus percalços, o prazer e liberdade de ser dona do próprio empreendimento valem a pena. No que diz respeito à discussão sobre racismo, a empreendedora se manteve certa de que sua existência é real, mas de que sua ocorrência é variável da postura de cada um, “Mas creio que quando se fala do racismo, é muito de como você procede com os outros. Se você mostra quem você é, já quebra um pouco.”. Sua percepção do racismo gira em torno do comportamento individual, principalmente do indivíduo negro. Para ela, os negros têm medo de serem iguais aos brancos e demonstram esse receio fechando-se em seu próprio mundo. O negro tem um pouco de medo de ser igual. Você tem que ter coragem de ir, sem se intimidar. O negro tem receio de ir a certos lugares, mas eu vou a todos os lugares. Na verdade, me sinto muito bem recebida em todos os lugares em que eu vou; acho que isso é reflexo de atitude, você tem que mostrar o que você é. Não me acontece porque quando eu chego, eu vou para mostrar quem eu sou e não o que querem que eu seja. (Daniela) 49

Ao mesmo tempo, a entrevistada faz questão de diferenciar seu comportamento, apresentando-o como justificativa da não ocorrência discriminatória com ela. Em sua percepção, não há espaço para práticas discriminatórias com quem se impõem por onde passa. No decorrer da entrevista, a conduta individual permanece sendo o cerne das questões que envolvem o racismo. Sejam elas no que diz respeito à influência do racismo nas vidas profissional e pessoal das pessoas ou em situações do cotidiano. Já ouvi amigas dizendo que foram seguidas em lojas, por exemplo. Se isso acontecesse comigo, eu não deixaria passar batido; se fizermos isso, as coisas começarão a mudar. Se nos calamos, quando eu fiz quando era nova, não muda nada. Minha cor é diferente, mas eu sou tão legal e tão boa quanto qualquer pessoa de outra cor; tenho qualidades maravilhosas. (Daniela)

Conduzindo a conversa para a conduta propensa a experiências de racismo, a entrevistada volta a mencionar a reclusão, e a recusa do negro a comportar-se de uma maneira mais bem aceitada pela sociedade, como motivos da discriminação. Para ela, a construção marginalizada do negro encontra causa em sua própria postura. Mas às vezes os negros se colocam em uma posição ruim. Eu posso até desconfiar de um negro que pode nem ser bandido, mas o jeito de falar e de se portar, te deixa na dúvida; ele não tenta melhorar, fala muito palavrão, muita gíria. Isso até tem no branco e no negro, mas o negro chama mais atenção e não tenta melhorar, acha que aquilo ali para ele está ótimo. (Daniela)

Segundo a entrevistada, em adição a uma postura que motiva sua própria marginalização, os negros possuem a tendência de se desvalorizar. “O negro tem que se valorizar, mas às vezes não aceitam. A mulher, também, a mesma coisa.”. Soma-se a isso, o desperdício de energia canalizada em aspectos mais refinados e peculiares de sua cultura. Em sua percepção, o funk que, para ela, é um exemplo de aspecto que leva a depreciação da cultura negra, ganha supervalorização em detrimento das artes da capoeira, jongo, entre outras. Outro exemplo é a falta de força disposta sobre a externalização da cultura quilombola. Para a entrevistada, o quilombo é uma parte da cultura negra que ninguém quer mostrar, mas que deveria ser exposta. Eu não sou melhor, mas tento acertar do jeito que posso. O funk, por exemplo, é uma coisa do negro e com ela veio muita discriminação, mas aí pronto, acabou o negro. Ninguém fala do jongo, da capoeira, da dança crioula, que são coisas negras, mas as pessoas não estão preocupadas em mostrar mais. Tem gente que nunca ouviu falar sobre quilombo, mas porque não tem ninguém que venha com força para mostrar o que é. É uma parte negra que ninguém quer mostrar. (Daniela) 50

A entrevista conclui-se com a percepção, por parte da empreendedora, de que o negro não apresenta comportamentos que ajudem a acabar com os processos discriminatórios. Sua conclusão é de que esse medo de se igualar, de fazer parte de espaços, culturalmente, brancos e de se aproximar de outras pessoas aumenta, inclusive, o distanciamento de negros entre negros. Segundo suas experiências, a convivência, principalmente social, é mais fácil e fluída com brancos, pois não têm o receio de se aproximar uns dos outros. Mas é isso, temos que frequentar os lugares e o engraçado é que eu frequento mais com brancos do que negros. É mais fácil minhas amigas brancas me chamarem para balada e restaurante do que minhas amigas negras, uma coisa incrível. Não é tão fácil... Agora que eu estou tentando me aproximar e puxar mais essas amizades, mas elas deixam um pouco de lado. As pessoas brancas já se aproximam mais, aquele contato de ir em casa; parece que há um distanciamento de negros entre negros, de não se ajudarem. (Daniela)

Podemos concluir que, embora de maneira bastante diversa, é possível perceber os elementos propostos pelas três linhas transversais em todas as entrevistas. A maneira diversa com a qual as entrevistadas perceberam as práticas discriminatórias descritas em seu relato nos dá a oportunidade de entender melhor as diferentes formas com que essas práticas influenciam o indivíduo negro. Autores estudados no primeiro capítulo desse trabalho, como Taguieff (2001) e Winant (2004), podem ser retomados a essa altura para ilustrar a ressignificação do conceito de raça e, consequentemente, do entendimento e das práticas que envolvem o processo de racismo e racialização. A interação conflituosa entre as diferentes categorias sociais e a fusão de significados raciais e estruturas sociais podem ser percebidas, principalmente, nos momentos em que as entrevistadas descrevem sua trajetória pessoal como parte da origem do rumo profissional que tenham levado. Enquanto algumas entrevistadas identificam a ocorrência das práticas discriminatórias e procuram utilizar os elementos que as põe em desvantagem, outras empreendedoras construíram uma espécie de barreira, em que não podem ser alcançadas pelos efeitos dessas práticas. No primeiro capítulo, a teoria de Omi e Winant (1994) sobre a influência dos acontecimentos em nível micro e macro de nossas vidas, também encontra espaço nesse comportamento visto entre as entrevistadas. De acordo com os autores, práticas discriminatórias podem acontecer em nível macro – muitas vezes através de práticas institucionais que negam o acesso e a oportunidade aos grupos subordinados –, mas 51

produzem reflexos em nível micro, onde as experiências e identidades podem ser afetadas. Determinadas experiências relatadas durante as entrevistas também nos fazem relembrar às três áreas das relações de cor, propostas por Sansone (1996); “áreas duras”, “áreas moles” e “espaços negros”. A mudança de postura diante aos episódios em que as entrevistadas encontram-se em locais e ocupando posições em que sua presença é esperada e espaços em que não espera-se que ocupem, pode ser percebida através de seus relatos; e como a interação entre raça e classe assume, nessas situações, papel importante na construção de suas identidades. Combinando essa interação entre raça e classe, é interessante ressaltar a constante repetição do problema de estagnação profissional que aflige a maioria das entrevistadas. Assim como descreve Hasenbalg (2005) em seu “ciclo de desvantagens cumulativas”, as empreendedoras, todas nascidas em famílias de baixo status, têm menor probabilidade de extrapolar as limitações ligadas a sua posição social em comparação a indivíduos brancos da mesma origem social. Segundo o autor, esse ciclo estende-se às relações de trabalho desses indivíduos, na medida em que se pode observar uma constante estagnação profissional desse trabalhador. Ocasionando, em adição, a alocação dessas empreendedoras de forma diferenciada nas principais etapas de seus ciclos de vida. Sob esta análise, o resultado obtido através das entrevistas nos indica que as práticas discriminatórias e as experiências de racismo influenciam o cotidiano profissional e pessoal dessas empreendedoras. Embora cada entrevistada tenha apresentado formas individuais de lidar com tais práticas e experiências, todas relataram comportamentos reflexos dos elementos de racismo enfrentados. A teoria de “dupla desvantagem” defendida por Soares (2000) e Figueiredo Santos (2009) encontra exemplo em nosso resultado. Segundo os autores, há algumas categorias de pessoas, marcadas por características com as quais nasceram – como sexo e cor da pele – que sofrem uma desigualdade de oportunidades, de acesso e de salários. Como exposto anteriormente, no contracheque, o homem negro recebe em torno de 5% a 20% menos que homens brancos – o diferencial cresce com a renda do homem negro – e perdem por volta de 10% por trabalharem em setores ou terem vínculo com o mercado de trabalho inferiores aos dos homens brancos. Por sua vez, as mulheres negras arcam com todo o ônus da discriminação de cor e de gênero; e ainda mais devido à discriminação setorialregional-ocupacional – superior a elas do que para homens da mesma cor e mulheres brancas. Dessa forma, a teoria da “dupla desvantagem” propõe que, se os efeitos de raça e gênero são aditivos, a mulher não branca sofreria a soma da desvantagem plena que 52

está associada a ambos os tipos de status subordinado. Em outras palavras, o grupo entrevistado enfrenta o ônus do pior dos dois mundos. O reflexo dessa teoria nas entrevistas pode, portanto, ser encontrado através dos relatos que descrevem os percalços encarados por essas mulheres negras em busca da conquista de sua independência financeira e do reconhecimento de seu trabalho. Dificuldades e obstáculos que as acompanham mesmo depois de atingirem estabilidade profissional.

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Considerações Finais Tendo em mente a sobreposição de elementos geradores de desigualdades, principalmente socioeconômicas, a última parte dessa monografia será dividida pelos cinco elementos que mais chamaram a atenção durante a análise das entrevistas: (a) Classe x Raça; (b) Padrão de beleza; (c) Emprego formal como obrigação; (d) Identificação de práticas discriminatórias; e (e) Estratégias para combater o racismo. Ao longo desse trabalho, tivemos acesso a estudos e relatos que debatiam e apresentavam a constante sobreposição dos elementos classe e raça na geração de desigualdades de oportunidade aos indivíduos negros. Autores como Guimarães (2002) e Osorio (2009) discutiram o início dos estudos sobre classe e raça no Brasil. Respectivamente, a defesa de um fator racial diluído em um conjunto de características dos indivíduos e o contexto da “condição inicial”

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da população negra brasileira

abriram caminhos para o estudo sobre a influência da raça nas oportunidades de mobilidade social desse indivíduo. Relatos retirados de fragmentos das entrevistas realizadas no terceiro capítulo indicam a ocorrência de práticas que, comumente, são desassociadas ao problema de raça. Exemplos de situações onde as empreendedoras são confundidas com outras pessoas, enfrentam desconfiança de sua competência e da autoria de seu trabalho podem ser encontradas na fala de quase todas as entrevistadas. Por sua vez, Hasenbalg, Valle Silva e Lima (1999) e Ribeiro (2006), percebem a existência de desvantagens cumulativas no processo de realização socioeconômica do indivíduo marcadas por um critério racial; e que pode ser observada através de estudos que indicam que as oportunidades de mobilidade de brancos são maiores do que as de pretos e pardos. Análises como estas demonstram a volatilidade dos discursos acerca da discriminação. Ao exemplo visto nas entrevistas, práticas discriminatórias são constante alvo de desvalorização do indivíduo discriminado. Na medida em que, ora são interpretadas como preconceito de classe e ora como preconceito de raça, perpetuam-se como formas veladas de um racismo estrutural. Como discutido anteriormente, o cerne do problema acerca do racismo estrutural encontra-se em suas práticas sutis de discriminação. Em parte das entrevistas analisadas, nos foi possível detectar um elemento, percebido por pessoas e situações diferentes

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Segundo Osorio (2009), a “condição inicial” é dada pelo pano de fundo brasileiro, construído a partir do período colonial e escravocrata que herdou ao Brasil uma composição racial da população negra associada à estratificação social.

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como conflituoso e bem-intencionado, relacionado à beleza. No caso de Maria, o elemento surge como ponto de estresse na relação entre empregado e empregador. Nessa situação, a obrigatoriedade do uso excessivo da maquiagem durante o expediente de trabalho é imposta sob o objetivo de melhorar a aparência da entrevistada. Entretanto, aqui nos cabe avaliar o sentido originário dessa imposição. Embora tenha relatado desconforto com o uso e não tenha permanecido como vendedora por muito tempo, enquanto trabalhou na loja de calçados, a empreendedora subjugou-se a uma qualificação deteriorada de sua imagem. Em longo prazo, essa situação poderia lhe resultar na introjeção de uma imagem deteriorada de si, causada por uma imposição de embelezamento. Diferentemente desse episódio, o primeiro contato da Luiza com esse tipo de situação, obteve uma conotação completamente distinta. Nesse caso, a necessidade de embelezar-se foi percebida quase que como um presente. Recémadmitida em um cargo como assistente pessoal, a empregadora da entrevistada lhe pagou um dia no salão de beleza que, dentre as sobrancelhas e as unhas, incluía o alisamento de seu cabelo. Podemos concluir dessa iniciativa, que sua empregadora quis lhe atribuir uma imagem mais bem aceita para o cargo que estava prestes a assumir. Nesse sentido, o elemento da beleza volta como um padrão que se precisa atingir, em ordem de obter maior respeito e credibilidade ao desempenho de uma função. Ainda antes de tornar-se autônoma, a mesma entrevistada relatou um segundo contato com a questão da beleza. Trabalhando na parte de logística de uma loja de peças femininas e em busca de uma promoção, a entrevistada descreveu como um novo alisamento no cabelo lhe atribuiu elogios e um cargo no departamento financeiro. Embora distante do comportamento visto na primeira entrevista, a postura da Luiza também pode lhe resultar em problemas relacionados à autoestima. Uma vez que compreendesse e incorporasse o tratamento diferenciado que possui com cabelos crespos e/ou alisados, a empreendedora corre o risco de, em ordem de ter maior aceitação, negar suas próprias características físicas e, assim como a primeira entrevistada, passar por um processo de introjeção deteriorada da imagem de si. No que diz respeito às suas experiências no mercado de trabalho formal, pudemos perceber que em todas as entrevistas houve relatos de experiências que podem conter elementos de racismo. Embora nem todas as entrevistadas percebam as situações destacadas como experiências de racismo em seu espaço de trabalho, a maneira como descrevem e reagem a esses episódios nos indica uma postura de tolerância a esse comportamento. Nos trechos em que fala sobre o assunto, a maioria das 55

empreendedoras descreve situações que são, por elas, interpretadas como efeitos da competitividade entre colegas de trabalho. Mas de forma contrária, repudiam as atitudes que caracterizam preconceituosas. É possível encontrar relações ambíguas com o mercado de trabalho, na medida em que enxergam seu emprego formal quase como uma prisão. Em parte das entrevistas, há relatos que comentam explicitamente sobre a necessidade e seguridade de ter uma carteira assinada e do quanto à saída para o mercado de trabalho informal representou as desamarras de uma relação de poder desigual entre empregador e empregado. Ao que se pode tirar de seus relatos, as entrevistadas parecem viver experiências de racismo e enfrentá-las como percalços do mercado de trabalho formal e obstáculos à sua emancipação, pessoal e profissional. Para além de uma mera obrigação trabalhista, o comportamento das entrevistadas em relação às práticas discriminatórias vivenciadas dentro e fora do mercado de trabalho também pode ser entendido como uma negação à sua ocorrência. É interessante perceber que, até mesmo nas situações que são percebidas como experiências de racismo, os relatos da reação da maioria são compostos por indiferença. Embora reconheçam a existência do racismo e, em algumas entrevistas, percebam sua própria vivência sobre ele, de modo geral, não se consideram vítimas de discriminação. O que parece estar em jogo é a escolha por uma postura derrotista versus uma postura de distanciamento, onde as entrevistadas se colocam como indivíduos que não se deixam abater pelo racismo alheio. Em alguns casos, é possível observar a autoprodução de uma barreira psicológica que lhes afasta a sensibilidade da percepção. A título de exemplo, vale lembrar trechos descritos por Daniela em que afirma ser a discriminação racial um problema de comportamento do indivíduo discriminado. Para a empreendedora, experiências de racismo não lhe são comuns, pois busca sempre manter uma postura que impeça o outro de discriminá-la. À luz do livro “Tornar-se Negro” de Neusa Santos Souza (1983), podemos observar nesse comportamento o custo emocional do indivíduo negro à sujeição, à negação e ao massacre de sua identidade original; culminando na construção de um discurso do negro sobre o negro. Mas será possível conciliar esse comportamento a estratégias de combate ao racismo? Como pudemos observar nos últimos dois elementos discutidos, embora dotadas de reações distintas, em algum momento de seu relato, todas as entrevistadas apresentaram estratégias para “vencer” o racismo. Sejam elas de combate, indiferença, distanciamento ou desvalorização. Ao exemplo de descrições de atitudes proativas, apáticas, insensíveis e repressivas frente às situações que puderam conter elementos de 56

racismo. Em vistas a todas as discussões aqui fomentadas, podemos concluir que todos esses comportamentos constituem em estratégias para que a ocorrência do racismo não seja sinônima de fracasso, vitimização ou condicionante das escolhas realizadas nos âmbitos pessoal e profissional. Às vistas do conteúdo produzido até o presente momento, é possível concluir que o racismo apresenta influências reais nas decisões e estratégias de posicionamento de empreendedoras negras. Em adição, os levantamentos realizados acerca dessa influência demonstram que esse racismo é de origem estrutural, pois se encontra incorporado não só às instituições econômicas, políticas e sociais, mas ao comportamento cotidiano e inconsciente da população brasileira. Nessa medida, vale ressaltar a importância de um estudo mais aprofundado sobre as raízes e os desdobramentos do racismo estrutural. Essa monografia apresenta apenas uma contribuição no sentido de promover a consciência sobre as práticas discriminatórias, que se apresentam hoje, veladas. E incentivar à transformação das estruturas que carregam o estigma acerca do indivíduo negro.

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ANEXO A

Nome: Sexo: Idade: Cor: Escolaridade: Ocupação: Renda (proveniente do empreendimento):

1.

Você já trabalhou no mercado de trabalho formal?

2.

Porque não quis [mais] trabalhar no mercado de trabalho formal?

3.

Qual o principal motivo pelo qual saiu de seu trabalho anterior?

4.

Em seu trabalho anterior, o que você considera ter sido sua maior dificuldade?

5.

Porque você decidiu se tornar empreendedora autônoma?

6.

Em seu empreendimento, o que você considera ser sua maior dificuldade?

7.

Por sua experiência, valeu a pena migrar para o mercado de trabalho informal?

8.

Você já ouviu falar em racismo institucional? Em alguma de suas relações de

trabalho, pôde perceber sua presença? 9.

Em sua opinião, o racismo atrapalha?

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