A ESCOLHA PELA PERMANÊNCIA NO TRABALHO APÓS A VIOLÊNCIA NELE SOFRIDA: um estudo com vítimas de assédio moral

May 24, 2017 | Autor: R. Periódico dos ... | Categoria: Administração, Relações de Trabalho, Assédio Moral, Psicologia, Permanência no trabalho
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A ESCOLHA PELA PERMANÊNCIA NO TRABALHO APÓS A VIOLÊNCIA NELE SOFRIDA: um estudo com vítimas de assédio moral Victor Vieira Silva1 Resumo O assédio moral no trabalho é uma violência intencional e frequente, praticada entre os empregados, de diferentes níveis hierárquicos ou não, com o intuito de desqualificar a sua vítima, podendo levar à sua saída da empresa. Contudo, muitos empregados permanecem em seus trabalhos, mesmo sofrendo este tipo de violência. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo compreender os motivos que levaram as vítimas de assédio moral a permanecerem no trabalho, mesmo após a violência nele vivenciada. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa, descritiva e de campo, utilizando-se de entrevistas como instrumento para obtenção de material empírico. Os resultados permitem considerar que muitos são os motivos usados para explicar a permanência no trabalho, e não se restringem a aspectos de manutenção, como salário, mas, também, a aspectos motivacionais, como o reconhecimento dos colegas de trabalho. Palavras-chave: Relações de trabalho, Assédio moral, Permanência no trabalho.

THE CHOICE BY STAYING AT WORK AFTER THE VIOLENCE IT SUFFERED: a study with victims of moral harassment Abstract The moral harassment at work is a deliberate and frequent violence, practiced among the employees, of different hierarchical levels or not, in order to disqualify their victim, which may lead to his departure from the company. However, many employees remain in their jobs, even suffering from this type of violence. Given this, this article aims to understand the reasons why the victims of moral harassment remain at work, even after the violence it experienced. To this end, was held a qualitative research, descriptive and of field, using interviews as a tool for obtaining empirical material. The results allow to consider that many are the reasons used to explain the permanence at work, and not restricted to maintenance aspects, such as salary, but, also, the motivational aspects, such as the recognition of co-workers. Keywords: Employment relationships, Moral harassment, Stay at work. INTRODUÇÃO O ambiente organizacional é marcado por uma crescente competição, não apenas 1

Bacharel em Administração [email protected]

V.10, nº1, jan./abr. 2017.

pela

Universidade

Federal

de

Uberlândia

(UFU).

E-mail:

100

Revista FOCO. ISSN: 1981-223X entre as empresas, mas, também, entre os empregados de uma mesma organização. Nesse contexto, as empresas parecem acreditar que a competitividade entre seus empregados pode ajudar no enfrentamento da concorrência externa. A competição, dessa forma, passa a fazer parte da cultura organizacional, entendendo a cultura conforme a abordagem de Schein (2009), que a define como pressupostos básicos norteadores dos comportamentos necessários e valorizados pela gestão para o alcance dos objetivos organizacionais. Com a competição sendo um dos norteadores dos comportamentos valorizados pelas organizações, conflitos interpessoais podem ser observados no ambiente de trabalho (SOUZA; SANTOS; VASCONCELLOS, 2014). Esses conflitos, por sua vez, acabam facilitando a ocorrência de violências entre os empregados, como, por exemplo, o assédio moral (FREITAS, 2007; HELOANI, 2011), compreendido como uma violência intencional e frequente que visa desqualificar e eliminar a vítima do emprego (FREITAS, 2001; HELOANI, 2004). Entretanto, apesar de sofrerem assédio moral no trabalho, muitos empregados continuam em seus empregos, motivados, principalmente, pelo salário que recebem e pelo medo de ficarem muito tempo desempregados, como apontou o estudo de Silva e Nakata (2016). Diante desses achados, o presente artigo propõe uma continuidade do estudo supracitado, procurando contribuir, acadêmica e gerencialmente, com a discussão sobre o assédio moral e a permanência no trabalho. Adota-se como perguntas norteadoras da pesquisa: Quais os motivos considerados pelas vítimas que explicam a sua permanência no trabalho, mesmo sofrendo assédio moral nesse ambiente? Esses motivos se relacionam apenas com o salário recebido e a manutenção do emprego? Ou há outros motivos que também explicam a sua permanência no trabalho? O objetivo da pesquisa consiste em compreender os motivos que levaram as vítimas de assédio moral a permanecerem no trabalho, mesmo após a violência nele vivenciada. Para alcançar esse objetivo, realizouse uma pesquisa qualitativa, descritiva e de campo, e, por meio da análise de conteúdo de quatro entrevistas, foi possível compreender que a permanência no trabalho também é justificada por fatores motivacionais, como a busca pelo reconhecimento dos colegas de trabalho. O artigo está estruturado em seis seções: 1) uma introdução sobre o tema que será abordado, destacando o objetivo da pesquisa; 2) um referencial teórico sobre as relações de trabalho e motivações, sobre a compreensão do assédio moral e sobre estudos que abordam sobre a permanência no trabalho; 3) os procedimentos metodológicos adotados 101

para o alcance dos objetivos; 4) análise e discussão dos resultados; 5) as considerações finais acerca do assédio moral e da permanência no trabalho. 1

REFERENCIAL TEÓRICO O referencial teórico está organizado em três subseções: relações e motivações

no trabalho; assédio moral; e motivos da permanência no trabalho, apresentadas respectivamente. 1.1 AS RELAÇÕES E AS MOTIVAÇÕES NO TRABALHO As relações de trabalho estabelecidas entre as pessoas encontram-se fundamentadas na cultura de determinada sociedade. Pela definição de Schein (2009), pode-se compreender a cultura como a totalidade de conhecimento utilizado pelas pessoas para dar sentido ao mundo em que vivem, por meio de significados compartilhados entre elas pela linguagem, símbolos e artefatos. Esses significados possibilitam a identificação de si e a identificação das demais pessoas. Contudo, essa interação social possibilitada pela cultura é marcada por interesses divergentes, conflitos e relações de poder, como aponta Morgan (1996). E, nesse sentido, nem sempre as relações sociais serão harmoniosas. Assim como a sociedade, as organizações também possuem as suas próprias culturas. Schein (2009) conceitua a cultura organizacional como os pressupostos básicos que norteiam os comportamentos e as decisões tomadas pela organização, e os valores nela compartilhados definem quem são seus membros. Para Freitas (1991), a cultura organizacional fornece uma interpretação para os membros da organização do que é aceito no seu ambiente, limitando as ações individuais, e naturalizando comportamentos vistos como necessários para a organização atingir seus objetivos. Para a autora, a cultura organizacional é, portanto, um poderoso mecanismo de controle, que visa conformar condutas, e homogeneizar os modos de viver e pensar na organização. Desse modo, ao considerar as compreensões de Freitas (1991), Morgan (1996) e Schein (2009), entende-se que as relações sociais são possibilitadas pela cultura de determinada sociedade. No caso das relações de trabalho, que ocorrem especificamente em organizações, há uma tentativa de legitimar ações e comportamentos por meio dos valores compartilhados e aceitos da cultura organizacional, procurando uma homogeneidade entre os trabalhadores. Isso porque cada indivíduo carrega consigo V.10, nº1, jan./abr. 2017.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X diferentes aspectos culturais, gerando divergências, conflitos, bem como o uso de poder para ampliação dos seus interesses frente aos dos demais. Se as pessoas carregam consigo diferentes aspectos culturais para o trabalho e o ambiente organizacional, diferentes motivações para o estabelecimento dessas relações de trabalho também podem ser observadas. Giddens (2007) afirma que o trabalho, intrínseco a todo sistema econômico, é uma forma das pessoas atenderem suas necessidades, das quais se pode citar a utilização do tempo para o desenvolvimento de certas habilidades, e a produção e o consumo de produtos e serviços. As motivações são intrínsecas às pessoas, uma vez que nascem de suas necessidades, e não das coisas que satisfazem essas necessidades (BERGAMINI, 1997). Contudo, apesar dessa característica da motivação humana, as organizações podem e devem procurar conhecer as necessidades de seus empregados, de modo a mantê-los motivados na realização de suas tarefas (MACIEL; SÁ, 2007). Dentre os estudos sobre motivação e necessidades, destaca-se os trabalhos de Maslow e Herzberg. Maslow (1943 apud SAMPAIO, 2009) explica a motivação a partir das necessidades básicas dos indivíduos, que são inconscientes, mas reveladas pelos seus desejos expressados. O autor propõe que as necessidades básicas dos indivíduos estão hierarquizadas, mas não de forma rígida, e, uma vez satisfeitas, eles passam a ser motivados por metanecessidades. Por necessidades básicas, Maslow destaca as fisiológicas, a de segurança, de pertença e amor, de estima, de autorrealização, de saber e entender, e as estéticas. Por metanecessidades, o autor a entende por demandas de valores como verdade, beleza, justiça, perfeição e outros. No contexto organizacional, há a necessidade de sinergia, de um trabalho cooperativo entre os membros da organização, criando vantagem para todos os empregados. Ainda em relação às motivações no trabalho, Herzberg (1997 apud MACIEL; SÁ, 2007) apresenta a Teoria dos Dois Fatores, que evidencia diferentes estilos motivacionais das pessoas. Há empregados motivados pelo conteúdo do trabalho, como responsabilidade, reconhecimento e desenvolvimento profissional, isto é, estão “procurando motivação”. Porém, há empregados motivados pelo contexto do trabalho, como salários, segurança e comunicação, isto é, são empregados “procurando manutenção”. Essas considerações permitem compreender que as pessoas possuem diferentes necessidades e motivações para procurar, estabelecer, manter ou desfazer as relações de trabalho, e esses motivos não são apenas individuais, mas, também, sociais, uma vez que possuem conexões com a cultura e os valores da sociedade na qual se vive. Na 103

próxima subseção, será apresentada a temática do assédio moral, um tipo de violência que ocorre no ambiente organizacional, e que pode afetar qualquer empregado de qualquer nível hierárquico. 1.2 O ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO As relações de trabalho nem sempre são harmoniosas, tendo em vista a presença de diferentes interesses que acabam levando a conflitos interpessoais no ambiente organizacional, como descrevem Souza, Santos e Vasconcellos (2014). Contudo, esses conflitos podem encontrar valores organizacionais que legitimam tais condutas, e, nesse contexto, Freitas (2007) e Heloani (2011) destacam que a competitividade incentivada no ambiente organizacional facilita a ocorrência do assédio moral nas relações de trabalho. A discussão sobre o assédio moral iniciou-se pelos estudos de Leymann (1996), que definiu o conceito como uma interação social na qual um ou mais indivíduos são atacados por outros indivíduos durante um longo período de vários meses, colocando a vítima em uma posição de impotência. O autor entendia o assédio moral como um terror psicológico. Quanto à conceituação do termo, recorre-se a outros autores. Hirigoyen (2009) conceitua o assédio moral como uma violência perversa no cotidiano do trabalho, cuja conduta abusiva se manifesta por comportamentos, palavras, gestos ou escritos, e que podem trazer danos à personalidade e dignidade do trabalhador. Consoante a estas definições, Freitas (2001) entende o assédio moral como comportamentos que causam danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa ou grupo, com impactos nas condições de trabalho. Para Heloani (2004), esses comportamentos visam humilhar e desqualificar a vítima, tendo como uma das principais características a frequência com que ocorre e a intencionalidade. Neste aspecto, reforça-se que a diferença entre o assédio moral de outras condutas abusivas é, justamente, a intencionalidade e a frequência com que é praticado. Após essa conceituação, torna-se necessário compreender a relação do assédio moral com o trabalho. Os ambientes de trabalho marcados por competição intensa facilitam o surgimento do assédio moral, uma vez que esses ambientes exigem um novo tipo de trabalhador, que precisa ser, cada vez mais, detentor de competências técnicas e um espírito competitivo e, por vezes, agressivo. A partir dessa competição, a relação entre os profissionais se torna desrespeitosa (HELOANI, 2011). V.10, nº1, jan./abr. 2017.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X O assédio moral no trabalho pode ser entendido, portanto, como um processo, que envolve aspectos como o cenário econômico, a política organizacional e os próprios profissionais envolvidos no assédio moral (EINARSEN, 1999; FRONTZEK, 2009). Além disso, pode-se entender que o assédio moral encontra um ambiente organizacional propício para sua ocorrência, visto que as empresas têm procurado novas formas de aumentar a produtividade e competitividade, o que parece legitimar qualquer comportamento que se tenha para garantir a sobrevivência da organização (FREITAS, 2007; FRONTZEK, 2009). Freitas (2001), Valadão Júnior e Mendonça (2015) e Vasconcelos (2015) destacam as diferentes formas pelas quais o assédio moral pode se manifestar. Uma das formas de manifestação dessa violência é pela ameaça de demissão a qual a vítima é exposta. Outra forma é prejudicar o desenvolvimento de alguma tarefa, por meio da sobrecarga ou da falta intencional de informações para a sua realização. Ser alvo de piadas, passar por situações constrangedoras são outras formas de manifestação do assédio moral, mas todas têm, como essência, a tentativa de desqualificação da vítima. Para Freitas (2001), o assédio moral advém de uma racionalidade fria, e de uma incapacidade de considerar os outros trabalhadores como seres humanos. O assédio moral relaciona-se, também, com a estrutura do trabalho. Essa violência pode acontecer no nível horizontal ou no nível vertical. Considera-se a ocorrência no nível horizontal, quando o assédio moral acontece entre empregados de um mesmo nível hierárquico, cuja relação conflituosa, geralmente, se dá pelas diferenças pessoais e profissionais que conferem à vítima um destaque que incomoda os agressores. Nesse nível de ocorrência do assédio moral, a violência visa a eliminação de empregados

concorrentes

(VALADÃO

JÚNIOR;

MENDONÇA,

2015;

VASCONCELOS, 2015). O assédio moral no nível vertical acontece quando a violência se dá entre empregados de diferentes níveis hierárquicos. No nível vertical, o assédio moral poder tanto descendente, quanto ascendente. No nível vertical descendente, o assédio moral é praticado por um superior hierárquico da vítima, e visa desestabilizá-la, a fim de que ela tenha a impressão de não estar atingindo suas metas e, em consequência, os objetivos da empresa. No nível vertical ascendente, o assédio moral é praticado por um empregado de um nível hierárquico inferior ao ocupado pela vítima, que apresenta ambição excessiva pelo lugar ocupado pela vítima, ou uma insatisfação por quem está na posição superior na hierarquia da empresa (VALADÃO JÚNIOR; MENDONÇA, 2015; VASCONCELOS, 2015). 105

Em relação aos perfis dos envolvidos no assédio moral, verifica-se que, geralmente, as mulheres, os jovens com pouca experiência profissional, e os profissionais com idades acima de 50 anos são os alvos das agressões morais. Ressaltase que são características gerais, e não universais, uma vez que todos que estabelecem relações de trabalho podem ser a sofrer, ou até mesmo cometer, assédio moral (HELOANI, 2004; HIRIGOYEN, 2009). Já o perfil do agressor é determinado pelas denúncias das vítimas, que podem distorcer as informações do processo de assédio moral, e, com isso, distorcer o perfil do agressor. Contudo, verifica-se que, geralmente, o agressor é um superior hierárquico, que apresenta características de injustiça e abuso de poder (VALADÃO JÚNIOR; MENDONÇA, 2015). Assim como toda violência, o assédio moral tem consequências negativas não para as vítimas, mas, também, para as organizações e para a sociedade como um todo. Freitas (2007) destaca, como consequências, a queda de produtividade, o aumento de demandas trabalhistas, e o aumento da rotatividade. Nem sempre após a ocorrência do assédio moral, os empregados pedem demissão. Nesses casos, mesmo sendo vítimas dessa violência, muitos empregados permanecem em seus trabalhos. A próxima subseção discutirá sobre a permanência das vítimas no trabalho. 1.3 A PERMANÊNCIA NO TRABALHO Segundo Hannabuss (1998), as vítimas de assédio moral muitas vezes escondem que sofrem esta violência, por temerem seus empregos, e por não quererem admitir, aos demais empregados e familiares, que não conseguem lidar com as pressões das relações de trabalho. Com isso, a permanência no trabalho é marcada pelos efeitos dessa violência, como doenças, absenteísmo, depressão, autoestima baixa, e ineficiência organizacional. Bacchi, Pinheiro e Pinto (2012) destacam que há empregados que fazem uso da resiliência para enfrentar o assédio moral, entendendo-a como um instrumento de defesa contra as ações negativas desse tipo de violência. Nesses casos, os empregados resilientes não percebem os impactos negativos da violência a que são submetidos, e, dessa forma, mesmo que intencional e frequente, o assédio moral direcionado a eles não os desestabilizam psiquicamente. Nunes e Tolfo (2013) destacam que alguns empregados comentam com seus colegas sobre o assédio moral vivenciado no trabalho, contudo, não formalizam a denúncia a um setor específico, por considerarem que a formalização não adiantará em V.10, nº1, jan./abr. 2017.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X nada, podendo, ainda, levar ao aumento da violência. A não formalização da denúncia também se dá porque, na maioria das vezes, o agressor é um empregado com certo grau de poder na organização, o que inviabilizaria, para as vítimas, qualquer ação contra ele. Em contraste, Rodrigues e Aaltonen (2013) identificaram que a liderança média reage ao assédio moral sofrido da liderança mais alta. Os resultados desses dois estudos indicam que a reação ao assédio moral tem alguma ligação com as relações de poder entre vítima e agressor. Silva e Nakata (2016) identificaram alguns dos motivos pelos quais as pessoas que sofreram assédio moral no trabalho continuaram na organização. Os dez principais motivos levantados pelos autores estão apresentados na Figura 1.

Figura 1 – Motivos que explicam a permanência da vítima no trabalho

O salário era bom - 27%

4%3% 4% 5%

O assédio moral poderia acabar ou diminuir com o tempo - 22% Medo de ficar muito tempo desempregado - 21% 27%

6%

Dificuldade para obter provas contra o assediador - 8% Evitar questionamentos de amigos e familiares sobre a saída do emprego - 6% Tentativa de mostrar competência ao assediador - 5%

8%

Tentativa de obter provas contra o assediador - 4% 21%

22%

O assediador foi demitido - 4% Os colegas influenciaram na permanência - 3% Ameaça, caso não permanecesse na empresa - 0%

Fonte: Silva e Nakata, 2016.

Os principais motivos percebidos pelas vítimas que explicam a sua permanência no trabalho foram, respectivamente: o salário bom (27%); a possibilidade de o assédio moral acabar ou diminuir com o tempo (22%); e o medo de ficar muito tempo desempregado (21%). Nenhuma das vítimas permaneceu no trabalho porque foi ameaçada. Em análise às teorias motivacionais, Silva e Nakata (2016) relatam que esses três principais motivos da permanência no trabalho são chamados de motivos de manutenção, por estarem ligados ao contexto do trabalho.

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O presente artigo objetiva compreender os motivos que levaram as vítimas de

assédio moral a permanecerem no trabalho, mesmo após a violência nele vivenciada. Inicialmente, caracteriza-se a pesquisa quanto à sua abordagem, aos seus objetivos, e aos procedimentos utilizados. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e de campo, que se utiliza de entrevistas semiestruturadas como instrumento de obtenção de material empírico (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009). De uma forma geral, entende-se que a pesquisa proposta não visa a representatividade numérica dos seus achados, já que está preocupada com o aprofundamento da compreensão de determinado fenômeno social, em específico, do assédio moral no trabalho. A presente pesquisa surge do interesse de dar continuidade ao estudo de Silva e Nakata (2016). Estes autores realizaram uma pesquisa de caráter quantitativo, procurando identificar os motivos utilizados para explicar a permanência dos empregados no local de trabalho, mesmo após eles terem sofrido assédio moral na organização. Para o alcance dos objetivos, eles utilizaram um questionário fechado, respondido por 100 empregados, de diferentes idades, e de diferentes organizações. Seus principais resultados foram apresentados no referencial teórico. Na realização da sua pesquisa, Silva e Nakata (2016) destinaram um espaço no questionário para o preenchimento não-obrigatório do endereço eletrônico dos respondentes, para futuros contatos, caso tivessem interesse em participar das fases sequentes da pesquisa. De um total de 100 respondentes, apenas 6 informaram seus respectivos endereços eletrônicos. Por meio do acesso à base com os e-mails desses respondentes, foi possível contatá-los. Enviou-se uma mensagem a estes seis respondentes, informando a continuidade da pesquisa e a solicitação de sua participação na presente pesquisa; agora, por meio da concessão de entrevistas de áudio gravado. Definiu-se dois prazos para a confirmação da participação: no primeiro e-mail enviado, esperou-se 20 dias para obter-se respostas, e, passado esse prazo, foi enviado outro e-mail com o prazo de mais 10 dias para resposta. Daqueles seis possíveis participantes, apenas quatro responderam as mensagens enviadas, e todos eles concordaram em participar da pesquisa, assinando um termo de consentimento que permitia a gravação da entrevista. Essas entrevistas foram realizadas em lugares escolhidos pelos entrevistados, e tiveram, em média, 20 minutos de duração. A transcrição dessas entrevistas totalizou 11 laudas. Para a análise desse material empírico, optou-se por utilizar a análise de V.10, nº1, jan./abr. 2017.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X conteúdo de Bardin (2011). Trata-se de uma técnica de análise que procura ir além da descrição da mensagem, mas, procurar a sua compreensão. Por meio da sua leitura e exploração, o conteúdo das entrevistas foi agrupado e categorizado em quatro categorias temáticas, apresentadas separadamente na próxima seção. No Quadro 1, apresenta-se algumas características dos entrevistados. Quadro 1 – Características dos entrevistados e da organização em que trabalham Código atribuído entrevistado V1 V2 V3 V4 Fonte: elaborado pelo autor.

ao

Considera-se

Organização que sofreu assédio moral

Homem Mulher Homem Mulher

Organização A – Autarquia Federal Organização B – Escola Organização C – Banco Organização D – Call-center

Por meio do Quadro 1, destaca-se que foram entrevistados dois homens e duas mulheres, que trabalham em diferentes organizações, tanto do setor público quanto do setor privado. A próxima seção apresenta uma análise e discussão dos resultados encontrados. 3

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Por meio da análise de conteúdo das entrevistas, agrupou e categorizou seus

trechos em quatro categorias temáticas, apresentadas a seguir. 3.1 A MANIFESTAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL Einarsen (1999) e Frontzek (2009) consideram o assédio moral como um processo, que envolve aspectos do cenário econômico, da política organizacional e dos profissionais envolvidos nessa violência. Além disso, a violência pode se manifestar de diferentes maneiras, como apontam Freitas (2001), Valadão Júnior e Mendonça (2015) e Vasconcelos (2015). Os excertos a seguir destacam as maneiras que o assédio moral no trabalho se manifestou, segundo as vítimas dessa violência. Era meu primeiro estágio e eu estava bastante animado, ainda mais que eu ia trabalhar com colegas de faculdade. Elas nunca tinham reclamado do ambiente de trabalho comigo, antes de eu entrar lá. [...] Eu era o mais novo naquele setor, então, na minha ideia, aqueles outros colegas estariam ali para me ajudar, e até mesmo o chefe de setor. Mas não foi isso que aconteceu. Eu mal cheguei no primeiro dia de trabalho e o chefe já me passou um monte de atividades para fazer. Até aí tudo bem, se não fosse o fato de ele não me explicar como eu deveria fazer aquelas atividades. (V1).

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Estávamos eu e ele [vítima e assediador] concorrendo à diretoria da escola na qual trabalhamos. Porém, ele era o atual diretor na época. Foi durante esse período de eleição que ele se aproveitou da sua posição para me desqualificar. Dizia que eu não seria capaz de assumir a gestão da escola, sempre dizendo, depois, que era só uma brincadeira. [...] Uma brincadeira que me machucava. (V2).

Os entrevistados V1 e V2 foram assediados pelos seus respectivos superiores imediatos, o que permite caracterizar a violência em nível vertical descendente. Já os entrevistados V3 e V4 foram assediados por colegas de um mesmo nível hierárquico, permitindo caracterizar a violência em nível horizontal. Essa caracterização segue a apresentação feita por Valadão Júnior e Mendonça (2015) e Vasconcelos (2015). Sempre tem umas brincadeiras sem-graça entre colegas de um departamento, mas algumas passam dos limites e quem é o alvo dessa brincadeira se sente muito constrangido. [...] Todos os meus colegas de trabalho sabem que eu sou homossexual e, por conta de seus preconceitos velados, as piadinhas sobre mim sempre giram em torno disso. (V3). No meu trabalho, as pessoas são incentivadas a competir entre si, só que, para mim, aquilo ali era algo temporário; eu não queria trabalhar ali por muito tempo. Por conta disso, as vezes eu nem me esforçava para atingir as metas estipuladas. [...] Um colega de trabalho, que atingia suas metas, se achava no direito de ficar me rebaixando por conta disso. Em um primeiro momento, eu ignorava. Mas com o tempo, aquilo passa a te incomodar. (V4).

Pelos excertos destacados, verifica-se que, dentre as formas de manifestação do assédio moral, estão: a falta intencional de informação; ser alvo de piadas e comentários constrangedores. De uma forma geral, isso reforça que o assédio moral visa a desqualificação da vítima, como abordado por Freitas (2001). Ainda, considerando os relatos dos entrevistados V3 e V4, fica evidente a internalização da culpa da ocorrência do assédio moral pelas suas vítimas. Em contraste a isso, ressalta-se, pelos próprios excertos, que são as situações das próprias organizações que levam à ocorrência do assédio moral. Por isso, procurou-se levantar o tipo de organização que esses entrevistados trabalhavam, apresentado na próxima categoria. 3.2 AS ORGANIZAÇÕES COMO PALCO DO ASSÉDIO MORAL Conforme apresentado no Quadro 1, o entrevistado V1 estagiou em uma autarquia federal, na qual as pessoas que lá trabalham são selecionadas por meio de um concurso público, assim como a entrevistada V2, que trabalha em uma escola pública. No caso dessas organizações, há uma estabilidade na profissão, e, tomando essa característica, os entrevistados dizem que os empregados podem vir a assumir diversos tipos de comportamentos, sem se preocupar com a perda do seu emprego. O V.10, nº1, jan./abr. 2017.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X entrevistado V3 trabalha em um banco, que tem, segundo ele, em sua maioria, empregados heterossexuais e com maior tempo de experiência. Já a entrevistada V4 trabalha em um call-center, e considera que esse tipo de empresa tem uma imagem social negativa, na qual se tem que os empregados são cobrados por atingir metas, e humilhados quando isso não acontece. Essas informações dadas pelos entrevistados reforçam a compreensão de que as organizações são palco do assédio moral, por seu ambiente permitir, e, de certa forma, até incentivar a ocorrência desse tipo de violência, uma vez que podem levar ao alcance dos objetivos organizacionais, como aponta Freitas (2007). Contudo, cabe ressaltar que não se trata de dizer que são apenas nessas organizações que o assédio moral ocorre, mas, sim, que este fenômeno encontra um espaço para a sua ocorrência quando as vítimas se calam, quando os demais colegas se calam, e quando a organização não possui um combate ou uma prevenção efetiva a essas práticas (FREITAS, 2007). Todos os entrevistados disseram não conhecer alguma medida da empresa para a prevenção ou combate ao assédio moral. Isso deteriora as relações de trabalho e perpetua essas práticas degradantes (HELOANI, 2011). A gente sabe que isto [que os assediadores fazem] é errado, chega a ser ridículo, mas a gente acaba ficando sem reação... sem ter o que fazer. Você vai reclamar com quem? Com o chefe? Ele vai achar que eu é quem sou a errada nessa história toda. Ele vai achar que eu estou querendo prejudicar meu colega de trabalho e, no meio disso tudo, quem acaba sendo demitida sou eu. (V4). Os outros colegas de trabalho até me evitam [...] Eu penso que eles acham que eu vou agarrá-los, ou coisa assim. Isso dificulta uma interação mais fluida. [...] Não é que não há interação entre mim e os outros colegas, mas eles evitam isso ao máximo. Eu, pelo menos, percebo isso. (V3).

Os excertos acima indicam que o assédio moral gera consequências para as relações de trabalho como um todo, e não apenas para a relação entre vítima e assediador. Por conta disso, a próxima categoria visa compreender a relação da vítima com os seus colegas de trabalho. 3.3 A RELAÇÃO DA VÍTIMA COM OS COLEGAS DE TRABALHO Os entrevistados V3 e V4 afirmaram que, por terem sido assediados por colegas de um mesmo nível hierárquico, tiveram uma dificuldade em comunicar tal violência a um superior imediato. Os entrevistados V1 e V2, por sua vez, disseram encontrar no grupo social de trabalho algum porto seguro, mesmo não contando a eles sobre a prática 111

sofrida pelos assediadores, o que mostra a importância conferida ao grupo de trabalho pelas vítimas de assédio moral. Esses aspectos são abordados por Nunes e Tolfo (2013). Algumas vítimas de assédio moral podem comentar a violência vivenciada a alguns colegas de trabalho, porém, encontram dificuldades em formalizar a denúncia a um setor específico. Contudo, se o assédio moral é um fenômeno social, advindo de interações entre as pessoas, pode-se entender que o seu combate virá pelas próprias interações entre as pessoas, isto quer dizer que é apenas pelas pessoas que o assédio moral pode ser combatido, não bastando, portanto, as empresas terem seus manuais de conduta, quando não incentivam seus empregados a terem esses comportamentos (FREITAS, 2007; FRONTZEK, 2009). Certa vez falei para a outra estagiária do meu setor que eu não sabia como fazer aquela atividade. Ela me perguntou se eu não tinha pedido ajuda ao chefe do setor ou aos outros colegas do setor. Disse que não. Então, ela me disse: ‘é assim mesmo’. [...] A ideia que eles passam é que você tem que se acostumar a se virar sozinho, não esperando ajuda dos outros. [...] A situação já estava ficando insuportável. Foi até que um dia uma colega do setor pediu para que eu verificasse um documento para ela. De prontidão, eu disse: ‘essa atividade não consta no meu contrato de estágio’. (V1).

O excerto acima destaca que a vítima comentou sobre suas dificuldades em realizar as atividades com outra colega de trabalho. Ainda, verifica-se que o entrevistado V1 começou a entender que as práticas abusivas tinham continuidade porque ele mesmo permitia isso. Trata-se de uma reação ao assédio moral, que, geralmente, é vista em casos de empregados de liderança média, como aponta Rodrigues e Aaltonen (2013), o que não era o caso do entrevistado, visto que ele era estagiário no órgão público. Desse modo, entende-se que os empregados possuem diferentes formas de lidar com o assédio moral, comentando ou não com outros colegas (HANNABUSS, 1998), desenvolvendo uma resiliência para lidar com a situação (BACCHI; PINHEIRO; PINTO, 2012), ou reagindo (RODRIGUES; AALTONEN, 2013), e denunciando a setores responsáveis (NUNES; TOLFO, 2013). Pode-se pensar, portanto, que nem todos os empregados vítimas de assédio moral desligam-se da empresa. Diante disso, a próxima categoria visa compreender os motivos da permanência da vítima no local de trabalho. 3.4 OS MOTIVOS DA PERMANÊNCIA DA VÍTIMA NO TRABALHO No estudo de Silva e Nakata (2016), o salário, a, possibilidade de o assédio V.10, nº1, jan./abr. 2017.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X moral acabar ou diminuir, e o medo de ficar muito tempo desempregado foram os principais motivos apontados pelas vítimas de assédio moral para a sua permanência no trabalho. Os autores compreenderam que esses três motivos estão relacionados ao contexto do trabalho, indicando que a permanência no trabalho tem uma motivação de manutenção. Os excertos as seguir ampliam esses resultados. Eu continuo na escola onde o assédio moral aconteceu, e meu colega (assediador) também. O que me fez continuar foi a ideia de que o assédio moral estava acontecendo por conta das eleições para diretoria da escola. Quando isso passasse, o assédio também acabaria. E foi o que aconteceu. Acho que por conta de nem eu e nem ele ganhar essa eleição. Agora, eu pensei: ‘será que a outra colega que se candidatou também sofreu assédio moral?’ Eu ainda não tinha pensado isso. Mas ela nunca me disse nada... (V2).

No caso relatado pela entrevistada V2, compreende-se que a vítima permaneceu no emprego, porque a ocorrência da violência pareceu estar relacionada ao contexto de eleição vivenciado por ela e pelo agressor, e, dessa forma, havia uma esperança de que a violência experimentada acabaria com o fim do período eleitoral escolar. Eu fiquei lá apenas 1 mês e acho que ainda foi muito. Aceitei muitas coisas calado. Mas eu ia reclamar para quem, não é? Era o chefe quem estava errado. [...] A minha escolha de ficar lá esse curto período foi por conta das minhas colegas de trabalho e faculdade. Foram elas que me indicaram à vaga, o que ajudou muito a eu ter esse estágio. Não ficaria legal eu desistir da vaga assim de primeiro. Eu também pensava: ‘ah, eu posso até desistir desse estágio, mas ninguém vai me garantir que na outra empresa não vá ocorrer coisa pior. Aqui, pelo menos tenho minhas amigas’. (V1). Mesmo com essas piadinhas sobre minha sexualidade, que, para mim, foi assédio moral, eu relevava e fiquei no banco por um tempo. [...] Essas piadinhas não aconteciam só no local de trabalho, então, para que eu ia desistir do meu trabalho? Eu não gostaria de ver meus amigos e familiares questionando sobre minha desistência. E outra, eu ganhava bem e quanto ao meu desempenho, nunca chegaram a reclamar. Até que eu recebi uma outra proposta de outro banco e aceitei trocar de empresa. (V3).

No caso relatado pelo entrevistado V1, compreende-se a importância atribuída ao grupo para a sua permanência no trabalho. Os excertos dos entrevistados V1 e V3 também indicam a preocupação levantada por Hannabuss (1998) sobre a incapacidade de algumas pessoas em lidarem com as pressões das relações de trabalho, fazendo com que muitos empregados permaneçam nos empregos, a fim de evitar questionamentos dos outros empregados e de familiares. Porém, considera-se que, mesmo sendo considerado bom, o salário não deve ser o único fator que mantém os empregados vinculados a uma empresa, já que outras empresas podem oferecer salários melhores. Por isso, Maciel e Sá (2007) destacam que as empresas precisam conhecer as necessidades dos seus empregados, procurar atendê-las, ou oferecer condições que elas 113

sejam atendidas, de modo a manter os empregados motivados na realização de suas tarefas, evitando consequências citadas por Freitas (2007), tais como absenteísmo e rotatividade. Call-center é assim mesmo, uma humilhação atrás da outra, quando não se atingia metas. Eu queria sair dali o quanto antes, mas estava difícil achar outro emprego, e eu não podia ficar muito tempo desempregada. [...] Lá, parece que você não é gente... você só é reconhecido quando atinge metas. Poxa, outras coisas podiam ser valorizadas. (V4).

A entrevistada V4 reforça que as pessoas procuram reconhecimento e valorização em seus trabalhos, o que, para Maslow (1943 apud SAMPAIO, 2009), é uma necessidade básica. Seu excerto expõe, ainda, que, além da manutenção, os empregados também procuram motivação no trabalho. Para essa análise, considerou-se o estudo de Herzberg (1997 apud MACIEL; SÁ, 2007). A identificação dos motivos que levaram a permanência dos indivíduos nos seus respectivos trabalhos permite a sua compreensão em motivos individuais, sociais e organizacionais. Por motivos individuais, entende-se como aqueles internos, próprios do indivíduo. Por motivos sociais, entende-se como aqueles encontrados nos outros indivíduos. E, por motivos organizacionais, entende-se como são aqueles encontrados em aspectos do trabalho ou da organização como um todo. Verifica-se que, em cada caso, uma dessas classificações propostas se destacou. No caso de V1 e V3, os seus motivos de permanência podem ser classificados como sociais, já que se encontram nos outros indivíduos. No caso da V2 e V4, os motivos podem ser classificados como organizacionais, já que a eleição para diretoria da escola e o emprego ocupado são aspectos da organização. A classificação dos motivos de permanência descrita acima se refere aos motivos evidenciados, isto é, aos motivos ditos pelos entrevistados. Mas, nas próprias respostas, verifica-se que em todos os casos, há as três classificações, ou seja, os motivos para a manutenção de uma relação deteriorada pelo assédio moral são individuais, sociais e organizacionais. E isso se torna mais claro ao analisá-los pelas teorias motivacionais de Herzberg e Maslow. Os motivos elucidados pelos entrevistados se referem ao contexto do trabalho, como o salário, segurança do emprego e comunicação com os colegas, mas há motivos que se referem ao conteúdo do trabalho, isto é, eles também procuram o reconhecimento dos outros indivíduos. Verifica-se, ainda, que muitos são os motivos que fazem os indivíduos a permanecerem nas relações de trabalho. Afinal, por meio do trabalho, muitas necessidades dos indivíduos são atingidas, mesmo quando aspectos da interação social V.10, nº1, jan./abr. 2017.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X são deteriorados. Por exemplo: por meio do salário, pode-se suprir necessidades básicas; o trabalho propicia a relação interpessoal; as atividades realizadas possibilitam o desenvolvimento profissional. Isso explica, em parte, o porquê do comportamento e decisão dos indivíduos a permanecerem no trabalho, mas é preciso ressaltar que há, também, uma influência cultural e situacional sobre esses aspectos. Desse modo, indivíduos podem ter motivos para agir de determinada maneira, mas acabam agindo de outra forma completamente diferente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O assédio moral no trabalho é uma violência que ocorre no ambiente organizacional, com o intuito de desqualificar a vítima, que, nem sempre, leva à sua demissão. Diante disso, a presente pesquisa teve o objetivo de compreender os motivos que levam as vítimas de assédio moral a permanecerem no trabalho. Por meio das quatro entrevistas realizadas, considera-se que o objetivo foi alcançado, e os resultados ampliam a discussão sobre a temática. Dentre os resultados, verificou-se que os motivos considerados pelas vítimas de assédio moral no trabalho para a sua permanência nesse ambiente vão além do salário e manutenção do emprego, evidenciando a complexidade das relações sociais envoltas por conflitos de interesse e relações de poder. Os motivos citados pelos entrevistados foram: a importância atribuída ao grupo de trabalho; o desejo de não transparecer aos outros a sua incapacidade de lidar com pressões; o momento em que aconteceu o assédio moral; e o desejo de ser reconhecido pelos colegas de trabalho. Esses achados respondem às perguntas norteadoras da presente pesquisa, e possibilitam a compreensão de que os motivos da permanência no trabalho após o assédio moral não são apenas relacionados ao contexto do trabalho, como levantado no estudo de Silva e Nakata (2016), mas, também, estão relacionados ao conteúdo do trabalho, como, por exemplo, a procura de reconhecimento dos colegas de trabalho e dos gestores. Esses resultados contribuem para a ampliação da compreensão, acadêmica e gerencial, do assédio moral, permitindo a consideração de que, se o assédio moral advém das relações interpessoais, é por meio dessas relações que o fenômeno pode ser combatido. Dessa forma, entende-se que o grupo social no trabalho tem uma importância maior no contexto do assédio moral, seja para a sua manutenção ou para o seu combate. Isso significa dizer que são por meio das relações interpessoais que a 115

empresa deve procurar meios para combater as práticas de assédio moral, tendo em vista que nada justifica a humilhação intencional e frequente às quais as vítimas são expostas, sem falar que isso prejudica, inclusive, a própria organização. Como limitação do trabalho, destaca-se o pequeno número de entrevistados, mas, cabe ressaltar que a pesquisa é uma continuidade de outra pesquisa feita pelo autor. Na primeira fase, apenas seis respondentes mostraram interesse em participar da segunda fase, e, destes, apenas quatro puderam conceder entrevistas presenciais. Como sugestão para futuras pesquisas, propõe-se a compreensão do assédio moral por meio das pessoas próximas às vítimas dessa violência, e, em específico, a compreensão do assédio moral pelos colegas de trabalho das vítimas, contribuindo para uma visão pouco explorada nos estudos dessa temática: a visão dos observadores da violência.

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