A ensaística teatral: texto, espaço e utopia / The Theatre Essay: Text, Space and Utopia (2010)
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[In: Poéticas do Ensaio, Rosa Maria Goulart (Coord.), Centro de Literatura Portuguesa, Coimbra, 2010, pp. 117-‐‑130]
A ensaística teatral: texto, espaço e utopia Fernando Matos Oliveira (Universidade de Coimbra)
Resumo: O texto que se segue assinala o paralelismo entre a abertura, a dicção prospectiva e utópica do ensaio enquanto género moderno, por um lado, e a emergência de um pensamento autoreflexivo e propriamente diferenciado sobre o género que chamamos teatro, por outro lado. Para ilustração deste argumento, recorro sobretudo às obras de Antonin Artaud, Bertolt Brecht e Peter Brook. Nestes autores, o trabalho inclusivo e a epistemologia crítica que o ensaio historicamente cumpre manifesta-‐‑se na concepção do teatro enquanto experiência sensorial e laboratório social. O referido paralelismo ratifica a metafórica comunitarista associada à cena, mas desafia também os limites da própria escrita ensaística. Pode o ensaio cruzar a linha especulativa e aspirar àquele “fazer” que desde J. L. Austin caracteriza o acto performativo e o próprio discurso contemporâneo sobre a performatividade? Pode o registo ensaístico activar o corpo social ou apenas mimetizar através do acontecimento da escrita? O ensaio teatral, em alguns dos seus representantes mais impressivos, origina a este respeito um discurso profundamente oblíquo: a ontologia do seu objecto oscila entre o êxtase festivo de um instante absoluto e o palco gregário da comunidade porvir. The Theatre Essay: Text, Space and Utopia Abstract This paper suggests a parallel between the openness, the prospective and utopian diction of the essay as a modern genre, on the one hand, and the emergence of a self-‐‑reflexive and properly differentiated perception towards a genre known as theatre, on the other. Empirical support for this claim will be drawn from the work of Antonin Artaud, Bertolt Brecht e Peter Brook, among other. In the writings of these authors, the inclusive and critical work typical of the essay is present in their understanding of theatre either as a special sensorial experience or as social laboratory. The above-‐‑mentioned parallel underlines the communitarian impulse associated to the scene, but it also challenges the limits of essay writing itself. Can the essay cross the speculative line and aspire to the “doing” which, since J. L. Austin, characterises the performative act and the contemporary discourse about performativity? Can the essay activate the social body or can it only represent it through writing? The theatre essay, especially in the case of some of its most impressive protagonists, produces in this respect a profoundly oblique discourse: the ontology of its object moves between the festive drive of an absolute instant and the gregarious stage of the community yet to come.
1. Entendido num sentido etimológico, enquanto espaço onde ocorre um espectáculo ou mais estritamente como encenação de um texto, o teatro não foi durante largo período motivo relevante no discurso de cariz ensaístico. É certo que a consulta de um qualquer manual de teoria teatral -‐‑ bastaria percorrer para o efeito um estudo antológico de referência como o de Marvin Carlson -‐‑, nos permitiria reunir um conjunto significativo de reflexões mais ou menos enfáticas sobre o teatro, incluindo a sua dimensão óptica ou espectacular, os textos escritos para a cena ou os aspectos relacionados com os actores e a representação. No entanto, a existência deste arquivo crítico, em geral dominado por um regime normativo assente nas prescrições da poética clássica, complementado por diversas demarcações estéticas e reflexões ocasionais sobre a encenação, não se traduziu, salvo raras excepções, num corpus ensaístico especialmente denso ou suficientemente diferenciado. Admitamos que avançar com este tipo de discriminação temática, individualizando o ensaio dedicado ao teatro, limita a abertura e transversalidade do ensaio em si, bem como a sua afinidade fundadora com o devir crítico da modernidade no seu todo. O teatro é, apesar de tudo, apenas um elemento numa tradição discursiva que tende a acomodar a relação perturbada do sujeito com o palco do mundo. Ainda assim, entre as excepções dignas de nota neste arquivo pré-‐‑novecentista, deveríamos obviamente destacar textos maiores como o Paradoxo sobre o Actor (1773) de Denis Diderot ou Sobre o Teatro de Marionetas (1810) de Heinrich von Kleist. Ambos contribuem de modo decisivo para o avanço na diferenciação do ensaísmo teatral, um processo que atingirá o seu ponto de viragem na primeira metade do Século XX. Mais do que isso, a escrita de Kleist antecipa a deriva suicidária da razão instrumental que o ensaio em geral se propõe negociar na sua fase da maturidade, nas primeiras décadas de Novecentos. A busca dramática de um sentido para a experiência coloca Kleist na antecâmara da crise modernista, tal como a dispersão do sujeito se manifesta no carácter digressivo e integrador do ensaio, justamente quando busca resgatar pelo discurso os malefícios da modernidade. As marionetas de Kleist convocam a metafórica teatral, mas prefiguram sobretudo uma personagem (e assim uma linguagem) capaz da máxima fidelidade à intenção do ser, imune ao ruído do instante ou dos afectos. Obedecendo por si, «de maneira mecânica, sem qualquer outra intervenção», as marionetas sugerem uma saída para a incomunicabilidade mais profunda, um «caminho» que pudesse percorrer em fidelidade máxima «da alma ao bailarino» (Kleist, 2009:134-‐‑135). A marioneta é portanto o modo que o ensaio de Kleist sugere para corrigir a divergência entre o sujeito e o mundo; de certo modo precede e sucede à descoberta da forma do teatro no período que hipostasia a refracção ensaística. Na primeira metade do séc. XX, não só o ensaio adquire maior visibilidade e se converte num operador investido de propriedades a um tempo críticas e redentoras, como o ensaísmo especificamente dedicado ao teatro toma finalmente consciência de si, se assim se pode dizer. Significa isto que a escrita sobre o teatro toma agora consciência da especificidade expressiva, comunicativa e material do seu objecto, de um modo novo e com consequências decisivas para o futuro das artes do espectáculo. O que proponho é portanto um duplo paralelismo crítico entre o processo histórico de saturação adorniana da forma1 do ensaio -‐‑ a escrita contingente pedida pela Uso aqui o conceito de forma no sentido que Theodor Adorno lhe atribuiu no texto «O ensaio enquanto forma», publicado a abrir o primeiro volume das Notas sobre Literatura (Cf. Adorno, 1975).
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dispersão moderna -‐‑ e a diferenciação plena da forma do teatro. Com o andar do século XX, a auto-‐‑reflexividade que alimenta os géneros ensaísticos potencia a diferenciação crítica da cena no âmbito do sistema das artes e faz avançar a experimentação da sua própria linguagem. Deste modo, podemos observar que à escrita contingente do ensaio corresponde a percepção crítica do espaço contingente do próprio teatro, o qual explicita, enfim, a sua dimensão não-‐‑verbal, espacial e comunicativa. Para uma demonstração preliminar deste paralelismo, privilegio alguns aspectos do ensaísmo teatral de Antonin Artaud, Bertolt Brecht e Peter Brook. 2. Publicado originalmente em 1938, O Teatro e o seu Duplo ocupa neste processo um lugar decisivo, porque ilustra, como nenhum outro, o movimento concêntrico que ocorre entre a afirmação do ensaio e o processo de autonomização crítica do teatro. Importa observar que é a forma do ensaio que permite a Antonin Artaud algo de inestimável para a sua demanda pessoal: nem mais nem menos que a possibilidade de articular de modo não-‐‑ coercivo (uso o termo em sentido adorniano) a contingência do teatro-‐‑espaço, justamente quando o ensaísta pretendia, por sua vez, libertar a cena teatral da coerção textualista que desde há muito a condicionava. O quadro geral desta operação efectuada n´O Teatro e o seu Duplo torna-‐‑se evidente quando se associa a uma inversão perceptiva de grande impacto, reconfigurando o sistema dos signos teatrais, dando agora caução à corporeidade, à espacialidade e a formas de experiência e comunicação não mediadas pelo verbo. Não deixa de ser sintomático que esta caução coincida com a emergência e a dignificação criativa da encenação nas artes do espectáculo, anunciada por um conjunto diverso de autores ao longo das primeiras décadas do séc. XX. Numa secção sugestivamente intitulada “A Metafísica e a Encenação”, Artaud assume que a cena deve superar a coerção da palavra, já em si degradada pelo tráfico publicitário que dominava a urbe moderna. A hegemonia da linguagem verbal não alimentaria ao tempo mais do que um «teatro degradado», entorpecido quer pelos diálogos psicologistas, quer pela repetição de fórmulas e réplicas gastas pelo tempo. Este espectáculo é recusado em nome de um teatro não-‐‑verbal e de uma experiência que pudesse ir além da palavra articulada. Diferenciar entre «teatro» e «discurso» constitui, pois, um desígnio do projecto artaudiano no que diz respeito à renovação da cena, como podemos inferir a partir do seguinte excerto: «Por que razão é que no teatro, pelo menos no teatro como o conhecemos, na Europa, ou melhor, no Ocidente, tudo o que é especificamente teatral, ou seja, tudo o que não pode ser expresso pela fala, pelas palavras, ou se preferem, tudo o que não está contido no diálogo (…) é relegado para segundo plano? O que me parece agora essencial é determinar em que consiste esta linguagem física, esta linguagem solidificada, materializada, por cujo intermédio é possível ao teatro diferenciar-‐‑se do discurso.» (op. cit.: 42) A dificuldade aplicar ou em extrair da sua obra normas concretas para a actividade teatral resulta, em primeiro lugar, da afinidade entre a escrita de Artaud e o carácter assistemático e inclusivo do próprio ensaio. De facto, o propósito do ensaio passa justamente pela afirmação da dissonância e pela resistência ao valor de uso que a ratio moderna impunha de modo mais ou menos totalitário. O carácter aberto inerente ao ensaio afasta Artaud quer do manual de instruções, quer do ensaio disposto ao compromisso pedagógico.
Se Kleist buscava através das marionetas uma linguagem para o problema expressivo do sujeito, Artaud busca no teatro uma linguagem «cifrada», capaz de sintetizar a dissonância do seu tempo, cruzando assim a vocação reflexiva e inventiva que se concentra na epistemologia híbrida do ensaio. É aliás sintomático que a «linguagem cifrada» que propõe coincida com o desejo em explorar todo um conjunto de anomalias da fala. Vejamo-‐‑lo no seguinte excerto: «Não se trata de suprimir a palavra articulada, mas de conferir às palavras, aproximadamente, a importância que têm nos sonhos. Quanto ao resto, há que encontrar novos meios de anotar esta linguagem, quer sejam meios que se aparentam com os da transcrição musical, quer se utilize uma espécie de linguagem cifrada (…) E, para mais, estes gestos simbólicos, estas máscaras e atitudes, estes movimentos singulares ou de conjunto, cujas inúmeras significações constituem uma parte importante da linguagem concreta do teatro, gestos evocadores, atitudes emotivas ou arbitrárias, martelar enlouquecido dos ritmos e dos sons, desdobrar-‐‑se-‐‑ão, multiplicar-‐‑se-‐‑ão em gestos e atitudes reflexos, constituídos pela acumulação confusa de todas as atitudes frustradas, de todos os lapsos do espírito e da língua através dos quais se manifesta o que se poderia chamar as impotências da fala…» (Artaud, 2006: 104). O Teatro e o seu Duplo é, pois, um marco decisivo na fundação do ensaio teatral do século XX. A contingência da forma revela-‐‑se na sua estruturação fragmentária, nas ocorrências redundantes, na conceptualização pessoalíssima de uma arte milenar, na criação de um léxico que integraria o dicionário das artes do espectáculo para o futuro: a peste, a crueldade, a alquimia, a magia e a feitiçaria são hoje vocábulos marcadamente artaudianos. A ausência de um trabalho de encenação que pudéssemos ao menos usar como evidência empírica da sua escrita, fez com que a ressonância deste léxico tenha operado criticamente por contágio e infecção. O teatro dos últimos cem anos permite-‐‑nos sobretudo recolher sintomas artaudianos. Na verdade, o próprio autor sugere que o teatro deveria operar como a medicina chinesa e chegar aos estados subtis através da punção física. A este léxico singular junta-‐‑se um conjunto de enunciados sintagmáticos próximos da dicção mista do ensaio, como «verdades secretas», «poesia do espaço», «musculatura afectiva», «valor ideográfico», «sucções de ar» ou «estados filosóficos da matéria». Este processo de estranhamento referencial testemunha a filiação ensaística do texto e boicota a emergência de uma teoria sobre a cena. As palavras de Maurice Blanchot a que a edição portuguesa recorreu para a apresentação da obra, vindas de um especialista nas artes da decifração, traduzem bem a situação do leitor d’O Teatro e o Seu Duplo: «Aprendemos o que não chegamos a saber: que o facto de pensar não pode deixar de ser perturbante; e que o que há a pensar é no pensamento o que se desvia dele e nele se esgota inesgotavelmente». É esta fidelidade ao subjectivismo crítico do ensaio, como referia acima, que permite ao autor esboçar os termos de um teatro do futuro. Para o efeito, recorre a uma estratégia contrastiva que encontraremos nos três autores que aqui convoco, opondo «teatro digestivo» a «teatro da crueldade». O primeiro agrega as patologias da cena que se recusa, com destaque para o textualismo e para o psicologismo de pacotilha. A aversão ao espectáculo das «dorsinhas de consciência» abre finalmente caminho para a «poesia do espaço», ou seja, para tudo aquilo que pudesse sustentar uma nova relação entre as palavras e a materialidade das coisas do palco. A longa citação que se segue ilustra em três parágrafos a tonalidade da sua escrita, um modo quase silogístico e paradoxal de solicitar a experimentação material e
física do espaço, a reconfiguração epocológica do lugar da palavra, enfim, ilustra a metafórica conceptual que insinua para não trair, que evita aclarar demasiado para não obscurecer: «Não posso deixar de afirmar que o domínio próprio do teatro não é psicológico, mas plástico e físico. E não se trata de saber se a linguagem física do teatro é capaz de conseguir as mesmas soluções psicológicas que a linguagem das palavras, se é capaz de exprimir sentimentos e paixões tão bem quanto as palavras, trata-‐‑se sim de saber se não há, no domínio do pensamento e da inteligência, atitudes que as palavras sejam incapazes de fixar e que os gestos e tudo o que participa numa linguagem espacial atinjam com muito maior precisão (…) Não se trata de suprimir a fala, no teatro, mas de lhe alterar a finalidade e especialmente de reduzir a posição que ocupa, de não a considerar como um meio para conduzir as personagens humanas aos seus fins exteriores (…) Transformar a finalidade da palavra, no teatro, é utilizá-‐‑la num sentido concreto e espacial, combinando-‐‑a com tudo o que no teatro é espacial e significativo no domínio do concreto; é manipulá-‐‑la como um objecto sólido, um objecto que perturba as coisas, primeiro na atmosfera depois num domínio infinitamente mais misterioso e secreto, mas que é susceptível de extensão; e não será muito difícil identificar este domínio secreto, mas extenso com o domínio duma anarquia formal contínua» (2006: 78-‐‑79) O texto encerra com uma boa síntese da escrita ensaística, que podemos efectivamente associar a uma «anarquia formal contínua», no sentido em que este é o seu regime referencial e a sua resposta à objectificação que veio a dominar a modernidade. A condição anárquica do teatro artaudiano alimenta-‐‑se da mesma recusa praticada pelo ensaio: ambos são formas de resistência e de inquirição, ambos operam sobre a falência da verdade totalizadora que regulava os géneros até então. Mas se a hipertrofia crítica sustenta no início do século o triunfo do ensaio, no teatro esta demanda traduz-‐‑se na auto-‐‑reflexidade que vem a legitimar a condição artística da encenação. Até então, a encenação enquanto transposição do texto para a cena era simples «projecção de duplos físicos», importados a partir da autoridade (idealizada) do texto. Só a encenação entendida como «linguagem teatral pura» faria avançar a adivinhação do concreto, a manipulação dos volumes, da luz e do som. Artaud chega mesmo a referir-‐‑se à «dignidade intelectual» da encenação e questiona de modo definitivo a sua relação assimétrica com o dramaturgo. Apenas através da arte da encenação o teatro poderia abandonar efectivamente as artes decorativas e fazer o sujeito pensar com o corpo inteiro, na potência total do espaço cénico. Com a substituição da «poesia da linguagem» pela «poesia no espaço», o teatro estaria em condições superar o idealismo estético que separava arte e vida e contribuir pelo intelecto e pelos sentidos para alterar a experiência das coisas (id.:43)2. A exigência deste teatro leva-‐‑o a proceder a descrições iterativas, num esforço de aproximação progressiva ao objecto. Confronta e compara com a percepção cinematográfica emergente, imagina um palco giratório que pudesse vitalizar a comunicação entre cena e auditório, motiva o gesto, sugere pesquisas de teor «ideográfico» e a necessidade de tocar o
A diferenciação do que é especificamente teatral ocorre em diversos momentos do ensaio: «Eis o que me parece, de facto, uma verdade elementar que deve preceder todas as outras: o teatro, arte independente e autónoma, tem de demarca bem, para poder ressuscitar ou simplesmente viver, tudo o que o diferencia do texto, do mero discurso, da literatura e de todos os outros meios de expressão escritos e fixados» (id.: 118).
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perigo, através de «imprevistos de carácter objectivo» (Id.: 48). Como é bom de ver, a urgência deste teatro oculta o mesmo trauma nostálgico que contamina a ensaística no instante crítico da modernidade. Existe no ensaio de Artaud uma linguagem absoluta e uma crença no teatro por vir: «Tal como a peste, o teatro refunde todas as ligações entre o que é e o que não é, entre a virtualidade do possível e o que já existe na natureza materializada» (id.: 31). Mas a imagem muito divulgada de um Artaud ritualista, missionário de um teatro de comunhão festiva e visceral – o adepto da «devassidão intemporal» (id.: 86) -‐‑ está longe de corresponder ao que nos é dado para pensar. O uso de verbos como «restituir», «ligar» e «reinstruir» denuncia um mínimo gregário e utópico, que o autor não deixa contudo resvalar para a prédica superficial: «Não sou daqueles que crêem que a civilização terá de mudar para que o teatro mude; mas creio, de facto, que o teatro, utilizado num sentido o mais elevado e complexo possível tem poder para influenciar o aspecto e a formação das coisas.» O seu ensaísmo teatral deseja efectivamente contraditar o circuito fechado dos bens simbólicos, através de um teatro de acções simultaneamente «profundas» e «eficazes». Para promover a «eficácia intelectual da arte» que a equação do ensaio historicamente supõe, não hesita em avançar ele próprio, a 6 de Abril de 1938, com a leitura encenada da secção intitulada “O Teatro e a Peste”, na Sorbonne. Trata-‐‑se de um gesto deveras sugestivo: mediante a leitura encenada, o ensaio deseja cruzar a fronteira entre texto e espectáculo, coloca-‐‑se na antecâmara do “fazer” performativo, enfim, constitui-‐‑se ele mesmo como voz, presença e acontecimento. Digamos que a condição reflexiva e criativa da escrita ensaística assume através do acontecimento da leitura encenada a condição de um verdadeiro Ersatz performativo. 3. Independentemente de outras considerações históricas e críticas, a relação entre o teatro e o ensaio possui um carácter conspícuo. O modelo comunicativo teatral integra há muito a disposição utópica que podemos reconhecer igualmente no ensaio, seja na sua emanação reflexiva (hermenêutica) de origem, seja no trabalho de resistência negativa de cariz adorniano que o caracteriza. O ethos comunitário do teatro, modelado em torno do anfiteatro Antigo, aproxima-‐‑se bastante daquele mimetismo tribunalício mencionado por G. Luckács, quando destacava a capacidade do ensaio para expressar a efemeridade múltipla da vida contemporânea: «O ensaio é um tribunal, no entanto, o mais importante e decisivo não é a sentença em si, mas o processo do julgamento»3. Abstraindo a tonalidade dialéctica da afirmação, ao discurso ensaístico interessa, pois, a mobilidade processual, a inquirição, a análise, o desfile dos objectos e a auscultação das motivações, sem pressa ou obsessão pela produção da sentença. Se esta mobilidade processual procura captar a respiração múltipla da vida moderna, o teatro apresenta-‐‑se historicamente como uma arte da corporização especialmente disponível para a audiência pública, para a mediação comunitária e até, em casos radicais como o de Augusto Boal, para a judicialização completa da cena, visível nas experiências com o “teatro do oprimido” e com o “teatro legislativo”. Georg Lukacs, «Über Wesen und Form des Essays. Ein Brief an Leo Popper (1910)» In: Deutsche Essays. Prosa aus Zwei Jahrhunderten, 1972, Vol. 1, p. 47.
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Os escritos de B. Brecht, pese a hermenêutica cerrada que a crítica (mais do que o autor) veio a cristalizar em torno do conceito de teatro épico, revelam a disposição reflexiva própria do ensaio e ilustram de modo enfático a maturação do pensamento sobre a cena, nas primeiras décadas do século XX. Trata-‐‑se de um ensaísmo apostado em emagrecer o lastro idealista que entendia ainda demasiado evidente em autores como Georg Lukács. É certo que o próprio Lukács reconheceria certo romantismo na sua teorização sobre o devir do romance enquanto forma, mas para Brecht não bastava avançar com uma analítica histórica tocada pela nostalgia hegeliana; era necessário abordar a sociedade contemporânea com renovada frontalidade: «O Homem não se torna de novo humano escapando às massas, mas antes entrando por elas adentro» (Brecht, 1988, 22:457). Aqui reside a dimensão material do ensaísmo teatral brechtiano, constituído por um conjunto vasto de textos, formas e tonalidades, escritos longo de toda a sua vida adulta. Entre 1914 e 1956, a meditação sobre o teatro surge-‐‑nos em textos avulsos, reflexões sobre as suas encenações, entrevistas, artigos publicados em diversos suportes, colaborações na rádio, entre outros. A internalização do vivido que distingue o ensaio em geral cruza-‐‑se em Brecht com o desejo de implicar o teatro na cena social e pensar o espectáculo para além das aparições superficiais. O seu repetido interesse pela Sociologia confirma o apreço pela reflexão crítica sobre a estruturação societária, que entendia responsável pela produção de todo o amplexo das formas de experiência humana, incluindo a experiência da arte, que assim mantém um vínculo primordial com a vida. A Sociologia supunha não apenas o conhecimento das relações entre os seres humanos -‐‑ a experiência sociológica tinha essa vantagem inestimável de apresentar os antagonismos sociais sem os diluir – mas facilitava ainda a admissão do feio, uma categoria repetidamente segregada pela tradição estética ocidental. A 11 de Janeiro de 1929, quando participa com o Fritz Sternberg num programa de rádio, a sua resposta é clara: «No que diz respeito ao teatro e ao drama, a Sociologia permite-‐‑ lhe a si e a nós, Sr. Jhering, revolver por completo tudo que está debaixo da terra.» (id.: 1988, 21: 202). Como em Artaud, subsiste na sua argumentação um arqui-‐‑inimigo teatral: o teatro velho. Existe todavia de modo muito específico, também um público, uma textualidade e toda uma cenografia a superar. Acabar com o teatro velho e refazer a cena implicava, desde logo, inverter a lógica de “claque” que grassava entre os espectadores. O público da época moderna deveria aceitar o desafio da representação auto-‐‑reflexiva; a apreciação sensorial deveria ser complementada pela promoção daquilo a que chama um «público especulativo», disponível para um espectáculo imperfeito, de personagens imperfeitas e histórias incompletas. Como as cenografias do novo teatro, o palco deve promover a experiência do que é provisório e transitivo, em lugar do teatro acabado de heróis. Pelo meio, despede-‐‑se de um vocabulário que perde direitos de cidadania, porque conceitos como «criação», «possessão» ou «alma» seriam devedores de um falso entendimento da relação entre a vida e a arte. Brecht recorre ao teatro de Piscator (Piscatorbühne) para desenhar o caminho a seguir pelo teatro moderno, destacando as enormes possibilidades expressivas inauguradas pelo autor do Teatro Político. Em 1928, a sua adaptação de As Aventuras do Bravo Soldado Schweik, de Jaroslav Hasek, com cenografia de Georg Grosz, utiliza projecções e diversas técnicas documentais que merecem a sua admiração. A encenação afirma-‐‑se como um procedimento próprio, em relação com a textualidade, no sentido em que compreende a gestão de todos os elementos do espectáculo que actuam no momento da representação como doadores do sentido.
Da leitura dos seus escritos sobre teatro emana uma concepção de encenação que incorpora ela própria uma dimensão experimental (ensaiar com vista à apresentação de um espectáculo era para o autor um período de experimentação e de compreensão), já que problematiza, experimenta os materiais, questiona as relações e as estruturas sociais. O espaço da cena aproxima-‐‑se de um laboratório, onde se observam e comentam as relações humanas, para além mesmo das pessoas que de facto se cruzam com o nosso olhar: «Quando representamos um espaço, concebido por seres humanos, devemos perseguir as suas acções e atitudes. O aspecto de uma casa, por exemplo, é determinado por muitas pessoas, inclusive pelas pessoas que nela não habitam» (Brecht, 1988, 22:242). Neste âmbito, as reflexões dos anos 20 e 30 apresentam uma radicalidade que precede certa ordenação marxista e épica do autor tardio. O que afirmou sobre o valor de uso de objectos e formas da cultura, ao referir-‐‑se ao conceito de Materialwert, por volta do ano de 1929, é deveras ilustrativo. Estes textos sugerem e pretendem legitimar a re-‐‑significação dos materiais disponibilizados pela tradição cultural, em nome do presente, mediante um exercício violento de apropriação de clássicos modernos e contemporâneos. O primeiro dos fragmentos defende o trabalho de adaptação que Leopold Jessner, director do Staatstheater de Berlim, havia feito com Fausto de Goethe, apesar da amputação a que sujeitou o original. Com esta posição, Brecht questiona a ética autoral da cultura burguesa, que tendia a associar experiências com as de Jessner ao plágio ou mesmo à simples pilhagem cultural (id.: 285). No segundo texto, o tom abeira-‐‑se da provocação, ao sancionar a destruição das produções de arte feitas em madeira, quando os vândalos invadem Roma. Não se trataria de fanatismo anti-‐‑estético, mas simplesmente da passagem de certas obras à condição mais absoluta de material de uso: «A madeira, por exemplo, produziu fogo, porque não havia sensibilidade para a escultura» (id.: 288). Pese a ferocidade do exemplo, ele sugere que todos os elementos em cena trabalham e possuem eles próprios a condição potencial de qualquer outra materialidade expressiva. É certo que o ensaísta que assim escreve aparenta acomodar a tradição com o desprendimento das experiências vanguardistas, sempre dispostas a parasitar a tradição. No entanto, na perspectiva que nos importa, o que Brecht propõe é apesar de tudo uma terapêutica para a saturação da memória e para a parálise do edifício teatral. Contra a musealização da cena e o silenciamento social do teatro, Brecht propõe a apropriação criadora; contra a redução da encenação à decoração padronizada do espaço, defende a sobriedade objectual da cena, onde uma cadeira poderia já ser demasiado; finalmente, no lugar da crítica ao serviço do teatro, prefere ver a crítica ao serviço do espectador. A ensaística de Brecht, nomeadamente na fase fulgurante e sumamente fragmentada dos anos 20 e 30, expõe de modo particularmente intenso os limites da internalização do vivido. Algum tempo depois, Peter Brook afirmaria que a única forma de encenar Shakespeare passava por uma questão muito simples: era obrigatório redescobrir as peças como coisas vivas (Brook, 1987:97). Redescobrir, reutilizar e reciclar é ainda parte da releitura a que o ensaio do pobre B.B. sujeita a tradição do teatro. 4. Vimos que no ensaio de Artaud se jogava a abertura a uma nova espacialidade, capaz de expressar a contingência gerada pela própria experiência da vida moderna; por isso o teatro apela de modo crítico para a «cultura dos gestos», de modo a revitalizar a saturação da «cultura das palavras» (id.: 121). Entendido como expressão furtiva da «passagem e da transmutação das ideias em coisas», o teatro alcançaria algo mais substancial do que a mera
troca verbal dos sentimentos mortificados do espectáculo dominante, já incapaz de chegar à experiência do indivíduo. Neste sentido, utilizar o palco como mero espaço de verbalização do literário seria para Artaud (a imagem é sua), algo equivalente à redução da monumentalidade das pirâmides ao nicho que acolhe o sarcófago (id.: 119). O seu projecto de diferenciação teatral assenta no reconhecimento daquilo que em nome do teatro restava por fazer. Ora, por afinidade electiva, a potência expressiva da «pirâmide» teatral converte-‐‑se, trinta anos depois, numa «formação gigantesca» em estado oculto. Assim se exprime Peter Brook, no ensaio intitulado O Espaço Vazio, publicado originalmente em 1968: «a palavra é a pequena parte visível de uma formação gigantesca que não se vê» (Brook, 2008: 13). Refiro-‐‑ me a esta sintonia, porque ambos os ensaios delimitam um arco temporal que cumpriu de facto a diferenciação do teatro e a admissão artística da encenação, esboçada desde meados do Séc. XIX. Mais do que isso, a sua leitura cerrada permite-‐‑nos inscrever o próprio título do segundo no corpo do primeiro. O «espaço vazio» é um «lugar» que Artaud literalmente havia prometido preencher, trinta anos antes: «E parece-‐‑me que o palco, que é acima de tudo um lugar para preencher e um sítio onde algo acontece, a linguagem das palavras terá de ceder lugar à linguagem dos signos (…) O teatro consiste numa determinada maneira de preencher e animar a atmosfera do palco por meio duma conflagração de sentimentos e de sensações em suspenso, mas expressas por gestos concretos.» (Artaud, 206: 119-‐‑120) A versão de Peter Brook encontra-‐‑se desde logo na célebre abertura d’O Espaço Vazio, naquela frase-‐‑ícone, em torno da qual se poderiam inclusive organizar as linguagens do espectáculo e da contra-‐‑cultura dos anos sessenta. Recordemos: «Posso chegar a um espaço vazio qualquer e usá-‐‑lo como espaço de cena. Uma pessoa atravessa esse espaço vazio enquanto outra observa – e nada mais é necessário para que ocorra acção teatral.» (Brook, 2006: 7) O texto mais conhecido de Brook partilha, então, com o seu ascendente artaudiano a abertura e a escrita derivativa que se reconhece ao ensaio. O autor inglês assume explicitamente o carácter pessoal e intransmissível da sua reflexão, quando admite escrever sobre o teatro «autobiograficamente» (Brook, 2008:142). Na verdade, a sua escrita incorpora um relato comentado de experiências, uma revisitação crítica do teatro europeu e ainda uma conceptualidade matafórica que distingue entre quatro modalidades: o teatro do aborrecimento mortal, o teatro sagrado, o teatro bruto e o teatro imediato. É bem visível que a primeira categoria serve a mesma retórica contrastiva da dupla Artaud/Brecht e visa clarificar a discriminação necessária entre o «teatro digestivo» e aquilo que para o ensaísta era o «teatro do aborrecimento mortal» ou, simplesmente, o «negócio moribundo» (id.: 8). Escrito com o sentido prospectivo da ensaística moderna, o momento da sua publicação, no entanto, como que coloca O Espaço Vazio em posição integrar a patrimonialização crítica do legado artaudiano e brechtiano, propondo uma síntese renovada entre a ocupação do palco pela urgência de 68 e a sua fidelidade à tensão originária do espaço da cena. O livro presta de facto uma dupla homenagem: Brecht é caracterizado como
«o autor moderno mais influente»4; Artaud surge como «génio iluminado», um profeta» no deserto -‐‑ Peter Brook e Charles Marowitz haviam já celebrado o Teatro da Crueldade, uma experiência desenvolvida no seio da Royal Shakespeare Company (id.: 68). A resiliência do ensaio teatral manifesta-‐‑se também duplamente: se era difícil “colocar” Artaud em palco, a escrita de Bertolt Brecht deveria ser complementada com a evidência das suas encenações. Cada autor testemunha assim a questão central da dissonância que a forma do ensaio expõe e que a escrita sobre o teatro integra enquanto trabalho reflexivo que recusa o «sim» a todo o tipo de espectáculo unitário e falsamente pacificador. Brecht havia já eliminado cada um dos pilares sobre os quais assentava a obra de arte total (Gesamkunstwerk), propondo o choque e a separação crítica dos elementos do espectáculo, a valorização de oposições e incoerências. Esta mutação corresponde ao desejo de refundar a linguagem do teatro e a relação tradicional que mantinha com o público. No texto de Brook, este trabalho negativo passa pela crítica às diversas versões do «teatro do aborrecimento mortal» e por uma percepção aguda do desafio lançado ao encenador que, desde a aventura dos Meiningen, vinha conquistando um lugar nas artes do espectáculo: «Pelo menos durante meio século, aceitou-‐‑se o facto de que o teatro é uma unidade e que todos os elementos devem tentar harmonizar-‐‑se – e isto fez emergir o encenador. Mas esta tem sido sobretudo uma questão de unidade exterior, uma harmonização razoavelmente exterior de estilos contraditórios. Quando pensamos na forma como se expressa a unidade interior de uma obra complexa, descobrimos que é o posto daquela – que o choque entre elementos exteriores é realmente essencial.» (Id.: 53). Em 1968, o que Brook exige é então a troca do encenador no sentido clássico do termo (o organizar da transposição textual ou o ensaiador que garantia certa unidade ao espectáculo) por um encenador que fizesse «estilhaçar o público em fulgurantes fragmentos de “não”» (Id.:54). O motivo mais profundo para este “não” que se exige ao teatro e ao encenador radica na transformação histórica que ocorre no período que medeia entre os três ensaístas: a experiência da Guerra, as transformações culturais, sociais e políticas da primeira metade do século XX haviam originado, nas suas palavras, um «mundo caótico e em constante mudança» (Id.: 54). Este mundo faz por si caducar o teatro da ilusão e da transposição da autoridade do texto. O teatro muda para responder a esta intimação histórica; a agilidade e a abertura do ensaio e do ensaio teatral em particular, responde em primeiro lugar à mobilidade do mundo. O próprio ensaio é mais movimento do que o produto acabado. A ubiquidade contemporânea do registo ensaístico, visível numa miríade de suportes e territórios criativos, deriva fundamentalmente da sintonia entre a mobilidade do mundo e o subjectivismo crítico do ensaio (cf. Müller-‐‑Funk, 1995). Quando Peter Brook afirma que o teatro é o último espaço onde o «idealismo continua a ser uma profissão em aberto», sugere e compreende a persistência do apelo correctivo do teatro perante o trauma do pós-‐‑guerra e a fragmentação contemporânea (Id.: Noutro momento, no mesmo ensaio, podemos ainda ler o seguinte: «Para prosseguirmos nesta linha, devemos agora parar e pensar um pouco sobre a importância do homem mais consistente, mais influente e mais radical do teatro contemporâneo: Brecht. Quem se interessar seriamente pelo teatro nunca poderá ignorar Brecht. Ele é a figura-‐‑chave do nosso tempo; e tudo o que se faz actualmente no teatro teve início nas suas ideias e no seu trabalho – ou a eles regressa em determinados momentos» (Id.: 101).
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58). Mas tanto a experimentação radical dos sentidos, proposta por Artaud, como o laboratório social brechtiano despedem-‐‑se por completo da utopia iluminista e inviabilizam o teatro pacificador do “sim”. Se o ensaísmo destes autores diferencia para o futuro o lugar do teatro, consagra também a sua responsabilidade máxima. A partir dos anos sessenta deixa de haver espaço para «trabalho casual» em cena; as duas horas do teatro passam definitivamente a ser «pouco tempo e uma eternidade» (Brook, op. cit.: 41).
Bibliografia Adorno, Theodor (1975) «Der Essay als Form», In: Noten Zur Literatur, Frankfurt. a. M., Vol. 1, pp. 9-‐‑49. Artaud, Antonin (2004) Oeuvres, Paris, Editions Gallimard. (2006) O Teatro e o Seu Duplo, Trad. Fiama H. P. Brandão, Lisboa, Fenda [or. 1938] Boal, Augusto (1979) Theater of the Opressed, London, Pluto Press. Brecht, Bertolt (1988) Bertolt Brecht. Werke. Große kommentierte Berliner und Frankfurter Ausgabe, 30 vols., Frankfurt am Main, Suhrkamp Verlag. Brook, Peter (1989) The Shifting Point. 40 Years of Theatrical Exploration (1946-‐‑1987), London, Methuen. (1993) There Are No Secrets. Thoughts on Acting and Theatre, London, Methuen. (1993a) O Diabo é o Aborrecimento. Conversas sobre Teatro, Porto, ASA. (2008) O Espaço Vazio, Lisboa, Orfeu Negro (or. 1968) Carlson, Marvin (1993) Theories of the Theatre. A Historical and Critical Guide, Ithaca and London, Cornell University Press. Kleist, Heinrich von (2009) Sobre o Teatro de Marionetas e Outros Escritos, Tradução e Apresentação de José Miranda Justo, Lisboa, Antígona. Müller, Heiner, (1994) Krieg onhe Schacht. Leben in Zwei Dikaduren. Eine Autobiographie, Köln, Kipeheuer Witsch. Müller-‐‑Funk, Wolfgang (1995) Erfahrung und Experiment. Studien zu Theorie und Geschichte des Essayismus, Berlin.
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