A Escola Inclusiva: O Direito à Educação e a Vulnerabilidade Social

July 6, 2017 | Autor: Pablo Martins | Categoria: Constitutional Law, Education, Social vulnerability, Inclusão Escolar
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A Escola Inclusiva: o direito à educação e a vulnerabilidade social1. Pablo de Oliveira Martins2 Resumo: O presente artigo tem por escopo refletir sobre as perspectivas da escola como um espaço de promoção de igualdade e da inclusão social dos sujeitos em condição de vulnerabilidade. A partir da análise dos aspectos sócio-jurídicos do direito à educação e com fulcro na teoria sociológica da educação, observa-se que há uma contradição entre os princípios e objetivos balizados nas legislações nacionais e nos documentos internacionais e a realidade vivida nas instituições de ensino no que tange à garantia e à proteção dos direitos dos socialmente desfavorecidos. Muitos afirmam que as instituições de transmissão de cultura, como a escola, têm a função apenas de perpetuar os valores da classe dominante. Contudo, como a Constituição Brasileira prevê, é possível e necessário que a escola oportunize a todos a ascensão e o desenvolvimento social através da instrução, da qualificação e do conhecimento. Cabe aos atores da relação educacional (pais, professores, educandos e colaboradores), com o apoio do Poder Público e da sociedade civil, lutarem pela construção de uma escola verdadeiramente igualitária e justa. Palavras-chave: Direito à educação. Escola. Vulnerabilidade. Inclusão Social. Introdução: A visão que se tem das instituições no Brasil comumente está relacionada com a ideia de burocracia, ineficiência, corporativismo, retrocesso, são características óbvias. Mas serão tão evidentes e claras assim que não permitam exceções, evoluções ou inovações? O óbvio é algo sobre o qual há um consenso, seja

este

positivo

ou

negativo,

que

não

cabe

mais

discussões

ou

questionamentos. Para Gadin (2006; p. 58), é justamente por serem consideradas óbvias que as ideias perdem o devido valor, e deixam de serem tratadas com a importância necessária. ''Este é o caso da escola'' (GANDIN, 2006, p. 58). Assim, fugindo do senso comum e da obviedade, deve-se refletir criticamente sobre o que a instituição escolar representa hoje para sociedade, e o que ela poderia representar na construção de uma educação como instrumento de inclusão social e de promoção dos direitos humanos, principalmente para aqueles sujeitos que se encontram em condição de vulnerabilidade social e têm seus direitos fragilizados. 1

Esse artigo é fruto das pesquisas realizadas no Grupo de Estudos: Educação nas Prisões, do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia. 2 Bacharelando de Direito da Universidade Federal de Rondônia.

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A educação é um direito constitucional garantido a todos, mas em que dimensões esse direito vendo sendo assegurado? E quanto às escolas, são espaços de socialização e integração, ou apenas repercutem um modelo de sociedade desigual? Buscando respostas a essas perguntas se pode construir um entendimento mais claro sobre a educação do Brasil e sobre as perspectivas de vivência escolar. 1. Democracia, Sociedade e o direito à educação: Na esteira evolutiva do direito e na formação do Estado Moderno, sob a égide do Estado Democrático de Direito3, a estrutura político-jurídica do Brasil tem por bases os princípios da democracia, da justiça, da igualdade e da pluralidade. Em uma sociedade cada vez mais heterogênea, a democracia deve garantir a harmoniosa e ordenada convivência entre os interesses diferentes, e muitas vezes conflitantes. E, como aponta José Afonso da Silva (2000, p. 124), o Estado democrático de direito tem como tarefa superar as desigualdades sociais e regionais, permitindo a realização social pela prática profunda dos direitos sociais e instaurando um regime de justiça social. Inserido na esfera dos direitos sociais encontra-se o direito à educação, de caráter personalíssimo, à primeira vista, mas, que se revela de interesse social, fundamental na própria formação do Estado, principalmente quando relacionamos a educação à política, à cultura e à cidadania. A educação é direito público subjetivo4 cuja fundamentação legal tem previsão em instrumentos normativos nacionais e em vários documentos internacionais. No âmbito internacional, o primeiro documento a reconhecer o direito à educação foi a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e fruto de um novo paradigma dos direitos humanos - a luta pela liberdade, igualdade e fraternidade - entoada na França revolucionária. Posteriormente, já com o advento da Organização das Nações Unidas, foi adotada, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem assegurando a todos o direito à instrução gratuita e obrigatória, nos graus elementares e fundamentais, à instrução técnico-profissional e de nível superior, tendo como

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 1º, caput. CF, art. 208, § 1º.

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preceitos norteadores o desenvolvimento da personalidade humana, o respeito pelos direitos humanos, a tolerância, a paz, e a convivência harmoniosa das liberdades individuais (artigo XXVI). Graciano afirma que o emprego do termo instrução como sinônimo de educação, nesse caso, ''não apenas anuncia a garantia do direito, mas prescreve o conteúdo a ser adotado pela educação'' (GRACIANO 2010, p. 49). A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, em seu art. 12, também dispõe sobre o direito à educação que, segundo a mesma, deve inspirar-se nos princípios da liberdade, moralidade e solidariedade. Outros documentos internacionais ainda mencionam esse direito, vale citar o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc)5 de 1966, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 19696, a Convenção sobre os Direitos a Criança de 1989, e a Declaração sobre Educação para Todos de 1990. Na legislação nacional também é claro o reconhecimento e a garantia do direito de todos à educação, e mais especificamente, ao acesso, permanência e desenvolvimento na instituição escolar. A Constituição Federal de 1988, nos artigos 205 e 206, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional7, nos artigos 2º e 3º, e o Estatuto da Criança e do Adolescente8, nos artigos 53 e 54, estabelecem que o ensino será ministrado com base nos princípios da igualdade, da liberdade, do pluralismo, do respeito, da tolerância, da valorização profissional, da gestão democrática, da vinculação ao trabalho e da prática social. Tendo a educação por finalidade o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o mercado de trabalho. Da análise dos instrumentos normativos nacionais e internacionais, podese observar que convergem os parâmetros traçados para o processo educacional e os objetivos a serem alcançados através deste. Nesse sentido, a educação exerce seu papel de promotora dos direitos humanos ao buscar um pleno desenvolvimento da pessoa respeitando os direitos e liberdades dos outros que devem conviver em harmonia.

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Ratificado pelo Congresso Nacional, no decreto legislativo nº 226, em 12 de dezembro de 1991; e promulgado pelo Presidente da República, no decreto nº 592, em 6 de julho de 1992. 6 Pacto de São José da Costa Rica, promulgado pelo Brasil, no decreto nº 678, em 6 de novembro de 1992. 7 Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 8 Lei n. 8.069, de 13 de Julho de 1990.

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Também preparar para o mercado de trabalho e para o exercício da cidadania, valorizar os profissionais em educação e colaboradores, e buscar a paz, a tolerância e o pluralismo entre diferentes credos, pensamentos e culturas, dá a educação um caráter de direito social, com o potencial de agir no desenvolvimento da sociedade. Portanto, o direito à educação se impõe como direito fundamental de natureza social, assim expresso na Constituição Brasileira, cuja prestação e garantia é dever do Estado e da sociedade. Conforme exposto, a educação é um direito público subjetivo, que, para José Afonso da Silva (2000, p. 316), ''equivale reconhecer que é direito plenamente eficaz e de aplicabilidade imediata, isto é, direito exigível judicialmente''. Jhering9, ao discutir sobre os direitos subjetivos, expõe que o conceito de direito é formado por dois momentos: o formal (o meio de proteção e exigibilidade do direito), e o substancial (a finalidade prática do direito). Aquele se refere às vias judiciais pelas quais os titulares do direito podem garantir a sua exequibilidade; aos direitos fundamentais, a própria Constituição de 1988 prevê: a ação civil pública (art. 129, III), o mandado de segurança (art. 5º, LXIX), a ação popular (art. 5º, LXXIII), o mandado de injunção (art. 5º, LXXI). E no caso específico da educação, a LDB, no art. 5º, § 3º prevê a ação judicial gratuita e de rito sumário para exigir do Poder Público o oferecimento do ensino obrigatório e regular. Em relação à discussão proposta nesse artigo, é de maior interesse o foco no aspecto material do direito à educação, ou seja, em sua substância e finalidade. Seguindo o raciocínio em Alexy (2011, p. 187), ao dizer que todos têm direito à educação, propõe-se um enunciado sobre direitos, mas a fundamentação desse direito deve ser buscada em um enunciado sobre razões. Logo, a razão do direito à educação, está no sentido de que a educação é algo necessário ao ser humano, e natural a ele.

2. A função social da educação:

Como todo conceito que se espraia por diversas ciências e áreas do conhecimento humano, o termo educação pode ser visto de diferentes prismas a

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(Rudolf v. Jhering. Geist des römischen Rechts, Parte 3, p. 339).

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depender dos meios de análise, dos métodos, objetivos do observador, e do contexto histórico ao qual se vincula. Na Grécia Antiga, a educação era vista tanto como meio de desenvolvimento da personalidade do indivíduo como da própria sociedade. Já para os Romanos, a educação era essencialmente prática, uma espécie de treino para o fortalecimento das instituições sociais10. Não obstante as teorias diversas, ao refletir sobre o papel da instituição escolar no processo de inclusão/exclusão dos indivíduos em situação de vulnerabilidade, aborda-se a relação que há entre a educação e a sociedade. E, portanto, tem-se a educação como fato social, cujas ações e relações acontecem em um determinado momento histórico, dentro de um determinado meio cultural, pelo homem, e para o próprio homem. Dessa maneira, Durkheim conceitua educação como: A ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maturas para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade política quanto pelo meio específico ao qual ela está destina em particular (DURKHEIM 2011, p. 54).

Durkheim traz a ideia de educação como um processo de socialização dos indivíduos, de transmissão de valores e preceitos culturais e de perpetuação desses por várias gerações. Para o autor, o homem é formado por dois seres: o ser individual compreende os estados físicos e mentais de foro íntimo, enquanto que os atributos relacionados à cultura, aos valores, e hábitos, adquiridos em um grupo, formam o ser social. ''Constituir este ser [o ser social] em cada um de nós é o objetivo da educação'' (DURKHEIM, 2011, p. 54). Essa ação exercida por uma geração adulta sobre outra ''imatura'', ou menos preparada para a vida social, compreende um processo amplo que, mesmo trazendo em seu ínterim vários dos princípios e objetivos estabelecidos na legislação, apresenta uma multiplicidade de tipos, sujeitos e métodos. O que diferenciaria, por exemplo, a educação de um pai para com o filho pequeno do trabalho docente com jovens privados de liberdade. 10

(MONROE, Paul. HISTORIA DA EDUCAÇÃO. Trad. Idel Becker, 10ºed., São Paulo: Ed. Nacional, 1974).

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Contudo, a educação que os pais dão aos seus filhos é de natureza informal, cujo objetivo é a transmissão de valores e crenças, semelhante à dada pela ''vivência de mundo''11, que não necessariamente segue uma linha programática ou um método de aprendizagem. Enquanto que o educador que trabalha no ensino primário, secundário, superior ou especial, acaba por seguir uma metodologia de ensino adequada ao perfil dos alunos, e em acordo com as regras da instituição ao qual se vincula, configurando, portanto, uma educação formalizada ou institucionalizada, caracterizada pelos seguintes aspectos: Forma coletiva de ensino e aprendizagem; acontece num espaço próprio; possui tempo prefixado (horário, calendário letivo); separação institucional de dois grupos assimétricos e complementares (alunos e professores); conteúdos trocados entre professores e alunos é ordenado e

classificado

em

um

plano

de

estudo;

a

aprendizagem

é

descontextualizada (GRACIANO. 2010, p. 72).

3. A Educação Institucionalizada:

Embora a atividade educativa possa adquirir diferentes tons, ao falar em educação, o primeiro espaço em que se pensa é a escola. A Escola é, na verdade, a educação em seu aspecto formal, ''historicamente constituída e organizada para fins específicos, sendo insuficiente para todos os objetivos educativos'' (GRACIANO, 2010, p. 67). Quanto aos fins específicos, Silva (2009, p. 29) assevera que ''a função social da escola é inserir o sujeito no mundo, proporcionando-lhe situações que estimulem o aprendizado e o desenvolvimento de potencialidades necessárias às práticas sociais''. Mesmo não abarcando todas as possibilidades de desenvolvimento e inserção social, a escola ainda constitui a viga mestra de um país, no qual o processo de ensino e aprendizagem reveste-se de atributos determinados pela legislação e pelas políticas de governo. E, portanto, o conhecimento da instituição escolar serve de parâmetro para aferir as virtudes e os problemas de um macro

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Vivência de mundo seria o conjunto de atributos pessoais e sociais adquiridos por um indivíduo através da influência de fatores externos, que não dependam diretamente de sua própria ação, como, por exemplo, o contexto político do país, e os valores morais da religião dominante.

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sistema educacional, e também de situações específicas, como o processo de inclusão social por meio das instituições de ensino. Segundo Goffman (1974, p. 11), instituições, ou estabelecimentos sociais são locais em que ocorre determinado tipo de atividade. Esses estabelecimentos podem ser de livre circulação de pessoas, ou circulação restrita, podem ter funcionários fixos, ou temporários, podem apresentar espaço para atividades intelectuais, ou físicas. Dentre as suas características, a mais relevante, para Goffman, é a tendência ao fechamento12, que se dá na medida em que as instituições ocupam o homem com atividades, tomando parte de seu tempo e de seu interesse. Essas são as denominadas instituições totais13, a exemplo dos presídios e dos manicômios. Apesar das Escolas Internas compreenderem esse tipo de instituição, a Escola em si deve possuir características essencialmente diferentes, e a principal diferença está no não-fechamento, ou não-isolamento. Como Goffman destaca, o caráter totalitário é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo, não apenas ideológica, como na estigmatização. Na maioria dos casos constituem barreiras físicas, arquitetônicas e estruturais, consubstanciadas em grades, muros altos, entre outros elementos, e, como se sabe, a qualidade do ensino perpassa por uma estrutura física adequada à finalidade proposta. Nas Penitenciárias do Sistema Federal, por exemplo, no interior das salas destinadas às atividades educacionais dos apenados, o professor trabalha separado dos alunos por uma grade. É evidente que a presença de elementos estruturais de fechamento decorre do próprio sistema rígido de segurança máxima implementado em tais unidades. Porém, grades em um ambiente de sala de aula distorcem a essência da atividade educacional democrática, concebida por Paulo Freire como ''prática de liberdade'', e por isso, incompatíveis são com um modelo inclusivo de escola que tem por objetivo a reintegração de seus educandos (ou será que os objetivos são outros?).

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Fechamento é o processo de isolamento do sujeito em relação ao mundo que antes vivia. Segundo Goffman (1974, p. 11), uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada. 13

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Acerca dos jovens em sistema de internação, Lima (2008) observa que as instituições socioeducativas não estão preparadas para o trabalho de inclusão escolar, uma realidade que diverge do previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente14, assim: Em relação à concepção da educação inclusiva, de um modo geral, o grupo de professores destaca em suas falas, que este trabalho de inclusão social, ainda é difícil, pelo fato da escola e professores não estarem preparados. Relataram uma realidade permeada de falta de recursos didáticos, de ausência de profissionais capacitados para este trabalho, de espaço físico adequado e valorização profissional, inclusive salarial. (LIMA 2008, p. 114).

Quanto ao ensino público regular, nos níveis fundamental e médio, segundo Rado (2010, p. 44), o grande problema enfrentado no Brasil é a desigualdade no acesso a oportunidades educacionais, e mesmo com as políticas de ampliação do oferecimento de vagas na rede pública de ensino, persiste a dificuldade de acesso da população mais pobre a níveis elevados de educação. Entretanto, o que hoje preocupa, não é tão somente a questão do acesso à escola, mas da permanência nela, ou seja, a conclusão dos estudos, que repercute na qualificação dos trabalhadores e na geração de emprego e renda. Relacionando os aspectos formais e práticos da educação inclusiva, observa-se uma grande contradição entre o modelo legal de escola a ser implantado, e a realidade insaturada na vivência escolar. Nesse sentido, Levin (1984) afirma que a educação pode apresentar um duplo-papel: remover a igualdade ou legitimar a desigualdade, expandir as oportunidades ou limitá-las, ser instrumento de mobilidade social ou reforçar o status quo. Pelo dever ser15 do direito à educação, o princípio da igualdade é de observância obrigatória, sendo, portanto, a escola inclusiva:

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Art. 124 da lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: (...) V- ser tratado com respeito e dignidade. (...) XI - receber escolarização e profissionalização. XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer. 15 São as garantias e objetivos traçados nos documentos internacionais e na legislação educacional brasileira no plano abstrato, como ideais a serem alcançados no futuro.

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Aquela que garante a qualidade de ensino educacional a cada um de seus alunos, reconhecendo e respeitando a diversidade e respondendo a cada um de acordo com suas potencialidades e necessidades. (ARANHA, 2004, p. 7).

Porém, em direção contrária, a escola não estaria sendo concebida como um espaço de respeito à diversidade e de inclusão de pessoas mais desfavorecidas. Dubet (2004, p. 4) assevera que a implementação de políticas educacionais voltadas para a ampliação do acesso a escola, e para a avaliação dos alunos segundo o mérito16 de cada um, não trouxe uma maior igualdade para essa instituição. As desigualdades naturais, como a de gênero, e as desigualdades sociais persistem e promovem diferenças significativas nos resultados escolares dos alunos. A maioria das instituições tende apenas a reproduzir as desigualdades tão evidentes no meio social, assim para Gandin (2006): A escola moderna, ao contrário da crença do senso comum, não foi criada para suprimir a desigualdade, mas para produzi-la e reproduzi-la. A escola na modernidade é a instituição encarregada de socializar os indivíduos para as novas funções exigidas pelo capitalismo. Nesse sentido ela não foi criada para produzir igualdade (ainda que se declare ser esse seu objetivo), mas para garantir o funcionamento harmônico da sociedade capitalista (2006, p. 58).

Destarte, Rado (2010, p. 47) assevera que ''a escola reforça e confirma os princípios da sociedade burguesa na sua prática pedagógica'', ou seja, tem a função de perpetuar os valores e a cultura da classe dominante, deixando os grupos fragilizados cada vez mais distantes da possibilidade de ascender socialmente a partir da instrução e do conhecimento. Deve-se entender que - a despeito da contradição existente entre o dever e o ser, fenômeno não exclusivo da educação, e que ocorre em quase todas as

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Meritocracia, ou o governo do mérito, é a política educacional comumente empregada nos países democráticos por supostamente ser a forma mais justa de avaliar os alunos, com base no mérito e esforço de cada um.

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instituições sociais do nosso país - a educação é um direito de todos, e a todos deve ser garantida. Sendo a Constituição, de 1988, dirigente17, apresenta diretrizes e objetivos pro futuro, dentre eles, como prevê o artigo 3º, a redução das desigualdades, a erradicação da pobreza e da marginalização, e o desenvolvimento nacional, que devem direcionar toda a ação do Estado por meio de políticas públicas. Embora se reconheça as dificuldades de se construir uma educação efetivamente direcionada para o desenvolvimento igualitário da sociedade, não se deve perder de vista que, com base nos princípios legais, a escola pode ser um espaço de cidadania e democracia. O próprio Luis Armando Gandin (2006, p. 60) expressa que ''a propagada igualdade da escola não produziu a superação das desigualdades''. Entretanto, ''a luta pela igualdade não terminou''.

4. A Escola Inclusiva e a vulnerabilidade social:

Ao declarar que a educação é um direito de todos, a Constituição determina que ninguém poderá ser privado do acesso ao ensino e a instrução de qualidade, assim, todos são iguais em face de terem a garantia do mesmo direito. Para Alexy (2011), esta é uma igualdade fática parcial, pois se refere a uma determinada característica, neste caso o direito à educação em seu aspecto formal. Mas, como o autor ressalta, ''dois indivíduos ou duas situações nunca são iguais em todos os aspectos'' (p. 399). E quando diante de uma situação de desigualdade, um tratamento desigual será obrigatório se houver uma razão suficiente para este dever (2011, p. 410). Esse o denominado princípio da discriminação positiva. Da formulação de Alexy sobre o princípio geral da igualdade, extraí-se que, se um aluno possui uma característica que o diferencia substancialmente dos outros alunos, e, se essa diferença lhe traz dificuldades na aprendizagem, subsiste, então, razão suficiente para que haja um tratamento diferenciado na educação desse aluno. Basicamente essa é a realidade de um aluno em condição

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''A constituição dirigente pretende dirigir a ação governamental do Estado (...), estabelece uma direção política permanente definindo fins de ação futura''. (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. p. 109/110).

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de vulnerabilidade social. O que se deve fazer é encontrar meios para colocar o jovem em condição de paridade com seus semelhantes, ou seja, incluí-lo. No sentido de oportunizar a todos o acesso à educação, sem discriminações de cunho físico, racial, econômico ou social, foi elaborada em 1994 a Declaração de Salamanca, documento fruto do consenso mundial acerca da necessidade de se construir uma educação inclusiva e igualitária. Essa busca pela igualdade na educação surge com o desenvolvimento da escola pública e gratuita no século XVIII, em meio às transformações políticas ocorridas na Revolução Francesa (RADO, 2010). E, juntamente com os processos de universalização e democratização do acesso à escola, na segunda metade do século XX, almejam eliminar o elitismo e o modelo burocrático e autoritário que transforma a escola num espaço para poucos privilegiados, deixando o resto da população à mercê dos problemas sociais, como o desemprego, a violência e a miséria. Partindo dos princípios da igualdade, da universalização e da democracia na atividade educativa, pode-se formular um conceito ideal de escola inclusiva, plenamente compatível com os moldes traçados na legislação, que abrange os sujeitos aos quais a atuação da escola se direciona, a metodologia de trabalho, as necessidades estruturais, físicas e de capacitação profissional. Dentro desses aspectos, um ponto de grande importância é o processo de ensino e aprendizagem, compreendido na escola inclusiva ''como aquele em que o aluno não se molda à escola'', pelo contrário, ''a escola deve organizar-se para possibilitar ao aluno e ao professor, condições adequadas de educação'' (LIMA, 2008). A dita educação igualitária não sobrepuja o dever do Estado e da sociedade

civil

de

desenvolver

ações

diferenciadas

para

atender,

preferencialmente, as necessidades dos educandos, viventes de um determinado contexto de exclusão, que os tornam mais susceptíveis às mazelas sociais. As ações político-pedagógicas dirigidas a grupos específicos da população, em virtude do estado fragilidade na garantia e proteção dos seus direitos, denominam-se educação especial. O art. 58 da Lei de Diretrizes e Bases define educação especial como ''a modalidade de educação escolar, oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais''. De uma

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primeira análise do texto legal, pode se extrair que o grupo ao qual se destina essa educação - portadores de necessidades especiais - seja constituído apenas por deficientes físicos ou mentais. Entretanto, se pensarmos que uma educação diferenciada tem por objetivo garantir a inclusão social dos educandos necessitados, então, conclui-se que a condição de necessidade especial também pode decorrer de outros fatores, como o social e o econômico, e não somente de causas físicas ou patológicas. Dessa maneira, a concepção de uma educação que promove os direitos humanos e permite a inclusão dos indivíduos especiais, encontra-se diretamente ligada a um contexto onde uma conjunção de causas alimenta o processo de vulnerabilidade e exclusão social. Dentro da estrutura dos grupos sociais, existem níveis de maior e menor integração que dependem de fatores econômicos, políticos e culturais. Na sociedade contemporânea, o fator econômico se sobressai em virtude do próprio sistema capitalista. Mas, outros aspectos são também preponderantes, como as relações familiares e comunitárias, e o acesso a serviços sociais básicos. Porém, as formas de pertencer a um grupo podem ter muito mais características negativas (como a pobreza, a estigmatização, a inutilidade social e o ressentimento) do que as formas positivas. (RADO, 2010, p. 23). Para Castel (1997), a vulnerabilidade social é produzida pela falta de integração pelo trabalho e a inserção em uma sociabilidade sociofamiliar. ''O trabalho significa, para os sujeitos, uma referência econômica, cultural e simbólica (...). A inserção social caracteriza vínculos que os indivíduos estabelecem com os grupos familiares e sociais mais próximos, que configuram a percepção de pertencer a uma determinada comunidade'' (RADO, 2010, p. 27). Mediante esses dois critérios, distinguem-se três zonas possíveis: 1. Zona de integração: trabalho estável e forte inserção relacional. 2. Zona de vulnerabilidade: trabalho precário e fragilidade dos apoios relacionais. 3. Zona de marginalidade: ausência de trabalho e isolamento social. (CASTEL, 1997, p. 23)

As zonas sociais são dinâmicas, e por isso mesmo, há constantes modificações de seus integrantes. A zona de vulnerabilidade, entretanto, é a de

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maior instabilidade, por ser a transição entre a inclusão e a exclusão. Nesse estágio, encontram-se aqueles indivíduos em situação financeira precária (vítimas do desemprego, das transformações no mercado de trabalho, da baixa qualificação profissional, das condições de trabalho adversas) e com vínculos sociais e familiares fragilizados (devido à desestruturação familiar ou a pouca integração à comunidade). Para Castel (1997), é a vulnerabilidade que alimenta a grande marginalidade: A zona de vulnerabilidade, em particular, ocupa uma posição estratégica. É um espaço social de instabilidade, de turbulências, povoado de indivíduos em situação precária na sua relação com o trabalho e frágeis em sua inserção relacional. Daí o risco de caírem na última zona, que aparece, assim, como o fim de um percurso. (CASTEL, 1997, p.26)

Como Rado (2010) afirma, o conceito de vulnerabilidade serve de parâmetro para a caracterização de condições sociais limites, sendo fundamental também na elaboração de políticas públicas direcionadas ao enfrentamento desses problemas sociais. Distinguindo situações de vulnerabilidade parcial e extrema, (2010, p. 31) afirma que outras características identificadoras dos grupos em condições de extrema vulnerabilidade social ''são a ausência de renda, de moradia fixa, sobrevivência da caridade ou atividade esporádica, necessidade de participação política na sociedade, falta de conhecimento dos seus direitos sociais e políticos (...)''. Em relação às políticas assistenciais, a autora revela ainda que ''os programas aos quais esses grupos têm acesso visam somente à proteção social, e não o processo de reinserção social''. Já, para os grupos em situação de vulnerabilidade parcial, ou ''vulnerabilidade simplesmente'', que compreende sujeitos, não marginalizados, mas frágeis ou desassistidos, há certa atuação do Estado através de políticas de reinserção social. Se a escola deve ser um espaço de socialização dos indivíduos, que lhes permita explorar ao máximo suas potencialidades individuais no convívio com semelhantes, então, sua bandeira principal é a da integração, combatendo toda e qualquer condição de marginalidade ou exclusão social. Assim, as políticas governamentais, juntamente com a colaboração de entes da sociedade civil, devem fomentar na Escola práticas inclusivas.

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Conquanto, em busca de soluções para a efetiva aplicação da igualdade na educação não apenas formal, mas também material, como Fábio Konder Comparato (2004, p. 82) assevera, a luta contra desigualdade requer, além de reformas no campo institucional, e consequentemente, na escola em si, transformações na própria sociedade.

Considerações Finais:

A educação tem várias faces, em uma delas apresenta-se como instrumento de socialização, em outra, é um direito público subjetivo garantido pela Constituição Federal, que tem como objetivos o pleno desenvolvimento do educando, a promoção dos direitos humanos, a igualdade de condições de acesso e permanência na escola e o respeito à diversidade. A Escola é a educação em seu caráter formal, concebida de acordo com parâmetros definidos pela legislação e pelas políticas públicas do Estado. Embora, esteja previsto que todos têm direito à educação e ao pleno desenvolvimento, a realidade mostra uma instituição de ensino que ainda reflete as desigualdades e discriminações existentes na sociedade. Os indivíduos em situação de vulnerabilidade são os que mais sofrem com o modelo de escola desigual que hoje predomina. Não tendo perspectivas de ascensão social através da educação devido à precariedade no acesso as escolas de qualidade e a dificuldade de permanência e conclusão dos estudos diante de fatores externos, como o desemprego, a baixa renda, a violência, a desestruturação familiar, que incidem negativamente no desempenho dos alunos. Com tudo isso, a prática escolar deve ser repensada, aproximando-a mais dos princípios e objetivos que efetivamente possam tornar essa instituição, um espaço de cidadania e garantia dos direitos humanos, tendo como bandeira, a inclusão social dos grupos mais fragilizados socialmente. A construção da escola inclusiva é possível desde que os sujeitos que dela fazem parte - pais, professores, educandos, Poder Público e sociedade civil - compreendam o quão necessário é ao desenvolvimento de um Estado Democrático de Direito a valorização da educação e da dignidade de todo o povo, não apenas de um grupo privilegiado.

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Abstract: This article aims to reflect about the prospects of the school as a space to promote equality and social inclusion of the subject in a condition of vulnerability. From the analysis of the socio-legal aspects of the right to education and basis in the sociological theory of education, it is observed that there is a contradiction between the principles and objectives laid down in national legislation and in international documents and the reality as experienced in educational institutions in relation to respect to the guarantee and protection of the rights of socially disadvantaged. Many claim that the transmission of culture institutions, such as the school, have the function only to perpetuate the values of the ruling class. However, as the Brazilian Constitution provides, it is possible and necessary that the school oportunize all the rise and social development through education, qualification and knowledge. It is up to the actors of the educational relationship (parents, teachers, students and collaborators), with the support of the Government and civil society, fight for the construction of a truly egalitarian and fair school. Keywords: Right to education. School. Vulnerability. Social Inclusion.

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