A escravidão pós-moderna: uma anátema socioeconômica contemporânea.

July 3, 2017 | Autor: Helio Veiga Jr. | Categoria: Sociology, Economics, Human Rights, Philosophy Of Law
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A escravidão pós-moderna: uma anátema socioeconômica contemporânea.

Resumo

O presente artigo visa mostrar de forma crítica as novas formas de escravidão contemporânea que se revelam presentes na vida pós-moderna, rompendo com a tradicional ideia de escravidão do passado, a qual se traduzia apenas na transformação do homem negro em propriedade privada pelos grandes latifundiários. Faz-se, assim, uma análise desde a extinção da escravidão tradicional no Brasil, passando pela criação da vida urbana e a escravização laboral em troca do capital acumulado pelas empresas bem como pelas formas pós-modernas de escravidão como a laboral, do consumo e a tecnológica. Inobstante, revela-se igualmente a relação entre o salário mínimo e a escravidão no Brasil e como este se mostra insuficiente perante a realidade brasileira e os direitos sociais consagrados na Constituição Federal de 1988. Assim, fala-se ainda da forma de escravidão legalizada nas relações privadas mesmo após o advento do Código de Defesa do Consumidor, a mensuração da dignidade e do liberalismo econômico com a possibilidade deste ajudar a mitigar a escravidão contemporânea, quando se projeta uma economia voltada à uma maior liberdade econômica capaz de fomentar a maximização do bem-estar individual e social.

Palavras-chave: Escravidão. Formas. Pós-modernidade.

Post-modern slavery: a cotemporary socioeconomic anathema.

Abstract

This article aims to show critically the new forms of contemporary slavery that reveal present in postmodern life, breaking with the traditional idea from the past about slavery, which was expressed only in the transformation of the black man into private property by the large landowners. It will be thus an analysis considering the primmer form of slavery and the extinction of the traditional slavery in Brazil through the creation of urban life and labor slavery in exchange for the capital accumulated by companies and by post-modern forms of enslavement of human beings, such as slavery labor, consumption and technology. Yet this article also proves the straight relation between the minimum wage and slavery in Brazil and how the minimum wage is insufficient concerning the Brazilian reality and social rights enshrined in the Federal Constitution of 1988. Thus it will also be analyzed the form of legalized slavery in private relations, even after the advent of the Consumer Protection Code, the measurement of dignity and economic liberalism with the possibility of this economical ideology helps mitigate contemporary slavery when designing an economy focused on greater economic freedom showing that it could promote the maximization of individual and social well-being.

Key words: Slavery. Forms. Post-modernity.

1 Introdução

Grande parte de indivíduos já se convenceram de que a escravidão, cujo objeto se tratava da venda de indivíduos africanos, não mais existe. A objetificação de humanos no Brasil foi extinta com o fim da escravidão, especificamente, com a abolição da escravatura que aconteceu em 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, documento legal que se juntou a outros já existentes que também previam o final da escravidão humana enquanto objeto de compra e venda ou escambo, como a Lei Euzébio de Queirós de 1850 e a Lei do Ventre Livre 1871. (FARIA, online) Entretanto, como o egoísmo humano jamais se esvaiu desde os tempos de outrora, após a queda da escravidão africana no Brasil em 1888 surgiu uma nova forma de se escravizar, parcialmente tida com um meio legal de obrigar pessoas a trabalhar em troco de migalhas reduzidas ao significado de manter a própria subsistência, também conhecida como mão-de-obra europeia, a qual significou uma força de trabalho barata, até mesmo em razão do excedente de europeus imigrantes que chegaram ao Brasil em meados do século XIX. Muito embora existisse uma ideia de que a vinda de imigrantes europeus ao Brasil estivesse vinculada apenas à questão da escravidão, tal fato não se coaduna com a plena realidade mundial daquela época. As razões externas do motivo da grande imigração europeia para o Brasil encontram-se no fato de que

Embora vinculada ao problema da abolição, a imigração estrangeira para o Brasil tem outros condicionamentos externos. O esgotamento das terras na Europa, as tensões entre trabalhadores e grandes proprietários, as crises agrícolas, a opressão fiscal, o desflorestamento, a política comercial, o desemprego, as deficiências dos sistemas econômicos, incapazes de garantir trabalho para todos, o grande ‘negócio’ em que a imigração transformou-se para o Estado, a expectativa de melhoria de vida na América, as flutuações do mercado mundial de trabalho, entre outras causas, determinam o fluxo imigratório para o nosso país. (FIORIO, online)

Dessa maneira, e pelas razões supramencionadas, o Brasil se torna então um país de imigrantes que aqui chegaram em busca de uma vida melhor do que a vida na Europa do século XIX oferecendo sua a força de trabalho como moeda de troca para os grandes senhores de terras no Brasil, antes proprietários de escravos africanos. Desde o início da escravidão africana à imigração europeia para as novas terras da América, e ainda nos tempos modernos, é possível perceber por meio de uma densa análise

sociológica que a escravidão só trocou de nome e mudou a face de quem se escraviza em troca da própria subsistência. Da pele negra e dos olhos escuros às peles brancas de olhos claros, troca-se a face e o biótipo dos indivíduos que se sujeitam a trabalhar pelo mínimo de dignidade possível e mantem-se a severidade dos trabalhos exaustivos impostos à quem quisesse ter ao menos algo para comer e, muitas vezes, tentar sustentar a família com a ínfima parte do que chamam erroneamente de dignidade. Nesse sentido, a falta de dignidade ou a existência dela sempre esteve atrelada ao capital, mais especificamente, em como este é distribuído. Thomas Piketty (2014, p. 06) traz claramente em seu livro Capital in the Twenty-First Century, a seguinte lição:

(...) in other words, how should the income from the production be divided between labor and capital? – has always been at the heart of distributional conflict. In traditional societies, the bases of social inequality and most common cause of rebellion was the conflict of interest between landlord and peasant, between those who owned land and those who cultivated it with their labor, those who received land rents and those who paid them. The Industrial Revolution exacerbated the conflict between capital and labor, perhaps because production became more capital intensive than in the past (making use of machinery and exploiting natural resources more than ever before) and perhaps, too, because hopes for a more equitable distribution of income and a more democratic social order were dashed.1

Assim, torna-se fácil perceber que a riqueza concentrada nas mãos de quem sempre possuiu bens que se traduzem em valores econômicos jamais foi redistribuída após a extinção da forma primária de escravidão existente no mundo ocidental, o que implica dizer que a efetiva dignidade, que só pode ser atingida por meio do capital dentro de uma sociedade capitalista, jamais foi concedida a qualquer trabalhador europeu que se propôs a fornecer sua mão-de-obra em troca de dignidade. O que aconteceu no passado, seja com os escravos africanos ou com os escravos europeus, disfarçados de mão-de-obra legalizada pelo Estado daquela época, pode ser resumido em atrocidades, injustiças ou qualquer coisa que não

1

(...) em outras palavras, como é que o rendimento da produção deveria ser dividido entre o trabalho e o capital? - tem estado sempre no coração do conflito distributivo. Nas sociedades tradicionais, as bases da desigualdade social e causa mais comum de rebelião foi o conflito de interesses entre senhorio e camponeses, entre os que possuíam terras e aqueles que a cultivaram com seu trabalho, aqueles que receberam rendas de terrenos e aqueles que pagavam essas rendas. A Revolução Industrial aumentou o conflito entre capital e trabalho, talvez porque a produção se tornou mais intensiva em capital do que no passado (fazendo uso de máquinas e exploração dos recursos naturais mais do que nunca) e, talvez, também, porque as esperanças de uma distribuição de renda mais equitativa e uma ordem social mais democrática foram frustradas. (PIKETTY, 2014, tradução nossa).

signifique dignidade, pois esta jamais existiu em sua plenitude para aqueles que necessitam trocar sua força de trabalho por valores ou coisas que apenas lhe concedam a subsistência imediata. De fato, atribui-se erroneamente dignidade à possibilidade de se ter um trabalho ou qualquer outro meio de garantir o sustento. Trata-se, na verdade, de uma mera salabórdia qualquer conversa sobre existência plena de dignidade no Século XXI, pois em dias atuais é possível encontrar várias formas de escravidão ainda presentes na sociedade brasileira e com um disfarce de legalidade quase compulsória para mascarar a força exploratória do capital e de quem o domina frente aos indivíduos escravizados modernamente. Novamente, muda-se a forma de escravizar, porém a escravidão não abandona a sociedade. Nota-se, por óbvio, que as formas de se escravizar, assim como quase tudo no mundo, apenas passaram por um processo evolutivo capaz de disfarçar o ato de escravização que pode ser entendido pelo seu próprio significado de reduzir à condição de escravo, ou em seu sentido figurado significando subjugar, ou seja, sujeitar alguém a algo. Não se pode olvidar, entretanto, que a evolução social foi o motivo de mitigação da escravidão ou ao menos de alteração de suas formas. Atualmente, muito embora ainda existam pessoas reduzidas às condições análogas de escravo trabalhando de forma precária e indigna, para a sociedade moderna a redução à condição análoga de escravo foi superada por grande parte dos indivíduos se compararmos com o passado, muito embora novas formas de escravidão surgiram com o advento da tecnologia e a busca pelo luxo entre outras ambições pós-modernas. Em considerações econômicas poder-se-ia dizer que a escravidão seria reduzida à medida que o acesso aos bens materiais e imateriais fosse ampliado para todas as pessoas, fazendo com que essas ampliassem de igual forma sua dignidade com base no melhor e mais amplo acesso a bens como a saúde, a moradia, a tecnologia, melhores alimentos, a comodidade entre vários outros bens e fatores que maximizam o bem-estar do indivíduo. Ocorre que para se atingir o patamar aceitável de dignidade considerando o atual status em que se encontra o mundo pós-moderno, os indivíduos necessitam aumentar seu capital e para que isso ocorra no momento econômico e social por qual passa a humanidade, de maneira geral, a fórmula para se atingir o aumento do capital seria: a) produzir mais e aumentar o rendimento, para poder utilizá-lo com o intuito de atingir uma dignidade contemplada em formas de aquisição de bens de consumo que traga o bem-estar individual e, de maneira geral, o bem-estar social; ou b) passar a existir uma divisão mais justa do capital acumulado por quem o detém em maior parte, ou seja, redistribuir igualitariamente o lucro.

Entretanto, percebe-se que a hipótese “b” se manifesta de forma utópica até o presente momento econômico em que o mundo se encontra, restando ao homem pós-moderno apenas a opção de se escravizar ao máximo para atingir a maior dignidade possível. Perde-se grande parte da liberdade em busca do capital para se atingir uma dignidade falaciosa. Como indivíduos os homens são egoístas, pois procuram melhorar o bem-estar pessoal consumindo bens e serviços e atingindo metas, tomando decisões, coletando informações e calculando quais ações os ajudarão a atingir as metas sem lhes custar tanto, o que pode ser colocado como a procura da maximização do bem-estar. Nesse sentido diz-se que o homem é um calculista frio e racional como já mencionado por Adam Smith em sua obra “A riqueza das nações”. (SMITH, 1988). Com efeito, a maioria dos modelos econômicos se sustentam na presunção de que as pessoas são verdadeiramente seres racionais e egoístas, o que pode ser traduzido por “homo economicus”, ou seja, o “homem econômico”. Esta ideia que se aplica a qualquer pessoa, independentemente do gênero que se tem, supõe que todo indivíduo busca maximizar seu bem-estar, baseando-se numa avaliação ponderada de todos os fatos, resumidamente, o homem prefere optar por aquilo que lhe oferece maior utilidade, ou seja, satisfação, com o menor esforço. (KISHTAINY, et al, 2013, p. 52) Fato é que o trabalho escravo existe desde a antiguidade e persiste até os dias atuais, sendo possível inferir que mudou-se apenas a condição de liberdade e a necessidade econômica, uma vez que, verdadeiramente, a escravidão é hoje apenas mais uma forma de exploração econômica que se amolda às intempéries do presente e futuro. Assim, muito embora a conotação de escravidão tenha mudado desde o passado até o presente, o sentido de sujeitar-se à algo indignamente em troca de algo de valor econômico permanece vivo. Nesse sentido

O trabalho escravo existe desde a antiguidade e infelizmente ainda persiste na sociedade contemporânea. Podemos dizer que o liame que difere a condição de trabalho escravo hoje com as condições de trabalho escravo há dois séculos não é muito expressivo, sendo apenas diferente a condição de liberdade e da necessidade econômica. A escravidão de hoje é uma forma extrema de exploração econômica, que se adaptou ao mundo global. (SCHERNOVSKI, online)

Com o aumento da necessidade de encontrar meios de subsistência cada vez mais seguros e o crescimento desenfreado da vaidade humana e consumo contumaz, novas formas

de escravidão surgem contemporaneamente, ou seja, escravidões pós-modernas que nascem com o intuito de acobertar a necessidade e o egoísmo humano insaciável. O tráfico de pessoas e crianças, seja para fins laborais ou sexuais, a imigração voluntária de indivíduos de países emergentes para países economicamente mais estáveis, a escravidão por dívida com credores cujas débitos se tornam impossíveis de serem pagos, como, por exemplo, bancos e grandes corporações e financiamento com taxas de juros astronômicas, o comércio sexual e até mesmo a compulsoriedade da prostituição profissional em determinadas profissões perante alguns mercados. Todos os exemplos supracitados são, na verdade, formas clássicas de escravidão contemporânea que se remetem à necessidade que cada indivíduo tem em atingir seu bem-estar na pós-modernidade. A auto escravização ocorre em troca de muito pouco ou quase nada se compararmos o labor ou bem oferecido por alguém ao capital adquirido por esta pessoa em troca do serviço ou produto respectivamente prestado ou oferecido. Torna-se importante perceber ao longo dos tempos que antes a escravização era compulsória. Escravizava-se contra a vontade do indivíduo que se tornava propriedade de alguém. Sabiamente, o capital, base do sistema econômico vigente na maioria dos países do mundo, percebeu que a escravidão, enquanto propriedade privada de determinadas pessoas que possuíssem riqueza, não era tão atrativa quanto a escravidão voluntária, ou seja, a auto escravidão. A escravização que ocorria contra a vontade do indivíduo passou a ser voluntária, em razão da necessidade. Retira-se a compulsoriedade e mantem-se o livre-arbítrio do indivíduo que tem que decidir entre laborar de forma indigna para sua própria subsistência, mas o faz porque quer, ou morrer de fome. Deixou-se a inoficiosa escolha ao arbítrio dos cidadãos que, ao final do dia, precisam sobreviver, e por isso se tornam voluntariamente escravos contemporâneos. Portanto, nesse contexto salienta-se que é facilmente enganado quem acredita que em tempos pós-modernos a escravidão não existe. A subordinação do homem aos interesses privados o transforma em sujeito-objeto de expropriação. A escravidão se trata de dogma social factível, não em sua forma pré-capitalista que era legalizada e permitida pelo Estado possibilitando alguns terem o domínio de indivíduos e possuí-los enquanto propriedade, mas como uma condição em que remunera-se o trabalhador minimamente, controlando-o e deixando-o dependente do sistema do capital. A criação da dependência do capital e a baixa remuneração das pessoas que se submetem a trabalhar em troca de muito pouco apenas para não morrer de fome é a expressão da escravidão pós-moderna mais clara e recorrente no mundo.

Reproduz-se a escravidão pelas atuais condições da economia que por não estar saudável gera desemprego tecnológico, crescimento das migrações e grande redução da remuneração de atividades laborais tradicionais, passando a criar um cenário favorável à escravidão. Não obstante, aponta-se que a escravidão pós-moderna ocorre tanto em âmbito nacional como em outros países, independentemente de sua evolução, pois onde se encontra a busca desenfreada pelo capital, seja esta busca efetivada por quem já o possui e ainda quer mais ou por quem quer alcançá-lo por meio do trabalho, encontra-se também focos de escravização disfarçada de trabalho. Sabe-se, entretanto, que nos países com os piores índices de distribuição de renda a escravização pós-moderna ocorre com mais intensidade e com um disfarce de legalidade muito maior do que em países cujo índice de distribuição de renda apresenta-se de maneira mais ponderada. Assim:

As formas hodiernas da escravidão estão associadas à facilidade de migração de pessoas, à má distribuição de renda e consequente onda de miséria estabelecida pelo mundo, relacionadas à procura de vantagens econômicas ilícitas. São encontradas em todas as regiões do globo, em países em desenvolvimento, países desenvolvidos e também nos excluídos do crescimento. (SCHERNOVSKI, online, grifou-se)

Portanto, a escravidão continua a existir e produzir seus efeitos nos tempos atuais. Por óbvio, subjugar o homem que tem menos à vontade do homem que tem mais é uma prática antiga que adquiriu novos hábitos capazes que aumentar ainda mais as consequências negativas da escravidão contemporânea. Mudou-se o rosto, a forma e a intensidade das relações escravocratas, porém a escravidão permanece como realidade em pleno século XXI.

2 A dignidade é mensurável?

Atualmente fala-se em dignidade como nunca se falou antes. Trata-se não apenas de um princípio jurídico modelador da sociedade em suas relações privadas e públicas, mas igualmente de um conceito a ser atingido e que é obviamente buscado por todos os indivíduos no intuito de se atingir a maximização da satisfação, do bem-estar individual. Assim, a dignidade, na verdade, pode e deve ser mensurada, principalmente porque é de caráter extremamente subjetivo, dependendo da consciência de cada ser que subjetivamente escolhe o que e o quão digno é determinada coisa ou situação. Por isso, tornase plenamente possível atrelar a ideia de busca da dignidade à escravização pós-moderna.

Trabalha-se para se conquistar os bens da vida almejados, os quais trazem a dignidade de maneira geral. Nesse sentido, a dignidade moderna também residiria no “ter” e no “estar” e não no “ser”. Dessa forma, busca-se dignidade por meio da aquisição de bens de conteúdo econômico. Trabalha-se mais por um plano de saúde melhor, melhores escolas para os filhos, melhorar a alimentação, conseguir mais lazer, estar atualizado com a tecnologia e com os produtos do mercado e, de forma clara, para aumentar o capital próprio. É exatamente aqui que reside um dos problemas da escravidão contemporânea, pois o indivíduo se torna escravo de si mesmo na busca pela dignidade que está mensurada atualmente pelo nível do bem-estar próprio. Existem cidadãos que acreditam na possibilidade utópica do Estado prover esta dignidade efetivando os preceitos constitucionais da Carta Magna de 1988, cumprindo o princípio explícito da dignidade em seu artigo 1º, III e principalmente concedendo às pessoas todos os direitos contidos no artigo 6º da Constituição Federal que expõe que: Artigo 6º, CF/88 – São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Se houvesse uma análise social voltada a encontrar o real nível de dignidade do brasileiro com base na verificação concreta do cumprimento estatal de todos os direitos elencados no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, poder-se-ia facilmente concluir que a dignidade seria pouca ou muito baixa, justamente porque o Estado não consegue prestar dignidade, que é um conceito puramente subjetivo, a todas as pessoas. Por mera hipótese, mesmo que o Estado Brasileiro conseguisse cumprir e entregar a todos seus súditos a integralidade dos direitos contemplados no artigo 6º da Carta Magna Brasileira, ainda assim poderia haver alguém a dizer que sua dignidade não está completa, uma vez que a dignidade é variável de pessoa a pessoa. Não obstante, torna-se necessário expor que direitos custam dinheiro, muito embora esses direitos se apresentam em uma órbita jurídica como uma concessão que o Estado faz ao particular, como se não existisse um valor econômico acoplado a cada direito concedido pelo Estado. A sociedade não abriu mão de seus direitos para que estes fossem administrados pelo Estado a troco de nada, pelo que expõe a ideia do Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau.

Notadamente, o Estado Brasileiro não consegue prestar a efetiva dignidade a todos seus súditos, seja porque esta é subjetiva, e por isso inatingível por um caráter objetivo, ou porque não há capital público suficiente para tanto. Assim, o particular, em busca de sua dignidade se escraviza contemporaneamente para tentar alcançá-la de acordo com seu patamar subjetivo de dignidade. Não se pode olvidar que a busca constante pela dignidade é também obstada e mitigada pelos interesses conflitantes entre detentores do capital e proletários, sendo que aqueles, visando a lucratividade infindável, restringem o acesso dos indivíduos que prestam sua força de trabalho aos bens da vida que ajudam a efetivam a maximização da dignidade. Com efeito, há importante lição de Giovani Pico Della Mirandola, em sua obra “Discurso sobre a dignidade do homem”, na qual afirma que o homem fora contemplado com o presente da liberdade, de obter o que deseja e ser aquilo que quer, dizendo para tanto: “ó suma liberdade de Deus pai, ó suma e admirável felicidade do homem! Ao qual é concedido obter o que deseja, ser aquilo que quer” (MIRANDOLA, 2006. p. XLVI). Muito embora o autor humanista revele um caráter filosófico sobre o fato de o homem pertencer a si mesmo, em tempos pós-modernos poder-se-ia dizer que o homem nunca obtém o que deseja e jamais é aquilo que quer, justamente porque escraviza-se tentando obter o que deseja e ser aquilo que quer. Portanto, a dignidade se apresenta contemporaneamente não apenas como um princípio jurídico modelador de relações, mas também como um padrão de vida a ser alcançado por todos os indivíduos que querem possuí-la plenamente, consubstanciada na maximização do bem-estar individual. Contemporaneamente, ter acesso à dignidade é ter acesso pleno ao bem-estar individual, o que obviamente advém das custas do capital escasso que gera a escravização moderna.

3 A escravidão laboral contemporânea.

Ao se falar em escravidão se torna quase impossível não vincular o termo à ideia de trabalho, ou seja, o labor. Nesse sentido, é evidente que muito embora a sociedade se encontre em um alto nível de evolução social, ainda é possível encontrar indivíduos, adultos, estrangeiros e nacionais, adolescentes e crianças laborando em formas análogas à condição de escravo. Não obstante a escravidão exista enquanto fato concreto em uma realidade social contemporânea, o ordenamento jurídico brasileiro criou a proteção para o indivíduo que se vê

em uma situação de escravidão possa se defender propriamente com a tutela criminal prevista pelo artigo 149 do Código Penal Brasileiro que expõe: Art. 149, CP – Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Assim, caso alguém submeta um indivíduo à essas condições deverá responder pelo crime de redução à condição análoga de escravo. Entretanto, é importante trazer à discussão o fato de que a chancela penal não se demonstra eficaz contra a prática da escravização contemporânea, uma vez que o crime na grande maioria das vezes é cometido por uma empresa, portanto, pessoa jurídica, que trata seu funcionário como um mero material descartável além de uma “mão-de-obra extremamente barata”, e assim o faz em razão da facilidade em substituir seu empregado por outra pessoa que quer trabalhar às vezes para receber um valor menor ainda do que aquele trabalhador anterior já colocado na condição de escravo.

3.1 O salário mínimo e a escravidão.

O salário mínimo se trata de uma proteção ao trabalhador que se insere no mercado de trabalho em busca da efetivação de sua dignidade. Portanto, em um senso lógico, se alguém oferece sua força de trabalho em um mercado por um salário mínimo, o valor econômico atribuído a este deveria abarcar todas as necessidades do trabalhador, proporcionando-lhe dignidade e segurança para adquirir os bens da vida. Em suma, todos os direitos sociais, mas também individuais, contidos no artigo 6º da Constituição Federal deveriam ser possíveis de serem adquiridos pelo valor do salário mínimo, porém tal fato se trata de mera utopia.

Ocorre que em âmbito nacional, o valor do salário mínimo é irrisório e não se ajusta à realidade brasileira quando comparado às necessidades de todos os indivíduos. O DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos trouxe em sua análise o valor do salário mínimo nominal que está atualmente em setecentos e oitenta e oito reais (R$ 788,00) e o valor do salário mínimo necessário que em fevereiro de 2015 ficou calculado em três mil, cento e oitenta e dois reais e oitenta e um centavos (R$ 3.182,81). (DIEESE, online). Assim, para que o brasileiro pudesse encontrar a dignidade por meio de seu trabalho, pela análise feita pelo DIEESE, o trabalhador deveria receber o salário mínimo quase cinco vezes maior do que recebe atualmente. Obviamente, trata-se de uma estatística com base no valor dos bens e produtos a serem utilizados pela sociedade e, por certo, o país não comporta uma estrutura salarial desta magnitude. Portanto, para que o valor mensal a ser recebido seja maior do que o valor do salário mínimo, muitas pessoas trabalham mais, fazendo horas extras, trabalhando em um segundo emprego ou procurando um outro trabalho autônomo, além do vínculo que possui com a empresa em que trabalha, para poder completar a renda mensal. Essa situação denota com clareza a submissão voluntária do indivíduo à condição de escravo pós-moderno na busca por mais dignidade. No mundo jurídico da atualidade é possível nos deparamos por diversas vezes com condenações judiciais e contratos que trazem a vinculação do salário mínimo como indexador, o que é vedado pela Constituição, maculando o ato jurídico que nele se baseia, conforme expressa o artigo 7º da CF/88 que expõe:

Art. 7° - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além dos outros que visem à melhoria de sua condição social: IV – salário-mínimo, fixado em lei nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de suas família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (grifou-se).

O grande problema é que esta norma constitucional de caráter social deve ser enquadrada enquanto norma de eficácia plena, portanto, de aplicabilidade imediata. Entretanto, verifica-se atualmente que a norma constitucional supracitada não passa de uma

intenção utópica do legislador cuja mens legis possui o intuito de proteger o trabalhador, o que não ocorre na realidade. Fato é que atualmente o salário mínimo do brasileiro não consegue cobrir sequer um terço (1/3) desses direitos. Não obstante, o brasileiro comum, que trabalha e recebe seu salário mínimo precisa encarar a dura realidade de não ter renda o suficiente para adquirir com qualidade todos os direitos expressos no artigo 7º, IV da Constituição Federal, e, portanto, se vê obrigado a utilizar os serviços públicos brasileiros contemporâneos de qualidade extremamente duvidosa. Em outras palavras, não tem qualidade de vida em razão da baixa renda e pelo fato de o Estado prestar um serviço público de baixa qualidade. Todas essas razões contribuem para que o brasileiro se caracterize como escravo pós-moderno. Denota-se claramente a discrepância entre força de trabalho e remuneração, a qual não ajuda a efetivar a dignidade do trabalhador. Não obstante já não fosse maléfico suficiente a diferença entre remuneração e trabalho, o trabalhador ainda confronta com outros tipos de escravização nos tempos atuais, os quais serão verificados a seguir.

4 A permanência da escravidão contratual pós Código de Defesa do Consumidor.

Uma nova modalidade de escravidão, por vezes legalizada, se refere aos novos contratos de adesão que sujeitam o seu contratante a cumprir normas pactuadas de caráter abusivo e que prejudicam o particular, hipossuficiente da relação, de forma clara, muito embora nada seja feito para a proteção efetiva do consumidor ou usuário do serviço ou produto. Fala-se em liberdade contratual como um princípio do Direito dos Contratos e que o contrato só existe porque as partes deliberaram sobre um objeto, negócio jurídico realizado, estando ambas em acordo sobre a sua prestação, fornecimento e valores. Ocorre que, por vezes, não há liberdade contratual quando o usuário do produto ou serviço se vê contratando com uma grande empresa. Questões como tempo mínimo de fidelidade e venda casada de produtos são atualmente pontos escravizantes para o consumidor, que é subjugado à vontade da outra parte que oferece o produto, e na dependência de adquirir aquele bem, se torna escravo da pessoa jurídica com que celebrou o contrato de adesão. Se por um lado argumenta-se que não se trata de uma forma civil de escravidão legalizada e pós-moderna porque o contratante pode cancelar o contrato de prestação de serviço ou produto quando quiser, por outro, é notadamente compelido a não fazê-lo por um

determinado prazo em razão de multas pesadas a serem aplicadas, advindas do cancelamento do contrato de adesão feito para a prestação de um serviço ou produto. Os contratos de adesão possuem características como a uniformidade, a predeterminação unilateral, que poderia ser conhecida como imposição de vontade, a rigidez que precisamente o transforma em um contrato indiscutível e a posição de vantagem, ou seja, a superioridade material de uma das partes. (GAGLIANO, 2006, p. 122-123). Com todas essas características, as quais são válidas em razão de ser um tipo de contrato aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro, não poderia ser diferente a possibilidade de escravização indireta do consumidor que, ao assinar um contrato de adesão, se vê refém daquele por não poder exercer sua liberdade contratual sem consequências econômicas vinculadas à sua escolha de resolver o contrato. Por óbvio não se defende a possibilidade de resilição unilateral por parte do consumidor sem nenhum aviso à empresa. O que se busca é a possibilidade de sempre haver uma resilição bilateral mais justa entre consumidor e prestador de serviço, para que assim não exista a escravização do consumidor frente a produtos e serviços ofertados por determinada empresa.

5 A escravidão do capital: vidas reféns do consumo.

A escravidão possui

várias

formas de se manifestar na sociedade, e

contemporaneamente, a forma menos evidente de escravidão, porém com maior ocorrência é o consumismo praticado pelos indivíduos habitantes do mundo pós-moderno que se constrói com base na era do consumo. Descarta-se qualquer coisa e a substitui por qualquer outra coisa em nome da praticidade e do consumo. É inegável que a evolução trouxe seus pontos positivos, e, com isso a facilidade de substituição de algo e o acesso a bens se tornaram mais fáceis para o homem pós-moderno. Entretanto, essa evolução trouxe também pontos negativos como a criação da dependência do consumo, o que se tornou uma forma de escravidão. Zygmunt Bauman (2008) em sua obra “Vida para consumo” expõe com clareza sobre a transformação da sociedade de uma classe produtora a uma classe consumidora. Antigamente, esperava-se, economizava-se para poder ter acesso a um bem de consumo desejado. A sociedade era mais prudente em tempos de outrora quanto à questão do consumo. Atualmente, cartões de crédito, parcelamentos, financiamentos e qualquer modalidade de compra a prazo se tornaram uma anátema social, pois fomentam o consumo e depois

escravizam as pessoas para honrarem seus compromissos excessivos adquiridos em razão da facilidade do crédito. Não obstante, a sociedade se encontra em um momento líquido em que nada é feito para durar. Compra-se mais, adquire-se mais, relaciona-se mais e, por óbvio, descarta-se mais para disfarçar a inquietude do ser humano pós-moderno. Novamente, como Bauman (2007) afirma categoricamente, as relações humanas se misturam e se condensam com laços momentâneos, frágeis e volúveis, num mundo cada vez mais dinâmico, fluído e veloz, seja este mundo real ou virtual. O homem consome atualmente para se sentir bem, não porque precisa, e nesse diapasão se torna escravo de si mesmo pela necessidade em consumir por prazer, pelo próprio ato em si. Hoje é possível consumir sem sair de casa, com um clique, pelo celular, deitado na cama do quarto. A verdade é que o consumo antes existia para se suprir uma necessidade básica, hoje se tornou um vício, pela própria ambição e egoísmo humano. Quer-se sempre mais, pois o suficiente não mais basta. Assim, o consumismo se tornou verdadeiramente uma escravidão dupla, pois o homem consome exacerbadamente e sem necessidade (escravidão do consumo) e depois se escraviza novamente na busca da aquisição da renda para poder pagar pelo consumo demasiado (escravidão do trabalho). Portanto, torna-se evidente que o consumo se tornou a forma mais algoz de escravidão pós-moderna.

5.1 A escravidão tecnológica.

De forma diretamente atrelada à escravidão pelo consumo, a escravidão tecnológica se tornou uma verdade dogmática na contemporaneidade. Torna-se quase impossível encontrar pessoas que não estão vinculadas à modernidade extrema atualmente. Celulares que falam, fazem pesquisa por comando de voz, pagam contas, editam fotos, enviam mensagens, e-mails, e desempenham quase todas as funções de um computador. A internet tem sua grande parcela de culpa no aumento da tecnologia e na escravidão que esta produz. Em tempos de outrora, era possível encontrar usuários de internet apenas nos finais de semana e com uso restrito, limitado a um pacote de internet lento. Hoje, com a evolução tecnológica, todas as pessoas, ou pelo menos grande maioria delas, se encontram vinculadas à intenet 24 horas por dia. A era da comunicação social online está presente. De facebook a whatsapp ou qualquer aplicativo que nos remonte à comunicação entre pessoas. Ficou mais fácil ter muitos

amigos virtuais. Verdadeiramente, ficou mais fácil se relacionar socialmente pela rede de computadores. Com um clique é possível se tornar amigo de alguém e com o mesmo clique é possível acabar a amizade. A fluidez das relações sociais aumentaram, as relações interpessoais se tornaram mais líquidas, e com isso todo o contato pessoal se tornou mais escasso, seja porque é mais seguro ou mais cômodo se relacionar pela internet do que se relacionar à maneira tradicional. (BAUMAN, 2004) Todas estas inovações tecnológicas tornaram as pessoas escravas da tecnologia. Atualmente o mundo se encontra em um nível de evolução tecnológica tão alto que é praticamente impossível encontrar alguém que não esteja vinculado à tecnologia de maneira a depender dela para sua felicidade mascarada de dignidade. Por óbvio, reflexos positivos existem como a comodidade de se relacionar, fazer compras, pagar contas, receber mensagens, ler notícias, ver pessoas que estão em outros países e fazer reuniões via internet. Entretanto, reflexos negativos também são facilmente detectados dentro da evolução tecnológica, como o fomento ao consumo rápido e fácil e a criação de dependência para com o meio virtual. Questões como essas escravizam o ser humano de maneira indireta e de difícil percepção social.

6 A ausência de liberdade econômica e a alta tributação como uma forma de escravidão.

Outra forma de escravidão também disfarçada de legalidade pelo Estado de BemEstar Social que se mantém ativa desde tempos mais remotos é a intervenção estatal no salário do indivíduo com a compulsoriedade previdenciária, a retirada de outras verbas e a tributação desigual e injusta. Atualmente no Brasil, qualquer empresa detentora de capital que contrate um empregado que ofereça sua força de trabalho ao setor privado, deverá pagá-lo o valor estipulado no contrato de trabalho e sobre a receita do trabalhador haverá descontos previdenciários compulsórios no montante de 8%, 9% ou 11%, limitando-se sua incidência ao valor teto da previdência social, atualmente estipulado em R$ 4.663,75 (quatro mil, seiscentos e sessenta e três reais e setenta e cinco centavos). (PREVIDÊNCIA, online). Além desses descontos, haverão ainda deduções como contribuição sindical e o IRPF – Imposto de Renda da Pessoa Física cujas alíquotas variam entre 7,5%, 15,0%, 22,5% e 27,5% sobre as respectivas rendas tributadas. (RECEITA, online). Muito embora não seja feito em forma de desconto da renda mensal do trabalhador, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, FGTS, é depositado na conta daquele,

mensalmente, referente a 8% da remuneração mensal do empregado, incidindo também sobre o 13º salário e sobre o adicional de 1/3 de férias, e lá fica depositado e retido até que o empregado se enquadre em uma das opções de possibilidade de levantamento do valor depositado. Ocorre que o FGTS, assim como tudo o que foi corrigido pela Taxa Referencial (TR) entre 1991 e 2013, ficou abaixo do índice de inflação, o que significa uma perda real da chance de utilizar o dinheiro para operações mais lucrativas para o titular da verba do FGTS. Os sindicatos dos trabalhadores brigam para que a correção dos valores depositados em conta do empregado a título de FGTS siga o INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor e não a Taxa Referencial, uma vez que o INPC é efetivamente um indexador mais justo, pois acompanha o índice de inflação. (FGTS, online). Portanto, descontos na folha de pagamento do trabalhador feitos em razão da previdência social compulsória, uma tributação elevada e indiretamente injusta, taxas de correção monetária de valores que pertencem aos trabalhadores com impedimento de levantamento em caso determinados casos, como no do FGTS, e contribuições sindicais afetam efetivamente o poder de aquisição do brasileiro e de igual forma a possibilidade do trabalhador de maximizar o seu bem estar. Fala-se na necessidade de que as pessoas que se encontram ativas contribuam para o Seguro Social para poder dar dignidade àquelas que não mais podem contribuir e/ou trabalhar. Ocorre que este sistema de coletivizar os ganhos se demonstra falho a longo prazo, justamente porque não há liberdade para que o trabalhador empregue sua renda como queira. (FURTADO, online). O excesso de descontos e a falta de liberdade econômica ajuda a propiciar um cenário escravizador em que o empregado necessita trabalhar mais para poder ter acesso à sua renda líquida mais elevada para poder adquirir os bens da vida que almeja e, assim, maximizar seu bem-estar efetivando sua dignidade, já que cerca de 40% do seu salário bruto pode ficar retido na cumulação dos descontos previdenciários, tributários, contribuições sindicais e a atualização abaixo da inflação do valor depositado em sua conta a título de FGTS.

7 O erro da função social na propriedade privada.

Atribuir função social à propriedade privada nada mais é do que, em outros termos, coletivizá-la. Se algo é coletivizado, esta coletivização impede que as pessoas ajam com benevolência, pois não podem ser generosas se não tem nada para dar. Igualmente a

propriedade coletivizada dá um pequeno incentivo para que os indivíduos negociem e invistam, gerando mais riqueza e prosperidade para se atingir a dignidade e maximizar o bemestar próprio e também coletivo. Ademais, fato é que ninguém mantém a propriedade coletivizada, uma vez que todos agem em interesse próprio, pressupondo que alguém, geralmente acreditam que esse alguém é o Estado, tomará conta dela. Todos esses aspectos criam na verdade um óbice à emancipação do indivíduo enquanto pessoa dotada de força de trabalho capaz de produzir riqueza e em contrapartida ser remunerado para poder ter acesso aos bens da vida que necessita para atingir sua tão almejada dignidade. Coletivizar a propriedade privada implica para todas as pessoas em um início de escravidão coletiva em que todos se escravizam para não obterem algo próprio, justamente porque tal fato tolhe a liberdade dos indivíduos. A propriedade privada é fundamental para o capitalismo e ferramenta clássica contra a escravidão, desde que esta seja tangível a todos. Sem a ideia de propriedade privada não há a ideia de ganho pessoal – não há nem razão para entrar no mercado. Na verdade, não existe mercado. (KISHTAINY, et al., 2013). Portanto, esclarece-se que a coletivização da propriedade privada também poderá causar a escravização, exatamente pela falta de liberdade em poder se tornar proprietário, ou seja, de não existir a possibilidade de se ter o domínio pleno sobre algo, que, por vezes, sofre mitigação social compulsória do Estado, tolhendo os direitos de liberdade e propriedade. Com efeito, percebe-se que no mundo pós-moderno, a propriedade se tornou sinônimo de liberdade, e portanto, restringir aquela seria, por razoabilidade prática, restringir também o nível de liberdade da sociedade.

8 Reflexões finais

Ao se refletir sobre a escravidão contemporânea que ocorre na idade pós-moderna, percebe-se que muito embora a forma clássica de escravidão em que se transformava o homem em propriedade, em mercadoria de compra, venda e escambo foi banida a tempos, ainda é possível encontrar várias outras formas de escravidão pós-moderna. O homem na constante busca pelo capital e, por consequência, pela dignidade acaba se escravizando de outras formas que não a tradicional. Torna-se escravo da vida, do capital, do trabalho, do consumo e de qualquer coisa que seja necessário para se atingir a dignidade tão almejada.

Influi-se, assim, que a dignidade buscada pelos indivíduos será efetivamente encontrada na percepção do capital, no acúmulo deste e na sua utilização para adquirir os bens da vida capazes de maximizar o bem-estar individual e para que se atinja plenamente o capital da forma desejada os indivíduos se escravizam voluntariamente. Percebe-se que existe também uma relação direta entre salário e escravidão, sendo que se aquele não for atualizado de acordo com a realidade social e econômica do país em que é especificado, a escravidão prevalecerá. Inobstante, a liberdade econômica também se denota importante para atingir a dignidade individual e com isso quebrar com o condão da escravidão pós-moderna, verificando que o Estado não deve fazer descontos altos referente ao salário do trabalhador, pois se assim o fizer, o empregado se escravizará para tentar maximizar seu ganho, tentando aumentar seu capital para adquirir os bens da vida almejados por ele. Verificou-se igualmente, que o consumo e a tecnologia também são fatores escravizantes modernos, que criam dependência no indivíduo no que se refere à possibilidade de sempre adquirir mais e se tornar mais tecnológico do que algum dia já se foi. A busca pelo consumo desnecessário e desenfreado e o acesso constante à tecnologia também podem escravizar os indivíduos. Por último, deixa-se evidente que a propriedade privada é, na verdade, um dos meios de se garantir a liberdade dentro de um mercado, atuando contra a escravidão. Ao coletivizar a propriedade privada o Estado torna todos os seus súditos em escravos indiretos. Trabalha-se não para atingir a dignidade individual almejada, mas sim para manter um sistema que tenta transformar a escravidão em um sistema ad aeternum, sem conceder a liberdade aos indivíduos. Fato é que em tempos atuais, propriedade privada e capital se tornaram sinônimos de dignidade e liberdade.

9 Referências: BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. ______. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. ______. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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