A ESCOLARIZAÇÃO COMO FATOR FUNDAMENTAL NA FORMAÇÃO DA PROSÓDIA CAIPIRA PAULISTA NA REGIÃO DO MÉDIO TIETÊ

June 27, 2017 | Autor: Rosicleide R. Garcia | Categoria: Entoação, Prosodia, Fonologia, Dialeto Caipira, Dialetologia, Escolarização
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A ESCOLARIZAÇÃO COMO FATOR FUNDAMENTAL NA FORMAÇÃO DA PROSÓDIA CAIPIRA PAULISTA NA REGIÃO DO MÉDIO TIETÊ Rosicleide Rodrigues GARCIA (USP)1

Resumo: Os dados compreendidos nesta pesquisa e nas de Bas e Costa (ambas de 2011) demonstram que a escolarização é um dos fatores fundamentais para a produção da prosódia, incluindo a do dialeto caipira. Após a análise de 220 frases sobre a entoação do dialeto da região do Médio Tietê, seguindo a linha teórica de Ferreira Netto (2008) que faz a decomposição dos valores de f 0, demonstrou-se que tom final das amostras possui características plagais. Tais traços também aparecem nas teses das autoras citadas, que fizeram o estudo da entoação dos índios paraguaios e mato-grossenses com pessoas com baixo ou nenhum grau de escolaridade. Tendo esses dados em vista, a pesquisa estendeuse até Portugal para confirmar-se se tal descrição não era exclusividade do português brasileiro e foi verificado que não, chegando-se, então, à conclusão de que o traço plagal e a escolarização estão ligados, já que tal característica não é acentuada em outros estudos realizados com falantes escolarizados da língua portuguesa. (FERREIRA NETTO et al., 2009).

Abstract: Through the data obtained in this study and in the Bas and Costa (both 2011), we can see that education is one of the key factors for the production of prosody, including the caipira dialect. This article had followed the theoretical line of Ferreira Netto (2008) who decomposes of f0 values, and, after analysis of 220 sentences about the intonation of the dialect of the Middle Tietê region, it was shown that final pitch of the samples has plagal features. These traits also appear in the theses of Bas and Costa, who’s made the study of intonation of Paraguay and Mato Grosso Indians with people with low or no schooling. With these data in mind, the research was extended to Portugal to be confirmed if that description was not unique to Brazilian Portuguese. As data Portugal had similarities to the Middle Tietê, we can conclude that the plagal dash and schooling are connected, and this feature is not applied in other studies with Portuguese educated speakers (FERREIRA NETTO et al., 2009). Palavras-chave: dialeto caipira, entoação, finalização plagal, escolarização, Médio Tietê

Introdução É de conhecimento que o processo de escolarização pode modificar um ser humano no sentido amplo de sua aprendizagem: o indivíduo obtém cultura, domínio de informações variadas, e, principalmente, proficiência de seu próprio idioma, tendo em vista as diversas situações pela qual ele tem de passar durante sua vida escolar: leituras individuais e em público, treinamento de entoação de voz para melhor composição da informação, entre outros procedimentos naturais ao desenvolvimento da comunicação. Isso significa que a educação pode alterar o processo de linguagem, dando subsídios para que o entrosamento entre as pessoas seja sempre pleno e produtivo. Nesse caso, não se observam apenas as relações morfossintáticas da língua, mas o como ela é utilizada, e aqui nos referimos à prosódia. Cagliari, em 1989, já constatava que a prosódia é a responsável, na oralidade, pela compreensão da mensagem pelo interlocutor. Por meio da entoação, ritmo, volume, qualidade de voz, entre outros, é possível determinar exatamente a impressão do locutor sobre aquilo que precisa ser dito. Sendo assim, tal percepção tem estimulado estudos de análise prosódica associados à alfabetização, porque se percebeu que a forma como as palavras são postas na 1

Doutoranda da Universidade de São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas - São Paulo/SP. Contato: [email protected].

nossa oralidade fazem com que crianças não percebam as fronteiras de palavras, principalmente entre os clíticos, por exemplo (BARROS, 1994). Desta forma, temos estudos que discutem como a prosódia interfere na alfabetização. Porém, como a alfabetização e escolaridade interferem na prosódia? Essa questão surgiu quando, durante os estudos, para a tese de doutoramento, de entoação do dialeto caipira na região do Médio Tietê com informantes com baixo grau de escolaridade, foi constatado que as suas finalizações traziam características semelhantes aos estudos já produzidos de Bas e Costa (ambos de 2011) em que a finalização produzida pelos índios paraguaios e mato-grossenses com baixo grau de escolaridade apresenta traços plagais. A questão aprofunda-se ao saber que os falantes alfabetizados da língua portuguesa costumam produzir uma finalização autêntica (FERREIRA NETTO et al., 2009) e, de modo a determinar que a característica plagal seria ou não uma herança da fala indígena no dialeto caipira, foram realizadas pesquisas em três cidades de Portugal para obtermos uma certeza sobre o assunto. O caso é que os dados obtidos confirmaram a hipótese de que a escolarização é fator fundamental para a produção da fala, conforme veremos a seguir.

1. A escolha dos informantes, das localidades e da metodologia aplicada Em 1920, Amadeu Amaral iniciava os estudos dialetais no Brasil com a publicação de O dialeto caipira, e, nele, há a coleta de diversas variações linguísticas da região, que incluía a fonética e a prosódia. Todavia, o autor solicita que continuemos suas pesquisas, fazendo-a de maneira mais metódica e pontual, trazendo dados mais precisos sobre o assunto, o que serviu de inspiração para a análise da entoação do dialeto. Para isso, seguiu-se a linha teórica de Ferreira Netto (2008) de análise de prosódia por meio da decomposição dos valores de f0, que analisa a prosódia dividindo-a em quatro componentes estruturadores: finalização, sustentação, foco/ênfase, e acento lexical. Através dessa divisão, verificam-se o tom médio emitido pelos falantes e, consequentemente, seu tom final. O público alvo para essa análise foram os moradores das cidades de Itu, Capivari, Porto Feliz, Piracicaba, Santana do Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus e Tietê, sendo pessoas com mais de 60 anos, baixa escolaridade, e que tivessem estado durante toda a sua vida nas cidades mencionadas. Essas regiões foram escolhidas por terem sido a área de estudo de Amaral (DUARTE, 1920, p.26) e o caminho percorrido pelo bandeirantismo a partir do século XVII (RIBEIRO, 1901; HOLANDA, 1975). Em Portugal, seguiu-se o mesmo princípio para a escolha dos entrevistados, e as localidades estudadas foram: Braga (a 362 km de Lisboa), Vila Real (a 385 km) e Bragança (a 484 km) – todas ao norte, na região do Minho e Trás-os-Montes. Esses locais são originários do período da Reconquista ou Formação de Portugal a partir do século XI. Tais informações tornam-se importantes, pois a história pode trazer elementos relevantes para a compreensão de características comuns do dialeto. Além desses critérios, as entrevistas foram conduzidas por meio de conversas livres do uso de questionários, optando-se pelas falas espontâneas, pois, segundo Chacon (1998) e Pacheco (2006), leituras ou diálogos conduzidos fazem com que o interlocutor monitore sua fala, por isso buscou-se um diálogo na forma mais natural, de modo que também se dispensou o uso de estúdios para que os informantes, pessoas simples, não se sentissem intimidados. Feito isso, analisaram-se 220 frases: 140 frases de 4 indivíduos de cada cidade, sendo 2 homens e 2 mulheres com idade ≥ 60, de baixa escolaridade; 20 frases de fala neutra (BARBOSA, 2002) de 4 jornalistas do telejornal paulista SPTV para servirem de controle; 60 frases de indivíduos portugueses com o mesmo perfil dos entrevistados no Médio Tietê.

Após realizada a coleta, as entrevistas foram registradas em um gravador digital portátil de marca Zoom H4; editadas e segmentadas pelo programa Audacity 1.3.12 Beta (Unicode). A análise e a conversão da curva de frequência fundamental e da curva de intensidade para arquivos de texto foram realizadas pelo software Speech Filing System (HUCKVALE, 2008), e, por fim, todas as demais análises foram feitas pelo aplicativo ExProsodia (FERREIRA-NETTO, 2008; 2010; PERES et alii, 2011). Obtidos os valores do tom médio e final, estes foram ponderados por meio da base de cálculo de testes estatísticos ANOVA (teste χ2, z, t, f, e Dunnett). Como citado na introdução, ao gerar os resultados, verificou-se que a entoação das falas dos informantes do Médio Tietê trazia semelhanças aos estudos com índios paraguaios e mato-grossenses realizados por Bas e Costa. Do estudo dos guaranis paraguaios de Bas (2011), foram analisadas 100 frases de 20 indivíduos (10 homens e 10 mulheres), com o mesmo grau de escolaridade citado e de idades variadas. Em relação às mulheres guatós de Costa (2011), a pesquisa selecionou gravações de fala espontânea com cinco senhoras guatós na faixa etária acima de 50 anos, cinco mulheres não índias na faixa etária de 30 a 45 anos, as quais foram chamadas de meninas, e cinco na faixa etária de 46 a 60 anos, senhoras corumbaenses.

2. A prosódia na educação Segundo Cunha e Miranda (2009, p. 128) em seu artigo A hipo e a hipersegmentação nos dados de aquisição de escrita: a influência da prosódia, “no início do processo de aquisição da escrita, é mais comum a criança entender a palavra como uma frase fonológica”. Isto se deve, porque a fala não é segmentada em unidades linguísticas, mas uma cadeia contínua de sinais acústicos (KATO, 1986). Logo, quando a criança está em processo de alfabetização, ela tende a unir palavras, desrespeitando as fronteiras estabelecidas ortograficamente. De modo a facilitar a compreensão sobre a composição das palavras e formação de frases, Barros (1994) afirma que professores alfabetizadores tendem a modificar o ritmo e entoação da fala, isto é, seus valores fonológicos são comprometidos, quando ressaltam a presença de sílabas, o uso de clíticos de forma geral (artigos, pronomes oblíquos átonos, preposições, conjunções), ou a produção de interrogativas, para que os alunos abstraiam informações e comecem a atender à norma culta. Segundo a autora, durante esse processo, não é respeitado os princípios fonológicos da língua, seja a palavra, seja a frase entoacional, o que dificulta também a compreensão dos alunos, já que, de acordo com Cunha e Miranda (2009, p. 129), o aprendiz busca seu conhecimento internalizado para compreender aquilo que lhe é apresentado. Partindo desses princípios, é possível deduzir que: 1. Mesmo a linguagem sendo inata (CHOMSKY, 1965), ela é aprendida pelo interlocutor de acordo com o meio em que vive; 2. Enquanto analfabeto, o interlocutor entende o que lhe é dito por meio de uma frase fonológica; pois não há a compreensão de que em cada sentença há um conjunto de palavras que formam determinada comunicação. 3. Os constituintes prosódicos, apresentados por Nestor e Vogel (1994) - sílaba (σ), pé (Σ), palavra fonológica (ω), grupo clítico (C), frase fonológica (φ), frase entoacional (I) e enunciado (U) -, são reconstruídos durante o processo de aprendizagem, devido à dinâmica de aula estabelecida pelos professores que, durante o ensino, monitoram sua fala e a produzem-na de acordo com uma padronização estabelecida dos textos escritos.

Desta forma, compreendemos como a escolarização é responsável por estabelecer uma variação entoacional de seus falantes, já que, durante o processo educacional, há uma padronização na forma de se falar. Tal informação é comprovada tendo em vista a cadência autêntica2 encontrada na finalização das falas de entrevistados com grau de escolaridade mais elevado (FERREIRA NETTO et al., 2009). Seguindo o mesmo exemplo, no grupo de controle da pesquisa para a tese de doutoramento - em que se coletaram frases de jornalistas, devido à estandardização do idioma (BARBOSA, 2002) -, percebe-se também uma tendência de tons médios não sofrerem tantas alterações e o tom final ser mais acentuado. Porém, o mesmo não ocorre com pessoas com baixa escolaridade, pois, de acordo com a pesquisa desenvolvida e coincidindo com as teses de Bas e Costa (ambas de 2011), pessoas de diferentes etnias e culturas possuem a mesma característica de finalização plagal. Embora alguns dos informantes tenham frequentado a escola, o tempo de estudo de, no máximo, quatro anos, demonstra não ser o suficiente para a modificação da entoação, conforme vemos em outros dados apresentados com informantes escolarizados. Vejamos nos próximos itens.

3. As entoações dos informantes do Médio Tietê, Portugal, Paraguai e Mato Grosso No estudo da entoação, conforme Ferreira Netto (2008, p.2), consideramos que a prosódia ocorre pela execução contínua dos elementos estruturadores: a finalização, a sustentação, o foco/ênfase, e o acento lexical, sendo que “a sustentação é consequência do esforço que se acrescenta a cada um dos momentos da fala, incluindo-se o inicial, para compensar a declinação pontual de finalização”. Devido à repetição desse processo, é possível obter o tom médio, calculado a partir da média dos valores válidos de f0. Já a finalização tonal, também definida como baseline por Cohen e T’Hart (1967) e Pierrehumbert (1980), consiste na existência da queda gradual de F0, corroborando com a hipótese de Maeda (1976) sobre os movimentos de aumento e queda pontual da frequência fundamental. Sendo assim, calcularam-se individualmente os valores do tom médio e final de cada informante e, embora não tenha havido diferenças significativas entre os resultados de TM e TF estudados separadamente, o tratamento dos valores demonstrou que existe disparidade entre o dialeto caipira e o controle quando esses resultados são justapostos, pois a finalização do controle costuma ter maior queda em relação ao das cidades do Médio Tietê. Porém, entre os entrevistados do Médio Tietê e de Portugal há semelhanças. Assim sendo, a média geral medida em Hertz do tom médio de Portugal foi de 188,5, e o tom final de 182,6; do Médio Tietê foi de 197,8 e 191,3; enquanto o do controle foi de 243,3 e 211,1. A diferença percentual entre os tons médio e final de Portugal e do Médio Tietê é muito pequena, sendo de apenas 1% e 3,2%, respectivamente; porém, para o controle é de 13%. Fazendo uma análise apenas dos gêneros, tais disparidades permanecem: a média do tom médio dos homens de Portugal foi de 165,2, enquanto o tom final foi de 165,3, ou seja, uma diferença percentual de apenas 0,06%; os valores do Médio Tietê foram de 154,9 e 140,2, com diferença percentual de 9,4%; e o controle foi de 137,7 e 117,6, com 14,5% de diferença. Em relação às mulheres, as de Portugal apresentaram a média do tom médio em 211,8, tom final de 199,9, tendo a diferença percentual entre os dois de 5%; as do Médio Tietê 2

Os termos “cadência autêntica” e “cadência plagal” são provenientes da musicologia. Consoante Carmo Jr. (2007) e Ferreira Netto at al. (2009), a música e a prosódia possuem elementos semelhantes, por isso é lícito haver a comunhão de nomenclaturas. Dessa maneira, entendemos que a finalização autêntica ocorre quando na frase há uma conclusão, dando ao ouvinte a sensação de término. Já a plagal harmoniza os tons médios e finais de modo que não se tem a mesma impressão.

apresentaram os valores de 197,8 e 191,3, sendo 3,2% de diferença; e, finalmente, o controle apresentou 243,3 de tom médio, 211,1 de tom final, e 13% de diferença percentual. Observando a porcentagem dos coeficientes, vemos que os valores do Médio Tietê e de Portugal não são tão acentuados quanto os do controle, o que lhes dão a característica de finalização plagal. Também é notado que, mesmo dividindo-se os gêneros, os coeficientes do controle apresentam apenas 1,5% de diferença entre si, demonstrando que a realização do tom final realmente é acentuada (autêntica), independentemente do sexo, o que não ocorre com os falares das cidades interioranas de ambos os países, que, embora não tragam valores fixos, geram diferenças menores de 10%, sendo coincidentes nesse fato. Vejamos como esses resultados são aparentes no gráfico 1: 300 250 200 MÉDIO TIETÊ 150

PORTUGAL

100

CONTROLE

50 0 TM

TF

Gráfico 1: comparação entre as finalizações dos falantes do Médio Tietê, Portugal e controle. O eixo vertical refere-se às médias medidas em Hertz, e a horizontal refere-se ao Tom Médio e o Tom Final decorrente das falas

O gráfico 2 mostra que a finalização dos homens do Médio Tietê não é tão acentuada quanto SP, havendo uma tendência a uma finalização mais grave. O teste χ2 reitera a diferenciação ao gerar o valor 0,01 (P
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