A Ermida de Nossa Senhora da Consolação - Forcalhos (Sabugal)

June 13, 2017 | Autor: Carlos Jorge | Categoria: Estilo Manuelino, Historia Local
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CARLOS HENRIQUE GONÇALVES JORGE

A ERMIDA DE NOSSA SENHORA DA CONSOLAÇÃO

FORCALHOS (SABUGAL)

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Introdução Quando era criança, acompanhava, muitas vezes, meu pai, quando ia lavrar e preparar as terras para semear o centeio, uma das bases da economia familiar rural daquela época. Uma das terras centeeiras de meu avô, que meu pai cultivava, ficava à “Consolação”, perto da fronteira, entre os Forcalhos e a vizinha povoação espanhola de Albergueria de Argañan. Inicialmente, limitava-me a brincar nos barrocos mas, com o tempo, comecei a ajudar a tapar os “cadabulhos”, onde o arado não chegava ao contornar os grossos troncos dos numerosos e velhos carvalhos, na época da sementeira. Foi aqui que meu pai me mostrou a igreja de Nossa Senhora da Consolação, já em completa ruína… Fiquei fascinado com o que restava do templo, com a sua solidão e com o mistério envolvente! Senti imensa pena de ver aquele lugar sagrado em completo abandono e em degradação imparável. Na impotência de remediar a situação, punha-me a imaginar o que teria sido no passado… com sacerdotes paramentados… cerimónias religiosas…romarias… multidões…

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Correram os anos e o interesse pelas ruínas levou-me a procurar saber um pouco da sua história. A origem apagara-se na memória colectiva. Das pessoas que ouvi, para saber algo, consta a tê Caramelina, filha do ti Domingos da tê Clara, guarda da folha, a quem os proprietários das terras próximas pagavam para lhas guardar. O ti Domingos e a família serviam-se da casa junto à ermida e das ruínas da própria ermida. Apesar da ligação ao local, nada, por ela, me foi adiantado. Do que consegui apurar resultaram uns apontamentos feitos em 1984 e 1997 e curtos textos publicados no jornalzinho “Notícias dos Forcalhos” e no “Nossa Terra Junto à Fronteira”. Tencionava ampliar a pesquisa para obter mais dados, designadamente o eventual reflexo das leis liberais de desamortização. A falta de disponibilidade e a distância dos centros onde, porventura, se arquivarão documentos com interesse, não me permitiram ir mais além. É este, pois, um projecto inacabado. Quanto

às

causas

do

abandono,

estarão

ligadas,

possivelmente, à desamortização dos bens da ermida, a alterações na administração da mesma e à cessação das

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romagens da região, tudo isto com o natural e consequente desaparecimento das receitas que alimentavam o santuário. Quanto à data do abandono, a degradação deve ter começado no primeiro quartel do século XX e a cessação de todo o culto parece-me que deve ter ocorrido logo no início do segundo quartel desse século, já com a ermida em mau estado e profanada. Nascido em 1939, sempre conheci a ermida em ruínas e sem culto. Com a divulgação, que se foi efectuando, dos elementos recolhidos, pretendeu-se, na altura, dar a conhecer e incentivar a restauração da igreja. Voltamos, agora, que o culto se reiniciou na ermida, a reimprimir, em computador e impressora pessoal, os apontamentos, com pequenas alterações e acrescentos, estes designadamente no alusivo à reabertura ao culto, no dia 25 de Abril deste ano de 2014, festa de S. Marcos (1).

_______________ 1 – Atendendo à finalidade dos apontamentos, na transcrição dos documentos mais antigos, faremos algumas actualizações, especialmente no uso do til, do v, do u, do i, do j, de minúsculas e maiúsculas e desenvolveremos abreviaturas sem assinalar o facto.

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As ruínas

Os Forcalhos são uma pequena aldeia situada no extremo leste do concelho do Sabugal, encostada à fronteira com Espanha (2). Quando os seus habitantes se deslocavam, a pé, à vizinha povoação espanhola de Albergaria (mais precisamente Albergueria de Argañan) iam pela “vereda” que passava junto ao marco fronteiriço nº 611, ou seguiam pelo velho “caminho dos carros”, à beira do qual está implantado o marco nº 613 (3). ___________________ 2 - De freguesia autónoma, os Forcalhos passaram a constituir, recentemente, com a Lajeosa, uma União de Freguesias, de acordo com legislação promovida pelo malfadado ministro Relvas. Não sendo esta União desejada, nem pela Lageosa nem pelos Forcalhos, não podendo nós fazer nada contra, só resta unir-nos, de facto, e procurar o bem das duas aldeias, ajudando-nos reciprocamente. Esperamos que a autarquia, na actualidade e nas composições que se seguirem de futuro, corresponda a este desiderato. 3 – Carros puxados por vacas, naturalmente. Após os acontecimentos políticos do 11 de Março de 1975, dois automóveis conseguiram fugir para Espanha por este caminho. Por esse facto, a Guarda Fiscal atravessou-o, na fronteira, com um pequeno muro de pedra solta. Estranha medida tomada numa altura em que tanto se invocava a liberdade… Até então estivera sempre aberto!

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Do lado direito do caminho dos carros, muito próximo da fronteira, situavam-se as ruínas de um antigo templo que temos vindo a recuperar: a Ermida de Nossa Senhora da Consolação. O santuário tem cerca de vinte e três metros de comprimento e dez e meio de largura, sem contar com a sacristia e as outras divisões que lhe estão encostadas, a todo o comprimento, do lado norte. Segue-se um esboço da planta das respectivas ruínas, efectuado há uns bons anos, sem preocupações de rigor ou de pormenor, e com o acréscimo de algumas indicações complementares. __________________ Já se não vai a Albergaria pela chamada “vereda” e o “caminho dos carros”, antes muito estreito e sinuoso do lado espanhol, foi recentemente alargado e melhorado. No lado de Portugal, também o caminho foi beneficiado e calcetado até à fronteira e à Ermida, pelo que, agora, se pode ir, facilmente, de automóvel, a Albergaria e à Ermida. O intenso trânsito de pessoas, a pé, que havia entre Forcalhos e Albergaria e entre Aldeia da Ponte e Albergaria, deixou de existir, devido a duas causas: 1 - a drástica diminuição da população que se verifica de um e outro lado da fronteira; 2 - a União Europeia que, com a livre circulação das pessoas e bens, matou o contrabando.

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1 – Lugar das ruínas do altar-mor. 2 – Degraus. 3 – Sepultura do Padre Baltasar Fernandes. 4 – Porta da sacristia. 5 – Pequeno degrau e arco que divide a capela-mor do corpo de igreja. 6 – Lápide sepulcral. 7 e 8 – Ruínas dos altares laterais. 9 – Sepultura da fundadora. 10 – Arco. 11 e 12 – Portas laterais.

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13 - Divisões várias que, depois da profanação, serviram para recolha de animais, incluindo vacas. 14 – Porta da parede interior que substituiu um antigo arco. 15 – Porta principal.

A porta principal, manuelina, dá para o lado poente. Parte das cantarias, especialmente no seu interior, estavam partidas e a parede, por cima da porta, estava tão inclinada que ruiria dentro de pouco tempo, se não tivesse sido intervencionada. O altar-mor, de pedra, situava-se a nascente, encostado à parede. As paredes da capela-mor são de cantaria; as outras de pedra miúda. O chão é lajeado. Subsistem dois arcos: o maior, no corpo da igreja; o menor, entre o corpo da igreja e a capela-mor. Houve, inicialmente, no corpo da igreja, um terceiro arco, idêntico ao maior que, quase por milagre se manteve de pé, até Agosto de 1996, altura em que foi consertado e reforçado. Desse terceiro arco nos ficou o competente contraforte no exterior e, no interior, as pedras que lhe serviram de base, os vestígios de ligação às paredes laterais, a cantaria que foi

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incorporada na parede que o substituiu e na parede poente das divisões anexas. Este arco já não existia em 1758 visto que, nesse ano, o nosso cura relaciona apenas os dois que seriam os que se mantêm na actualidade (4). Tudo leva a crer que a parede interior, que ocupa o lugar do arco desaparecido, foi erguida durante as importantes obras realizadas depois das pazes com Castela, em 1668 (5). Sobressaem, no pavimento, três lápides sepulcrais. Uma delas tem os seguintes dizeres:

AQUI JAZ O PADRE BALTASAR FERNÃDEZ FALESCEO NO ANO DO SÑR 1632

Mais para poente, no corpo da igreja, encontra-se outra lápide sepulcral onde se lê: _____________ 4 – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Dicionário Geográfico de Portugal, vol.16, p. 736. 5 – Frei Francisco de Santa Maria, Santuário Mariano, tomo III, p. 199.

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SEPVLTV RA DE MARI A F Z FṼ DADORA E ADMINIS TRADORA DESTA SÃTA CASA FA LECEO NO ANO 1532

Do lado norte, encostada às ruínas do altar lateral esquerdo, ficava, solta, num plano um pouco superior ao do pavimento, uma pedra tosca, de forma aproximadamente rectangular, bastante deteriorada e partida. Os caracteres são, também toscos e dispõem-se à volta da pedra. No centro, se alguma coisa foi escrita – e talvez sim – não se consegue ler. Na parte da pedra que fica para poente lê-se Aqui jaz, do norte sepultada maria, do nascente a abreviatura frz, o que dá, por extenso, fernandez; do sul , mulher de …. Calvo. A palavra que omitimos e substituímos por pontos á a mais difícil de ler. A letra inicial afigura-se-nos um I ou J. Também julgamos ver um o e um a Logicamente será o João Calvo, que, segundo os documentos, foi marido de Maria Fernandes. Só que, sendo

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assim, teríamos duas lápides sepulcrais da fundadora Maria Fernandes. Isto não se compreende a não ser que a última lápide descrita tivesse sido substituída pela que demos a conhecer em segundo lugar, muito mais perfeita. A dificuldade da leitura desta lápide fez com que tenham corrido sobre ela, na povoação, diversas especulações: que só se conseguia ler de costas, com um espelho, quando o sol incidisse com determinada inclinação… ou que estava escrita em grego… A sudeste da ermida conserva-se uma pequena casa térrea com uma só divisão que, agora, dá apoio à ermida e às actividades que se desenvolvem no logradouro, designadamente, ao parque de merendas, um espaço muito procurado. De um cruzeiro, sobram apenas alguns pedaços. O que se vê no recinto, localizava-se logo à entrada, sobre degraus de pedra. Alguém sonhou que por baixo existia um tesouro e destruiu a base, sem, naturalmente, encontrar o tal tesouro. Pelo menos uma das sepulturas, ao que consta, terá sido violada e aberta pelo médico Dr. Orlindo que de lá terá trazido, segundo ouvi dizer, umas medalhas e um crâneo.

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Fundação da ermida

Numa das lápides sepulcrais da ermida, como vimos, dizse que ali jaz a fundadora e administradora daquela santa casa e que ela faleceu em 1532. Fazendo fé na inscrição, sabendo que ela era casada e mãe e tendo em atenção outros dados, concluise que a ermida foi construída cerca do ano de 1500, no reinado de D. Manuel I.

Guarda-se na Biblioteca Nacional, em Lisboa, uma carta que Brás Garcia Mascarenhas escreveu em 24 de Dezembro de 1643 e dirigiu a Frei Francisco Brandão e que J. Mendes da Cunha Saraiva publicou na revista Biblos, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

(6).

Nela, o célebre poeta e

governador do castelo de Alfaiates descreve a região de Riba Coa. Lê-se, a dado passo, na carta:

_______________ 6 – J. Mendes da Cunha Saraiva, “A egião de iba Coa e um Autografo de Brás Garcia Mascarenhas”, in Biblos, VI, 1930, pp. 443 a 450.

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“…

a legoa adiante desta senhora [Sacaparte] também

para nacente esta a da Consolação cousa certa he que se fundou em tempo de ElRei Dom Dinis e que levando-lhe o modelo da hobra que se queria fazer o emmendou elle por sua mão dizendo que a Capella não estava em proporção e que daquelle modo ficava melhor sem chagar a raia (tanto esta no extremo della) resplandece esta senhora ali com muitos milagres anda autentico h manuscrito que eu vi de que apareceo a h a molher de Aldea da Ponte resucitandolhe h filho ahi se declara o nome della e do marido que forão os fundadores da casa que tambem era mui frequentada dos Castelhanos que por reverencia della poserão a raia h tiro de arcabu mais apartada da casa donde com h mosquete se chega ao Castello de Alvergaria que lhe fica ao Norte …”

Apesar deste testemunho, não cremos que a ermida tivesse sido construída no reinado de D. Dinis, portanto entre 1279 e 1325. Brás Garcia Mascarenhas não estava bem informado.

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Conhecemos, ainda, outra versão, que também nos não merece crédito. Colhemo-la num manuscrito que integra um conjunto que se guarda em Paris, na Bibliothéque Nationale (7): “No mesmo termo da villa de Alfaiates junto ao lugar dos forcalhos, e muito perto da Raia de Castella que não fica meo quarto de legoa, está outra caza da vigem nossa senhora, da Conçolação. sta ca a edificou h clerigo riquo e virtuozo que eu conheci muito bem, E no anno de 629 era ainda vivo; e lhe doctou toda a sua fazenda em Capella, para que andase sempre em parente seu, e que fosse clérigo e morasse ali como elle sempre morou, por estar em h ermo e muito fora de povoado, a qual pode aver sesenta anos pouco mais ou menos, que he edificada. Esta senhora he muito frequentada, assi de toda a Comarca da Beira, e Riba de Coa, como de toda a terra e bispado de Çidade Rodrigo. E de ordinário faz muitos milagres. Não tem feira algua porem, em os dias das tres feiras que se fazem na senhora da Sacaparte, toda a gente passa em Romagem a Conçolação que fica dali mais de legoa e mea. E he de muita importancia as esmollas que se offereçem nesta caza, que tudo he do seu Capellão. He igreja muito acomodada, bem hornada, e _____________ 7 – Bibliothéque Nationale, Paris, Fond Espagnol, 221, fl. 93, vº.

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feita ao moderno.”

Segundo o autor do manuscrito, a igreja tinha, ao tempo em que ele escreveu, cerca de sessenta anos. O documento não está datado mas, pelo que nele se diz, é posterior a 1629. Concluir-se-ia, assim, que a ermida tinha sido construída já bem depois de meados do século XVI. Conclusão errada. Há documentos anteriores que dão a ermida como construída muitos anos antes. Também não é verdade que tudo fosse do capelão e que o fundador vivesse ainda em 1629. Neste ano vivia o Padre Baltasar Fernandes que, na ermida, sucedeu a Simão Gonçalves, como veremos. Aceitamos que o santuário era muito conhecido, que a ele acorria grande número de devotos, de perto e de muito longe, que as esmolas eram vultuosas.

Apesar destas duas informações contraditórias, podemos, com base em outros documentos, concluir, com segurança, que a Ermida de Nossa Senhora da Consolação foi mandada construir

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no reinado de D. Manuel I, em data próxima do ano de 1500, por Maria Fernandes. Neste sentido, além da pedra sepulcral, apontam as descrições de Frei Francisco de Santa Maria, de que falaremos mais adiante, e ainda, o que o nosso cura escreveu em 1758 (8) : “…esta igreja foy fundada por Maria Fernandes viúva de Joam Calvo naturais de Aldeia da Ponte termo da Villa de Alfaiates, e pera a fundação teve provizam de Sua Magestade, ha duzentos e simcoenta anos”.

Decisiva é a carta do rei D. Sebastião, de 7 de Dezembro de 1575 (9). Esta carta foi publicada por Sousa Viterbo

(10)

e por

ela ficamos a saber que o Padre Baltasar Fernandes, por morte do clérigo Simão Gonçalves, pediu a D. Sebastião que lhe fizesse mercê do cargo de ermitão de Nossa Senhora da Consolação, informando o soberano de que a ermida havia sido __________ 8 – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Dicionário Geográfico de Portugal, também citado como “Memórias Paroquiais de 1758” vol. 16, pags. 735 a 738. 9 – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Doações, Lº 34, fls. 179. 10 – Sousa Viterbo, Diccionario Histórico e Documental dos Architectos, Engenheiros e Constructores Portuguezes, II, pags.. 511 e 512.

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fundada por Maria Fernandes e pelo filho dela, Simão Gonçalves, à sua custa e em suas propriedades. Como fundamento da sua pretensão alegava, também, o Padre Baltasar, que os fundadores possuíram, em suas vidas, a ermida por provisões de D. Manuel I e de D. João III e que a ermida não tinha rendas mas apenas algumas propriedades que seu tio, Simão Gonçalves, deixara ao redor dela para lhe mandarem rezar nove missas todos os anos. O rei, antes de dar o devido despacho à petição que lhe foi apresentada, teve o cuidado de ordenar que o Corregedor de Pinhel, Brás de Figueiredo, o informasse acerca do caso. O Corregedor confirmou as afirmações do peticionário e D. Sebastião fez mercê do cargo de ermitão e administrador da ermida e das suas propriedades ao Padre Baltasar Fernandes, com a expressa obrigação deste cumprir os devidos encargos. Determinou o monarca que, ao dar-se posse ao novo administrador, se fizesse inventário de todos os bens móveis, para ele dar conta de tudo, quando isso lhe fosse exigido. Esta fonte tem a particularidade de indicar a Maria Fernandes como fundadora e apontar Simão Gonçalves, seu filho, como co-fundador. Segue-se a transcrição da carta:

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“Dom Sebastião etc faço saber aos que esta minha carta vyrem que Baltazar Fernandez clerigo de missa morador na villa d’Alfayatez me emviou dizer que Maria Fernandez e Simão Gomçalvez seu filho clerigo de missa fumdarão no termo da dita villa em propriedades suas propias hua ermida da invocaçam de nossa Senhora da Comsolaçam a sua propia custa a qual ermida a dita Maria Fernandez e Simão Gonçalvez seu filho posuirão em suas vydas per provisões dell Rey dom Manuel meu bisavo e dell Rey dom João meu senhor e avo que santa gloria ajão e porque o dito Simão Gonçalvez fallecera ora e era seu tio primo coirmão de seu pay me pedia que lhe fizese merce do cargo de ermitão da dita ermida asi como o ele tivera porquanto a dita ermida não tinha renda algua soomente alguas propiedades de raiz que o dito seu tio deixara ao redor della pera lhe dizerem nove missas cada anno in perpetuum e amtes de lhe dar outro despacho mandey per minha provisão ao lecenceado Bras de Figueiredo corregedor da comarca de Pinhel que se emformase deste caso e da remda que tinha a dita ermida e por quem ate gora fora provida a qual emformaçam me o dito corregedor mandou per sua carta e por constar por ella ser asi como o dito Bras (sic) Fernandez me emviou dizer e não ser a dita ermida

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sogeyta em cousa algua a Igreja matrix e serem providos della a dita Maria Fernandez e Simão Gonçalvez seu filho pelas ditas provisões del rei dom Manuel e del Rei dom João meu senhor e avo ey por bem e me praz de fazer merce ao dito Baltazar Fernandez do cargo de ermitão da dita ermida e da administração della em dias de sua vyda somente asi e da maneyra que o elle deve ser e como o foy o dito Simão Gonçalvez seu tio (riscado: nas propriedades que deixou a dita ermida) per cujo falecimento o dito cargo vagou e elle seraa obrigado a comprir todos os emcargos da dita ermida asi os amtigos como os que de novo pos o dito seu tio nas propriedades que deixou ha dita ermida e portanto mando aos meus officiaes e pessoas a que o conhecimento disto pertencer que lhe dem a posse do dito cargo de hermitão da dita ermida e da administração dela e das propriedades que ha a dita ermida pertencem e lhe deixem tudo ter e administrar em dias de sua vida como dito hee e quando se lhe der a dita posse lhe serão emtregues per imventario os ornamentos calizes e mais peças de movel que tiver a dita ermida pera de tudo dar conta quamdo lhe for pedida e por firmeza diso lhe mandey dar esta carta per mim asinada e asellada de meu sello pemdente João da costa a fez em almeyrim a bii de dezembro anno do nascimento de nosso senhor Jhesu

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Christo de ibclxxb Jorge da costa a fez escrever Risquey nas propriedades que deixou a dita ermida”. Tem especial importância, para determinação da época da construção, um documento feito no seguimento de um despacho de D. João III, para se inspecionar a fronteira, no ano de 1537, em data muito próxima da morte da fundadora. No documento que então se lavrou

(11),

com intervenção de autoridades do

então concelho de Alfaiates e com presença de outras pessoas conhecedoras, documento esse que se guarda na Torre do Tombo, em Lisboa, cita-se, como ponto de referência, a ermida de Nossa Senhora da Consolação, construída havia apenas uns vinte anos, por causa de um milagre: “… a hua nave que he em vall que esta allem de nossa senhora da consolação estando em ella atraves hum poço pera a mao direita da dicta casa e irmida de nossa senhora da consolação que he hua irmida que he fecta de vynte anos a esta parte por hum milagre que hy nossa senhora fe …” Este documento, para além de nos elucidar sobre a época em que a igreja foi feita, releva também sobre a sua génese. _______________ 11 - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Núcleo Antigo, 291, fls. 73 e 73vº

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Como é feito muito pouco tempo após o falecimento da fundadora, quando estavam bem presentes a memória da Maria Fernandes e os fundamentos pelos quais mandou construir a igreja, temos de ter como certo que ela o fez em agradecimento por uma graça obtida por intercessão de Nossa Senhora. Saber, em pormenor, o que aconteceu é mais problemático. Não conhecemos nenhum relato coevo. O de Frei Francisco de Santa Maria, que daremos mais adiante, vem cerca de dois séculos depois. Brás Garcia Mascarenhas, como vimos, com a sua notícia, também bastante posterior, mostra-se mal informado.

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Ermitões e Administradores

Maria Fernandes, a fundadora, faleceu em 1530, segundo Frei Francisco de Santa Maria (12) ou em 1532, segundo uma das lápides sepulcrais e foi sepultada na ermida.

Simão Gonçalves, filho da fundadora e clérigo de missa, foi o primeiro ermitão e administrador.

Por morte deste é a um familiar, o padre Baltasar Fernandes, “primo coirmão de seu pai”, que o rei D. Sebastião, em 1575, faz mercê do cargo de ermitão e administrador

(13).

Este

sacerdote não podia dispor, a seu bel prazer, da ermida e das coisas ou propriedades dela. O rei, ao fazer-lhe a mercê, impões obrigações, designadamente a realização de um inventário prévio e a prestação de contas. _____________ 12 – Frei Francisco de Santa Maria, Santuário Mariano, 1711, Tomo III, Título XIV, p. 198. 13 – Primos coirmãos são primos filhos de pais irmãos.

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Deste ermitão e administrador temos bastantes notícias. Conservam-se documentos assinados pela mão dele e que ainda hoje podemos ver. Em 1593, no reinado de Felipe I (II de Espanha), quando se fez o tombo dos bens, propriedades, foros e direitos reais das vilas do Sabugal e Alfaiates, foi ouvido o Padre Baltasar Fernandes.

Vejamos, a seguir, o que ele disse (14): “Termo de reconhecimemto que fez o padre Baltezar Fernandez administrador da Capella de Nosa Senhora sita no lemite do lugar dos Forqalhos das terras maninhas que pesue no ditto lemite he do foro que dellas pagua ha Coroa. E depois desto aos dezasete dias do mes de Setembro do dito anno de mil e quinhemtos e novemta e tres anos nesta villa d’Allfaiates nas pou adas do dito juiz peramte ele pareceo o muito Reverendo Senhor Padre Baltezar Fernandez admenistrador da capella de Nosa Senhora da Comsollaçam sita no lemite do luguar dos Forqalhos termo da dita villa ho quoal a ___________________ 14 – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Núcleo Antigo, Livro 278, fls. 576 a 576 vº.

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requerimemto de Francisco de Gouvea Procurador do Senhor Comde Meirinho Mor disse que era verdade que elle pesuia alguas terras maninhas, no lemite do dito luguar dos Forqalhos allguas dellas da obrigação da mesma capella e outras de seu património. Comfesava serem maninhas e foreiras a Coroa he que dellas paga a reçam de do e h das novidades que nellas colhe qoamdo as lavra que esta prestes para daqui em diamte paguar a dita reção como sempre a pagou a Coroa e seu donatario Allqaides Mores da dita villa do Sabugual ha quem reconhecia por dereito e senhorio das ditas terras e foro. Disse mais quelle pesuia jumto da dita casa de Nosa Senhora h a terra maninha omde chamão as cabeças de Momte Qallvo no dito lemite que levara qoatro fanegas de pão de semeadura e parte com erdeiros de Lourenço Martinz dos Forqalhos e com outras terras suas he de Nosa Senhora todas maninhas he que nellas queria tapar a dita terra que leve as ditas qoatro fanegas de pão de semeadura pera a pamtar de vinha da qoal era comtemte de paguar em cada h ano de foro a Coroa e a seu donatario Allqaides Mores da dita villa do Sabugual duas galinhas de foro ou sesemta reais por cada h a pagos por dia de

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São Migel de Setembro de cada h ano depois que a dita vinha for plamtada. Disse mais que nam tinha duvida a se as ditas terras maninhas averem de lamçar no livro do tombo dos dereitos reais pertemcemtes a coroa de que he donatario o dito Senhor Comde como Allqaide Mor da dita villa do Sabugual como ha dita reção e foro acima declaradas. De todo o dito Juiz mamdou fazer este termo de reconhecimento que assinou com o dito Senhor Padre Balltezar Fernande he comigo escrivão he com …”

A ermida aparece neste, como, aliás, em outros documentos, situada, inequivocamente, no lugar dos Forcalhos. Como apontamento de caracter toponímico, afigura-se-nos que o Monte Calvo (e não Monte de Caldo, como erradamente consta de cartas geográficas militares e do Instituto Geográfico e Cadastral), inicialmente, alargar-se-ia até à zona da ermida. Mais tarde, julgamos, devido à importância do santuário, começaram as terras limítrofes a designar-se por Quinta da Consolação ou só por Consolação.

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Por um livro de visitas pastorais de Aldeia da Ponte (1581-1635), damo-nos conta da crescente importância do templo (15). Contêm-se aí mais referências ao Padre Baltasar Fernandes que, pelos vistos, foi, também, Cura dos Forcalhos. A 10 de Maio de 1591, o Doutor João Alvares, na visita pastoral que fez a Aldeia da Ponte, dispôs: “Fui emformado que muitas pessoas destas comarcas quando faleciam deixavam muitas esmolas a Nossa Senhora da Consolação e pera as obras da casa e outras que vem em Romaria alem das esmolas que deixam mandam dizer muitas missas e por não aver livro em que se escrevam se não pode tomar boa conta na visitação de como se gastam as ditas esmolas e se dizem as ditas missas pelo que mando ao padre Baltesar Fernandes que hora esta na dita ermida e recebe as ditas esmolas que da publicação desta em diante feita em sua pessoa e de cincoente cruzados pera usos pios e acusador que escreva em hu livro todas as esmolas que daqui em diante derem e deixarem a dita ermida da Consolação e missas que mandarem dizer nela _______________ 15 - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro das Visitas Pastorais da Igreja de Santa Maria Madalena de Aldeia da Ponte, Registo Paroquial, Maço 2, nº 4.

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que o dito Baltesar Fernandes receber ou pessoa outra algua de seu mandado ou comissão que lhe vier a noticia escreva tudo em declaração de quem as deixou e quanto cada pessoa pera que na visitação dar conta disso e no que se gastaram e como se disseram as missas e quem as disse, e bem assi todos os pesos que na dita ermida se fizerem a trigo ou outras cousas o que tudo cumprira sob as ditas penas “.

Acrescentando, ainda: “Lhe mando que em termo de seis dias me mostre a instituição da dita ermida e provisão ou titolo que tem para estar nella e ao padre cura de Aldea da Ponte mando sob pena de vinte cruzados que notifique este capitulo ao padre Baltesar Fernande .”

No mesmo livro (16), mais um mandado: “Mando ao padre Baltasar Fernandez morador em Nossa Senhora da Consolação que em termo de seis dias apareça perante mim pera dar conta dos redittos da dita irmida na forma ______________ 16 - Id., fls. 25.

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da vesitação passada, o que cumprira sob pena de xx cruzados pera a santa cruzada E sob a mesma pena mando ao cura desta igreja lhe pobrique logo este capitulo e me envie certidão de como lho pobricou”.

E realmente o padre Damasio Gomes, cura de Aldeia da Ponte, em Maio de 1596, anota, no livro, a publicação da visitação e a notificação do padre Baltasar.

Por fim, a trinta de Abril de 1605, o licenciado João Perdigão, ao visitar a igreja de Aldeia da Ponte, também quis que lhe fossem apresentadas as contas (17): “Mando ao padre Baltasar Fernande morador em Nossa Senhora da Consollaçam que em termo de seis dias primeiros seguintes, depois de notificado apareça perante mim pera dar conta dos reditos da ermida de Nosa Senhora na forma das visitações atras o que cumprira sob pena de des cruzados pera a See e meirinho e sob a mesma pena mando ao padre cura desta igreja lhe publique logo o presente capitulo e me mostre certidão de como o notificou”. ______________ 17 – Id., fls. 36 vº a 37 vº.

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Aparece, a seguir, um lançamento do cura onde se lê: “Certifico eu Francisco de Morais Colmeeiro cura neste lugar de Aldea da Ponte que eu notefiquei ao padre Baltasar Fernandez cura dos Forcalhos que em termo de seis dias apareça diante do senhor visitador pera dar conta dos reditos da ermida de Nosa Senhora oje 23 dias de Outubro de 607”.

E mais se não diz sobre a ermida ou o administrador no resto deste livro de visitas pastorais. Seria de pesquisar eventuais visitações aos Forcalhos e, porventura, referências à ermida e seus responsáveis.

Frei Francisco de Santa Maria, como veremos mais adiante, diz ter havido desavenças por causa da administração da ermida que tinha muitas fazendas e bons rendimentos. Cita um Antão Martins que foi que foi capelão da ermida durante muitos anos. Este Antão Martins batizou, de urgência, uma criança em casa dos pais, sendo o facto registado no respectivo livro da igreja dos Forcalhos (18): ______________ 18 – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Registos Paroquiais dos Forcalhos, Livro Misto, 1, fl.12.

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“Aos nove dias do mes de Outubro de mil e seiscentos, e noventa, e hum anos, nesta igreja de Forcalhos eu o padre Manoel Roballo, Cura neste lugar de Forcalhos na igreja do ditto lugar pus os sanctos oleos a João filho de Manoel Antunes natural da Rapoula do Coa Bispado da Guarda, morador neste lugar, e de Maria Gonçalves sua mulher natural deste lugar he primeiro matrimonio da parte do pay, e de segundo matrimonio da parte da may, ao qual João baptizou o padre Antão Martins de Aldea da Ponte em casa de seus pais por se recear perigo, e por verdade fis este termo que assigno hoje dia mes, e anno ut supra O Padre Manoel oballo”.

O Padre Antão ainda vivia em 1700. Neste ano intervem num acto celebrado na Igreja de Santa Maria Madalena de Aldeia da Ponte e apenas assina o assento, que não escreveu, por se encontrar muito “achacado”. Deu-lhe alvará de confirmação da capelania, em 1687, elrei D. Pedro II (19). _______________ 19 - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Pedro II, Livro 64, fls. 215.

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No citado livro de registos paroquiais da Igreja de Santa Maria Madalena dos Forcalhos, a fls. 9, pode ver-se um outro assento com moradores em Nossa Senhora da Consolação:

Em os des dias do mes de Junho da era de mil e seiscentos e oitenta e seis baptisei a Maria filha de Joam Gonçalves e de sua molher Maria Antunes moradores na Senhora da Consolaçam freguesia desta igreja de Sancta Maria Madalegna deste lugar dos Forcalhos foram padrinhos Marcos Antunes e sua molher Maria Antunes moradores neste lugar dos Forcalhos e naturais de Val Mourisco bispado da Guarda e por verdade fis este termo que assino hoje dia, mes era ut supra O Padre Francisco Lourenço”

Em 1758, segundo escreveu o nosso cura para as chamadas Memórias Paroquiais, o administrador e ermitão era o padre Francisco Fernandes Gomes, natural de Aldeia da Ponte e reitor da igreja de Santa Maria dos Anjos, da honra de Escalhão, hoje freguesia do concelho de Castelo Rodrigo (20). ______________________ 20 –Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Dicionário Geográfico de Portugal, vol. 16, pags. 735 a 738.

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No ano de 1798, segundo indicia um assento do livro de baptismos da Igreja de Santa Maria Madalena dos Forcalhos, o administrador seria, então, o Padre Francisco Gomes Moreira: “Aos seis dias do mes de Junho de mil setecentos e noventa e outo baptizei sollemnemente a Joze digo com licença nesta Parochial Igreja da Santa Maria Madanella do lugar dos Forcalhos baptizou sollemnemente o Reverendo Padre Francisco Gomes Moreira natural de Aldea da Ponte assistente na Quinta da Consollaçam a seu sobrinho Joze filho legitimo de Joze Gomes Moreira e sua molher Maria Luiza em ambos primeiro matrimonio elle nactural de Aldea da Ponte e ella natural da Lagioza nepto pella parte paterna de Joam Dias Gomes e sua molher Maria Alves Moreira nacturais de Aldeia da Ponte e nepto pella via materna de Joam Afonço e sua molher Antonia Fernandes nacturais da Lagioza foram padrinhos o Reverendo Padre Francisco Gomes Moreira e Sebastiana solteira do dito lugar da Lagioza de que fis este termo que asigno dia mes era ut supra O Cura Francisco Gonçalves”

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A Ermida ao longo dos tempos

Depois de erigido, o santuário foi ganhando fama. Os devotos começaram a acorrer a ele e tornou-se um importante centro de romagens.

Não sabemos até que ponto a ermida sofreu as vicissitudes das Guerras da Restauração da Independência que se seguiram a 1640. Algumas das igrejas da região foram danificadas ou destruídas. Foi o que aconteceu com a igreja matriz dos Forcalhos que D. Luís de Sousa, primeiro bispo de Lamego depois da restauração da independência, mandou reconstruir à sua custa (21).

Mas do lado espanhol aconteceu o mesmo: “La guerra de la independencia de Portugal (1640-1668) fue funestissima para la diócesis de Ciudad Rodrigo por haber sido saqueados e incendiados casi todos os pueblos fronterizos, como Albergueria, Fuenteguinaldo, San Felices de los Gallegos, Hinojosa de Duero, Fregeneda, Lumbrales, La Redonda, Barruecopardo, Sahugo, Villar de la Yegua, Aldea del Obispo, Cerral____________ 21 – M. Gonçalves da Costa, História do Bispado e Cidade de Lamego, III, p. 110

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bo, Sancti Spiritus, Y Ciudad Rodrigo. Como consecuencia, las iglesias quedaram arruinadas, el cabildo perdió casi todas sus posesiones, lo que obligó a los capitulares y servidores de la catedral a abandonar la ciudad” (22).

Temos notícia de que, logo em 1642, os Forcalhos foram invadidos e incendiados. Isto e a ameaça permanente que constituía a proximidade do castelo de Albergaria, deve ter levado muita gente dos Forcalhos a emigrar. As entrelinhas dos registos paroquiais da nossa terra, com referências expressas, ou subentendidas, a retornos, confirma o facto. É significativo, por exemplo, o assento de baptismo de 13-04-1681, em que se diz que a mãe da criança, no tempo da guerra, foi morar para S. Miguel de Acha. Se olharmos para os baptismos celebrados entre 1678 e 1696, vemos assentos de 76 crianças procedentes de 36 casais diferentes. Não deixa de ser espantoso que, desses 36 casais diferentes, apenas 2 sejam integralmente constituídos por pessoas naturais dos Forcalhos. ______________ 22 – Quintin Aldea Vaquero, Tomas Marin Martinez, Jose Vives Gatel, Diccionario de Historia Eclesiastica de España, Madrid, 1972.

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os residentes na ermida… tão próximos do inimigo… terão resistido? Parece-nos que não. Na altura nem as igrejas escapavam à guerra. Cremos que a ermida deve ter sido abandonada e arruinou-se. Depois das pazes com Castela, celebradas em 1668, realizaram-se importantes obras na ermida. Pelo que diz Frei Francisco de Santa Maria, somos levados a crer que, de facto, com o decurso da guerra, o templo ficou muito arruinado e que foi nesta reconstrução parcial que o segundo arco maior já nem sequer foi reconstituído e foi substituído por uma parede interior, com uma grande porta no meio. Um dos relatos mais interessantes foi-nos deixado, precisamente, por Frei Francisco de Santa Maria

(23).

Descontando

algumas afirmações que julgamos fabulosas, o fundo têmo-lo como verdadeiro. Pelo seu interesse, vamos transcrever todo o título XIX, do Tomo III, do “Santuário Mariano” . “ Sam Pedro Damião chama a Maria Santissima, vara de consolação, aludindo ao lugar do psalmo 22, Virga tua, et _______________ 23 – Frei Francisco de Santa Maria, Santuário Mariano, Lisboa, 1711, tomo III, título XIV, págs. 196 a 200.

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baculus, etc. A vara, que he a virgem Maria, e o bordão, que he a Cruz, me consolarão; porque aonde está Maria, e a Cruz, ou a pena, e a desconsolação, a amargura se converte em doçura, e a aflição em cõnsolação, a guerra em paz e a pena em glória. São Boaventura lhe chama, seguríssimo refugio de todos os affligidos: e São João Damasceno a saúda por único alivio de todas as moléstias, medicamento de todas as dores, que assistem nos corações humanos: Ave unicum molestiarum levamen, aut omnium dolorum cordium medicamentum. A todos ampara, consola, e cobre com o seu manto esta grande Senhora, que por isso he o manto do sol, como a vio São João: Mulier amicta sole, cuberta com o Sol, para mostrar a universalidade de seu favor, e protecção; porque assim como o Sol a todos chega, a todos alegra, e até nas entranhas da terra cria o ouro; assim Maria Santissima a todos alegra, e favorece com o calor da sua protecção: Et non est qui se abscondat a calore ejus. No termo da Villa de Alfayates ha huma Ermida, dedicada a nossa Senhora debayxo da invocação da Consolação; aonde se venera huma imagem desta Senhora muyto milagrosa, e he este o Santuario de mayor frequência daquelas partes. E procurando eu a origem, e principios desta Santa Imagem, se me referio o

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que consta de antigas tradições, as quaes se tem por certas, e averiguadas, o que he nesta maneyra. Vindo em huma ocasião hua Maria Fernandes, mulher de João Calvo, moradores que forão no lugar da aldea da Ponte da Cidade de Salamanca, com hum filho estudante, que trazia doente, e vendo-se este muyto afflicto com huma grande sede, ou fosse nascida do trabalho do caminho, ou de alguma febre, que ainda traria, sentida a may de não poder remediar ao filho naquela sua necessidade, com grande desconsolação, e ancia começou a invocar o favor de nossa Senhora, e disse com grande affecto, e movida também da sua angustia: Virgem da Consolação acudime nesta minha pena e dayme agua para remediar a este filho. Nesta sua aflição lhe appareceo Nossa Senhora, que não sabe esta misericordiosa Mãy do melhor Filho faltar aos que com necessidade a invocão e chamão. Consoloua, e disselhe que se não desanimasse, que alli tinha agua; e apontandolhe para huma pedra que estava alli perto, lhe mandou que fosse lá, e que acharia agua. Com esta mercê da Senhora, e advertência, se chegou para o lugar que lhe apontara, e achou agua bastante, que perseverou depois em hum poço que até ao presente dura com abundancia de agua, que não he muyto alto. Satisfeyta a necessidade do

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doente, mandou a Senhora à mãy que naquele lugar lhe fizesse edificar huma Ermida. Não duvidou a venturosa Maria Fernandes, de dar à execução o mandato da Senhora; porque logo tratou de que se pusessem as mãos à obra, confiada em que a mesma Senhora, que a mandava, lhe havia de acudir, e quando lhe faltavam as cousas necessárias para o sustento dos officiaes, duvidando de poder ir adiante, lhe appareceo a Senhora, (o que succedeo alguas vezes) e a animou a que prosseguisse, porque nada lhe faltaria. E assim foy, porque quando à noyte se via sem remedio para lhes acudir, achava pela manhãa as arcas cheas de pão para os sustentar, com o mais que era necessário. E assim se acabou a obra da Ermida, e se poz em toda a perfeyção. Mandou a mesma Maria Fernandes fazer a imagem, que colocou na Ermida, e seria sem duvida na mesma forma, em que a Senhora lhe appareceo, e tanto se accendeo no amor da Senhora, que toda a sua vida perseverou em seu serviço; fez casa para si, em que vivesse, e procurou augmentar a da Senhora quando lhe era possível; porque acquirio algumas fazendas, para que do rendimento dellas se assistisse ao seu culto, e serviço do seu Altar, e dizem que só huma rende cento e sessenta alqueyres de pão. Depois de assistir muytos anos a devota Maria Fernandes em o serviço de Nossa Senhora da Cõsolação, (titulo imposto pela mesma virtuosa mulher, pela consolar, e pela haver invocado com este titulo na angustia, e aperto em que se vio) faleceo, e lhe daria a Senhora o

43 premio do fervor com que a servira, guiando-a para a gloria, com que Deos premea os serviços, que se fazem a sua Santissima Mãy. Succedeo a sua morte no anno de 1530, E foy sepultada na Capella mór da mesma Senhora; que era bem que quem na vida não soube apartar-se da sua vista, na morte lhe pagasse a Senhora com dispor se lhe desse sepultura diante de sua Santissima Imagem. E para que se manifestasse a sua virtude, succedeo, que morrendo hum Clerigo, que era Capellão da Senhora, intentárão sepultallo em o mesmo lugar, em que estava Maria Fernandes, mas não o permittio Deos, por que por mais diligencias, que se fizeram, não se pode abrir a sua sepultura. E assim reconhecerão todos o muyto que Deos, e sua Santissima Mãy a amavão, pois em abono de sua virtude obravão estas maravilhas. Quando morreo a fundadora Maria Fernandes, deyxou em seu testamento, que havendo Clerigo nos de sua família, fosse elle o Capellão, que assistisse à Senhora; e que não o havendo, se elegesse por Capellão hum sacerdote de boa vida, e costumes. Tem esta Casa hum Administrador, e h

Ermitão, para ter cuidado do aceyo, e

limpeza della, além do Capellão. A Igreja he grande, e fermosa, e tem tres Altares, ou Capellas, a mayor, e duas collateraes, e tem muyto bons ornamentos, e tudo está com muyto aceyo. Esta Igreja da Senhora está situada junto ao lugar de Forcalhos, do mesmo termo da Villa de Alfayates; e dizem algumas pessoas, que fica distante da Arraya de Castella hum tiro de espingarda; e outros dizem que fica tanto na Arraya, que ficando o corpo della em

44 Portugal, fica a Capella mór nas terras de Espanha. Concorrem a este Santuario de Nossa Senhora da Consolação muytos cirios e Cruzes em os Sabbados da Quaresma, e pela festa do Espirito Santo. A sua principal festa se faz em dia de S. Marcos, e será neste dia, porque nelle devia de aparecer a Senhora à virtuosa Maria Fernandes. E querem alguns fosse no reynado de Dom Manoel. A Imagem da Senhora da Consolação, he de escultura de madeyra, sem embargo de que a devoção dos que a servem, a tenha ornada de ricos vestidos. A devoção dos povos para com esta Santissima Imagem, he muyto grande, e também são sem numero as maravilhas, e os milagres que obra, como o testemunhão a multidão das memorias, e sinaes, que se vem pender na sua Capella mayor. Entre os maravilhosos sucessos, que se referem desta Senhora, se diz, que logo depois das pazes com Castella, que se celebrarão no anno de 1668, se tratara de reedificar a Capella mor da Senhora, que por velha se havia arruinado, e que quando fora a fazer o arco della, tendo em hum dia assentado algumas pedras de huma, e outra parte, recolhendose os officiaes à noyte para suas casas, ou ao lugar onde se agasalhavão, se ouvira hum grande estrondo, e que persuadidos elles (atemorizados do estrondo) que tudo viria ao chão, indo na manhãa seguinte acharão o arco fechado perfeitissimamente. Demonstração verdadeyramente do muyto, que a Senhora estima aquella sua Casa. Huma mulher da Villa de Alpedrinha padecia huns terríveis acidentes de gota coral, que muyto a descompunhão, e atormentavam;

45 afflicta com este trabalho, acudio à Senhora da Consolação, e foy ella servida de a livrar deles, de tal sorte, que nunca mais padeceo aquelle molesto achaque, emquanto viveo. Sobre a administração daquele Santuario, que he de muyta utilidade por rendosa, tem havido muytas demandas entre os herdeyros, e descendentes da fundadora Maria Fernandes, e muytos tem entrado sem direyto algum, por muyto poderosos, a que os Senhores Bispos de Lamego devião acudir para que assim se assistisse à Senhora com mais zelo, e menos ambição. Na relação que se nos deu deste Santuario se diz, que Antam Martins de Aldea da Ponte, sobrinho de outro Antam Martins, que foy Capellão da Senhora da Consolação muytos anos, conservava alguns papeis, e memorias, por onde constava o que aqui temos referido, sobre os princípios, e origem da Senhora.”

Para melhor compreensão do texto que acabamos de transcrever, lembramos que, em tempos idos, a nossa região fazia parte da diocese de Ciudad Rodrigo. As terras de Riba Coa foram conquistadas em 1296 e o Tratado de Alcanises confirmou a sua integração no domínio português. Apesar disso, continuámos dependentes da diocese de Ciudad Rodrigo. No reinado de D. João I, o bispo D. Rodrigo, em virtude de o rei de Castela seguir o anti-papa Clemente VII, retirou-se para

46 Portugal e as igrejas de Riba Coa começaram a ser administradas pela diocese de Lamego. A administração tornou-se definitiva no sec. XVI, tendo o Papa Bonifácio IX sancionado a incorporação em 1403 pela Bula Eximiae devotionis sinceritatis, de 2 de Julho. Em 1770, por Bula de Clemente XIV, foi criado o Bispado de Pinhel a que passámos a pertencer. E em 1882, com a extinção do Bispado de Pinhel, transitámos para a Diocese da Guarda, onde permanecemos.

Aproveitamos para registar que, lenda ou não, em criança ouvimos dizer que a igreja tremia, (ou tinha tremido), quando queriam abrir as sepulturas. A este propósito, em Dezembro de 1982, contounos o ti Zé Pereira que, uma vez, um sapateiro de Aldeia da Ponte, chamado ti Tchana, mais um tal ti Manel Piqueno quiseram abrir a sepultura da fundadora mas, quando tentavam levantar a pedra, ouviram um grande estalo no arco que lhe fica por cima e desistiram. O ti Zé Pereira, já falecido, tinha ou, pelo menos, tratava algumas propriedades e servia-se das ruínas da ermida, da casa anexa e ruínas próximas, onde, como acontecia com a família do sogro, ficavam ocasionalmente e guardavam coisas e animais. O sogro, ti Domingos da tê Clara, foi guarda da folha da Consolação, recebendo uma avença, paga em centeio ou em dinheiro equivalente, dos muitos que tinham propriedades rústicas nessa folha.

47 A conversa com o ti Zé Pereira ocorreu junto das ruínas, num dia em que, acompanhado de meu pai, aí me desloquei.

Consta-nos que, pelo menos a sepultura do padre Baltasar Fernandes foi aberta, há bastantes anos, pelo Dr. Orlindo Gonçalves, médico. De lá terão trazido um crâneo e umas medalhas. É possível que a sepultura da fundadora também tenha sido violada. Supomos que o poço descrito no “Santuário Mariano” é o mesmo que ainda existe a sul da ermida. Era pouco profundo, teria cerca de três metros e possuía paredes de cantaria. Há tempos, os proprietários afundaram-no um pouco mais, mantiveram as paredes originais e construíram um pequeno anexo.

Em 1758, a ermida continuava a ser importante sob o ponto de vista religioso. Tinha vida e nomeada como se verifica deste extracto do que escreveu o nosso pároco, em 1758, para o inquérito promovido pelo Marquês de Pombal (24):

“… e distância de meia legoa pera a parte norte muyto bem perto da raia de Castella hum Santuario, e Igraja de Nossa _____________ 24 - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Dicionário Geográfico de Portugal, vol. 16, pags. 735 a 738.

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Senhora da Conçolaçam, esta tem dois arcos de pedra, e tres altares, o altar maior he da dita Senhora, o do lado direyto he de Sam Marcos e o do lado esquerdo não (tem) imagem, a esta Igreja vam em romagem vários povos em o primeyro segundo e terceyro sábado da quaresma de cada hum anno, e em dia de Sam Marcos vam a ella em romagem varios povos do termo de Alfaiates e Sabugual, e em dia da Senhora dos gostos

(25)

vam a

dita Igreja o lugar de Malhada Sorda, e Nave de Aver, e na segunda outava da festa do Esperito Santo va a ella em romagem o povo de Aldeia da Ponte com cruz levantada, e a Imagem de Sam Joam Baptista. Esta Igreja foy fundada por Maria Fernandes viúva de Joam Calvo naturais de Aldeia da Ponte, termo da Villa de Alfaiates, e pera a fundação teve provizam de Sua Magestade ha duzentos e simcoenta anos, tem obriguaçam de missas em vários dias do anno, e huma pello aumento de Sua Rial Magestade. O Adeministrador há de ser clérigo da geraçam da instituidora, ou de seu marido Joam Calvo, e por morte de hum nomeiam outro quatro parentes da instituidora por huma escritura publica e por _______________ 25 – Deve tratar-se de Nossa Senhora de Agosto, designação dada a Nossa Senhora da Assunção em virtude de a sua festa litúrgica ocorrer a 15 de Agosto (ver Padre Jacinto Reis, Invocação de Nossa Senhora em Portugal, Lisboa, 1967, p. 26).

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ella requer o nomiado Carta de Confirmaçam, a sua Rial Magestade, de prezente se acha Adeministrador comfirmado hermitam por alvará de Sua Magestade o Reverendo Francisco Fernandes Gomes natural de Aldeia da Ponte, e Reytor da Igreja de Santa Maria dos Hanjos, da Honra de Escalham Sima Coa, e Bispado de Lamego, he dotada a dita Capella de muytas fa endas.”.

Ouvi contar às pessoas mais idosas dos Forcalhos contar que iam, em romaria, à Senhora da Consolação, cruzes de Lajeosa, Aldeia do Bispo, Fóios, Aldeia Velha, Alfaiates, Rebolosa, Aldeia da Ponte e muitas gentes procedentes de Espanha. Em festas, meu avô paterno esteve lá a vender vinho.

Desconhecemos quando e porque é que terminaram as romarias. Ouvi a meu pai que teriam sido proibidas pelo bispo da Guarda. Talvez seja esta, de facto, a explicação. Ecos da cessação de romarias de outros povos, encontramo-los, por exemplo em Vilar Maior, onde num livro paroquial, o Padre Júlio Martins escreveu sobre romagens com a

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ladainha de todos os santos, na parte que nos interessa: “3º sábado da quaresma – à Senhora do Castelo

em vez da à

Senhora da Consolação” (26).

D. Tomás Gomes de Almeida, Bispo da Guarda, dispunha, expressamente, em pastoral de 14 de Outubro de 1891: “Artº 10º - Por ser de grande conveniência para a moral e ordem publica, determinamos que as procissões com quais quer actos religiosos e preces publicas, que por ocasião das Ladainhas, romarias e outras solenidades anuais, em virtude de antigos usos ou votos se costumam fazer a freguesias alheias e muitas vezes distantes, se realizem dentro das próprias freguesias, indo a alguma Capela que mais convenha, ou em volta da Igreja paroquial, fazendo nós para isso a comutação devida. Artº 11º - Quando por ocasião de alguma festividade religiosa – romaria, arraial.. – se derem irreverencias ou desordens, os RR Párocos no-lo farão saber, para de futuro negar licença ____________________ 26 – Júlio Silva Marques, Memórias de Vilar Maior – Minha Terra, Minha Gente”, edição do autor, 1997, p. 46.

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para ela, e declarar interditas, se for necessário, as Igrejas ou Capelas.”

Existe, na igreja matriz dos Forcalhos, um exemplar desta pastoral, impressa em Lisboa, na Tipografia Universal, em 1891. Chamou-me a atenção o facto de ter alguns pontos assinalados, à margem, com uma cruz traçada com um lápis vermelho. Nesses pontos, o artº 10º. Pinharanda Gomes inclui esta pastoral num dos seus livros (27). O nosso conterrâneo Capitão Martins, no romance “Drama sob as Nuvens”, imagina uma romaria, em dia de S. Marcos, à Consolação (28).

Por fim, só o povo dos Forcalhos ia à Senhora da Consolação, em romagem, nos primeiros sábados da quaresma e em dia de S. Marcos, a 25 de Abril. À ida, rezavam e cantavam a ladainha de todos os santos em latim. No regresso, os homens já traziam as opas às costas e as __________________ 27 - Pinharanda Gomes, Memórias de Riba Coa e da Beira Serra, 3, D. Tomás Gomes de Almeida, Bispo da Guarda e de Angola, Braga, 1979. 28 – J. Martins, Drama sob as Nuvens, Lisboa, 1959. O romance foi reeditado em 2007, pela Casa Véritas, da Guarda.

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lanternas processionais apagadas. Era então que os rapazes se adiantavam para esperar, ao regato que atravessa o caminho, aos Abrunheiros, e jogar pedras para a água, a fim de “batchicar” (salpicar) as moças solteiras.

Fora das romarias, iam lá, algumas vezes algumas pessoas, sobretudo mulheres, sozinhas ou em pequenos grupos, para pedir uma graça, para agradecer ou para cumprir uma promessa.

A igreja foi-se degradando no primeiro quartel do séc. XX. O telhado não se conservou. As infiltrações começaram a apodrecer as madeiras. O templo foi profanado. O Padre João, atendendo ao estado de conservação da ermida e à sua profanação, acabou com as romagens. Algumas pessoas ainda se mostraram interessadas, como, por exemplo, meu avô paterno que ofereceu madeira, mas, na conjuntura, nada se fez. Pouco a pouco, o Santuário entrou em completa ruína, tendo sido usado como estábulo, capoeira e curral.

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As últimas imagens

Não consegui saber qual foi o destino da imagem de Nossa Senhora da Consolação que existiu ma ermida. Quando andavam a construir o cemitério novo, por alturas de 1948 ou 1949, duas mulheres que iam diariamente, pela madrugada, às Casilhas (Espanha), vender leite, perante o abandono e a ruína da capela, resolveram salvar as duas imagens que, então, se lá encontravam. As leiteiras de que falamos, foram a tê Margarida do ti Mândio e a tê Porficação (Purificação). Uma das imagens que trouxeram foi a de Santa Ana. Sobre a outra, meu pai inclinava-se para ser de S. Lourenço porque a parede do altar mor estava coberta de madeira onde estavam pintadas as imagens de S. Marcos e S. João Baptista. De qualquer forma entendeu-se, ao tempo, que era S. Marcos. Já me passou pela cabeça se a imagem de Santa Ana não seria, afinal, a de Nossa Senhora da Consolação, de que não tenho notícia… mas nunca ninguém alvitrou tal coisa, e eu não tenho quaisquer fundamentos para esta suposição.

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Em Agosto de 1983, em casa de meus pais, gravei uma conversa com minha tia Margarida. Contou-me que ainda chegou a ir rezar o terço à igreja de Nossa Senhora da Consolação. Quando foi buscar a imagem de Santa Ana, já o templo estava arruinado e andavam cabras lá dentro. As imagens estavam no altar da frente; nos laterais não havia nada.

Eis partes da conversa então havida: “… Nós é que os fomos lá a buscar… Mais a Porficação. Foi quando fijeram o cemitério. Lembras-te? Andabam d’ambos a acarrejar pedra p’ráqui quando nós p’ra lá… quando apar’cemos cá c’os santos. … u fui lá re ar o terço… … spois eu cismei-me na Santa Ana. É que no dormia! Queria ir busca-la! - Bô busca-la e bò! E o tio: - No bais. Olha que te prendem!

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- Bô! Sonho co’ela e tenho qu’a ir buscar!

trago-a p´ra

casa! - Ai se fazes isso!... - Bô buscá-la porque ‘stô incismada nela e bô busca-la, pronto! Incismei-me duma maneira! No dormia c’o sonho nela… na santinha… na Santa Ana. Fui pedir ordem ò Padre Zé. E fui pedir ordem ò regedor qu’era o João Sebela. E padre Zé diz assim: - Atão e bocê intressa-se nessa santinha? - No durmo co’a bontade da santinha. Tô sempre c’aquele pensamento nela! - Atão bá buscá-la. Bá buscá-la à minha responsabilidade! Fui a buscá-la. E onde a quer pôr? - Na igreija. spois fijémos l’uma festa cá no pobo… à Santa Ana. Fejémos procissão…

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Mas eu tinha uma cisma na Santa Ana até qu’a fui a buscar. Inda le serbi uns anos. … Já ‘staba arruinada. Já … as cabras já lá andabam. … Sabes quando fijeram o cemitério? Foi atão. Inquanto o Amândio aqui à pedra pr’ó cemitério eu corri a buscá-la. Mas que cisma!... Tinha que ter o comer pronto pró mei-dia. Foi correr até no mais, E lebei uma toalha p´rá inrebolhar e truxi-a inrebolhadinha numa toalha”. Bom… depois entregaram as duas imagens ao ti Fogeiro (Blola), um Guarda Fiscal reformado, que sabia qualquer coisa de carpinteiro e que as limpou e pintou. À imagem mutilada de S. Marcos colocou uma muito rústica mão com uma pena de madeira, um livro e barbas. Ainda me recordo de ver este artista a trabalhar nas imagens, na sua “loije”, ao Inxidro, inspirando-se numa figura impressa em papel ou cartolina, fosse calendário ou quadro. Estas imagens foram restituídas ao culto na igreja matris. Santa Ana foi depois substituída por uma imagem nova. De S. Marcos fui, durante muitos anos, mordomo com o Cassiano e, por morte deste, com o filho, Engº José Carlos,

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embora a Olívia tivesse o trabalho todo. Agora, com a nova comissão da capela, cessa a minha mordomia. As duas imagens regressam, à ermida, embora, mas fora de festas, voltam à povoação, atendendo à sua antiguidade e rusticidade.

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Obras e reabertura ao culto

Em 1982, continuando a ermida abandonada e a degradarse cada vez mais, iniciei a publicação de algumas notas sobre ela, com a secreta esperança de que algo se fizesse (29). Em 1995, um grupo de meia dúzia de pessoas começou a reconstruir parte da parede sul, entre o arco maior e o menor. As obras continuaram depois, com mais voluntários

(30),

infor-

malmente, sem uma comissão organizada para o efeito. Manteve-se, contudo, um pequeno núcleo de interessados, com mais ___________ 29 – Ver “Nossa Terra Junto à Fronteira”, De embro de 1982, págs. 9 a 11. Tratou-se de uma experiência que deu origem ao jornal ito “Notícias dos Forcalhos”. 30 – Não cabe aqui a enumeração de todos os voluntários (e muitos foram) que trabalharam, que deram materiais, emprestaram equipamentos, se esforçaram por obter receitas em bares ad hoc, e que entregaram donativos (aliás, os maiores donativos nem quiseram que fossem publicitados). Quem pretender saber mais sobre pessoas e andamento das obras, pode consultar os seguintes números do “Notícias dos Forcalhos”: nº25, p. 2; nº 27, p. 4; nº 28, p. 4; nº 29, p. 7 e 8; nº 32, p.5 e 6; nº 34, p. 4; nº 36, p. 6; nº 38, p.16; nº 39, p. 5; nº 40, p. 14; nº 41, p. 19; nº 42, p. 12; nº 43, p. 4 e 11 a 14; nº 44, p. 7; nº 45, p. 17, 18, 25; nº 46, p. 14, 15, 16; nº 47, p. 3; nº 48, p. 19; nº 49, p. 2 e 3.

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ou menos constância. Destes, seja-nos permitido fazer uma excepção com uma referência merecida ao João Vaz Martins, que nunca esmoreceu na sua dedicação. Pela minha parte, colaborei e incentivei e no, fim, com a minha esposa, ofereci a imagem de Nossa Senhora e o Crucifixo. Em 1996, no mês de Agosto, um número maior de voluntários, liderado por emigrantes em férias, trabalharam a sério e com entusiasmo, reformaram o resto da parede do lado sul e consolidaram o arco maior. No mês de Agosto do ano seguinte, 1997, foi a vez de derrubar a parede do lado poente, por cima da porta principal que, muito inclinada, ameaçava ruir. Refez-se a parede e assentaram-se vigas onde iria assentar o telhado. A partir deste ano, por empreitada, ajustou-se o derrube e reconstrução da parede da sacristia por estar inclinada e não oferecer segurança. Também por empreitada, de 2.600 contos, se deu, ao Zé Nói, a colocação do telhado . A seguir, as obras continuaram mais lentamente e, na maior parte, por empreitadas, como seja o caso da colocação de portas, de regularização e preenchimento total do pavimento interior, do reboco e pintura. A pavimentação dos anexos foi

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oferecida e a colocação do tecto, além de outros trabalhos e despesas, fica a dever-se ao João Vaz Martins. Relativamente ao reboco do interior (só do corpo da ermida, com excepção das divisões anexas e da capela mor), vamos transcrever o que saíu no nº 36 do Notícias dos Forcalhos, em Julho de 2001: “Colocou-se a questão de se rebocar ou não rebocar o interior. Deliberou-se que sim porque o reboco interior não constituía qualquer inovação. Já aí existia há muitos, muitos anos. De facto o templo foi abandonado em princípios do século passado. E dessa altura restam vestígios de duas camadas de reboco pintadas ambas de branco. Certamente a primeira camada, com a passagem dos anos, danificou-se e, por isso, colocaram-lhe outra camada por cima. Teve-se ainda em consideração o facto de as paredes serem de pedra bastante miúda, bastante irregular, ligada por terra amassada. O reboco dá-lhe mais consistência. Por rebocar deixam-se, também, no interior, as paredes de cantaria da capela mor. O exterior vai manter-se sem reboco. Quando muito, no futuro, mandar-se-ão encher as juntas.”

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Não podíamos deixar de realçar a intervenção da Junta que, com apoio da Câmara, dignificou o logradouro fazendo o Parque de Merendas, muito utilizado, levando até ali a electricidade, abastecendo o recinto de água, alargando e calcetando o caminho.

Chegados aqui, ainda com muito por fazer, estavam criadas condições para, na ermida, se colocarem imagens e reabrir ao culto.

Programou-se a reabertura para o dia de S. Marcos, 25 de Abril. Na véspera, uma azáfama para preparar tudo e colocar as imagens. No dia estabelecido, de manhã, apareceram tendas de vendedores e começaram a chegar automóveis que estacionaram nas imediações. Chegaram o nosso estimado pároco, Padre Américo Barroca, o Padre José Vaz, muito querido das gentes dos Forcalhos pelo trabalho aqui desenvolvido com o Padre Ezequiel, enquanto responsáveis pela paróquia, D. Fernando, pároco de Puebla, spanha, também considerado “nosso” por nos prestar auxilio,

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quando necessário. De autoridades civis, o Sr. Presidente da Câmara, António dos Santos Robalo, o Presidente da Junta, João António Ramos da Fonseca Nunes, com outros elementos da autarquia, dois representantes do Ayuntamiento de Casilhas, Jose Eloy… Muito nos sensibilizou a presença do nosso Bispo, o Senhor D. Manuel Felício, neste lugar humilde de uma pequena comunidade, no extremo leste da diocese. A celebração foi presidida pelo Senhor D. Manuel Felício e teve, como concelebrantes, o nosso pároco, Padre Américo Barroca, o vigário paroquial, Padre Jean Poul, o Padre D. Fernando, pároco de Puebla (Espanha) e o Padre José Vaz, pároco de Vilar Formoso. O templo estava completamente cheio de fiéis dos Forcalhos e outras povoações e as cerimónias foram comoventes e muito participadas. Para tomar conta da administração da ermida, em colaboração com o pároco, como é de regra, foi nomeada uma comissão composta por Amélia Martins Mota, Adozinda Santos, Olívia Gonçalves Jorge, João Vaz Martins e Ismael Pinheiro Carlos. No recinto, seguiu-se um animado convívio.

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Ficámos com mais um espaço sagrado onde, em silêncio e com fé, podemos ir rezar, pedir ajuda quando necessário e agradecer as graças que nos vão sendo concedidas… um espaço onde participar, também colectivamente, em actos de culto, ou em outras actividades de formação religiosa ou de meditação.

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Fontes Manuscritas

ANTT, Chancelaria de D. Pedro II, Livro II. ANTT, Dicionário Geográfico de Portugal, Vol. 16. ANTT, Registo Paroquial, Forcalhos, Livro Misto. ANTT, Registo Paroquial, Aldeia da Ponte, Livro das Visitas Pastorais da Igreja de Santa Maria Madalena. ANTT, Núcleo Antigo, 278 e 291.

Fontes impressas

Costa, M. Gonçalves da, História do Bispado e Cidade de Lamego, III, Lamego, 1982. Diccionario Historico e Documental dos Architectos, Engenheiros e Constructores Portuguezes; coordenado por Viterbo, Sousa; Lisboa, 1904. Diccionario de História Eclesiastica de España, coordenação de Vaquero, Quintin Aldea; Martinez, Tomás Marin; Gatell, Jose Vives; Madrid, 1972.

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Gomes, Pinharanda, História da Diocese da Guarda, Braga, 1981. Id., Memórias de Riba Coa e da Beira Serra, 3, D. Tomás Gomes de Almeida, Bispo da Guarda e de Angola, Braga, 1979. Noticias dos Forcalhos, 1984 – 2010. Marques, Júlio Silva, Memorias de Vilar Maior – Minha Terra – Minha Gente, edição do autor, 1997. Martins, J., Drama sob as Nuvens, Lisboa, 1979. Reedição pela Casa Veritas, Guarda, 2007. Santa Maria, Frei Francisco, Santuário Mariano, tomo III, Lisboa, 1711. Saraiva, J. Mendes da Cunha, “A Região de Riba Coa e um Autografo de Brás Garcia Mascarenhas”, in Biblos, VI, Coimbra, 1930.

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Indice

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 As ruínas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Fundação da ermida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Ermitões e Administradores . . . . . . . . . . . . . . 25 A ermida ao longo dos tempos . . . . . . . . . . . . 37 As últimas imagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Obras e reabertura ao culto . . . . . . . . . . . . . . . 59 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

FOTOGRAFIAS E DOCUMENTOS

Imagens da degradação da Ermida

Nº 1 – lado sul, com o ti Zé Pereira

Nº 2 - Galinheiro na zona do Altar mor

Nº 3 - Um burrito espreitando na porta principal

Nº 4 - Parte da parede do lado sul caída

Nº 5 O arco maior já deformado e em risco de queda eminente

Nº 6 - Vista do interior tirada da porta do lado sul. Podem ver-se duas camadas de reboco

Nº 7 - Porta da sacristia

Nº 8 - Uma pedra que tombou da parede do lado poente

Nº 9 - O cruzeiro esteve à entrada do recinto. Alguém, de nós conhecido e já falecido, sonhou que debaixo dele havia um tesouro e destruiu a respectiva base. Obviamente, não encontrou tesouro nenhum.

Nº 10 - Um aspecto do interior com o arco já deformado

Nº 11 - Sepultura do Padre Baltasar Fernandes

Nº 12 – Como actualmente não se nota a totalidade da data (1632), esta foto permite ver ainda o algarismo 3 e parte do 2

Nº 13 - Sepultura da fundadora

Nº 14 - Foto cedida por Carlos Alberto Martins Jorge. Supomos que esta foi uma pedra sepulcral da fundadora substituída por outra mais perfeita

Nº 15 - Ruinas de construções que serviram a ermida e seus responsáveis

Nº 16 - Outra vista das ruinas

Nº 17 - Esquina prestes a ruir

Nº 18 – paredes a serem refeitas.

Nº 19 – Nota-se a parte refeita por cima da porta e do lado direito.

Nº 20 – É visivel a parte refeita.

Nº 21 - O ti Zé Pereira e o poço

Nº 22 - Imagem de S. Marcos com a “restauração” feita pelo ti Fogeiro

Nº 23 - Imagem de Santa Ana já pintada de novo

Trabalhos de recuperação da Ermida

Nº 24 - Voluntários procedendo à limpeza e reconstrução em 1996

Nº 25 - Também era necessário comer

Nº 26 - Voluntários tratando do arco, especialmente emigrantes, em 1996.

Nº 27 - Continuando com voluntários, em 1996.

Nº 28 - Nota-se o trabalho dos voluntários na reconstrução das paredes sul e poente, esta por cima da porta, e na preparação para colocação do telhado.

Reabertura ao Culto

Nº 29 - Em 2002

Nº 30 - No dia 24 de Abril de 2014, preparando a festa

Nº 31 - No dia 25-04-2014, os automóveis estendiam-se pelas imediações.

Nº 32 – 25-04-2014, à volta do recinto, tendas de vendedores.

Nº 33 – 25-04-2014, no recinto

Nº 34 - Encostado à igreja, um dos dois painéis com um pequeno texto e imagens mostrando a degradação e a recuperação por voluntários.

Nº 35 - - O grupo coral, antes da missa.

Nº 36 - O nosso pároco, padre Américo Barroca, no interior.

Nº 37 - O padre José Vaz, nosso pároco anterior.

Nº 38 - D. Manuel Felício, Bispo da Diocese, com o pároco e elementos da Junta.

Nº 39 - Durante a celebração

Nº 40 - Uma leitura, durante a missa.

Nº 41 - A Ermida cheia de fiéis dos Forcalhos e redondezas.

Nº 42 Idem.

Nº 43 - Acompanharam o Senhor Bispo, Dom Manuel Felício, como concelebrantes, Padre Américo Barroca, Pároco da freguesia, Padre Jean Poul, Vigário Paroquial, Padre Dom Fernando, Pároco de Puebla (Espanha)e Padre José Vaz, Pároco de Vilar Formoso.

Nº 44- S. Brás

Nºs 45 - 1 Imagens de Nossa Senhora, agora oferecida,

Nº 46 – Observando um painel de azulejos

Nº 47 - O interior

Nº 48 – No recinto

Nº 48 - Despedida.

Documentos

ANTT, Núcleo Antigo, 291, fls. 72

ANTT, Núcleo Antigo, 291, fls. 72 vº

ANTT, Núcleo Antigo, 291, fls 73

ANTT, Núcleo Antigo, 291, fls. 73 vº

ANTT, Núcleo Antigo, 291, fls. 74

ANTT, Núcleo Antigo, 291, fls. 74 vº

ANTT, Núcleo Antigo, 291, fls. 76

ANTT, Núcleo Antigo, 291, fls. 76 vº

ANTT, Núcleo Antigo, 291, fla. 77 (76 rep)

ANTT, Núcleo Antigo, 291, fls. 77 vº (76 vº rep.)

Transcrição do documento

Da villa d’Allfayates de Ryba de Coa,. No anno do nascimento de Noso Senhor Jesu Christo de mill e bcxxxbii anos aos xxiiii dias do mes de novembro em a villa de Allfayates em a camara da dicta villa estamdo hy Anrique Mendez e João Logrado juizes ordynaryos em a dyta villa e asy Antão Vaaz vereador na dicta villa e o outro vereador hera fora e asy semdo presente Francisco Anes tabaliam em a dicta villa e asy estamdo hy algus homens antygos ahy perante todos eu lhes mostrey a provisão que trazia del Rey noso senhor pera me darem conta da demarcação desta villa com os lugares ou lugar de Castella com quem parte e semdo lhes notyffycado a dicta provisão e vysta per elles lhes perguntey logo se o termo desta villa (fl. 72 vº) partya com Castella e com que lugares diseram que o termo desta villa d’Alfayates partya de Cyda Rodrygo .ss. com a ffortaleza da Allbergarya que he termo de Cyda Rodryguo e he fortaleza do marquez de Ceralvo

neto do Pacheco de Cidade Rodrigo. E que a ffortaleza d’Allbergarya esta desta villa duas llegoas .ss. legoa e mea desta villa a raya de Castella. E da araya de Castella a dicta fortaleza d’Allbergarya ha mea llegoaa. E que Albergarya esta ao direito desta villa tendo o rostro pera onde nace o soll de verão. E que desta villa a cyudade Rodrygo ha sete legoas e que esta per cyma da dicta alldea d’Allbergaria no propyo direito donde naquela parte donde de verão nace o soll per cyma da dyta alldea ao direito per cyma della. E he lugar reallemgo Lhes fyz mais pergunta que se o termo desta villa no lugar per homde partya com Castella estava bem demarcado per marcos e malhões e divisões per que (fl. 73 co ste crarame te o termo partyr sem duvida com Castella e se a allg a ora esta villa teve allg a duvida ou debate sobre os termos com Castella com quem parte demanda ou allg a outra co te da diseram que em os dias dos que ora aquy são vystos em esta villa nam sabem nem sacordam que nunca esta villa tyvese duvida nem debate com Castella sobre o partyr dos termos senam ser por saber hyr a demarcaçam desta villa por o propio lugar por homde ora vay per marcos e malhões antygos que estam postos dentre esta villa e Castella. E que começa a demarcaçam desta villa com o termo de Cydad Rodrigo com quem parte e com termo d’alldea e

castello d’Allbergaria a partyrem per os lugares syguyntes de marco a marco.,. .ss. a h a nave que he hum vall que esta allem de Nosa Senhora da Consolação estando em ella atraves hum poço pera a mao direita da dicta casa e irmida de osa e hora da Co solação que he h a irmida que he fecta de vynte (73 vº) anos e esta parte por hum millagre que hy Nosa Senhora fez e allem della obra de quatro tiros de besta esta o dyto valle he porem pera a mão direita que chamão em esta villa a Nave Saleira e os do Sabugall a Nave do Sabugall e no dicto valle acaba ora em parte ora per elle o termo do Sabugall com Castella e com esta villa. E dahy pera mão esquerda fyca o termo desta vylla partindo pera qua pera baixo ao longo da raia com Castella com alldea d’Albergarya e o dicto valle esta hum malhão de pedra meuda a borda do valle. E o termo desta vila parte com Castella ao longo da raya h a grande legoa de comprido. E do dito malhão do valle vem a sua demarcaçam de malhão em malhão ate o Monte Callvo onde ora esta a irmida de Nosa Senhora da Consolaçam onde estão em o dicto Monte Callvo huns dous outros malhões de pedra

e dos dytos malhões

tomando pera tras da irmida de Nosa Senhora a demarcaçam e vay per cyma da irmida casy tiro de besta,,

E dos dictos malhões do Cabeço Callvo (fl. 74) vay a demarcaçam de malhão em malhão ate o proprio lugar o de se a tyrou ffero que esta hy h a gramde cova. E a cova fyqua toda no de Portugall e da dicta cova vay a demarcação ao longo e per cyma de h a estrada velha que antygamente hya pera Villa Froll e a estrada toda fyqua o de ortugall. E dahy por dya te vay de malhão em malhão ate per cyma de h a casa que (he riscado) ffoy de Francisco Fernandez e he ja pardyeiro. E a casa esta em Castella. E esta em hum baixo e per cyma della per hum allto desta parte contra esta vylla vay a araia de Portugall entre em Portugall e Castella. E a casa ja esta de ba da d’allem em Castella. E por hy vay hum comoro por omde per o dicto comoro vay partymdo a demarcaçam desta villa e do Regno com Castella. E por hy vay de malhão em malhão e vay ter a demarcaçam a hum cabeço mu to allto que esta deffro te d’Allbergaria no quall cabeço estão malhões de dyvisão e do dicto cabeço vay (fl. 74 vº) a demarcaçam de malhão em malhão e vay ter ao direito a estrada que vay desta villa pera Cuydad Rodryguo. E d’h a parte e da outra da estrada estão malhões e estes malhões estão na estrada entre Villa Froll que foy ja lugar e esta despovoado e he termo desta villa e a Allbergaria de Castella com quem parte. E dos dytos malhões da estrada vay a demarcaçam de malhão em malhão e atravessa o ribeiro de Villa Froll

e dahy des que ho atravesa vay por hum barocal e pinidia pera o diante e vay ter donde se tirou h a pedra muito compryda e gramde pera a po te d’Alldea da

o te

termo desta villa. E a cova donde se tirou a pedra esta dentro em Portugall. E dahy vay ter de malhão em malhão a hum cami ho que vem d’Aldea da o te pera a effesa da

offeda que he dos Reg os de Castella e day

vay ter de malhão em malhão per h a (fl. 76) lurde que esta no cabo da Nave dos Cabos. E a dicta nave fyqua em Portugall. E dahy vay de malhão ter aos pardyeiros da Atalaia e vay fferar em hum ribeiro que chamam o rado de

illar

ace o de

ayor o de esta hum malhão

que tem fecto em a pedra h a cruz e que hy acaba o termo desta villa de partyr com Castella. E ahy achega o termo de Villar Mayor e parte dahy por dyante com Castella e que ho lugar por onde vão as dictas malhoeiras he o lugar por onde sempre e dantygamente sabem hyr a demarcaçam e nunca a sabem hyr por outra e h a parte se am por ho de ora vay porque ha aquy home s a tygos que sempre a sabem hyr por os lugares sobredictos sem u ca Castella lhe bolyr a demarcaçam em sobr’ella terem debate refeita em dema da h a e que em a camara desta villa não havya papes que falem nem decrarem a demarcaçam que os deve aver em Cydad Rodriguo no cartoryo da cidade (fl. 76 vº) E com eles catey o cartorio da camara e om lhes achey h s papes

que fallasem por onde partya o seu termo com Castella e a todas as mais perguntas nom responderão mais que ho sobredyto e os antygos que eu ouve por enformaçam que avya em esta vyla lhes mandey que os fyzesem presentes pera com eles hyr ver a demarcaçam desta villa e d’Afo so de Rese de que ho screveu Anrique Mendez Joam Logrado Antam Vaaz (pentalfa) Francisco Anes

Da qual he comendador Andre Pereira das Coberturas e tem castello bom e novo e o muro começado a fazer e o terço da renda da igreja he do castello, daquy a Villar Maior ha duas legoas, sira cousa muito proveitosa acabar se a cerca da villa porque o mais esta ffecto e (bem = riscado) e de novo com seis tyros e artelharya e sua pollvora que tudo hy mandou ell Rey Dom Manuel que santa grorya Deus aja. (fl. 76 bis) E despos desto aos xxbi dias de ovembro de bcxxxbii a os em a vila d’Alfayates eu sprivam com Anryque Mendes juiz e com Antam Vaz vereador e Francisco Eanes tabeliam fomos ver a demarcaçam desta vila com Castella e fomos ao valle onde se acaba o termo do Sabugall que se chama o Valle do Sabugall e chama se a Nave Saleira todo este nome

tem o dicto valle e nave,, e do dicto valle onde sacaba o termo de Sabugall a Nosa Senhora da Consolaçam ha mil cento e vynte e cinqo varas de midir que os mandey dahy midir, e de dyto lugar com Joam Mateus e Afonso Bras e Sabestyam Afonso em Alldea da Ponte homens velhos E do termo d’Alfayates a que dey

urame to dos

avanjelhos em que poserão as mãos pera que verdadeiramente me mostrasem a propia demarcaçam desta villa com Castella e diserão que a mostraryão daqui por dyante na verdade por onde os termos partyão e lhes foy logo per mim luda a demarcaçam que esta vylla deu e eles me foram logo com ho juiz e ofycyaes (76 bis vº) me foram dahy mostrando a malhoeira desta vila com Castella hyndo de malhão em malhão ver os propios lugares e malhoes atras dytos per os ofycyaes do concelho e sempre ffomos de malhão em malhão e por os propios lugares e dyvisões dytos per o concelho em sua resposta ate chegarmos ao Rybeiro d’Atalaya o de chamão hy o Prado de

illar

ayor. E em h a pedra

estava h a cru feyta o de sacaba a demarcaçam desta villa com Castella e chega aquy o termo de Villar Mayor e parte daquy por dyante Vilar Mayor com Castella e toda a malhoeira atras estaba boa e amalhoada sem estar nenhum malhão derybado e os ajuramentados antygos dyserão que a malhoeira estava ate quy toda boa e asy arão aquy todos

e d’Afo so de Rese de o spreveo

e que nunca a malhoeira fora por outra parte se nam por onde ora vay e nunca ffora bolida nem mudada o sobredicto sprivam o spreveu Joam + Mateus Antam Vaaz (pentalfa) + Sabastião Afonso Francisco Anes Anrique Mendez

ANTT, Chancelaria de D. Sebastião e de D. Henrique, Doações, Lº, 34, fl. 179.

ANTT, Núcleo Antigo, Livro 278, fl. 576

ANTT, Núcleo Antigo, 278, fl. 576 vº

Paris, Bibliothéque Nationale, Fond Espagnol, 221, fl. 93 vº

ANTT, Dicionario Geografico de Portugal, vol. 16, p. 735

ANTT, Dicionario Geografico de Portugal, vol 16, p. 736

ANTT, Dicionario Geografico de Portugal, vol. 16, p. 737

ANTT; Dicinario Geografico de Portugal, vol 16, p. 738.

2014

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