A Escola Chinesa dos Estrategistas no Brasil: uma revisão literária

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Bueno, André. ‘A Escola Chinesa dos Estrategistas no Brasil: uma revisão literária’. In Projeto Orientalismo, 2015. Disponível em: www.orientalismo.blogspot.com.br

A ESCOLA CHINESA DOS ESTRATEGISTAS NO BRASIL: UMA REVISÃO LITERÁRIA ANDRE

Introdução De todas as obras chinesas traduzidas para o português, o Sunzi Bingfa 孫子兵法– conhecido como A Arte da Guerra de Sunzi 孫子[séc. -5?] é, com certeza, a mais divulgada e conhecida. Em minhas pesquisas para esse ensaio, contabilizei mais de trinta versões atualmente disponíveis em lojas virtuais de livros, além de duas de domínio público. Tamanha quantidade não se expressa diretamente em qualidade, e não dá uma ideia precisa da recepção que a obra de Sunzi tem em nosso público. Do mesmo modo, há uma certa fixação em traduzir a obra de Sunzi, mas se desconhecem as traduções de outros textos estratégicos chineses no Brasil – com a rara exceção de Sunbin 孫臏, como veremos adiante. Tal consideração revela alguns problemas acerca de como nossos pensadores recebem a obra de Sunzi, quais os seus propósitos, e que lições extraem delas. O que pretendo, nesse texto, é analisar algumas traduções do Sunzi Bingfa, dimensionálas em nosso contexto literário e intelectual, e ainda, analisar alguns aspectos relativos ao que seria a ‘Escola dos Estrategistas’ e suas outras produções, tendo em vista ampliar o debate sobre esses escritos chineses em nosso país. Ademais, indicarei os tradutores originais do chinês, e citarei apenas as obras colhidas no Brasil, de modo a estabelecer esse panorama. A tradução fundadora – James Clavell Dado grande número de traduções de Sunzi, me deterei em analisar aquelas que entendo serem relevantes para os estudiosos, seja pela qualidade da tradução, pela proposta editorial ou pelas informações que trazem conexas. Devemos ter em mente que o Sunzi Bingfa é a mais publicada das obras clássicas chinesas no Brasil; mas não foi, aparentemente, a primeira. Antes dela, Confúcio 孔夫子[Raposo, 1939] e Laozi 老子 [Yutang, 1945] já haviam sido traduzidos para o português, alcançado uma relativa difusão. O fenômeno da Arte da Guerra começou com a publicação da versão de James

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Clavell & Lionel Giles [1983]. A tradução de L. Giles era antiga [1910], e o romancista James Clavell, autor de Xógum [Shogun, 1975], Casa Nobre [1981] e Taipan [1966], fez dela uma adaptação e a prefaciou. É difícil saber por que a Arte da Guerra foi traduzida para o português. É provável que o interesse fosse acompanhar as boas vendas de seus romances; na década de 80, quando o livro foi lançado, sua novela Xógum havia sido inclusive adaptada para Televisão [1980], trazendo atores famosos como Richard Chamberlain e Toshiro Mifune, sendo exibida no Brasil. Nessa versão, destinada ao grande público, Clavell apresentava uma versão acessível, fácil de ler, da obra de Sunzi. Ela também grafa, em português, as denominações ‘Sun Tzu’ e Arte da Guerra. ‘Sun Tzu’ vinha da grafia de nomes chineses feita pelos ingleses, sistema conhecido como Wade-Giles [um de seus criadores foi o pai de Lionel, Herbet Giles, que também era sinólogo]; quanto a Arte da Guerra, o termo fora grafado desde a primeira tradução Ocidental do texto, feita pelo Padre Amiot [1772], e consolidou-se na literatura. Faltam-nos dados para compreender a assimilação do público. Nesse caso, só podemos fazer uma digressão, especulando os motivos das boas vendagens do livro [ao menos quatro tiragens no espaço de um ano]. A década de 80 marca o surgimento de dois movimentos amplamente distintos entre si: os grupos de administração contemporâneos, e os grupos esotéricos. O grupo ligado à administração valorizava a Arte da Guerra por defender a teoria de que o mercado e a vida empresarial são tais quais como uma guerra, e por isso, exigem estratégias eficazes para alcançar o sucesso e a superação. Veremos que algumas dessas concepções são equivocadas e exageradas, mas encontram uma fonte abundante na literatura norte-americana, que fundou essa visão. Lições estratégicas fundamentais, aprendidas nos conflitos da Coréia [1950-53] e do Vietnã [1963-75], ajudaram na elaboração de conceitos que foram levados por ex-militares ao mercado empresarial.1 O grupo dos esotéricos surgiu no rescaldo da década de 70, quando muito ex-hippies decidiram aceitar as regras de mercado, difundindo seus conhecimentos em artes esotéricas em troca de remuneração. Várias artes ocultas, e uma ampla gama de obras da literatura ‘oriental’, passaram a ser valorizadas com formas de aprimoramento pessoal. É no seio dessa comunidade que surgiu a literatura de ‘Auto-ajuda’, que se constitui num Um bom exemplo pode ser visto no livro de Mintzberg, Henry et alli. Sáfari da estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2010.

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vasto conjunto de textos, dos mais diversos matizes, que tem por mister auxiliar na vivência cotidiana e na busca de um sentido filosófico-religioso individual. De certo modo, os praticantes de artes marciais – grandes consumidores dessa literatura – contribuíram na promoção da Arte da Guerra como um livro desse gênero, dentro da mais legítima tradição de um ‘misticismo oriental’. Vejamos a seguir, pois, uma história dessas traduções, e suas características gerais. A versão do Padre Amiot A versão de Clavell reinou sozinha no mercado editorial até que, dez anos depois, surgiu a tradução da Arte da Guerra do Padre Amiot [LP&M, 1993]. Embora o formato da publicação fosse econômico, o texto de Amiot não o era. Dentro de uma tradição própria de tradução dos clássicos chineses, os franceses preferiam traduzir um termo ou conceito chinês em uma longa expressão que denotasse seu sentido, ao invés de somente uma palavra isolada. Isso fazia com que parágrafos sucintos se transformassem em trechos longos e detalhados, que acoplavam palavras que simplesmente não existiam no original. Esse método tem duas implicações: um, que determinada passagens, às vezes obscuras ao nosso entendimento, ficam esclarecidas dentro de um determinado ponto de vista; por outro lado, essas mesmas passagens, cujo sentido é amplo ou exigem reflexão, ficam condicionadas a uma única interpretação – nesse caso, a do Padre Amiot – perdendo seu sentido polissêmico. A escolha de uma tradução consagrada, porém, foi uma boa opção, tornando-se um referencial seguro. Notas explicativas não foram incluídas nessa versão. Podemos supor que o objetivo, de fato, era alcançar um público mais amplo, diversificado, que estava cada vez mais interessado na obra de Sunzi. Por fim, ressalte-se o esforço em adaptar a obra para o português, tendo em vista que a proposta de Amiot era, de certa forma, fazer uma tradução erudita, adequada ao contexto do século 18. Versões boas e acessíveis Uma versão muito interessante é de Thomas Cleary, publicada em 1995. Acompanhando a crescente onda de traduções da Arte da Guerra, essa tradução trouxe para o português o texto claro, limpo e simples de Cleary, um renomado divulgador da literatura chinesa. Suas versões costumam ser vulgarizadas, mas nem por isso deixam de ser boas pontes para a antiguidade chinesa. Nessa tradução, foram incorporados os comentários de estudiosos chineses da antiguidade ao texto de Sunzi, na versão que foi estabelecida durante a dinastia Song [960 +1279]. Isso, por si só, torna essa versão

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bastante especial. O problema dessa edição é que ela omite alguns trechos do texto original, o que constitui, provavelmente, um problema de revisão. Igualmente boa é a tradução de Samuel Griffith, de 1996. Quem olha, não dá crédito a uma singela versão de bolso. Todavia, o texto foi bem traduzido, também traz os comentários clássicos chineses e ainda, conta com o texto completo. O formato minúsculo e a ausência de um suporte histórico mais amplo é que podem ser criticados nessa tradução. Sunzi e Sunbin Em 1972, haviam sido descobertos, na China, os fragmentos da Arte da Guerra de Sunbin, descendente de Sunzi. Como é comum nessas situações, o texto demorou algum tempo para ser catalogado, preservado, formatado e finalmente, traduzido. A Arte da

Guerra de Sunbin trazia um extenso complemento a Arte da Guerra de Sunzi, comentando passagens, ilustrando situações e propondo aplicações das estratégias. Em 2002, veio a lume a versão completa de Sunzi e Sunbin, a partir da tradução de Ralph Sawyer, especialista nos textos clássicos dos estrategistas chineses. A versão em português conseguiu preservar a simplicidade da linguagem original, e pode ser considerada uma fonte excelente para compreender ambos os textos. Em 2004, publicaram-se mais duas versões de Sunbin, ambas pela mesma editora. Na primeira, apela-se ao domínio público do nome, intitulando-se a obra Sun Tzu II – A

Arte da Guerra e os documentos perdidos. Apesar desse oportunismo, há que se considerar a dificuldade do público brasileiro com os nomes chineses; além disso, a versão é do mesmo Thomas Cleary, experiente tradutor do chinês, como vimos. Contudo, a segunda versão é uma primorosa tradução, acompanhada de um bom estudo, feito por dois tradutores acadêmicos renomados, D.C. Lau e Roger Ames. Embora se trate essencialmente do mesmo livro, o título é Sun pin, incorporando essa importante modificação de nomenclatura. Devemos observar, pois, que apesar das inúmeras traduções disponíveis já nessa época, que multiplicavam-se como cogumelos após a chuva, o mercado editorial investiu em tradutores de peso, secundados por estudos sérios do papel histórico e filosófico de Sunzi e Sunbin. A 1ª tradução diretamente para o Português Em 2006, Adam Sun, chinês radicado no Brasil, efetuou a primeira tradução direta do chinês para o português da obra de Sunzi. Acompanhada do original em chinês, com

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muitas notas explicativas e um texto acessível, esse excelente livro tornou disponível, ao público brasileiro, uma versão sem intermediações, senão aquelas feitas pelo próprio tradutor. Jornalista profissional, com vasta experiência tanto na escrita quanto no ofício de checagem [verificação de erros, ortografia e adequações em artigos e matérias], Adam não se limitou a fazer uma versão cuidadosa, mas ainda, estabeleceu uma crítica séria com relação a outras que se encontravam disponíveis no mercado daquela época. No entanto, em meio à grande quantidade de versões mais baratas que existiam [mas de forma alguma melhores], seu valor intelectual e cultural não foi devidamente conhecido e apreciado. A minha versão Dentro desse quadro, fui convidado a realizar uma tradução da Arte da Guerra, em 2009. Como afirmo na introdução da mesma, não estava inicialmente motivado a fazer esse trabalho, supondo que a grande quantidade de versões disponíveis no mercado simplesmente engoliria qualquer trabalho mais recente. No entanto, ao examiná-las, percebi que poderia ser interessante dar uma versão própria, alternativa a abordagem superficial que identificava em muitas. Busquei utilizar minha experiência sinológica na produção do livro, buscando apresentá-lo numa linguagem simples, sintética, e fazendo uma introdução histórica capaz de contextualizar o livro sem ser, no entanto, exaustivo. De fato, minha intenção era criar uma obra capaz de atrair o público para o campo da Sinologia, mas de forma suave. Conhecia as versões de Giles, Amiot, Griffith e Cleary, além de várias outras sem qualquer indicação plausível ou segura. Não conhecia a de Adam Sun, o que poderia ter colaborado bastante no meu trabalho, e que reordena a história das traduções de Sunzi como eu informara no livro, e em um artigo no qual analisei as dificuldades de realizar a tradução [Bueno, 2014]. A experiência, porém, foi bastante válida, no sentido de perceber as ausências brasileiras em relação a um conhecimento mais profundo dos estrategistas chineses, o que me deu base para a escrita do presente artigo. Subindo níveis No mesmo ano de 2009, uma versão da Arte da Guerra de alto nível apareceu no mercado [Ediouro, 2009]. Ela trazia ensaios introdutórios feitos por Antônio Bezerra Junior e Chen Tsang Jye, professores do curso de Chinês da USP, que corroboravam a qualidade da tradução. Nesse sentido, duas outras traduções seguiram a ideia de buscar a interpretação chinesa sobre o original de Sunzi: a primeira se baseava na tese de

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doutorado do especialista Yan Kee Wing [Mauad, 2011]; a segunda, na experiência de combate do general Tao Hanzhang [Gente, 2011], atualizando o debate sobre o entendimento da Arte da Guerra na China de hoje. Se pudermos entender a elevação da qualidade dessas obras como um índice de compreensão da Arte da Guerra, isso seria um excelente índice. No entanto, para cada uma dessas boas traduções, há pelo menos três de origem desconhecida, ou que reproduzem montagens de fragmentos, entre outros problemas. O alto consumo das obras de Sunzi, sempre bem qualificada nos rankings de vendas, demonstra que o custo e a curiosidade ainda são os maiores vendedores desse livro, muito mais do que um interesse sério ou especializado. Problemas estratégicos Agora, quero retomar agora a ideia de perceber os problemas da recepção de Sunzi no Brasil. O primeiro deles diz respeito à obsessão estrita com a obra de Sunzi, o que demonstra o total desconhecimento sobre outras obras estratégicas da história chinesa. A Arte da Guerra acabou se tornando um livro único, isolado do contexto histórico no qual foi produzido, e cujos propósitos foram desviados. Uma pesquisa mais acurada mostraria o milenar debate que existe na China entre diversos autores e obras de estratégia, e que deveriam ser mais conhecidos para que pudéssemos construir um panorama mais amplo da mentalidade chinesa. Podemos considerar que houve uma ‘Escola dos Estrategistas’[Bingjia 兵家] na China antiga, cujos autores ignoramos solenemente. Obviamente, pois, tornamo-nos especialistas de um livro só, restringindo bastante nosso entendimento sobre as questões, conceitos e perspectivas que permeavam essas propostas. Em segundo lugar, há um proveito muito equivocado sobre a Arte da Guerra. Permanece a insistência em tratá-lo como um manual administrativo ou da vida, o que aproxima a área da administração com o campo da auto-ajuda. A guerra, como o próprio Sunzi dizia, é um evento terrível, que ocorre quando a moral acabou, e as regras sociais não valem mais. Quando se inicia um conflito, a única doutrina moral que sobrevive é aquela que motiva o combatente, em oposição aquela que ele deve vencer – a do outro. Não é preciso dizer que isso cria um panorama de conflito na mente daqueles que entendem que esse livro é aplicável ao cotidiano, mesmo que de forma metafórica. A incrível quantidade de livros disponíveis que empregam a Arte da Guerra na administração, nas vendas e na vida comum nos revela uma perspectiva muito

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problemática: estamos dispostos a enganar, matar, roubar, pressionar, assustar, tramar ou trapacear? Pois a guerra se trata disso, e é a isso que Sunzi se dirige. O objetivo é a vitória, quando a negociação acabou. Pergunto: de fato, a vida é assim? Essa pequena digressão serve para ilustrar o exagero do uso da Arte da Guerra como um instrumento de auto-aperfeiçoamento. Sunzi não fez um texto metafórico, mas realístico. Sua grande aceitação deriva, em parte, da ausência de julgamentos morais de Sunzi. Afinal, para ele, quando a guerra estoura, não há mais limites – limites, esse, justamente, que vivemos hoje. Se vivermos no âmbito das leis e de uma moral que, ainda que egoísta, compreende a existência dos outros, então Sunzi voltará a se circunscrever ao campo da estratégia; mas, se estivermos dispostos a aceitá-lo como um guia real, então, estamos dispostos a embarcar numa aventura niilista. Obviamente, isso se trata de uma postura hipócrita. Queremos vencer na vida, ser o melhor administrador, a melhor pessoa, mas buscamos igualmente o amparo das leis. Ou seja: há uma conveniência cínica por parte daqueles que defendem a estratégia na vida comum; quando a vantagem lhes favorece, a estratégia é pertinente. Isso em muito se assemelha, por analogia, aquelas pessoas que estudam Nietzsche e passam a defender a falência da moral, e o direito do Super Homem – todavia, quando roubados ou traídos, chamam a polícia, e clamam pela lei. Sunzi deve ser lido, claro. Afinal, lemos livros sobre tanques, aviões, armas, guerras mundiais, e nem por isso somos todos soldados, pilotos de caça ou estrategistas. No entanto, é preciso situar o plano ao qual o discurso de Sunzi se dirige, tomando cuidado com possíveis abordagens interdisciplinares que espalhem suas ideias como se fossem uma panacéia humanística e superior. Não o é. E a busca de eficácia, desprovida de Humanidade, já foi devidamente criticada pelos autores chineses antigos. E mesmo um olhar sobre os outros textos da escola dos estrategistas nos daria uma ideia disso. É do que vamos falar, a seguir. A Escola dos estrategistas Ao contrário do que se imagina, Sunzi e Sunbin não foram os únicos a lidar com a questão da estratégia na China antiga. Antes deles, Taigong 太公 [séc. -4?]2 e Sima 司馬[séc. -4?] teriam escrito seus livros de estratégia, num contexto de disputa por atenções, prestígio e riqueza. Sima invocava a guerra cavalheiresca, Taigong elaborava estratégias complexas. E, após Sunzi, outros escritores, como Wuzi 吳子, Weiliaozi 2

姜子牙

Também conhecido como Jiang Ziya . Afirma-se que o texto original seria do século 11, mas não há fontes que comprovem isso; a indicação é somente aquela do próprio texto, sem nenhuma outra indicação nos antigos clássicos chineses.

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尉繚子 e o Duque Huang 黃石公 também deixaram suas visões sobre a questão. O tempo dos Estados Combatentes foi profícuo para esses pensadores, ligados diretamente a questão militar. Somente séculos depois, porém, no período Tang [618 +907], é que foi feita uma classificação mais ou menos definitiva, chamada de Sete Clássicos da

Estratégia Militar, que criam um corpus desses tratados. Eram eles: Seis ensinamentos secretos de Taigong [Liu Tao 六韬]; O método de Sima [Sima Fa 司馬法]; A lei da guerra de Sunzi 孫子兵法; Wuzi 吳子; Weiliaozi 尉繚子; As três estratégias do duque Huang [Huangshi Gong Sanlue 黃石公三略]; e Questões e respostas de Tang Taizong e Li Weigong [Tang Taizong Li Wei Gong Wen Dui 唐太宗李卫公问对 ,este último da própria dinastia Tang, de autoria de Lijing 李靖(571 +649)]. Notem que o tratado de Sunbin não estava presente nessa lista, e talvez fosse pouco conhecido na época. Outro gênio da estratégia, Zhuge Liang 諸葛亮[183 +234], também não aparece. É possível, portanto, que além da arbitrária, a escolha tivesse motivações específicas, tais como alguma espécie de canonização histórica. O que ressalto, aqui, é que o público brasileiro praticamente desconhece esses livros. Grosso modo, ele só tem um parco conhecimento sobre um sétimo do que foi produzido pelos estrategistas – e assim mesmo, de qualidade variável, e carregado de estereótipos empresariais ou esotéricos. Isso é até certo ponto compreensível, tendo em vista que mesmo nos países com uma tradição sinológica mais desenvolvida, alguns desses textos só foram traduzidos mais recentemente. Uma excelente fonte para conhecê-los é o livro de Ralph Sawyer, The

Seven Military Classics of Ancient China [Westview, 1993]. Mas, como estamos a discutir a literatura em português, e no Brasil, precisamos saber o que há sobre. Os primeiros fragmentos desses clássicos apareceram em A sabedoria do guerreiro, compilado por Thomas Cleary [2001]. Ele traz um conjunto de trechos selecionados dos sete livros, mas a versão em português não traz uma explicação mais detalhada sobre quem eram seus autores ou fontes. Fica-se, pois, com a sensação de um livro de autoajuda, embora o livro seja agradável, e o texto tenha sido traduzido com cuidado e clareza, mas sem qualquer nota explicativa. Foi o Monge Marcos Beltrão que traduziu os sete clássicos de Taigong, Sima, Sunzi, Wuzi, Weiliaozi, Huang e Lijing. Essa fonte merece uma atenção maior por parte do público, sendo a única fonte completa, em nossa língua, desses clássicos. As traduções são cuidadosas, e tem um custo baixo para aquisição eletrônica. Uma notável obra, cuja

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pouca divulgação, a meu ver, revela os problemas do nosso público leitor, quase sempre interessado em versões imediatistas e superficiais.3 Os estrategistas Zhuge Liang e Liuji 劉基 [1311+1375]receberam uma tradução de Thomas Cleary, publicada em 1989, com o nome de ‘Conhecendo a Arte da Guerra’. Recentemente, outra editora reeditou esse mesmo texto [Madras, 2011], que traz as visões estratégicas amplamente distintas desses autores, que viveram bem depois de Sunzi – mas em momentos não menos tumultuados da história chinesa. O padrão em relação os obras de Cleary são os mesmos: traduções simples, basicamente corretas, mas com poucas informações históricas ou elucidativas. As ‘Trinta e seis estratégias’ Igualmente clássica, na China, são as trinta e seis estratégias, conjunto de aforismos ligados a habilidade militar e de espionagem, que se transformou em um livro de título homônimo. Os aforismos, isoladamente, pouco dizem, e precisam de explicações adicionais para serem compreendidos. Recentemente, eles se transformaram numa fonte igualmente famosa, pela facilidade de serem decorados e pelas abordagens multifacetadas que lhe são possíveis fazer. A primeira versão desse livro veio a lume, em português, em 1996, pela leitura de Harro Von Senger. No entanto, apesar de bem explicado e contextualizado, o livro só trazia parte dos estratagemas, deixado para um segundo volume – nunca publicado – o seu fecho. Senger fez uma análise bastante rica dos aforismos, e seu livro vale como uma boa introdução aos 36 estratagemas. A segunda versão foi importada dos chineses, em 2001. As 36 estratégias dos chineses, de Wee Chow Hou e Lan Luh Luh apresenta historicamente os estratagemas, mas todos os exemplos vem atrelados a questão empresarial e dos negócios. Mesmo os chineses, portanto, se entregaram a ideia de vender os estrategistas como uma solução administrativa. No mesmo tom é a versão de Hiroshi Morya [2011], As 36 estratégias

secretas, o que não contribui muito para a compreensão histórica desse texto. Uma versão excelente foi publicada em 2012, intitulada Os 36 Estratagemas – Manual

Secreto da Arte da Guerra. A tradução é magistral, feita por Jean Levi, sinólogo francês ainda ativo. Essa versão recupera o sentido clássico dos estratagemas, sua conexão com a sabedoria tradicional chinesa, e propões sentidos bastante diversos das banalizações 3

Para ver as obras do Monge Beltrão, visite o site: http://marcosbeltrao.com/mestres-de-guerra/

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feitas em outras versões. Novamente, é um livro que deveria ser mais bem conhecido e divulgado; mas, sem apelo mercadológico, é uma versão magnífica dos clássicos que vê sua circulação restrita pelo desinteresse do público em abordagens mais sérias e densas. Por uma conclusão conclusão Vemos, pois, que para um estudo filosófico e militar da escola dos estrategistas, já temos em português uma relativamente boa literatura disponível. Relativa, claro, porque as melhores versões ainda são pouco conhecidas. Todavia, o velho reclame da ausência de fontes – eterna cantilena impeditiva de estudos sinológicos no Brasil -, nesse caso, não mais procede. É possível, portanto, elaborar bons trabalhos acadêmicos nesse sentido, com o auxílio de excelentes manuais de pensamento chinês, como os de Marcel Granet [1997] e Anne Cheng [2009]. O que proponho, contudo, é que se a literatura estrategista será empregada em questões de administração ou da vida comum, que se leiam, enfim, os outros clássicos. Sem eles, todas essas obras continuarão a representar visões incompletas e problemáticas do antigo pensamento chinês. Como disse Confúcio: ‘estudar sem refletir é inútil; e refletir sem estudar é perigoso’. Nesse caso, o desconhecimento das outras fontes manifesta-se, exatamente, nas limitações que as obras calcadas somente em Sunzi apresentam. É necessário, portanto, que estudemos mais, e investiguemos mais, para aprofundar nossos conhecimentos sobre essas antigas doutrinas chinesas. É mais um fértil campo aberto a nascente Sinologia brasileira, e passível, já nesse momento, de uma abordagem séria e bem alicerçada em traduções confiáveis. Referências [Para diferenciar as versões, eu as apresentarei segundo seus tradutores originais]

Sunzi e Sunbin Ames, Roger e D.C. Lau. Sun Pin. São Paulo: Record, 2004. Amiot, Padre. A Arte da Guerra. Porto Alegre: LP&M, 1993. Bueno, André. A Arte da Guerra. São Paulo: Jardim dos livros, 2009. Cerbari, Gustavo. A Arte da Guerra. Rio de janeiro: Ediouro, 2009. [com os textos de Antônio Menezes e Chen Tsang Jye]

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Clavell, James. A Arte da Guerra. São Paulo: Record, 1983. Cleary, Thomas. A Arte da Guerra. São Paulo: Pensamento, 1995. Cleary, Thomas. Sun tzu II – os documentos perdidos. São Paulo: Record, 2004. Griffith, Samuel. A Arte da Guerra. São Paulo: Paz & Terra, 1996. Sawyer, Ralph. Sun tzu e Sun Pin – obra completa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Sun, Adam. A Arte da Guerra. São Paulo: Conrad, 2006. Tao, Hanzhang. A Arte da Guerra de Sun tzu. São Paulo: Gente, 2011. Yan, Kee Wang. A Arte da Guerra. Rio de janeiro: Mauad, 2011.

Outros textos Cleary, Thomas. A sabedoria do guerreiro. São Paulo: Record, 2001. Cleary, Thomas. Conhecendo a Arte da Guerra. São Paulo: Gente, 1989. Cleary, Thomas. Dominando a Arte da Guerra. São Paulo: Madras, 2009. Jean Levi. Os 36 estratagemas. São Paulo: Landy, 2012. Morya, Hiroshi. As 36 estratégias secretas. São Paulo: Évora, 2011. Raposo, Ignácio. A Philosophia de Confúcio. Rio de Janeiro, 1939. Senger, Harro Von. O livro dos estratagemas. Rio de janeiro: Ediouro, Wee, Chow Hou e Lan, Luh Luh. As 36 estratégias dos chineses. São Paulo: Record, 2001. Lin, Yutang. Sabedoria de Índia e China. 2vls. Rio de janeiro: Ponguetti, 1945. [Coletânea que trás a primeira tradução de Laozi].

Manuais Cheng, Anne. História do pensamento chinês. Petrópolis: Vozes, 2009. Bueno, André. ‘As dificuldades de uma tradução: o Sunzi Bingfa e o contexto cultural brasileiro’. Cadernos de Literatura em Tradução, n.14. São Paulo: USP, 2014.

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Bueno, André. A Arte da Guerra chinesa: uma história da estratégia na China, de Sunzi a Maozedong. 2011. Disponível em: http://estrategiaschinesas.blogspot.com.br/ Granet, Marcel. O pensamento chinês. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

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